Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Ademir Gasques Sanches e Prof. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: Este trabalho surgiu com o descontentamento com a aplicação da popularmente conhecida como lei seca. Houve uma grande intensificação no combate ao álcool associado à direção de veículo, com grande participação inclusive da mídia, polícia, legisladores, entre outros. Após observação e pesquisa ficou constatado que trata-se de dispositivos de lei extremamente rigorosos que criminalizam o consumo de bebidas alcóolicas associados à direção de veículos. Ainda, foram notados inconstitucionalidades e equívocos na legislação e na aplicação da lei seca. O presente trabalho não trata-se de defender o embriagado que causa transtorno, mas sim de defender a individualização da pessoa e da não punição daquele indivíduo que mesmo sob efeito de álcool não é um delinquente e não oferece risco à sociedade. A lei deve ser cumprida, no entanto, esse problema social pode e deve ser resolvido de tantas outras maneiras sem que seja necessária a criminalização.
Palavras-Chave: Lei Seca, Álcool, Direção.
ABSTRACT: This work arose out of discontent with the application of the popularly known as Lei Seca. There was a great intensification in the fight against alcohol associated with driving, with great participation including the media, police, legislators, among others. After observation and research it was found that these are extremely strict laws that criminalize the consumption of alcohol associated with driving vehicles. In addition, unconstitutionalities and misconceptions were noted in the legislation and enforcement of the Lei Seca. The present work is not about defending the intoxicating that causes disorder, but about defending the individualization of the person and not punishing that individual who even under the influence of alcohol is not a delinquent and does not pose a risk to society. The law must be enforced, but this social problem can and should be solved in so many other ways without criminalization being necessary.
Keywords: Lei Seca, Alcohol, Driving.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA CULTURA DO CONSUMO DE ÁLCOOL. 3 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO NO BRASIL. 4 DO PERIGO ABSTRATO. 5 DAS INCONSISTÊNCIAS. 6 OS ACERTOS DA LEI. 7 CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS.
É notório que o combate a combinação entre bebida alcoólica e direção vem avançando paulatinamente. No entanto, não significa que estamos no caminho certo.
É importante destacar que ninguém quer, e nem defende, que o condutor de automóveis seja um ébrio doentio e que conduza seu veículo beirando o coma alcoólico, no entanto, da mesma maneira, não é justo que o bebedor social, que apresenta pouca ou nenhuma distorção em seus sinais sensoriais seja considerado um criminoso.
Esse trabalho surge em assenso com o desconforto com a injustiça experimentada pela observação das arbitrariedades e equívocos cometidos pelo legislador e aplicadores da lei como subterfúgio de proteção à vida quando na verdade se trata apenas de punição, sanção e arrecadação de multas.
Onde deveria haver políticas de conscientização e investimento em educação há somente castigo.
A popular “Lei Seca” ou “Lei de Tolerância Zero” vem investindo, sob o nobre pretexto de proteção da incolumidade pública e ignorando diversos fatores, princípios e direitos.
O bom senso deixou de reinar em nossos legisladores. Um problema que poderia ser resolvido administrativamente passou a ser tratado na esfera criminal.
Nos bancos da faculdade, estuda-se que o Direito Penal é o braço mais forte do Estado e que, portanto, deve ser a última ratio e deve se dar preferência a outros meios de intervenção mais adequados e menos gravosos. Pois bem, não é o que se percebe.
2 DA CULTURA DO CONSUMO DE ÁLCOOL
O consumo de álcool acompanha a sociedade por todo o seu desenvolvimento e evolução. Há, inclusive na Bíblia, relatos históricos ligados à bebida alcóolica, sua produção e consumo.
A sociedade brasileira é propensa ao consumo abusivo de álcool. Segundo dados da OMS de 2016, o consumo puro per capita é de 8,9 litros de álcool. Esse número coloca o Brasil como o terceiro país da América Latina que mais consome álcool.
Essa situação só é fatível porque a sociedade assim se foi amoldada. Ao longo da vida, o indivíduo é induzido ao consumo alcoólico através de gatilhos cognitivos. No desenvolvimento do ser humano, é apresentado a ele situações que incentivam o consumo de álcool.
Culturalmente, os gatilhos cognitivos foram postos, construídos e fundamentados no consumo alcóolico e, intrinsicamente o indivíduo foi condicionado a pensar em beber para esquecer, comemorar, socializar, perder a timidez, se desinibir, fazer amizades, se dar bem com amigos e nos flertes, etc.
As manifestações artísticas – filmes, teatro, novela, cinema, entre outros – estão infectadas de cenas que despropositadamente demonstram que o consumo de álcool é vantajoso. Nas cenas de festa só é bem sucedido, feliz e saudável quem consome álcool. Quando o indivíduo está cansado, deve beber pra relaxar. Quando está triste, a bebida ajuda a esquecer. Uma conquista deve ser celebrada, champanhe será. Um uísque após uma jornada de trabalho. E por ai vai.
Apesar de lícito, o álcool é uma substância psicotrópica que causa dependência. Como qualquer outra droga que cause dependência o uso é ativado por gatilhos cognitivos e a partir desse mundo lúdico descrito anteriormente, a sociedade é frequentemente estimulada ao consumo.
Os gatilhos cognitivos estimulam o indivíduo a tomar a decisão “no piloto automático” que ele foi treinado para fazer. É como se a decisão fosse tomada propositadamente sem que ao menos precise pensar a respeito.
3 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO NO BRASIL
Ao legislador brasileiro, aparentemente o consumo de bebida alcóolica nunca foi grande problema uma vez que só encontra tipificado na Lei 3.688 de outubro de 1941, em seu artigo 62.
A referida lei também conhecida como Lei de Contravenções Penais tipifica, porém não toma muitas providências em relação ao consumo de álcool. É previsto de quinze dias a até três meses de prisão simples ou multa àquela que se apresentar publicamente embriagado, causando escândalo ou colocando em perigo a própria vida ou de outrem.
Com louvores, a lei aludida ainda prevê que se a embriaguez for habitual, o contraventor deverá ser internado em casa de custódia para tratamento. E ainda, prevê punição àquele que servir bebidas a quem já se encontra em estado de embriaguez.
E também, deve-se observar a embriaguez preordenada que trata de agravar a punição do indivíduo que consome álcool para se encorajar a praticar fato criminoso.
Isoladamente, são essas as possibilidades de punição ao ébrio. Ademais, a legislação trata no Código Penal, Lei 2.848 de 1940, sobre embriaguez no Título III, Da Imputabilidade Penal e prediz sobre embriaguez culposa ou voluntária como atenuante ou até o agente isento de pena.
De forma que, antes da Código de Trânsito Brasileiro de 1997, o indivíduo que fosse flagrado na condução de veículo, era enquadrado na lei de contravenções penais ou se o caso fosse homicídio ou lesão corporal na direção de veículo, era aplicado o Código Penal.
Em relação a legislação de trânsito brasileira, Lima (2015) traça uma linha do tempo tendo em 25 de setembro de 1941, foi instituído o Decreto-lei no 3.651, conhecido por Código Nacional de Trânsito, de caráter meramente administrativo.
Em seguida, um novo Código Nacional de Trânsito em 1965, através da lei 5.108 e com complementação pelo Decreto 62.127 em 1968 da mesma forma, o trânsito sendo tratado de forma genuinamente administrativa.
Em 1981, pelo Decreto 86.714/81, foi editada a Convenção sobre Trânsito Viário – Convenção Internacional de Trânsito de Viena. Na sequência em 1993, calhou a Regulamentação Unificada de Trânsito, válida entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, com regras de trânsito comum aos países do Mercosul.
Em 1993 foi apresentado o projeto de lei número 3.710, projeto esse chamado de Código de Trânsito Brasileiro. Nesse projeto foi inserido um capítulo referente a crimes de trânsito, o que segundo Lima (2015), subverte princípios do direito e processo penal. Avaliando que no Código de Trânsito não deveriam ser inseridos tipos penais, pois é imprópria a tipificação penal em lei estranha ao ordenamento penal.
Ainda assim, com a inconsistência apreciada, derivado do projeto 3.710 surgiu a lei 9.503 de 1997 – o Código de Trânsito Brasileiro – publicado no Diário Oficial da União em 24 de setembro de 1997, com vacatio legis de 120 dias e vigente até a presente data.
O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro acarretou uma grande polêmica ao meio jurídico quanto ao perigo inerente à ação tipificada. No caput do artigo, não é mencionado o tipo de causação de perigo a terceiros, sendo omissa nesse sentido.
De forma que, o Superior Tribunal de Justiça vem trazendo o entendimento de que trata-se de crime de perigo abstrato, no entanto, há doutrinadores e decisões judiciais contrárias a esse posicionamento.
A questão é polêmica por ser de difícil solução, sendo que, a punição do crime de perigo abstrato é muito criticada pela ausência de dano ao bem jurídico.
Para ponderar essa questão, faz-se necessário entender sobre os conceitos de crime. Por se tratar de tema extenso, resumidamente, o crime é considerado doloso se o agente quer o resultado a ser gerado por aquela determinada ação ou assume o risco de produzi-lo, consoante ao artigo 18 do nosso Código Penal.
Doutrinariamente, o dolo é dividido em dolo direto – quando o agente deseja o resultado – e dolo eventual – quando o agente tem capacidade de prever o resultado a ser produzido e ainda assim assume o risco de produzi-lo.
Ainda há a possibilidade de o crime ser praticado de forma culposa, ou seja, quando o agente não quer o resultado, no entanto por imprudência, negligência ou imperícia acaba por provocá-lo, conforme descrito pelo referido artigo 18 do Código Penal, em seu inciso II. Importante ressaltar que o parágrafo único prevê que não se deve punir os crimes cometidos dolosamente, exceto se previsto em lei.
Segundo Pacelli (2018), há que se falar em relação de causalidade, que deve ser percebido como a conexão que une conduta ao resultado. Comumente, o resultado é manifestado pela modificação no mundo exterior, essa modificação do mundo exterior é chamada de resultado naturalístico. Os crimes que produzem resultado naturalístico são denominados crimes materiais ou crimes de resultado.
Há ainda a teoria jurídica que discorre sobre a natureza do resultado classificando-o como lesão ou perigo de lesão. Ou seja, há a possibilidade de haver resultado sem que haja modificação no mundo exterior de forma que, quando o resultado modifica o mundo exterior o delito é classificado como crime de dano, e quando não há modificação ao mundo exterior, delito é classificado como crime de perigo.
Os crimes de perigo subdividem se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Nos crimes de perigo concreto a situação de perigo deve ser demonstrada e comprovada. Nos crimes de perigo abstrato, a conduta já vem dotada, pelo legislador, de presunção de periculosidade sendo desnecessária a sua comprovação.
Através das últimas alterações do Código de Trânsito Brasileiro, o legislador tentou editar o artigo 306 de forma que o incurso no referido artigo seja enquadrado com a conduta do crime de perigo abstrato, bastando constatada a concentração alcoólica superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, consoante o referido artigo em seu parágrafo primeiro.
No entanto, como corrente contrária, defende Gomes (2008), que o artigo 306 não deve ter interpretação como delito de perigo abstrato, pois o perigo abstrato só pode ser assumido na esfera administrativa, artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, portanto.
Preleciona, em um de seus escritos.
Nisso é que reside uma das diferenças entre a infração administrativa e a penal. Eventual interpretação literal da primeira parte do art. 306 retrataria exemplo de administrativização do Direito penal. Confundiria Direito administrativo com Direito penal.
E ainda.
Contentar-se, no âmbito penal, com o simples perigo abstrato significa dar curso ao abominável Direito penal do inimigo, que pune o agente sem o devido respeito às garantias mínimas do Direito penal (estando, dentre elas, o princípio a ofensividade). O Direito penal nazista fez muito uso dessa técnica legislativa consistente na infração de perigo abstrato (ou seja: mera desobediência à norma, sem nenhuma preocupação com a ofensa ao bem jurídico). Não podemos repetir o que historicamente se tem como abominável. Não podemos conceber como válida uma interpretação nazista do Direito penal.(GOMES, 2008)
Não é preciso vítima concreta no delito mas será imprescindível a comprovação em juízo da periculosidade da condução e a alteração da capacidade psicomotora do agente e essa comprovação só poderá ser feita com as quantidades elencadas na lei, sujeitas à colaboração do agente em autorizar a coleta de sangue para exame ou então a cooperação se sujeitando ao teste de etilômetro.
E ainda, Gomes (2008) define que no artigo citado, trata-se do perigo abstrato de perigosidade real, sendo exige a comprovação efetiva da alteração da capacidade psicomotora do agente que deve ser assim comprovada através de uma condução anormal que é o cerne do crime de dirigir sob estado de embriaguez. Não estando essas condições comprovadas, trata-se apenas de uma infração punível administrativamente.
Primeiramente deve-se tratar da inconstitucionalidade do artigo 306, pois, segundo Gomes (2008) ao considerar 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue que o motorista está embriagado, não se leva em consideração que as pessoas são diferentes umas das outras e reagem de maneira diversa ao álcool. Destarte, viola o princípio constitucional da igualdade, o qual rege que os desiguais devem ser tratados de forma desigual à medida de sua desigualdade.
Prosseguindo, a conduta de conduzir veículo automotor sob influência de álcool vem tipificada em nosso Código de Trânsito Brasileiro desde sua redação original. No entanto, sem alcançar o “pretexto” objetivado, vem havendo um enrijecimento da lei paulatinamente. Enrijecimento esse, destaca-se, cheio de hipocrisias e modificações desastrosas.
Em sua redação original, Seção II, Dos Crimes em Espécie o artigo 306 trazia:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: [...] Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Lembrando que as penas permanecem inalteradas até a presente vigência.
Eis que primordialmente há que se observar o termo “na via pública”. Portanto, se o condutor fosse flagrado embriagado e conduzindo o veículo em áreas rurais, em uma fazenda particular, em estacionamentos particulares, áreas internas de prédios, enfim, em qualquer área particular, a conduta seria atípica.
Ainda, “veículo automotor” é previamente definido consoante o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro:
VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas.
Portanto, para o legislador, os veículos de propulsão humana, como bicicletas, por exemplo, e veículos de tração animal, como carroças, não são potencialmente ofensivos ao trânsito e poderiam, e podem (a lei não foi alterada nesse sentido ainda), trafegar com seus condutores embriagados sem nenhum problema.
Sem grande efetividade na aplicação da lei, o legislador resolveu inovar. Em 16 de junho de 2008 o artigo 306 passou a vigorar com a seguinte alteração:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Dessa vez, a desastrosa mudança é verificada quando o legislador determina a concentração etílica tolerada ao condutor para que não lhe seja imputado o fato em questão. Ora, nessa situação, é imprescindível o exame pericial ou técnico para confirmar a concentração alcoólica e a mesma é totalmente dependente da colaboração do condutor.
Segundo Heleno Fragoso apud Lima (2015), p. 130:
O problema fundamental não é propriamente o do conteúdo de álcool no sangue, mas o dos efeitos que o mesmo produz, o que depende da constituição da pessoa e de seus hábitos. Por essa razão, as leis passaram a incriminar o fato de dirigir veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas que coloquem o motorista em condição de não poder agir com segurança.
A partir de 20 de dezembro de 2012 com a sanção da presidência, pela edição da lei 12.760, o artigo 306 passou a vigorar e continua vigente com a seguinte alteração:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
Elucidando o caso em tela, o caput nos descreve que o crime consiste em conduzir o veículo automotor com a capacidade alterada em razão da influência de álcool (ou outra substância psicoativa) e em seu parágrafo 1º, inciso I determina a quantidade etílica que deve estar presente para que o condutor seja incurso no crime descrito.
Portanto, a prova técnica deve ser realizada para determinar a concentração etílica no organismo do indivíduo. Se somente os testes de sangue ou etilômetro podem ser capazes quantificar o grau etílico atingido, por óbvio, que a “perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos” não são capazes de atestar a dita embriaguez.
E mais, em seu inciso II o legislador prevê que o Contran disporá sobre “sinais” que atestem a embriaguez. Como seria possível determinar “sinais” que pontualmente só podem ser constatados por números? Como seria possível determinar “sinais” que só podem ser verificados via coleta invasiva de sangue ou de cooperação do agente em realizar teste de etilômetro?
Corroborando ainda mais com o caos, em 9 de maio de 2014 passou a vigorar a lei 12.971 que alterou o parágrafo 2º que agora possui o seguinte texto vigente:
§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
Mais uma vez, como é possível a verificação numérica de dosagem etílica mediante perícia, vídeo, prova testemunhal ou qualquer outro meio que não os exames de coleta de sangue ou de etilômetro?
Nesse ponto agora entramos na maior ofensa à lei que poderia o legislador cometer. Diante da impossibilidade de resposta ao questionamento acima e com intuito de impossibilitar ao condutor de recusar-se em coletar sangue ou aferir dosagem via etilômetro, em 2016 foi editada a lei 13.281 que incluiu o artigo 165-A ao Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:
Claramente contrário ao princípio da vedação da não autoincriminação, o artigo 165-A além de desrespeitar a Constituição Federal, tal partícula do CTB ainda impõe sanção administrativa e pecuniária. “Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.”.
Consoante o entendimento de GOMES (2010), o princípio da vedação da não autoincriminação tem previsão legal tanto no direito interno como no direito internacional. Há aspectos expressamente previstos na Carta Magna de 88 em seu artigo 5º, inciso LXIII, como na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (art. 8º, 2, g) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, 3, g).
Há entendimento inclusive do Ministério Público Federal que emitiu um parecer em seu site em que pede que STJ negue recurso do Detran por não apresentar outras provas além da recusa ao exame de embriaguez. No parecer o subprocurador-geral destaca “Não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo”.
E mais, GOMES (2008) ainda destaca que não há nenhum dispositivo na lei que trata da criminalização da direção homicida, que é a condução do veículo com manifesta temeridade e desprezo à vida alheia. O exemplo utilizado pelo autor é dirigir pela contramão de direção numa rodovia. Trata-se de um aspecto importante porém sequer se é comentado.
Após a lei seca entrar em vigor, em 2008, GOMES destaca que houve uma redução dos acidentes de trânsito em todos os Estados. Um percentual de 15,3 em São Paulo e 14,5 nas estradas federais. O número de mortes também foi reduzido em 8,8% no Estado de São Paulo e 63% na capital do Estado. São resultados robustos e sem dúvida de primordial importância.
No entanto, esses resultados não devem ser atribuídos à nova edição da lei e sim à intensificação da fiscalização por parte da polícia militar. A lei, por mais severa que seja, sem fiscalização não funciona. A intensificação da fiscalização comprovou ser fundamental na prevenção de acidentes. Evidente que se houver uma diminuição da fiscalização, os resultados serão diferentes.
Deve-se atribuir também, ao efeito psicológico causado nos motoristas, uma vez que, com intensificação da fiscalização a sensação de impunidade é menor.
E mais, houve uma grande euforia midiática com a Lei Seca sendo cada vez mais noticiado as alterações da lei e a prática da tolerância zero que intimidou os motoristas que tinham costume de infringir a lei nesse aspecto.
O consumo de álcool é culturalmente difundido entre a população brasileira e tendo, historicamente acompanhado a evolução da sociedade. O álcool é uma droga psicotrópica que pode causar dependência e que atua no sistema nervoso central causando alteração na capacidade motora e mudança de comportamento. A dependência de álcool é chamada de alcoolismo e é uma doença, inclusive reconhecida pela Organização Mundial da Saúde.
Infelizmente, a combinação de consumo de bebida alcóolica e direção é costumeira e causa acidentes, lesões e até mortes no trânsito. Essa combinação perigosa vem sido combatida há algum tempo, no entanto, pode-se observar grandes equívocos na legislação e na aplicação efetiva da lei. Ao longo da pesquisa, pode-se observar, inclusive, ofensa a direitos constitucionais.
É posição unânime na sociedade que crime deve ser combatido, no entanto, não se deve criminalizar toda atitude que não esteja em assenso com a vontade estatal. Para se tipificar uma ação, a mesma deve gerar dano ou alguma perigosidade a um bem jurídico. Mera atitude sem estar dotada de efetivo perigo não pode ser criminalizada. É um erro legislativo a criminalização da direção de veículo sob efeito de álcool uma vez que a medida administrativa tem maior efetividade.
Nem sempre a pessoa que ingeriu bebida alcóolica oferece risco à segurança viária e o perigo, para ser criminalizado, deve ser iminente.
Houve grande intensificação do combate ao consumo de álcool combinado com a direção de veículos e muitas alterações na lei foram editadas proporcionando um enrijecimento da lei. A mídia atuou de forma intensa após a edição da popularmente conhecida Lei Seca e de fato houve algum resultado plausível. Há quem defenda que foi alcançado o esse resultado devido à atuação policial e da mídia, sem nenhuma ligação com a modificação da lei.
Há várias inconsistências na legislação e muito precisa ser feito e discutido a respeito do tema porém tem que ser feito nos moldes da lei, sem exageros e sem abusos. Não se pode viver de forma que a insegurança no trânsito seja imperativa, contudo, não se pode suportar os excessos do poder público. E esse é o grande motivo para se trazer o assunto à pauta. Discutir sobre o assunto de maneira crítica é evoluir através do debate.
Nossa legislação de trânsito é relativamente jovem e muito ainda pode ser feito.
BRASIL. Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, DF, 23 de set. 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm. Acesso em: 14 set. 2019
BRASIL. Lei no 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm. Acesso em: 14 set. 2019
BRASIL. Lei no 12.760, de 20 de dezembro de 2012. Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12760.htm. Acesso em: 14 set. 2019
BRASIL. Lei no 12.971, de 9 de maio de 2014. Altera os arts. 173, 174, 175, 191, 202, 203, 292, 302, 303, 306 e 308 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, para dispor sobre sanções administrativas e crimes de trânsito. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12971.htm. Acesso em: 14 set. 2019
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LIMA, Marcellus Polastri Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.
PACELLI, E. CALLEGARI, A. Manual de direito penal: parte geral 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018.
Graduando em Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAGOLO, Ueslei Antonio. Lei seca: caminhando para o draconismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2020, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54348/lei-seca-caminhando-para-o-draconismo. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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