RESUMO: A preocupação básica deste estudo reside na previsão da medida cautelar fiscal como meio de satisfação do crédito tributário, bem como nos impactos resultantes da edição da Lei 13.606, que criou mecanismos de coerção para satisfação do débito na esfera administrativa. Questiona-se acerca da constitucionalidade das alterações sofridas pela Lei 10.522/02, alterada pela Lei 13.606, mais especificamente em seus artigos 20-B-§3.º-II e 20-E. Desse modo, a presente pesquisa tem como objetivo analisar se, após as alterações legislativas, a medida cautelar fiscal se mantém como mecanismo útil à satisfação de créditos da Fazenda Pública. Assim, para o desenvolvimento deste estudo, o principal método utilizado foi o descritivo, sendo que a abordagem adotada foi a qualitativa. A indisponibilidade de bens de que trata o art. 20-B, §3º, II, da Lei 10.522, é inconstitucional formal e materialmente. Ainda que fosse constitucional, sua aplicação é restrita à esfera federal. Assim, não se pode afirmar que o novo instituto retire completamente a utilidade da medida cautelar fiscal, ainda que, em futuro pronunciamento definitivo, o STF julgue improcedente a ADI 5.931/DF.
Palavras-chave: Fiscal. Cautelar. Indisponibilidade. Bens. Inconstitucionalidade. Tributário.
Introdução
O ordenamento jurídico pátrio, em busca do aprimoramento dos direitos individuais, estabelece os princípios do acesso à justiça e duração razoável do processo, como garantias fundamentais à efetivação do Estado Democrático de Direito, com previsão expressa em nossa Constituição Federal de 1988.
Tais princípios, entre outras atuações, permitem ao sistema normativo brasileiro a adoção de medidas processuais garantidoras da tutela jurisdicional, que visam a efetivação do resultado útil do processo.
Neste contexto apresenta-se a medida cautelar fiscal, instituída pela Lei 8.397 de 1992, que exsurge como ferramenta judicial a ser utilizada pela Fazenda Pública, visando a garantir a satisfação do crédito tributário.
Ocorre que, com o advento da Lei 13.606 de 2018, a Lei 10.522/02, que dispõe acerca do Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, foi alterada, passando a prever meios coercitivos pela Fazenda Pública em sede administrativa, para a satisfação do débito tributário, independentemente de decisão judicial. Tal alteração gerou uma discussão acerca de sua constitucionalidade, tendo em vista o tradicional posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à vedação de sanções políticas para cobrança do crédito tributário.
Deste modo, diante da previsão da medida cautelar fiscal como meio de satisfação do crédito tributário, questiona-se a constitucionalidade dos dispositivos acrescidos pela Lei 13.606 à Lei 10.522, mais especificamente seus artigos 20-B-§3.º-II e 20-E. Verifica-se, ainda, se o atual Código de Processo Civil, que extinguiu a autonomia do processo cautelar, repercutiu sobre a medida cautelar fiscal.
Para essa discussão, parte-se do pressuposto de que a Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso III, alínea “b”, reserva à lei complementar a disposição de normas gerais sobre crédito tributário, o que enquadraria a indisponibilidade de bens de que trata a Lei Ordinária 13.606/18 como formalmente inconstitucional. Além disso, tais alterações violariam o que o STF denomina de sistema de proteção ao contribuinte.
A partir disso, a presente pesquisa tem como objetivo abordar a discussão acerca da sobrevivência da medida cautelar fiscal ao novo sistema de tutelas de urgência do CPC de 2015, bem como à previsão em lei de que a indisponibilidade de bens pode ser realizada de forma unilateral pela Fazenda Pública na seara administrativa.
Assim, para o desenvolvimento deste estudo, o principal método utilizado foi o descritivo, pois se buscou descrever teses bibliográficas, teorias adotadas em geral pela comunidade jurídica brasileira, bem como instrumentos legais referentes tema, de modo a alcançar os objetivos propostos. A abordagem adotada foi a qualitativa, partindo do ponto de que a pesquisa não poderá ser traduzida em números, pois buscaremos interpretar e atribuir significados aos resultados da pesquisa, não quantificá-los.
Tutela Cautelar
Segundo Neves (2016, p. 427-428), “o objeto da tutela cautelar é garantir o resultado final do processo, mas essa garantia na realidade prepara e permite a futura satisfação do direito”. Por outro lado, ainda segundo o autor, “a tutela antecipada satisfaz faticamente o direito e, ao fazê-lo, garante que o futuro resultado do processo seja útil à parte vencedora”.
Nas lições de Donizetti (2016, p. 01):
A existência da tutela de urgência de natureza cautelar se justifica pela natural demora na atuação e satisfação do direito por meio do processo de conhecimento, seguido do cumprimento da sentença, ou por meio do processo de execução. Essa demora, natural porque a atuação da jurisdição se embasa em análises definitivas, pode conduzir à ineficácia da prestação jurisdicional. Surgem então as medidas cautelares como forma de garantir a efetividade da tutela pleiteada, mediante averiguação superficial e provisória da probabilidade do direito do requerente e da possibilidade de ocorrência de dano de difícil reparação ou ocorrência de risco ao resultado útil do processo.
O atual CPC, instituído pela Lei 13.105/2015 (BRASIL, 2015), inovou ao sistematizar as tutelas provisórias nos artigos 294 e seguintes. Extinguiram-se a autonomia do processo cautelar, bem como as ações cautelares nominadas, existentes na codificação revogada.
De acordo com Donizetti (2016, p. 01):
O fato de ter suprimido a autonomia do processo cautelar e não mais ter repetido as hipóteses de cabimento em nada interfere na tutela cautelar. Todas as tutelas antes tipificadas (nominadas) no CPC/73 podem ser concedidas com base no poder geral de cautela.
O novo código dividiu as tutelas provisórias em tutela de urgência e tutela de evidência. As primeiras, por sua vez, foram subdivididas em duas espécies: tutela provisória de urgência antecipada e tutela provisória de urgência cautelar.
Nesse contexto, é necessário destacar que a tutela cautelar, por ser espécie de tutela provisória de urgência, é proferida em juízo de cognição sumária, fundada em mero juízo de probabilidade, de aparência de que o direito da parte exista, e não durará para sempre. Assim, a duração da tutela provisória de urgência dependerá da demora para a obtenção do provimento definitivo e poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, segundo o disposto no art. 296, caput, do Novo CPC (BRASIL, 2015).
Cautelar Fiscal
Instituída pela Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1992, a cautelar fiscal consiste em ação cautelar cuja legitimidade ativa é exclusiva da Fazenda Pública. Tem por objetivo assegurar a execução da dívida ativa ou mesmo o adimplemento de crédito tributário ainda não constituído, por meio da indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação. Trata-se de tutela cautelar específica, privativa da Fazenda Pública (BRASIL, 1992).
Segundo ensinamentos de Lobato e Alves (2019), a medida cautelar fiscal da Lei n.º 8.397/1992 sempre foi aplicada concomitantemente com o Código de Processo Civil. De acordo com os autores (2019, p. 41):
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/15) não prevê o processo cautelar como espécie processual autônoma, o que ensejou dúvidas a respeito de se a medida cautelar fiscal da Lei n.º 8.397/1992 continua válida ou não. Em texto escrito em 2016, Diógenes Baleeiro Neto argumentou que a previsão de provimento tutelar em processo sincrético trazida pelo NCPC deve ser tida como regra geral, mas não significa proibição de alternativas diversas (como a da Lei n.º 8.397/1992). Evidência disso, sustentou o autor, é o próprio teor do art. 1.046, §2º, do NCPC, segundo o qual “[p]ermanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”.
Assim, conclui-se que a Lei 8.397/1992 continua em pleno vigor, tendo em vista que o aparente conflito entre normas pode ser facilmente solucionado pela hermenêutica jurídica, aplicando-se o princípio da especialidade. Ademais, é necessário destacar que o legislador ordinário não deixou margem para dúvidas ao dispor, expressamente, que as disposições especiais de procedimentos regulados em outras leis não foram revogadas pelo novo diploma processual, conforme art. 1.046, §2º, do CPC/15 (BRASIL, 2015).
Nos termos do art. 1º da Lei 8.397/92, o procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do crédito, inclusive no curso da execução judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. Não é exigida, no entanto, a constituição definitiva do crédito, bastando que esteja constituído mediante lançamento regular (BRASIL, 1992).
A lei prevê, ainda, hipóteses excepcionais em que é dispensada a prévia constituição do crédito tributário para o requerimento da medida cautelar, conforme art. 1º, parágrafo único: a) se, notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal, o devedor põe ou tenta pôr seus bens em nome de terceiro (art. 2º, V, “b”); b) se o devedor aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei (art. 2º, VII) (BRASIL, 1992).
Ainda, segundo o diploma normativo, para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial prova literal da constituição do crédito fiscal (fumaça do bom direito) e prova documental de algum dos casos mencionados no artigo 2º (perigo da demora).
Hugo de Brito Machado (2003 apud MACHADO SEGUNDO, 2015, p. 316) sustenta que a cautelar fiscal é inútil, pois somente poderia ser requerida diante da constituição do crédito tributário, situação que confere à Fazenda Pública o direito de propor a execução fiscal e obter a penhora de bens, instrumento mais adequado e eficaz para garantir o adimplemento.
Para os que defendem a inutilidade da medida cautelar fiscal, reforça o esvaziamento da medida a inovação legislativa trazida pela Lei Complementar 118/2005, que incluiu o art. 185-A no Código Tributário Nacional, possibilitando a determinação da indisponibilidade de bens no bojo da execução fiscal, caso o devedor tributário, devidamente citado, não pague e tampouco apresente bens à penhora no prazo legal e não sejam encontrados bens penhoráveis. O referido dispositivo retira a utilidade da medida cautelar fiscal incidental (BRASIL, 2005).
A crítica é válida. Entretanto, não se pode olvidar da existência de hipóteses, legalmente previstas, de dispensa da prévia constituição do crédito tributário para o requerimento da medida cautelar (art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.397).
Assim, como destaca Machado Segundo (2015, p. 316) a propositura da cautelar fiscal antes da conclusão do procedimento administrativo evita que o contribuinte se utilize de recursos administrativos protelatórios para alienar seu patrimônio sem incorrer na vedação do art. 185 do CTN.
É que este dispositivo do CTN exige que o crédito tributário esteja regularmente inscrito em dívida ativa para que se possa presumir fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas pelo sujeito passivo. Assim, ao contrário da medida cautelar fiscal, não poderia ser utilizado antes da conclusão do procedimento administrativo de constituição do crédito tributário.
Ademais, destaque-se, enquanto a medida cautelar fiscal, nos termos do art. 2º da Lei 8.397, pode ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, a indisponibilidade de bens de que trata o art. 185-A do CTN é restrita ao devedor tributário.
Desse modo, é possível falar tão somente em redução do âmbito de aplicação exclusiva da cautelar fiscal, não sendo possível afirmar que a ação instituída pela Lei 8.397 tenha se tornado inútil (CASTRO, 2005).
Indisponibilidade de bens prevista nos arts. 20-B-§3.º-II e 20-E da Lei 10.522/02
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 146, inciso III, alínea “b” reserva à lei complementar nacional a disposição de normas gerais sobre crédito tributário, o que abrange as formas de constituição, as modalidades de exclusão, extinção, suspensão, bem como as garantias, os privilégios e as preferências (BRASIL, 1988).
Andou bem o constituinte, tendo em vista a necessidade de que tais matérias sejam disciplinadas de forma homogênea, em toda a federação. Logo, permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, resultaria em violação aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.
Entretanto, em janeiro de 2018, o legislador infraconstitucional, por meio da Lei Ordinária 13.606, alterou o diploma legal que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências (Lei 10.522), para inserir os arts. 20-B-§3.º-II e 20-E, a seguir transcritos (BRASIL, 2002):
Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. […]
§ 3.o Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:
II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis. […]
Art. 20-E. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará atos complementares para o fiel cumprimento do disposto nos arts. 20-B, 20-C e 20-D desta Lei.
Antes da edição dos dispositivos acima, a indisponibilidade de bens do devedor dependia de determinação judicial em medida cautelar fiscal preparatória ou incidental ou no curso de execução fiscal, em conformidade com o disposto pelo art. 185-A do CTN (BRASIL, 1966), vejamos:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.
Com o intuito de ampliar os instrumentos à disposição da Fazenda Pública para implementação da cobrança e buscando maior efetividade na recuperação de seus créditos, o legislador ordinário inseriu os arts. 20-B-§3.º-II e 20-E na Lei 10.522.
Assim, abriu-se ao Fisco a possibilidade de comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, caso o devedor, regularmente notificado da inscrição em dívida ativa da União, não venha efetuar o pagamento no prazo de 5 dias (BRASIL, 2002).
Além disso, poderá a Fazenda Pública, na mesma hipótese, averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis, independentemente de decisão judicial. Trata-se de uma garantia ao crédito tributário não prevista pelo CTN nem por qualquer preexistente norma geral sobre crédito tributário. Acrescentou-se, portanto, por meio de lei ordinária, matéria reservada à lei complementar.
Não bastasse a patente inconstitucionalidade formal acima exposta, os artigos 20-B-§3.º-II e 20-E também padecem de inconstitucionalidade material. É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em rechaçar sanções políticas, ou seja, formas enviesadas de constranger o contribuinte ao pagamento de tributos, conforme se observa da ADI 173 (BRASIL, 2009), de modo a limitar de maneira desproporcional os direitos fundamentais do devedor tributário.
No mesmo sentido é o entendimento do STJ, segundo o qual, a Fazenda Pública deverá cobrar os tributos em débito mediante os meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto de certidão de dívida ativa) previstos em lei (BRASIL, 2018).
Registre-se, ainda, que, segundo o STF, o contribuinte dispõe, nos termos da CF, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo, inclusive, contra exigências desarrazoadas veiculadas em diplomas normativos editados pelo Poder Público (BRASIL, 2015).
A inovação trazida pela Lei nº 13.606 foi impugnada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.931/DF, proposta pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, perante o STF. A referida ADI encontra-se pendente de julgamento por aquela Corte. Em sua manifestação, na mencionada ação de controle, a Procuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge defendeu que (BRASIL, 2018):
A lei impugnada, ao dispor sobre o tema, não observou o ordenamento constitucional, no que tange à proteção do direito de propriedade, porque restringiu de maneira desproporcional o exercício dos atributos desse direito. A possibilidade de averbação, pela Fazenda Pública, da CDA nos órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis, incide diretamente sobre uma das faculdades do direito de propriedade, vulnerando o direito fundamental assegurado pela Constituição (...) A norma impugnada também atinge desproporcionalmente a livre iniciativa (art. 170-caput e parágrafo único) e o livre exercício da profissão (art. 5.º-XIII). Embora esses preceitos constitucionais não sejam absolutos, a decretação de indisponibilidade de bens do devedor pode prejudicar o exercício regular da atividade empresarial ou profissional. O desempenho de atividades econômicas e profissionais não pode estar condicionado ao pagamento de tributos.
A Procuradoria-Geral da República sustentou que a medida não passa no teste da proporcionalidade. Assim, a indisponibilidade dos bens não se confunde com o protesto da certidão de dívida ativa, declarado constitucional pelo Supremo, por meio da ADI 5.135/DF (BRASIL, 2015). Sobre a constitucionalidade do protesto de CDA, confira-se a seguinte ementa:
DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.492/1997, ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO. INCLUSÃO DAS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA NO ROL DE TÍTULOS SUJEITOS A PROTESTO. CONSTITUCIONALIDADE. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa - CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material (...) 3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs. 3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc). Eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício. 3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo.
Neste contexto, é possível que a Suprema Corte se mantenha fiel a seus precedentes, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos, seja em razão de conflito com direitos individuais e fundamentais do contribuinte, seja pelo desrespeito às formalidades legislativas estampadas na Constituição Federal.
Conclusão
Ante todo o exposto no presente estudo, observa-se, com clareza, que a indisponibilidade de bens de que trata o art. 20-B, §3º, II, da Lei 10.522/02, é inconstitucional formal e materialmente.
Ainda que fosse constitucional, sua aplicação é restrita à esfera federal, logo, não se pode afirmar que o novo instituto retire a utilidade da medida cautelar fiscal, ainda que, em futuro pronunciamento definitivo, o STF julgue improcedente a ADI 5.931/DF.
Ademais, a indisponibilidade decretada pelo Poder Judiciário no bojo de medida cautelar fiscal oferece maior proteção aos direitos fundamentais, evitando abusos do Fisco, de forma concretizar o Estado de Direito. Nela, pode o devedor exercer o contraditório e a ampla defesa perante o poder judiciário e, assim, demonstrar eventual desnecessidade do expediente ou ausência de qualquer dos requisitos específicos para o deferimento da medida (fumaça do bom direito e perigo da demora).
A Lei 10.522/02, em sua atual redação, por sua vez, permite que a União determine a indisponibilidade de forma unilateral, com base em certidão de dívida ativa que, constituída unilateralmente pelo Fisco, já goza da prerrogativa de valer como título executivo extrajudicial. Trata-se, portanto, de garantia desproporcional.
Outrossim, para essa averbação nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, a fim de torná-los indisponíveis, independentemente de decisão judicial, é indispensável que o crédito, além de definitivamente constituído, esteja devidamente inscrito em dívida ativa.
Desse modo, também a lei 13.606 não foi capaz de esvaziar a medida cautelar fiscal, considerando que a concessão desta prescinde da constituição definitiva do crédito tributário e, em determinadas hipóteses, dispensa até mesmo a prévia constituição do crédito tributário. Assim, é possível falar-se no máximo em redução do âmbito de aplicação prática da medida cautelar fiscal.
REFERÊNCIAS
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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. Ed. 8, Ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí; pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Clarissa de Cerqueira. Os impactos do novo CPC e da Lei nº 13.606/18 sobre a Medida Cautelar Fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54264/os-impactos-do-novo-cpc-e-da-lei-n-13-606-18-sobre-a-medida-cautelar-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
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