Resumo: O presente artigo visa trazer à tona uma abordagem sobre o fenômeno da mutação constitucional. Tem como objetivo demonstrar que a mutação constitucional é um meio viável para se promover a alteração da norma constitucional. Ademais, busca apresentar as características da mutação constitucional no cenário jurídico. Por fim, tem como norte descrever e mostrar que a mutação constitucional possui amparo na jurisprudência pátria, sendo apta a garantir e atualizar o sentido da norma constitucional.
Palavras-Chaves: mutação constitucional. Alteração informal. Norma constitucional. Jurisprudência pátria.
Abstract: This article aims to bring up an approach on the phenomenon of constitutional mutation. It aims to demonstrate that constitutional mutation is a viable means to promote the alteration of the constitutional norm. Furthermore, it seeks to present the characteristics of constitutional change in the legal scenario. Finally, it aims to describe and show that the constitutional change is supported by the domestic jurisprudence, being able to guarantee and update the meaning of the constitutional rule.
Keywords: constitutional mutation. Informal change. Constitutional norm. Homeland jurisprudence.
Sumário: 1. Introdução – 2. Mutação constitucional. 2.1 Conceito. 2.2 A mutação constitucional na jurisprudência pátria 3. Considerações finais. 4. Referências.
1.INTRODUÇÃO
É certo que as mudanças no corpo da norma constitucional devem sempre ter parâmetros claros e objetivos. Não se pode lançar à sorte o futuro de uma ordem constitucional.
A constituição de um Estado em que pese poder ser analisada sobre diversos aspectos, como o político, o jurídico, o sociológico, em suma, trata-se de uma norma que tem o condão de estabelecer a própria organização do Estado.
Ademais, qualquer alteração da norma constitucional deve seguir padrões preestabelecidos dentro do próprio texto constitucional.
A regra é que a alteração da constituição seja por meio de um procedimento formal, que resultará em uma reforma constitucional.
Por outro lado, pode-se existir uma alteração no bojo da norma constitucional de forma informal, isto é, aquela que não observa um procedimento compreendido no seio de uma constituição.
2. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
2.1 CONCEITO
O conceito de mutação constitucional é disponível na doutrina pátria, de forma que ele está diretamente interligado ao fenômeno da mudança informal da normal constitucional.
A lição de Barroso (2011) é clara sobre o conceito de mutação constitucional. Assim, descreve:
[...] mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação do seu texto. A mutação está associada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas constitucionais. (Barroso, 2011, p. 146).
Ademais, Lenza (2017) didaticamente disciplina o conceito de mutação constitucional nas seguintes palavras:
As mutações, por seu turno, não seriam alterações “físicas”, “ palpáveis”, materialmente perceptíveis, mas sim alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. A transformação não está em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado. (Lenza, 2017, p. 150).
Ainda nessa disposição, Lenza (2017) conclui que:
As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos informais. Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional. (Lenza, 2017, p. 150).
2.2 A mutação constitucional na jurisprudência pátria
De início, é seguro destacar que a mutação constitucional somente ganho campo fértil nos Tribunais brasileiros responsáveis por realizar a fiscalização objetiva concentrada da norma constitucional. Em aperta síntese, o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiças quando do exercício do controle de constitucionalidade.
A constatação acima é lógica, porquanto a alteração da norma constitucional é limitada, não se podendo vislumbrar outros Tribunais pátrios exercendo e interpretando a norma constitucional, e ao final, dando-lhe o sentido posto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Nesse passo, é elucidativa a decisão do Supremo Tribunal Federal:
A força normativa da Constituição da República e o monopólio da última palavra, pelo STF, em matéria de interpretação constitucional. O exercício da jurisdição constitucional – que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição – põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do STF, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo STF – a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, caput) – assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso país confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. [ADI 3.345, rel. min. Celso de Mello, j. 25-8-2005, P, DJE de 20-8-2010.] = AI 733.387, rel. min. Celso de Mello, j. 16-12-2008, 2ª T, DJE de 1º-2-2013Vide HC 91.361, rel. min. Celso de Mello, j. 23-9-2008, 2ª T, DJE de 6-2-2009. Vide RE 227.001 ED, rel. min. Gilmar Mendes, j. 18-9-2007, 2ª T, DJ de 5-10-2007
Outrossim, a Suprema Corte Federal em outra decisão descreve as razões fundantes para que se promova a mutação constitucional, como se mostra abaixo:
A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da Constituição. A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. [HC 91.361, rel. min. Celso de Mello, j. 23-9-2008, 2ª T, DJE de 6-2-2009.] Vide ADI 3.345, rel. min. Celso de Mello, j. 25-8-2005, P, DJE de 20-8-2010.
Nesse diapasão, Lenza (2017) enaltece que o Supremo Tribunal Federal ao mudar o seu entendimento para declarar que compete ao Tribunal Justiça julgar o habeas corpus decorrente de decisão de turma recursal, o fez por meio de uma mutação constitucional.
Para melhor entendimento, veja a decisão paradigmática da Corte Suprema:
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. HABEAS CORPUS CONTRA ATO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. REMESSA DOS AUTOS. JULGAMENTO JÁ INICIADO. INSUBSISTÊNCIA DOS VOTOS PROFERIDOS. Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, modificando sua jurisprudência, assentou a competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus contra ato de Turmas Recursais dos Juizados Especiais, impõe-se a imediata remessa dos autos à respectiva Corte local para reinício do julgamento da causa, ficando sem efeito os votos já proferidos. Mesmo tratando-se de alteração de competência por efeito de mutação constitucional (nova interpretação à Constituição Federal), e não propriamente de alteração no texto da Lei Fundamental, o fato é que se tem, na espécie, hipótese de competência absoluta (em razão do grau de jurisdição), que não se prorroga. Questão de ordem que se resolve pela remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para reinício do julgamento do feito. (HC 86009 QO, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 29/08/2006, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00067 EMENT VOL-02273-01 PP-00200)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mutação constitucional atualmente ganha grande repercussão jurídica e social por ser um meio que promove a alteração informal da Constituição.
O fenômeno da mutação não tem o objetivo de mudar o texto constitucional, mas somente promover uma alteração do seu sentido. Isso para lhe adequar a realidade social, política e jurídica.
É certo que o Supremo Tribunal Federal a muito tempo já vem adotando a mutação constitucional como uma forma precisa para atualizar o texto da Constituição Federal ao real sentido que a realidade clama.
Nesse ponto, cabe destacar que ainda carece de maior aprofundamento as balizas para se promover a mutação constitucional, já que não há um prévio procedimento previsto na legislação pátria.
Desse modo, entende-se que é plenamente válida a interpretação dada tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelos Tribunais de Justiças em sede de interpretação da norma constitucional por meio de mutação constitucional.
4. REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 86009. Disponível em <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+86009%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+86009%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bxzbbb9>. Acesso em 27 de Fev. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 86009. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=1080 >. Acesso em 27 de Fev. 2020.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 21. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017.
Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia - UNAMA, servidor público estadual, exercendo o cargo de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do Pará, desde 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Miguidônio Inácio Loiola. A mutação constitucional: uma realidade na jurisprudência pátria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2020, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54276/a-mutao-constitucional-uma-realidade-na-jurisprudncia-ptria. Acesso em: 23 dez 2024.
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