Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de apresentar reflexão sobre o poder diretivo do empregador e suas limitações de ordem legal e principiológica. Nesse sentido, realizou-se pesquisa bibliográfica e análise da legislações e jurisprudência, traçando distinção entre as duas faces do vínculo de trabalho; o poder diretivo do empregador e seu direito a proteção da propriedade privada, bem como dos direitos fundamentais do empregado, sendo esses, expressas limitações para referido poder. Por fim, evidenciada a plena incidência dos direitos fundamentais às relações de trabalho, pode-se extrair os principais parâmetros que, limitando o arbitrário exercício do poder diretivo, garantem aos trabalhadores o resguardo de sua intimidade, privacidade e dignidade.
Palavras-Chave: Direito. Trabalho. Poder. Diretivo. Limites.
Abstract: This work aims to present reflection on the directive power of the employer and its limitations of legal and principled order. In this sense, bibliographic research and analysis of legislation and jurisprudence were carried out, making distinction between the two sides of the work bond; the directive power of the employer and his right to the protection of private property, as well as the fundamental rights of the employee, which are expressed limitations for that power. Finally, with the evidencied full incidence of fundamental rights to working relationships, the main parameters can be drawn that, limiting the arbitrary exercise of the directive power, guarantee workers the protection of their intimacy, privacy and Dignity.
Keywords: Right. Work. Power. Directive. Limits.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do contrato de trabalho. 3. Do poder empregatício. 4. Dos Direitos Fundamentais no âmbito das relações trabalhistas. 5. Dos limites do poder diretivo. 5.1. Das restrições fundamentais ao Poder Diretivo. 5.1.1. Direito à dignidade da pessoa humana. 5.1.2. Direito a intimidade. 5.1.3. Direito a privacidade. 6. Conclusão.
O trabalho diz respeito ao meio de sustento da sociedade de forma geral e constitui, também, o fim de assegurar a todos existência digna. Como fundamentos da República Federativa do Brasil, tem-se, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
Levando-se em conta a economia de mercado e o sistema capitalista, apresenta-se, atualmente, cenário no qual as relações de trabalho e emprego se encontram também voltadas à busca de lucro e bens patrimoniais, gerando enfraquecimento nas relações humanas.
Neste panorama, em que cada um tende a visar exclusivamente seus próprios interesses econômicos, é que o empregador acaba por exceder seu poder diretivo empresarial e, utilizando deste e do direito de propriedade, ofende e viola os direitos de seus funcionários.
Considerando esse contexto, o presente estudo objetiva discorrer acerca dos limites do Poder Diretivo do empregador frente aos direitos fundamentais dos empregados, abordando, assim, um tema atual e relevante no ambiente de trabalho.
Para tanto, o trabalho tem início com a abordagem do contrato de trabalho, perpassando sobre a prerrogativa do poder diretivo conferido ao empregador. Após, discorre sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas, encerrando com abordagem das limitações do poder diretivo, com especial destaque para os princípios fundamentais, perscrutando, ainda, legislação, entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
Segundo Vólia Bomfim, o contrato de trabalho “é o acordo bilateral entre empregado e empregador. Por isto, caracteriza-se em norma pessoal, concreta e específica, criadora de obrigações” (CASSAR, 2015, p. 89).
De forma mais abrangente, Maurício Godinho Delgado entende que a expressão “contrato de trabalho”:
Refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. [...] A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor. (DELGADO, 2014, p. 285).
Dispõem os artigos 442 e 443 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que o contrato individual de trabalho seria, justamente, esse acordo, tácito ou expresso, verbal ou escrito, por prazo determinado ou indeterminado, correspondente à relação de emprego (BRASIL, 1943).
Dessa maneira, o contrato de trabalho é o negócio jurídico responsável por determinar as condições de prestação do trabalho, no qual empregado e empregador irão ajustar quais são os direitos e obrigações de cada um, sendo negócio jurídico, o ato jurídico que crie, modifique, conserve ou extingue direitos.
3. Do poder empregatício
No contexto das relações trabalhistas, o artigo 2º da CLT nos remete ao poder de controle empresarial, definindo empregador como “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” (BRASIL, 1943, grifo nosso).
Nos ensinamentos de Ricardo Resende, o poder empregatício
Decorre do contrato de trabalho, consistindo no conjunto de prerrogativas conferidas ao empregador no sentido da direção da prestação dos serviços. Portanto, o fundamento do poder empregatício é, para a doutrina amplamente majoritária, o próprio contrato de trabalho, consubstanciado em um acordo de vontades que origina a relação empregatícia e, a partir desta, faz surgir direitos e deveres para os contratantes (empregador e empregado). (RESENDE, 2014, p. 308).
Assim, o poder diretivo se apresenta como o poder de comando do empregador, por meio do qual organiza a estrutura de sua empresa e a prestação do serviço, determinando a gestão e direção do negócio.
Segundo Maurício Godinho, o poder empregatício “pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços” (DELGADO, 2014, p. 684).
Portanto, de forma mais específica, o poder diretivo empresarial pode ser caracterizado como gênero, do qual fazem parte os poderes regulamentar, fiscalizatório e disciplinar.
No que tange a essas outras dimensões do poder empregatício, assinaladas por Maurício Godinho, tem-se que o poder regulamentar diz respeito ao privilégio do patrão de fixar as regras gerais a serem seguidas na empresa. Ele se consolida por meio de circulares, instruções e regulamentos internos que irão organizar o trabalho, mas devendo respeitar o disposto na CLT.
Quanto ao poder fiscalizatório, pode ser entendido como a prerrogativa do empregador de fiscalizar, acompanhar e vigiar as atividades desenvolvidas pelo empregado. Por meio de controle de horário, de frequência e de portaria, por exemplo, o empregador consegue verificar se as atividades estão sendo prestadas conforme as exigências e o contrato de trabalho.
Tem-se, ainda, o poder disciplinar, que cuida da aplicação de sanções aos empregados quando descumprem suas obrigações contratuais ou realizam infrações trabalhistas.
Nesse sentido, Rúbia Zanotelli cita Mantovani Júnior, que define poder diretivo como aquele que “permite ao empregador comandar e controlar todos os aspectos do desenvolvimento da atividade por ele desenvolvida [...]” (JÚNIOR apud ALVARENGA, 2014, p. 44).
Em relação aos fundamentos dos poderes do empregador, Alice Monteiro de Barros nos ensina que:
Mais consistente é a teoria que fundamenta a existência dos poderes do empregador no contrato de trabalho. Esses poderes são consequência imediata da celebração do ajuste entre empregado e empregador, o qual coloca sob a responsabilidade deste último a organização e a disciplina do trabalho realizado na empresa. (BARROS, 2013, p. 460).
Lado outro, Reginaldo Melhado explica:
Os institucionalistas vislumbram o fundamento dos poderes diretivos do empregador já não mais no contrato, mas agora na própria substancialidade interna da empresa organizada enquanto uma comunidade em que se fundem interesses particular, sociais e estatais. A criação das normas de comportamento obrigatório já não é atribuída ao contrato, senão ao dado objetivo de pertencer a uma empresa. (MELHADO, 2010, p. 59).
4. Dos Direitos Fundamentais no âmbito das relações trabalhistas
São direitos fundamentais aqueles valores mais preciosos para a humanidade, que garantem a proteção do indivíduo frente ao Estado e, positivados na Constituição Federal, integram o âmbito normativo interno do país.
Nesse sentido, Carl Schmitt define: “os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado” (SCHMITT apud BONAVIDES, 2009, p. 561).
Alexandre de Moraes discorre sobre as funções dos direitos fundamentais:
A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: constituem, num plano jurídico objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual, e em segundo, implicam, num plano jurídico subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). (MORAES, 2013, p. 28).
Alguns estudiosos, a exemplo de Paulo Bonavides, entendem que os direitos fundamentais podem ser de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta geração, sendo essa classificação um marco histórico, de acordo com o surgimento de novos direitos com o passar do tempo e a necessidade de cada época.
Os de primeira geração são os direitos da liberdade, ligados a direitos individuais que garantam uma abstenção estatal, enquanto que os direitos da segunda geração são os da igualdade, abrangendo direitos da coletividade como um todo, como resposta ao cenário de um Estado Social, possuidor de inúmeras novas atribuições.
Têm-se, também, a terceira geração de direitos, que se traduz nos direitos relativos à espécie humana de modo geral, tendo, como exemplo, o direito ao meio ambiente, à paz e à autodeterminação dos povos.
Nas palavras de Paulo Bonavides, “é direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro [...]” (BONAVIDES, 2008, p. 571). Por fim, para alguns, existem ainda os direitos de quinta geração, a exemplo do “direito à paz”.
A CR de 1988 foi a primeira, no âmbito nacional, a dar efetivo destaque aos direitos fundamentais e instituir o Estado Democrático de Direito, pautado no princípio da dignidade humana, como bem destaca Fernanda Nigri: “no Estado Democrático de Direito o homem é o centro convergente de direitos. Dessa forma, todos os direitos fundamentais do homem deverão orientar-se pelo valor-fonte da dignidade” (FARIA, 2008, p. 50).
Importante atentar que tais direitos fundamentais também se projetam sobre os vínculos laborais e as relações de trabalho, de forma que, além da proteção patrimonial do patrão, deve ser resguardado o respeito aos direitos do empregado enquanto ser humano.
Assim, tais direitos fundamentais são também direitos humanos, porém, previstos em tratados internacionais.
Conforme nos ensina Fernanda Nigri, “por direitos humanos [...] são entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente” (NIGRI, 2008, p. 51).
Tanto são direitos humanos que a própria Declaração Universal Dos Direitos Humanos de 1948 consagra diversos direitos, como a garantia à vida, dignidade, trabalho, liberdade, dentre outros.
Ademais, no que tange aos direitos humanos, no âmbito de proteção ao trabalho, foi criada, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), fórum internacional que buscava, nos dizeres de Rúbia Zanotelli:
[...] incrementar as soluções sobre a cooperação internacional de todos os Estados nas relações de trabalho [...] visar à melhoria das condições de vida dos trabalhadores em geral e à harmonia entre o desenvolvimento econômico e o respeito à dignidade da pessoa humana. (ALVARENGA, 2008, p. 82).
Como dimensão dos direitos humanos do trabalhador, tem-se, ainda, os direitos da personalidade, também oponíveis nas relações de trabalho. Tais direitos possuem o objetivo de assegurar a preservação da integridade física, psíquica e moral do empregado, se voltando à proteção de suas qualidades e tributos.
Nesse sentido:
DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. 01. É certo que o empregador detém o poder diretivo, que abrange o poder de fiscalização ou de controle, composto por um conjunto de prerrogativas que autorizam o acompanhamento da prestação laboral no meio ambiente de trabalho. Todavia, tal poder não tem caráter absoluto, não podendo aniquilar os direitos dos empregados, em especial os direitos existenciais que decorrem da dignidade da pessoa, tais como os direitos da personalidade, sob pena de configurar-se abuso de direito. 02. É inconcebível que um ser humano não possa utilizar o banheiro, durante a jornada de trabalho, a seu bel-prazer, conforme suas necessidades. Qualquer condicionante deste aspecto biológico inerente à espécie humana representa agressão psicofísica que, por afrontar a dignidade do trabalhador, causa-lhe dano moral que deve ser compensado. (BRASIL, 2016b, grifo nosso).
5. Dos limites do poder diretivo
Conforme exposto, o empregador possui prerrogativas que concentram em si o poder de dirigir a prestação dos serviços. Contudo, este não é absoluto ou ilimitado e tampouco o empregado deve cumprir toda e qualquer ordem emanada do patrão.
Rúbia Zanotelli afirma que: “o poder diretivo deve desenvolver-se sempre de forma razoável, de modo a não contrariar a boa-fé objetiva, os direitos da personalidade do trabalhador e a dignidade da pessoa humana” (ALVARENGA, 2014, p. 67).
Dessa maneira, o poder de direção do empregador encontra seus limites na própria Constituição da República Federativa do Brasil (CR) de 1988, pois os direitos e princípios fundamentais ali estabelecidos tutelam também essa relação de trabalho, partindo-se da proteção da dignidade humana, da intimidade e da privacidade, direitos que serão mais bem detalhados em um tópico posterior.
Cumpre ressaltar também a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que aborda a discriminação no emprego e na profissão e o art. 170 da CR, que disciplina a ordem econômica e a valorização do trabalho humano como pressupostos para uma existência digna, in verbis:
TÍTULO VII DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] (BRASIL, 1988).
Nessa perspectiva, continua Rúbia Zanotelli:
A subordinação jurídica do empregado não o sujeita ao poder diretivo ilimitado do empregador, na verdade, este poder encontra limites nos direitos da personalidade que compõem as liberdades públicas salvaguardadas pela Constituição Federal de 1988, que veda ao empregador: discriminar o trabalhador (incs. I e VIII); obrigá-lo a fazer ou a não fazer algo expressamente previsto em lei (inc. II), submetê-lo a tortura e a tratamento desumano ou degradante (inc. III); impedir a manifestação do seu pensamento (inc. IV); violar sua liberdade de consciência e crença (inc. VI); além de sua intimidade, imagem, honra e vida privada (inc. X), entre outras liberdades públicas. (ALVARENGA, 2014, p. 66).
Somado a isso, o poder diretivo do empregado pode sofrer restrições por meio das chamadas heterolimitações, cláusulas impeditivas de abusos, constantes de acordos e convenções coletivas de trabalho, e da legislação trazida pela CLT, que por exemplo, em seu art.483, proíbe excessos:
CAPÍTULO V DA RESCISÃO
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço
[...] (BRASIL, 1943).
Caso essas normas sejam descumpridas pelo empregador, o empregado terá direito a rescindir seu contrato de trabalho, por meio da chamada “rescisão indireta”, conforme dispõe o artigo acima, que poderá ainda, ser cumulada a uma indenização por danos morais, demonstrando mais uma limitação aos poderes do empregador.
Ademais, considerando-se a realidade na qual muitas vezes o empregador se aproveita de seu poder de direção, exercendo-o de forma abusiva, é possível que o empregado não se sujeite a tais condições, colocando em prática seu direito de resistência, ou seja, se recuse a cumprir ordens arbitrárias e ilegais.
Conforme o entendimento de Maurício Godinho: “[...] é válida e juridicamente protegida a resistência obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador no contexto empregatício. O chamado direito de resistência é parte integrante do poder empregatício.” (DELGADO, 2014, p. 729).
O direito de resistência também diz respeito a negativa de cumprimento de ordens injustas que possam causar danos à saúde e segurança do trabalhador, a exemplo de realizar determinada atividade sem os devidos equipamentos de proteção individual, levando-se em consideração o princípio da dignidade humana e demais direitos fundamentais.
Portanto, o direito de resistência do empregado surge da indignação e vontade de reagir, podendo chegar a manifestações externas como uma resistência coletiva ou em grupo, já que a união entre os trabalhadores encoraja e fortalece, devendo ser garantida sua efetividade, como condição de efetiva proteção ao emprego.
Este é o entendimento da jurisprudência:
RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO DE RESISTÊNCIA DO EMPREGADO. SUSPENSAO DISCIPLINAR. O direito de resistência do empregado deriva diretamente do uso irregular do poder diretivo patronal não gerando, assim, falta trabalhista ao obreiro. Restando demonstrado nos autos que foi legítima a recusa do reclamante em não realizar viagem ao Baixo Purus, por não ter condições de transporte de vacinas, resta nula a suspensão aplicada. Recurso conhecido e improvido. (BRASIL, 2010, grifo nosso).
Também neste contexto se insere a problemática das revistas íntimas realizadas nos trabalhadores. Torna-se evidente, nestes casos, espécie de conflito entre princípios constitucionais, estando, de um lado, o direito à propriedade, e de outro, o direito à intimidade ou à dignidade da pessoa humana.
Apesar da importância de ambos, é respeitável a noção de que o fato de o empregado adentrar a empresa e prestar serviços não lhe retira direitos fundamentais, além de que a dignidade da pessoa humana constitui verdadeiro alicerce do Estado Democrático de Direito, sendo um princípio de maior relevância.
Conforme anteriormente evidenciado, é plena a incidência dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. Sob essa ótica, adentraremos em alguns desses direitos fundamentais que, de forma específica, explicitam óbice ao exercício do poder diretivo empregatício.
Devido à sua relevância, a dignidade da pessoa humana encontra-se disposta logo no primeiro artigo da CR, vez que se constitui como alicerce, orientando todos os demais direitos fundamentais:
Título I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...]
III - a dignidade da pessoa humana;
[...] (BRASIL, 1988).
Conforme exposto, a dignidade da pessoa humana se trata de direito fundamental social, consolidado pela CR de 1988, sendo direito inerente a toda e qualquer pessoa, constando de forma escrita, primeiramente, nas Constituições do México de 1917, da Alemanha de Weimar em 1919, bem como na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1945 e Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, a dignidade da pessoa humana pode ser evidenciada em alguns artigos, in verbis:
I-Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
V- Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
XXIII- Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego
XXXIII.3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Afirma José Afonso da Silva que: “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do Homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2013, p. 117).
Desta forma, a dignidade da pessoa humana, fundamento central da Constituição de 1988, também se aplica às relações laborais, devendo ser o suporte de qualquer trabalho ou emprego, garantindo que seja prestado mediante condições dignas e decentes.
Como dito anteriormente, a Constituição de 1988 foi a primeira a trazer o princípio da dignidade humana como um fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e, em seu art. 170, como um fim da ordem econômica, vez que aborda a valorização do trabalho humano como meio de se assegurar a todos uma existência digna.
Desta forma, o ilustre Maurício Godinho, quanto à CR de 1988, nos ensina que:
[...] a Magna Carta, de forma sábia, percebeu que a valorização do trabalho é um importante veículo de valorização do próprio ser humano, tendo em vista que é pelo trabalho que uma soma de indivíduos se mantém e se afirma na desigual sociedade capitalista. (DELGADO, 2004, p. 32).
Intuitiva, ademais, a relação da dignidade humana com o âmbito das relações de trabalho, vez que este fundamental direito fica suscetível a violações, ante a submissão ao empregador que, abusando de suas prerrogativas, muitas vezes promove violações, deixando de propiciar um ambiente de trabalho adequado, higiênico, saudável e seguro
Nos dizeres de Raimundo Simão de Melo, constituem esse meio ambiente do trabalho, “os instrumentos manuseados pelo trabalhador, a execução de tarefas, o tratamento que é destinado ao empregado pelo empregador ou até mesmo pelos colegas de trabalho” (MELO, 2004, p. 29).
Dessa maneira, essa proteção constitucional deve ser utilizada visando a eliminar toda e qualquer conduta que possa ferir a dignidade do trabalhador, uma vez que esta deve ser preservada também no desenvolvimento de atividades laborativas, pois, antes de ser trabalhador, é também uma pessoa.
Conforme Rúbia Zanotelli de Alvarenga:
Cabe ao empregador a obrigação de prover o trabalho adequadamente e possibilitar a execução dos serviços de forma harmoniosa, respeitando, sempre, a integridade física, psíquica, moral, e intelectual do trabalhador. Esta constitui a razão de destaque quando se trata da valorização do trabalho e da preservação da dignidade do trabalhador, visto que são eles que revelam os atributos inerentes e indissociáveis da pessoa humana. (ALVARENGA, 2014, p. 101).
E continua ressaltando que a cristalização do princípio da dignidade humana, no Direito do Trabalho, “consiste em assegurar condições existenciais mínimas a uma vida plenamente saudável” (ALVARENGA, 2014, p. 101).
Assim, deve ser assegurado a todos um local de trabalho isento de qualquer humilhação ou desrespeito, no qual sejam designadas tarefas do nível da qualificação profissional de cada um, além das necessárias condições protetivas capazes de impedir acidentes de trabalho e doenças que provoquem danos à pessoa do empregado.
Nesse sentido:
TRT-PR-15-05-2012 VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CONFIGURADA. DANO MORAL DEVIDO. Na hipótese dos autos, é inconteste o não fornecimento de banheiro, água potável e abrigo para se proteger das intempéries climáticas alheias ao trabalho do Autor. O trabalho tem por finalidade, essencialmente, conferir dignidade ao ser humano, traduzindo-se em uma das formas de exteriorização da cidadania, não se podendo considerá-lo apenas em seu aspecto econômico. Inegável que a Ré relegou as condições de trabalho do Reclamante a segundo plano, ao deixar de oferecer condições mínimas e dignas de higiene e saúde, atingindo-o como pessoa e trabalhador. Esse fato autoriza a indenização por danos morais ao empregado. Não observou os princípios fundamentais estabelecidos na Carta Magna, mormente a prevalência da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (inciso III e IV do art. 1º), sem olvidar o enaltecimento dos direitos humanos (inciso II do art. 4º). Não se tem o labor externo como caracterização do ato ilícito, mas o não fornecimento de meios para o Autor atender suas necessidades básicas. Recurso da Reclamada a que se nega provimento, no particular (BRASIL, 2012, grifo nosso)
A Constituição de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, o seguinte:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
O direito à intimidade, supramencionado, também é garantido constitucionalmente e pode ser entendido como um direito da personalidade, que diz respeito à garantia que todas as pessoas têm de que seus pensamentos, sentimentos, bem como outros aspectos íntimos, não sejam revelados ou cheguem ao conhecimento de terceiros.
No mesmo sentido, Nilson Nascimento sustenta que o direito à intimidade “consiste na prerrogativa que tem a pessoa de estar só e de evitar que pessoas estranhas se intrometam em sua vida ou tenham acesso sobre fatos e coisas de seu foro íntimo e privado” (NASCIMENTO, 2009, p. 87).
O direito à intimidade garante ao empregado, assim como a qualquer pessoa, sua liberdade de opção sexual, religiosa, política, liberdade de pensamento, desejos e preferências, ou de forma equivalente, o direito de preservar e guardar segredo em relação a isso.
Nos dizeres de Manoel Jorge e Silva Neto, “o direito à intimidade expressa a esfera recôndita do indivíduo. A intimidade, corresponde, assim, ao conjunto de informações, hábitos, vícios e segredos pertencentes ao seu titular” (SILVA NETO, 2005, p. 57).
E ainda, ensina Barbosa Júnior que a intimidade “integra a esfera íntima do indivíduo, sendo o repositório dos segredos e das particularidades, cuja mínima publicidade poderá constranger” (BARBOSA JÚNIOR, 2008, p. 60).
Dessa forma, no âmbito da relação de trabalho, garante-se que o empregador não intrometa ou intervenha na vida ou nas escolhas do empregado, não sendo ele obrigado a dar satisfações ou responder perguntas que digam respeito a seu foro íntimo.
O direito à privacidade também se encontra protegido pela Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso X:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
E também na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
XII- Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na de sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Dispõe, ainda, o art. 21 do CC que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma” (BRASIL, 2002).
A privacidade compreende, por exemplo, os acontecimentos na vida do trabalhador, enquanto ser humano, bem como seus relacionamentos com familiares e amigos, constituindo informações que também se deseja excluir do conhecimento público.
Segundo Nilson Nascimento, o direito à vida privada “é o conjunto de atributos que cada pessoa elege para fazer parte de sua vida privada e mantê-la a salvo de intromissões indesejadas de estranhos” (NASCIMENTO, 2009, p. 290).
Arion Sayão Romita ensina que:
A esfera da vida privada sobrepõe-se à da intimidade, porque possui raio maior que ela. Por privacidade, deve-se entender a faculdade assegurada ao empregado de excluir o empregador do acesso a informações e de impedir a divulgação de informações capazes de afetar sua sensibilidade. (ROMITA, 2009, p. 89).
Assim, tendo em vista a proximidade da intimidade com a privacidade, Leda Silva as distingue, esclarecendo que o direito à intimidade “abrange fatos da vida pessoal do indivíduo que até mesmo sua própria família pode desconhecer, como, por exemplo, suas preferências sexuais, hábitos, vícios, dentre outros” (SILVA LEDA, 2005, p. 123).
E continua, em relação à privacidade: “enquanto o que diz respeito à vida privada já abrange suas relações familiares e com terceiros, como interferir em empréstimos feitos junto aos seus familiares ou obter informações sobre o saldo bancário do empregado” (SILVA LEDA, 2005, p. 123).
De forma semelhante, Maria Helena Diniz também faz a distinção:
A privacidade não se confunde com a intimidade, mas esta pode incluir-se naquela, por integrarem ambas o direito à vida privada. Por isso, as tratamos de modo diverso, apesar de a privacidade voltar-se a aspectos externos da existência humana- como recolhimento em sua residência sem ser molestado, escolha do modo de viver, hábitos, comunicação via epistolar ou telefônica etc - e a intimidade dizer respeito a aspectos internos do viver da pessoa, como segredo pessoal, relacionamento amoroso, situação de pudor, diário íntimo, respeito à enfermidade ou à dor pela perda da pessoa querida. (DINIZ, 2005, p. 47).
Portanto, nas relações de trabalho, o empregador não pode questionar ou intrometer-se nos laços de amizade e de relacionamentos do empregado, cabendo somente a este decidir sobre sua vida pessoal
Ao longo da elaboração do presente trabalho foi analisado o exercício do poder diretivo conferido ao empregador e suas limitações para que, de forma legítima, possa ser empregado sem violação à normas legais e aos direitos fundamentais.
O tema é alvo de diversas discussões e posicionamentos, até mesmo porque envolve uma questão de ordem constitucional, com dimensão mundial, de legislações e que pode impactar a vida de milhares de pessoas.
Por tais razões, o presente estudo não almeja esgotar o debate sobre o tema, mas justamente contribuir com a discussão, gerando novas reflexões sobre a questão que tanto afeta o cotidiano dos trabalhadores e dos operadores do Direito.
Tendo em vista, principalmente, o princípio da dignidade humana, em que pese se encontrar o trabalhador subordinado ao patrão, detentor da prerrogativa do poder diretivo, que lhe permite organizar a estrutura de sua empresa e a prestação do serviço, este poder não é ilimitado, tampouco absoluto.
A Constituição de 1988, já no artigo primeiro, assegura constituir o país em Estado Democrático de Direito, Estado esse que possui como vértice axiológico a dignidade da pessoa humana, bem como a ascendência dos direitos fundamentais, que também se aplicam nas relações de trabalho, servindo como limitação ao poder supramencionado.
Em qualquer hipótese, a realização do trabalho não deve se dar somente como fonte produtiva e enriquecimento do empregador, mas também como valorização e subsistência daquele que o presta, assegurando sua existência digna.
Conclui-se, portanto, que a tentativa de compatibilização harmônica entre os interesses econômicos e bens materiais do patrão, com o respeito aos direitos dos empregados, sua dignidade e intimidade, soluciona-se com a observância das restrições vigentes e, principalmente, com o resguardo dos direitos e garantias fundamentais que, principalmente considerando a relação diagonal de desequilíbrio, tem ainda maior incidência no âmbito do direito juslaboral.
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Direitos da Personalidade do Trabalhador e Poder Empregatício. São Paulo: LTr, 2014.
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Bacharel em Direito, Especializado em Direito Penal. Funcionário Público, assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Paulo Juliano Roso. Os limites do Poder Diretivo do Empregador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54278/os-limites-do-poder-diretivo-do-empregador. Acesso em: 23 dez 2024.
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