RESUMO: O presente artigo trata acerca da possibilidade dos Tribunais de Contas estaduais exercerem controle abstrato de constitucionalidade de leis hígidas, válidas e com presunção de legalidade. Analisa-se a permissão concedida pela Súmula 347, a qual, de acordo com os entendimentos jurisprudências recentes, encontra-se superada, porém, como não há revogação expressa, continua sendo utilizada pelos órgãos de controle para negar executoriedade às leis que julgam ser inconstitucionais. Por consequência, será abordada a violação à Súmula Vinculante nº 10, por via transversa. A finalidade do presente trabalho é estabelecer reflexões sobre a questão, sem, contudo, esgotar o tema.
Palavras-chave: Constitucional; Tribunais de Contas; Controle de constitucionalidade.
ABSTRACT: The present article deals with the possibility of state Courts of Auditors to exercise abstract control of constitutionality of sound, valid and presumed legality laws. The permission granted by Precedent 347 is analyzed, which, according to the recent jurisprudence understandings, is surpassed, however, as there is no express revocation, it is still used by the control agencies to deny enforceability to the laws that they consider to be unconstitutional. . As a consequence, violation of Binding Precedent No. 10 will be dealt with.
Keywords: Constitutional; Court of Auditors; Constitutionality control.
1. INTRODUÇÃO
Diante da promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, há evidências de que a Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal que, permite o controle de constitucionalidade exercido incidentalmente pelos Tribunais de Contas, encontra-se superada.
No entanto, tendo em vista a ausência de revogação expressa, dúvidas levantam-se quanto sua aplicabilidade e validade diante da realidade atual sobre as permissões constitucionais para se efetivar a declaração de inconstitucionalidade, tanto a incidental, quanto a concentrada, a qual foi conferida exclusivamente ao Poder Judiciário.
O contexto histórico demonstra que referida Súmula foi criada na vigência da Constituição Federal de 1946, quando era permitida admitia-se “a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional” ((https://jus.com.br/artigos/68406/controle-de-constitucionalidade-exercido-incidentalmente-pelos-tribunais-de-contas)
Em contrapartida, a Súmula Vinculante nº 10 é clara em estabelecer que, “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou em diversos precedentes no sentido de que, o afastamento de aplicação de dispositivo legal por fundamento constitucional viola a Súmula Vinculante 10.
Desse modo, por se tratar de assunto controverso, pretende-se através de compilados jurisprudenciais, pretende-se defender o posicionamento acerca do não cabimento por parte dos Tribunais de Contas de exercer controle de constitucionalidades, quer pela superação da Súmula 347/STF, quer pela aplicabilidade da Súmula Vinculante nº 10.
2. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS NA APRECIAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS E ATOS NORMATIVOS AUTORIZADO PELA SÚMULA Nº 347/STF E O ENTENDIMENTO ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Sobre o tema acima delimitado, constata-se pela análise da Constituição Federal que não há nenhum dispositivo que autorize expressamente, os Tribunais de Contas, que têm natureza fiscalizadora, de controle externo, sobre o patrimônio público, a afastar leis ou atos normativos que considerem inconstitucionais.
Embora não haja tal previsão na Carta Magna, fato é que essa possibilidade remanesce do verbete sumular nº 347 do Supremo Tribunal Federal, que possibilita ao “Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.
Todavia, à luz da mais recente compreensão do papel do Poder Judiciário no âmbito do controle de constitucionalidade, tal entendimento encontra-se superado
Diante da Constituição Federal de 1988, iniciaram-se os embates sobre a subsistência da referida súmula. Ministros do STF como, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski sustentam que a súmula resta superada e fundamentam suas teses no fato de que esta foi aprovada “num contexto constitucional totalmente diferente do atual”. Assim, com o advento da Constituição de 1988 e a possibilidade do controle de constitucionalidade abstrato, não haveria mais a necessidade da súmula, visto que qualquer questão considerada inconstitucional poderia ser apreciada pelo STF.
No julgamento do Mandado de Segurança nº 25.888, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, entendeu que o Tribunal de Contas não possui competência no art. 71 da Constituição Federal para declarar artigo de lei inconstitucional. Aduziu que a súmula 347 do STF foi inserida no ordenamento jurídico em contexto constitucional divergente do atual. Dessa forma, asseverou nos seguintes termos:
Assim, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de Contas da União, do art. 67 da Lei nº 9.478/97, e do Decreto nº 2.745/98, obrigando a Petrobrás, conseqüentemente, a cumprir as exigências da Lei nº 8.666/93, parece estar em confronto com normas constitucionais, mormente as que traduzem o princípio da legalidade, as que delimitam as competências do TCU (art. 71), assim como aquelas que conformam o regime de exploração da atividade econômica do petróleo (art. 177). Não me impressiona o teor da Súmula n. 347 desta Corte, segundo o qual "o Tribunal de Contas, o exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público". A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional nº 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional. No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988.
No mesmo entendimento, o Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.410, também afastou a possibilidade de o Tribunal de Contas exercer a apreciação da constitucionalidade de normas, vejamos:
Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 desta Corte, segundo o qual “o Tribunal de Contas, o exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional.” (STF, MS 26410 MC/DF, relator Ministro Ricardo Lewandowski, j. 15/02/2007).
De igual modo, o Mandado de Segurança de n. 27744/DF, em que figura como Relator o Ministro Eros Grau, discute a possibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP - exercer controle de constitucionalidade em decisões administrativas tomadas pelo órgão.
Em sua fundamentação, o Ministro sustentou a tese de que a declaração de inconstitucionalidade seria uma atuação exclusiva do Poder Judiciário, como se vislumbra a seguir:
A declaração de inaplicabilidade do preceito aos casos concretos e às hipóteses futuras é expressiva do exercício de controle concentrado de constitucionalidade pelo Conselho Nacional do Ministério Público, órgão administrativo que não detém competência para tanto. O próprio relator do PCA o reconhece ao negar seguimento ao pedido por considerar que embute pretensão de exercício de controle concentrado de constitucionalidade. A jurisprudência desta Corte recusa o exercício de controle de constitucionalidade por órgãos administrativos.
Nesse aspecto, o STF tem se posicionado de forma crescente e contínua no sentido de que não cabe a outros órgãos que não exercem função jurisdicional apreciarem ou não a constitucionalidade de lei para sua aplicação. E, como sabido, o Tribunal de Contas possui natureza jurídica de órgão administrativo, técnico, de controle e auxiliar do Poder Legislativo. Ou seja, não é investido de caráter jurisdicional.
Contudo, o Tribunal de Contas, ao negar executoriedade de lei ou ato normativo, está exercendo controle de constitucionalidade. Ou seja, está atuando de forma contrária aos constantes posicionamentos do Supremo Tribunal Federal. Inclusive, contrária à Constituição Federal, que não outorga, em seu artigo 71, competência a este Tribunal para apreciar a constitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público.
A Corte de Contas ao utiliza-se do “suposto controle de legalidade” para exercer controle de constitucionalidade, na verdade, pauta-se em verdadeiro juízo de compatibilidade de atos administrativos em face da Constituição.
O juízo de “negativa de executoriedade” transveste-se em violação a Súmula Vinculante nº 10 e em juízo de controle de constitucionalidade de Lei Estadual. Isso por que determina que o Jurisdicionado atue contrariamente ao que determina Lei Estadual vigente e válida.
Em decisão liminar exarada pelo Ministro Alexandre de Moraes no Mandado de Segurança nº 35.410/DF, reabriu-se a discussão acerca da subsistência do verbete:
[…]
Na presente hipótese, são relevantes os fundamentos do mandado de segurança quanto à plausibilidade do direito. Dentro da perspectiva constitucional inaugurada em 1988, o Tribunal de Contas da União é órgão técnico de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, cuja competência é delimitada pelo artigo 71 do texto constitucional, a seguir transcrito:
[…]
É inconcebível, portanto, a hipótese do Tribunal de Contas da União, órgão sem qualquer função jurisdicional, permanecer a exercer controle difuso de constitucionalidade nos julgamentos de seus processos, sob o pretenso argumento de que lhe seja permitido em virtude do conteúdo da Súmula 347 do STF, editada em 1963, cuja subsistência, obviamente, ficou comprometida pela promulgação da Constituição Federal de 1988. Eis o teor do referido enunciado: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.
Com efeito, os fundamentos que afastam do Tribunal de Contas da União – TCU a prerrogativa do exercício do controle incidental de constitucionalidade são semelhantes, mutatis mutandis, ao mesmo impedimento, segundo afirmei, em relação ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ (DIREITO CONSTITUCIONAL. 33. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 563 e seguintes):
O exercício dessa competência jurisdicional pelo CNJ acarretaria triplo desrespeito ao texto maior, atentando tanto contra o Poder Legislativo, quanto contra as próprias competências jurisdicionais do Judiciário e as competências privativas de nossa Corte Suprema.
O desrespeito do CNJ em relação ao Poder Judiciário se consubstanciaria no alargamento de suas competências administrativas originárias, pois estaria usurpando função constitucional atribuída aos juízes e tribunais (função jurisdicional) e ignorando expressa competência do próprio Supremo Tribunal Federal (“guardião da Constituição”). A declaração incidental de inconstitucionalidade ou, conforme denominação do Chief Justice Marshall (1 Chanch 137 – 1803 – Marbury v. Madison), a ampla revisão judicial, somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juízo.
Trata-se, portanto, de excepcionalidade concedida somente aos órgãos exercentes de função jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na separação de poderes e não extensível a qualquer outro órgão administrativo (cf. Henry Abraham, Thomas Cooley, Lawrence Baum, Bernard Shawartz, Carl Brent Swisher, Kermit L. Hall, Jethro Lieberman, Herman Pritchett, Robert Goldwin, entre outros). (…)
Não bastasse a configuração do desrespeito à função jurisdicional e a competência exclusiva do STF, essa hipótese fere as funções do Legislativo, pois a possibilidade do CNJ declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público incidentalmente em seus procedimentos administrativos atentaria frontalmente contra os mecanismos recíprocos de freios e contrapesos (check and balances) estabelecidos no texto constitucional como pilares à Separação de Poderes, e que se consubstancia em cláusula pétrea em nosso sistema normativo, nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, III, da Constituição Federal, pois ausente a necessária legitimidade constitucional a que esse, ou qualquer outro órgão administrativo, possa afastar leis devidamente emanadas pelo Poder Legislativo. (…)
Trata-se da efetivação da ideia de Hans Kelsen, exposta por este em artigo publicado em 1930 (Quem deve ser o guardião da Constituição?), onde defendeu a existência de uma Justiça constitucional como meio adequado de garantia da essência da Democracia, efetivando a proteção de todos os grupos sociais – proteção contra majoritária – e contribuindo com a paz social, pois a Assembleia Nacional Constituinte consagrou nosso Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, como guardião final do texto constitucional, e o Supremo Tribunal Federal como seu maior intérprete, protegendo essa escolha com o manto da cláusula pétrea da separação de Poderes (Constituição Federal, artigo 60, parágrafo 4o, III).
Haveria nessa hipótese inaceitável subversão constitucional, pois o texto constitucional não prevê essa competência jurisdicional ao Conselho Nacional de Justiça, que, igualmente, não se submete às regras de freios e contrapesos previstas pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal Federal para interpretar seu texto (legitimidade taxativa, pertinência temática, cláusula de reserva de plenário, quórum qualificado para modulação dos efeitos, quórum qualificado para edição de súmulas vinculantes, entre outros), e que acabam por ponderar, balancear e limitar esse poder.
A Constituição Federal não permite, sob pena de desrespeito aos artigos 52, inciso X, 102, I, “a” e 103-B, ao Conselho Nacional de Justiça o exercício do controle difuso de constitucionalidade, mesmo que, repita-se, seja eufemisticamente denominado de competência administrativa de deixar de aplicar a lei vigente e eficaz no caso concreto com reflexos para os órgãos da Magistratura submetidos ao procedimento administrativo, sob o argumento de zelar pela observância dos princípios da administração pública e pela legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, pois representaria usurpação de função jurisdicional, invasão à competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal e desrespeito ao Poder Legislativo. (DIREITO CONSTITUCIONAL. 33. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 563 e seguintes). (STF, MS 35410/DF, Relator Ministro Alexandre de Moraes, j. em 15/12/2017).
Em sua decisão, ainda citou diversos precedentes daquela Corte, a saber: MS 25.888 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 22/3/2006; MS 29.123 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 2/9/2010; MS 28.745 MC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, julgado em 6/5/2010; MS 27.796 MC, Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgado em 27/1/2009; MS 27.337, Rel Min. EROS GRAU, julgado em 21/5/2008; MS 26.783 MC-ED, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 5/12/2011; MS 27.743 MC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 1º/12/2008.
Ainda, mais recentemente (08/01/2020) o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, no Mandado de Segurança nº 36879 acatou pedido de urgência do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO) para suspender acórdão que havia determinado ao tribunal estadual a restituição de R$ 11.760.716,82 ao Fundo de Informatização, Edificação e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários.
A solicitação, feita no referido MS, deve-se ao fato de o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RO) ter declarado ilegal o ato de transferência de recursos do Fundo para pagamento de despesas de servidores e membros do Poder Judiciário do estado. O presidente do TJ informou que sua gestão para o biênio 2018/2019 executou o orçamento de 2018 com R$ 12.550.341,69 de déficit, o que o motivou a solicitar, em 26/9/2018, suplementação de recursos ao governador do estado. O pedido, no entanto, foi negado.
O Tribunal de Justiça, então, encaminhou projeto de lei à Assembleia Legislativa para autorizar a transferência de recursos do fundo para a fonte de recursos ordinários, viabilizando o pagamento de despesas. A lei foi publicada com em 12/12/2018.
Ao conceder a liminar, Dias Toffoli citou a existência de precedentes recentes que apontam para a impossibilidade de o Tribunal de Contas exercer controle difuso de constitucionalidade nos julgamentos de seus feitos ou que questionam a própria subsistência da Súmula 347 do STF. Entre eles, citou a decisão proferida nos autos do MS 35410 pelo relator, ministro Alexandre de Moraes.
3. SÚMULA VINCULANTE Nº 10
Tal Súmula, assim preconiza: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
Nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou em diversos precedentes no sentido de que, o afastamento de aplicação de dispositivo legal por fundamento constitucional viola a Súmula Vinculante 10:
[...] tem-se que o caso dos autos fornece suporte fático para a incidência da Súmula Vinculante 10 do STF. Isso porque o ato reclamado, ao entender que os honorários de sucumbência, nas causas em que a Fazenda Pública for vencedora, não pertencem aos advogados que patrocinaram a causa, mas ao erário, por constituírem verba pública, declarou expressamente a inconstitucionalidade da norma especial de regência aplicável ao caso, qual seja, a Lei municipal 3.046, de 22 de julho de 2014 (arts. 1º e 5º), sem a observância do que determina o art. 97 da Constituição Federal. Assim, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que há violação à cláusula de reserva de plenário quando a decisão de órgão fracionário afasta a aplicação da norma legal em razão de sua inconstitucionalidade, conforme verificado no caso concreto. (Rcl 23.646, rel. min. Edson Fachin, dec. monocrática, j. 8-11-2016, DJE 239 de 10-11-2016).
[...] com base em fundamentos extraídos da Constituição Federal, o órgão fracionário da Corte reclamada afastou, em parte, a aplicação do art. 5º, II, da Lei 7.347/1985, com redação da Lei 11.448/2007, o qual legitima a propositura de ação civil pública pela Defensoria Pública: “Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I — o Ministério Público; II — a Defensoria Pública”. Assim, ao afastar, com espeque na Constituição da República, a aplicação do dispositivo supracitado, sem a observância da cláusula de reserva de plenário, o acórdão reclamado contrariou, inegavelmente, o enunciado da Súmula Vinculante 10. Destaco que esta Suprema Corte, em 7-5-2015, julgou improcedente a ADI 3.943, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, em que questionada a inconstitucionalidade do art. 5º, II, da Lei 7.347/1985. Registro que, no referido julgamento, foi afastada a interpretação adotada na decisão reclamada, que condiciona a atuação da Defensoria Pública, diante de situação justificadora do ajuizamento de ação civil pública, à comprovação prévia da pobreza do público-alvo. (Rcl 17.744 AgR, voto da rel. min. Rosa Weber, 1ª T, j. 15-3-2016, DJE 72 de 18-4-2016).
1. A violação ao princípio da reserva de plenário se configura quando uma norma é declarada inconstitucional ou tem sua aplicação negada pelo Tribunal de origem sob fundamento extraído da Carta Magna, conforme disposto pela Súmula Vinculante nº 10 (“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”). 2. In casu, a negativa de aplicação do dispositivo do Código Civil se deu por fundamento constitucional, isto é, por sua suposta incompatibilidade com o art. 217, I, da CRFB/88, representando verdadeira declaração velada de inconstitucionalidade por órgão fracionário e revelando ofensa à Súmula Vinculante nº 10. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (Rcl 11.760 AgR, voto do rel. min. Luiz Fux, 1ª T, j. 23-2-2016, DJE de 14-3-2016).
Nesse último precedente, o Ministro relator ainda acrescentou:
[...]
Por fim, não se desconhecem os precedentes juntados pelo agravante no sentido de que “o princípio da reserva de plenário resta indene nas hipóteses em que não há declaração de inconstitucionalidade por órgão fracionário do Tribunal de origem, mas apenas a interpretação e a conclusão de que a lei invocada não é aplicável ao caso em apreço” (ARE 676006-AgR, rel. min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 6/6/2012. Entretanto, trata-se de hipótese diversa à que configurada no presente caso, visto que não se trata de mera interpretação de não aplicabilidade de lei ou dispositivo a determinada situação concreta.
Com este arremate, sabe-se que em muitas situações, os TCEs estaduais não pretendem apenas fazer interpretação de lei, mas de modo explícito declaram sua incompatibilidade com dispositivos constitucionais, negando, desse modo, executoriedade à Lei que não atendeu tal parâmetro.
Manifesto, portanto, a ocorrência de hipótese de ofensa à Súmula Vinculante nº 10 em tais julgamentos, ainda que de modo velado, conforme mencionado no precedente acima do Ministro Luiz Fux.
Ademais, vale ressaltar que obstante os Tribunais de Contas entendam que, não há se falar em incompetência da Corte de Contas para negar a executoriedade de lei, no controle de validade de atos administrativos, submetidos à sua apreciação, a questão é controversa, pois como visto acima o STF tem se manifestado veementemente acerca da superação da Súmula 347.
4. CONCLUSÕES
Por tudo o que foi exposto, conclui-se que:
O entendimento atual tem se posicionado no sentido de que não cabe aos Tribunais de Contas, exercerem controle de constitucionalidades, quer pela superação da Súmula 347/STF, quer pela aplicabilidade da Súmula Vinculante nº 10;
Ao fundamento de fazer interpretação de lei, explicitamente as Cortes de Contas declaram sua incompatibilidade dispositivos constitucionais e negam executoriedade à leis que não atendem parâmetro constitucional, em verdadeira ofensa á Súmula Vinculante nº 10, ainda que de modo obducto.
REFERÊNCIAS
MARTINS DE MORAIS, Michel. Controle de Constitucionalidade exercido incidentalmente pelos tribunais de contas. Da subsistência da Súmula 347 do STF após a promulgação da Constituição de 1988. Disponível em https://jus.com.br/artigos/68406/controle-de-constitucionalidade-exercido-incidentalmente-pelos-tribunais-de-contas. 2018.
Pós-Graduada em Direito Constitucional e Direito Público. Assessora de Desembargador da Câmara Especial (Direito Público) do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Joana Ferraz do. Da (in)competência do Tribunal de Contas Estadual em exercer o controle de constitucionalidade de lei estadual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54229/da-in-competncia-do-tribunal-de-contas-estadual-em-exercer-o-controle-de-constitucionalidade-de-lei-estadual. Acesso em: 23 dez 2024.
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