Resumo: Na idade moderna, a prisão, tida como a pena por excelência aplicada em razão do desrespeito às normas ditas pelo Estado, cuja finalidade seria capacitar os seres humanos condenados a perceberem e viverem segundo as exigências sociais estabelecidas, foi aceita como o válido método científico de punição, cujo resultado poderia ser acompanhado e verificado mediante dados concretos como a prova de sua verdade. Em nossa atualidade, a Constituição da República do Brasil conceituou a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares. Com esse conceito impreciso, a constituição se coloca de maneira ativa em suas palavras, apontando e resumindo a segurança pública para um sentido de seu interesse: repressão policial ostensiva. Dessa forma, difundiu a ideia de que tratar da segurança pública é propiciar uma maior eficácia do trabalho policial. Quanto mais requintada as ações das polícias, melhor a segurança pública do país, mas segurança pública não deve ser definida equivocadamente como a repressão ostensiva da prática de crimes.
Palavras-chave: Constituição, Segurança Pública, Conceito.
Abstract: In the modern age, imprisonment, taken as the penalty par excellence applied for disrespecting state-mandated norms aimed at enabling condemned human beings to perceive and live according to established social requirements, was accepted as the valid scientific method of punishment, the result of which could be accompanied and verified by concrete data as proof of its truth. At present, the Constitution of the Republic of Brazil conceptualized public security as the duty of the State, the right and responsibility of all, exercised for the preservation of public order and the safeness of people and property, through the following organs: federal police; federal road police; federal railway police; civil police; military police and military fire brigades. With this inaccurate concept, the constitution actively puts itself in his words, pointing and summarizing public security to a sense of its interest: overt police repression. Thus, it spread the idea that dealing with public security is to make police work more effective. The more exquisite police actions, the better the public safety of the country, but public security should not be mistakenly defined as overt repression of crimes.
Keywords: Constitution, Public Security, Concept.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. FORMAÇÃO E SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL; 3. LEGITIMIDADE E CIENTIFICIDADE DA AÇÃO POLICIAL OSTENSIVA COMO SEGURANÇA PÚBLICA; 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5. FERERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
Nas idades Antiga e Média a pena era executada por meio do sofrimento físico, da dor do corpo, da tortura, do suplício – comumente em forma desproporcional entre o crime e a punição. A pena servia para desviar os concidadãos da senda do crime, escolhendo os meios que deveriam causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável possíveis.
A modernidade, nomenclatura dada aos interesses de uma nova ordem política e econômica em destaque, faz surgir o pensamento filosófico contraposto de que o fim das penas não é atormentar e afligir uma pessoa, nem desfazer um crime que já foi cometido, mas impedir o criminoso de ser outra vez nocivo à sociedade. Nessa era, Beccaria (2015, p. 52-54) propaga o pensamento de que a crueldade das penas produz dois resultados contrários ao fim do seu estabelecimento – prevenir o crime: a dificuldade de estabelecer uma justa proporção entre os delitos e as penas; e, a possibilidade das leis serem modificadas, ou não mais poderão vigorar e deixarão o crime impune.
Segundo Foucault (Vozes, 2014, p. 223), a condenação do criminoso em sua forma-prisão, existente desde tempos remotos e constituída fora do aparelho judiciário, foi eleita como essencial à punição. Portanto, a prisão, na idade moderna, marca um importante momento da justiça penal na execução da punição como um progresso, uma evolução a uma pena humanitária.
O enclausuramento é entendido como um método pedagógico para ressocialização do criminoso. Uma forma de educação num determinado ambiente social (a penitenciária). A prisão já seria um implícito e silencioso discurso retoricamente regulado num espaço concreto, cuja finalidade seria capacitar os seres humanos condenados a perceberem e viverem segundo as exigências sociais estabelecidas.
Essa nova forma de punição, a prisão aplicada isoladamente, serve como exemplo do requisito que essa idade moderna procurou adicionar aos ramos do saber: a aceitação de uma tese a partir de sua comprovação; o conhecimento científico; puramente objetivo da realidade; demonstrável - positivo. A prisão, portanto, seria o válido método científico de punição, cujo resultado poderia ser verificável mediante dados concretos, mediante prova de sua verdade. O enclausuramento transforma-se na principal peça de segurança de uma sociedade.
No Brasil atual, a Constituição da República conceituou a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Com esse conceito impreciso, a constituição se coloca de maneira ativa em suas palavras, apontando e resumindo a segurança pública para um sentido de seu interesse: repressão policial ostensiva.
Fixada essa ideia na Constituição da República, o presente trabalho pretende realizar uma análise crítica acerca desse reducionismo conceitual da segurança pública como policiamento ostensivo.
2. FORMAÇÃO E SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Sob esse entendimento quanto à punição, presente até hoje, o significado de segurança pública no Brasil foi formado mediante uma previsão constitucional ordenada por um vazio conjunto de palavras, afirmando em seu art. 144, caput, que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Deve-se registrar que três concepções contidas em imediatos precedentes normativos à atual Constituição da República também influenciaram fortemente esse suposto conceito da Disciplina Magna relativo à segurança pública:
a). O Código Penal de 1.940, conforme sua exposição de motivos, foi concebido no interesse da segurança dos cidadãos e alterado em 1.983, em razão da:
“[...] pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime [...].
b). Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968, que considerava imperiosa a adoção de medidas punitivas que impedissem a frustração dos ideais superiores na preservação, dentre outros, da ordem e da segurança;
c). A Lei nº 7170/83 que – tipificando crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; a pessoa dos chefes dos Poderes da União – estabelece penas de reclusão e detenção para os crimes cometidos contra a segurança nacional.
A Assembleia Constituinte olvidou de perseguir a definição da circunlocução em exame para posicionar seu raciocínio, assentando-se num rudimentar pensamento de ser a segurança pública a possibilidade de reprimir a violência e a criminalidade a partir de mecanismos de poder, força e encarceramento, amparados por normas jurídicas infraconstitucionais que igualmente se despojam da mesma obrigação – nem mesmo conceitual.
O atual texto constitucional foi promulgado, em síntese, sobre os trilhos de um entendimento de que a segurança pública é a ação de órgãos policiais nela previstos para preservar uma determinada ordem da sociedade, bem como a incolumidade das pessoas e dos seus patrimônios.
Com a atual Constituição, seria indispensável que a segurança pública fosse adequada ao novo contexto. Não obstante a nova conjuntura social e política ser reconhecida como democrática e o Estado ser compreendido como promotor e defensor de direitos, a segurança pública manteve-se fortalecida pelo corpo teórico da doutrina de segurança nacional, apoiada na ideia de poder, força e monopólio legítimo da violência. No entendimento de segurança pública há o viés meramente técnico e militarizado, com a ausência de práticas preventivas e a presença do estado de guerra. A segurança pública se caracteriza como instrumento de repressão, alcançando o imaginário social como uma política descaracterizada do entendimento de bem coletivo (DIAS, 2010).
Sem exibir ao menos um conceito o mais preciso possível, a constituição se coloca de maneira ativa em suas palavras, apontando e resumindo a segurança pública para um sentido de seu interesse: repressão policial ostensiva.
Dessa forma, fez crer que tratar da segurança pública é propiciar uma maior eficácia do trabalho policial – do encarceramento. Quanto mais requintado o trabalho policial, melhor será a segurança pública do país.
A legislação infraconstitucional igualmente se reporta à segurança pública sem explicitar qualquer entendimento.
O Decreto nº 9.630/18, que instituiu o Plano Nacional de Segurança Pública seguiu os mesmos trilhos, dirigindo-se como um plano cujos objetivos podem ser resumidos numa sentença: reprimir ostensivamente o crime e aprimorar o sistema prisional, sem igualmente adentrar na definição do perseguido termo.
No mesmo caminho, o STF, em sua jurisprudência tem pouco a contribuir quanto ao conceito de segurança pública, porquanto se limita a reproduzir mecanicamente o previsto no art. 144 da Constituição da República ou a afirmar ser a segurança pública uma atividade típica de Estado, essencial na preservação de bens jurídicos inalienáveis e à ordem pública.
3.LEGITIMIDADE E CIENTIFICIDADE DA AÇÃO POLICIAL OSTENSIVA COMO SEGURANÇA PÚBLICA
A Constituição da República de 1.988, portanto, estabeleceu uma ideia repressiva de segurança pública fundando-a num binômio legitimidade e cientificidade (política e direito), ambos utilizados como a demonstração da força restauradora do Estado.
Segurança pública fundada na política, no sentido de aplicar investimentos no aparelhamento, no aumento de efetivo e na atribuição da responsabilidade do controle e prevenção da violência às polícias – como sempre explorado nas promessas de campanhas eleitorais. E, segurança pública também fundada no direito, em razão do contínuo aumento de tipificações e punições legais a serem aplicadas àqueles capturados pelos vigias da nação.
Esse contínuo aumento de tipificações e punições ocorre em razão de um fenômeno conhecido como hipertrofia do direito penal, porquanto voltada para uma criminalização cada vez maior de condutas; um aumento punitivo dos tipos penais já existentes; um esvaziamento das garantias processuais e relativização dos princípios constitucionais penais; e à flexibilização das regras de imputação da conduta delituosa (HABER, 2010).
A Constituição da República possibilitou e resumiu a utilização das polícias como instrumentos políticos validados pelo direito, compreendendo serem aquelas suficientemente capazes de manter a paz social – a segurança pública.
De fato, política e direito possuem uma estreita relação, porquanto as normas jurídicas são impostas pelo poder público como expressão da sua vontade e finalidade, portanto, o direito decorre da política e por ela é modificado.
Política e direito se justapõem e de certa forma se completam, causando certo embaraçamento em seus fins, no entanto, não devem ser confundidas, posto que a política tem por objetivo modificar a realidade e o direito tem em meta restringir essas modificações, contrabalançando-as. A política e o direito estabilizam o futuro por meio de suas promessas (ADEODATO, 2010, p. 146-148).
A política, enquanto política criminal, deve compor-se por um conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. Tais objetivos da política criminal são necessários em razão da mudança social; dos resultados comprovados no direito penal; do desempenho do sistema penal e dos avanços e descobertas da criminologia (BATISTA, 2017, p. 33).
O direito, com igual intenção, opera no controle das condutas exercido pela sociedade politicamente organizada. Nesse sentido, atua como o poder exercido por um conjunto de órgãos através dos quais um ordenamento normativo é posto, conservado e aplicado. Como uma sanção organizada num complexo orgânico de normas e explicado a partir de uma teoria do ordenamento.
Sanção organizada num ordenamento porquanto as normas jurídicas não estão todas no mesmo plano, mas dividem-se em inferiores e superiores, até a norma suprema, fundamental. A norma fundamental que dá unidade, que unifica todas as outras normas e cujo poder reduz o direito à força (BOBBIO, 1999, p. 25-49, 65).
Enquanto partícipe da segurança pública, o direito penal, na estabilização do futuro, persegue tal fim tanto por meio de leis que pretendem controlar os comportamentos criminosos, cominando-lhes determinadas sanções, quanto por meio do poder conferido ao Estado para aplicar essas sanções.
O direito penal, como instrumento de controle social, tem prioritariamente a pena como a sanção pelo seu descumprimento – é o castigo pela infração, pela transgressão da norma jurídica. Essa punição é aplicada e orientada por uma perspectiva racional e humanitária.
Toron (1996, p. 104-124), em seguinte estudo sobre as teorias legitimadoras da pena, assenta que foi na Idade Moderna, com a secularização da sociedade ocidental e do direito, que as teorias penais deixaram de relacionar o crime e a sua punição com o pecado ou a falta moral. Surgem, consequentemente, as três iniciais teorias legitimadoras da pena que têm como escopo a explicação, mas, principalmente, a validação da necessidade da existência da punição, bem como da introjeção de uma comprovação de utilidade da pena – a teoria absoluta ou retributiva; a relativa, finalista, utilitária ou preventiva; e, a eclética, mista, conciliatória ou unificadora:
Em linhas gerais, a teoria absoluta foi defendida por autores criminológicos da Escola Clássica, que tinham por objeto o estudo da justa proporcionalidade entre delitos e penas. Para esses, a pena é um mal imposto a uma pessoa como um castigo pela realização de um crime cometido voluntária e conscientemente.
A teoria absoluta, porquanto se basta em si para à obtenção de fins ou valores absolutos como a realização da justiça ou o império do direito, também chamada de retributiva, entende ser a pena um castigo ao condenado em razão de sua própria conduta criminosa.
Suas bases ideológicas justificam-se no reconhecimento do Estado como guardião da justiça terrena, na capacidade do homem de autodeterminar-se e na ideia de que a sua missão diante dos cidadãos deve limitar-se à proteção da liberdade individual.
O conceito de retribuição dessa teoria nada tem a ver com o de vingança, ou de sentimentos de ódio. Tal expressão quer dizer apenas que a pena deve ser proporcional ao delito praticado. A pena é uma exigência de valores absolutos, devendo ser executada sempre e em sua totalidade.
As críticas acerca da teoria retributiva têm por base a difícil comprovação dos chamados valores absolutos; a abstração da afirmação quanto à necessidade da pena e o raciocínio de se compensar ou de se apagar o mal com a inflição de outro mal.
A teoria relativa foi defendida por autores da Escola Positiva, que tinha por objeto o estudo do criminoso. Para esses outros, o crime é examinado sob o ângulo sociológico e biopsicológico.
Para a teoria relativa, finalista, utilitária ou preventiva, a pena não tem um caráter único, senão relação ou finalidade utilitária de obstar a realização de crimes tanto pelo condenado quanto pelos demais integrantes da sociedade e, nesse caso, o condenado é utilizado como um meio para se conseguir um fim.
A crítica a essa teoria em sua formatação genérica é a de que a pena não pode possuir objetivos de prevenção, pois esta atinge a dignidade humana num duplo sentido: de que o direito que ameaça com a pena para que as pessoas se abstenham de infringir as normas penais é o mesmo direito que impõe a pena; e, de que a aplicação da pena para que outros não venham a delinquir, sacrifica o indivíduo para atingir a coletividade.
Para a teoria relativa a pena tem por objetivo prevenir, intimidar a execução de crimes. Esta prevenção pode ser geral ou especial.
No primeiro caso, a pena abstratamente cominada, ou mesmo a infligida, serve de exemplo para os demais integrantes da sociedade no sentido de dissuadi-los de práticas criminosas. É a chamada prevenção geral negativa, ao compreender que a condenação do acusado pode se converter em algo para a melhoria do mundo.
Sobre essa prevenção geral negativa surge a crítica da necessidade de outras instâncias de controle social que enraízem regras morais e sociais que tornam as pessoas cumpridoras da lei não pela ameaça da pena, mas em razão de valores internalizados e, também, porquanto a ideia de intimidação pela força da norma penal não encontra comprovações concludentes quanto a essa específica eficácia.
A prevenção geral positiva, de integração ou interativa, é a que entende que a pena tem o sentido de fazer recordar e ter, constantemente presente, a efetiva vigência das normas como contraposição ao delito. Quando se comina abstratamente uma pena, não se busca tanto intimidar os violadores da norma para que se abstenham de fazê-lo. O que se quer mostrar é o vigor da norma que protege a administração pública, uma vez que os atos descritos em lei estão debaixo da ameaça de pena. Por essa teoria a função da pena se dirige às pessoas fiéis à lei para reforçar a validade das normas, estabelecendo a confiança institucional.
Critica-se a prevenção geral positiva porque não legitima a pena pela sua utilidade para evitar o crime, senão porque cumpre o fim de assegurar o sistema social e a confiança das pessoas nas instituições. Essa teoria não possui preocupação com a proteção dos bens jurídicos, mas a criação de um sentimento de segurança e confiança.
A prevenção especial procura, através de uma pena aplicada ao sentenciado, prevenir futuros delitos pelo mesmo agente.
Com a prevenção especial positiva o Estado objetiva evitar que o autor de um crime volta a delinquir, utilizando a pena com uma função de advertência, ora suspendendo-a, ora aplicando-a com caráter profissionalizante. Com a prevenção especial negativa, busca-se afastar o delinquente das relações sociais, custodiando-o.
A crítica a essa teoria encontra-se no argumento de que um mecanismo dessocializador não consegue obter a ressocialização de um condenado, educando-o para a liberdade.
A luta pela imposição das concepções dessas escolas deu lugar a ponto de vista intermediário – a teoria mista.
Para a teoria mista ou de união devem ser repudiados os modelos que buscam pureza numa pena que resulte ao mesmo tempo útil e justa. Por isso a doutrina e os ordenamentos jurídicos devem adotar um posicionamento eclético relativamente à natureza e às funções da pena. Essa teoria possui duas vertentes segundo deem preferência às exigências de justiça ou de prevenção: a teoria da união aditiva e a teoria unificadora dialética.
Na teoria da união aditiva a pena deve ser fixada de forma justa, adequada à gravidade da culpabilidade entre o autor e o crime praticado, impedindo a desproporcionalidade da sanção, propondo nitidamente a ênfase na retribuição pelo delito cometido. A teoria unificadora dialética subordina a aplicação da pena ao cometimento de um delito realizado por um agente culpável para o correto funcionamento do sistema social. A culpabilidade é o resultado da atribuição de um fato ilícito ao seu autor, é uma culpabilidade legal. Há ênfase no autor do crime.
A crítica à teoria da união aditiva é no sentido de existir a possibilidade da pena justa ser inútil e da pena útil ser injusta, e de não haver também certeza quanto à justiça de uma pena. À teoria dialética possui a dificuldade de se determinar com precisão o limite de uma pena adequada à gravidade da culpabilidade do autor pelo fato e da medida do merecimento da pena.
Essa justaposição da política e do direito, como uma espécie de reunião analítico-conceitual da segurança pública no Brasil, também utiliza indistinta e arbitrariamente as antecedentes teorias legitimadoras da pena, findando por aspergir ainda mais obscuridade no entendimento da referida circunlocução.
Registram-se como exemplos, o Código Penal, que sendo um dos pés da política de segurança pública brasileira, ao destacar o aspecto retributivo e preventivo, adotou a teoria mista da pena, ao dispor, em seu art. 59, que o juiz estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: as penas; sua quantidade; seu regime inicial de cumprimento; e, sua substituição.
A lei de tóxicos que, em sua exposição de motivos, o legislador ora segue a teoria relativa da pena quando afirma que na construção de um sistema para coordenar as ações, políticas e estratégias governamentais, teve-se em conta, inicialmente, que é precipuamente à União Federal que compete prevenir e reprimir os crimes - como os de tráfico ilícito de substâncias capazes de gerar dependência física ou psíquica; ora segue a teoria absoluta da pena ao registrar na mesma exposição que a referida lei mantem o severo tratamento recomendado para certas condutas.
Tratando das organizações terroristas, a exposição de motivos da Lei nº 13.260/16, segue a teoria relativa da pena, ao expor que tem por fim criar uma lei que proteja o indivíduo, a sociedade como um todo, bem como seus diversos segmentos, sejam eles social, racial, religioso, ideológico, político ou de gênero.
Como último integrante de um conceito constitucional de segurança pública, as teorias da pena são utilizadas indistintamente em várias leis como a última etapa do produto final a ser entregue à sociedade, a qual coroará de glória a eficaz determinação prevista na norma superior – a ação policial ostensiva.
Essa demonstração da realização do direito à segurança não raro é efetivada mediante um direito penal de emergência. Termo que faz referência ao aspecto imediatista na reforma de leis existentes ou na edição de novas leis. São respostas estatais emergenciais oferecidas aos novos problemas de criminalidade, como soluções provisórias, mas que acabam se incorporando ao ordenamento jurídico de modo definitivo (HABER, 2010).
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança pública navega no legitimador e garantidor trinômio “polícia/punição/sistema prisional – execução penal”, justapondo política e direito. A segurança pública também caminha sob o manto de uma punição como prevenção à criminalidade, num alinhamento, em tese, à teoria preventiva da pena.
Há então no Brasil, genericamente, a divulgação e o entendimento vulgar de que segurança pública é a preservação da paz pública efetivada mediante a força e eficácia das ações policiais, que serão completadas posteriormente com o estabelecimento da punição e o seu cumprimento no sistema prisional. Ação policial será, nestes termos, fundamental e imprescindível à garantia e à segurança individual e coletiva.
Como não temos um Estado proativo, mas que historicamente age de forma repressiva e punitiva no que diz respeito à segurança pública, os Poderes da União, genericamente, apropriam-se da punição como ideal político suficiente para solucionar, ou diminuir, o problema da criminalidade.
Aderem os Poderes do Estado, imperceptivelmente, ao conceito da lei e da ordem, prevendo que a captura, o julgamento e um maior tempo e rigor do encarceramento é instrumento hábil ao controle da violência, qualquer que seja.
Legislar, julgar e executar as normas de Direito Penal é comumente compreendido como o exaurimento da ação estatal relativamente à segurança do cidadão. Um manejo político equivocado que compromete a solução da insegurança. O Estado formalmente assegura a todos, indistintamente, a sua segurança e de seus bens, mas, em verdade, está a negá-la desleixadamente.
É praticamente inegável que os crimes devem ser punidos segundo uma adequada proporcionalidade em relação a sua reprovabilidade, mas segurança pública não deve ser definida equivocadamente como a repressão ostensiva da prática de crimes.
Segurança é uma palavra oriunda do termo latim securus que, etimologicamente, significa livre de perigo; assim como público, do termo publicus, significa o que é relativo, pertencente ou destinado ao povo, à coletividade (CUNHA, 1982, p 711, 646).
A expressão segurança pública, portanto, é uma circunlocução que internaliza e manifesta o sentido de sociedade livre de perigo.
Numa conceituação mais objetiva, segurança pública são as múltiplas ações do Estado que visam prioritariamente providenciar a condição de inexistência de qualquer perigo à coletividade. Um fim bem mais amplo que o dispendioso conceito repressivo-constitucional.
A segurança pública não pode ser fundada principalmente no medo de uma implacável punição. Deve estar relacionada prioritariamente com políticas públicas de caráter econômico, social, educacional, de saúde, emprego e em tantas outras vertentes que possuem o condão de incidir sobre as causas da criminalidade.
ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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Graduado em Direito e Administração. Especialista em Direito Público. Mestre em Direito. Servidor Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BURGOS, roberval santiago. O reducionismo conceitual-constitucional da segurança pública: o policiamento ostensivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2020, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54302/o-reducionismo-conceitual-constitucional-da-segurana-pblica-o-policiamento-ostensivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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