RESUMO: O artigo em questão tem como intuito abordar a importância do inquérito policial frente às garantias individuais da pessoa humana. Abrange ainda a questão de como o Estado, por meio do inquérito policial, deve garantir que o suspeito seja tratado como sujeito de direitos e não apenas um objeto na investigação. Por meio de uma revisão bibliográfica iremos analisar de que maneira o Estado, por intermédio do inquérito policial, em seu poder e dever de investigar infrações penais, e, por conseguinte, responsabilizar os infratores, pode e deve garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana sejam respeitados. Por fim, vale ressaltar, que após analisados os aspectos inerentes ao inquérito policial, apesar de toda a problemática que abarca a questão, este é o modelo de investigação que melhor assegura os direitos e garantias individuais do sujeito supostamente imputado.
Palavras-chave: Inquérito policial. Garantias individuais. Sujeito de direito.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O inquérito Policial. 3. Aspectos diretamente relacionados às garantias fundamentais da pessoa humana: 3.1. Oficialidade; 3.2. Imparcialidade; 3.3. Cautelaridade; 3.4. Procedimento escrito; 3.5. Sigiloso; 3.6. Temporalidade; 3.7. Unidirecionalidade. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O estudou demonstra que, mesmo diante da problemática que circunda o inquérito policial, o procedimento possui características e aspectos que garantem ao suposto acusado que este seja tratado como sujeito de direitos fundamentais e tenha estes direitos resguardados.
Alguns dos aspectos inerentes ao procedimento, por si, já são uma garantia de que o suspeito não tenha seus direitos violados, contando ainda com o controle, por parte de órgãos correcionais próprios, pelo Poder Judiciário, Ministério Público, o próprio imputado, seu advogado e a OAB. Cabe salientar ainda, que os atos praticados durante o inquérito policial contam com a possibilidade de impetração de remédios constitucionais, tais como o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança.
O objetivo deste artigo é apresentar algumas reflexões levantadas em contraponto à idéia que se propaga de que o inquérito policial é uma ferramenta de poder nas mãos dos delegados de polícia, e teria como finalidade única fornecer elementos que promovam a ação penal.
O artigo buscará esclarecer acerca do importante papel que o inquérito policial apresenta sendo uma ferramenta que garante que o processo investigativo considere, além da verdade dos fatos, os direitos e garantias individuais do investigado.
2. O INQUÉRITO POLICIAL
Segundo Capez (2006, p. 72) inquérito policial, por definição: “É o conjunto de diligências realizadas pela policia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º)”.
Salientamos que, além disto, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o inquérito passou a ser instrumento de garantia dos direitos fundamentais. A Carta Magna atribuiu ao investigado, autor do fato a que se atribui prática de infração penal, a condição de sujeito de direitos e não apenas objeto de investigação, como era antes visto.
Como podemos perceber, já a partir da definição do inquérito policial, que trata de uma investigação anterior a propositura da ação penal, que seu fundamento principal é garantir que, através da busca pela verdade dos fatos, não haja acusação infundada. Sendo assim, essa função preservadora do inquérito policial termina por garantir que não sejam instauradas ações penais injustas, resguardando a liberdade do inocente.
A natureza do procedimento é de instrução provisória, preparatória e informativa, onde serão colhidos elementos de prova, que por muitas vezes, devido à natureza do fato delitivo, poderá ser inviável a obtenção na fase de instrução judiciária, tais como exames periciais, e autos de flagrante.
Reforçamos que, mesmo sendo um procedimento informativo, no inquérito policial são realizadas diligências que contam com exames periciais que contém grande valor probatório, pois são baseados em fatores de ordem técnica.
3. ASPECTOS DIRETAMENTE RELACIONADOS ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA
Antes visto como procedimento de exercício do poder autoritário do Estado, que tendia a violar os direitos e garantias do investigado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou a ser instrumento que garante ao investigado que seus direitos fundamentais sejam resguardados.
As regras processuais penais tem se modificado desde a Constituição, de modo que se alinhe às garantias constitucionais, o que assegura uma maior proteção dos direitos individuais dos envolvidos em um processo penal, incluindo o inquérito policial.
Dentre as modificações que ocorreram nesta seara podemos mencionar o sigilo, que após a CF de 1988 foi modificado no sentido de que não haverá mais sigilo em face do advogado, situação já pacificada por meio da edição da Súmula Vinculante 14 que diz que:
"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".
Outros aspectos referentes ao inquérito policial que foram modificados e desta forma, colaboram com a preservação das garantias fundamentais incluem a obrigatoriedade de comunicação ao juiz, família e advogado da prisão em flagrante, as novas regras de interrogatório, o direito ao silêncio e o direito de não ser obrigado a fazer prova contra si.
Veremos, de modo mais detalhado, como características intrínsecas ao inquérito policial, tais como imparcialidade, cautelaridade, sigilo, oficialidade, entre outros, estão em concordância com a garantia dos direitos fundamentais.
3.1. Oficialidade
O art. 144, § 4° da Constituição Federal afirma que “o Delegado de Polícia de carreira, autoridade que preside o inquérito policial, constitui-se em órgão oficial do Estado.” Cabendo às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, a incumbência, ressalvada a competência da União, a função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
A oficialidade, enquanto característica do inquérito policial, garante ao investigado que apenas o Estado terá a prerrogativa de envolver-se na vida alheia a fim de elucidar os fatos e aplicar a lei, evitando assim injustiças e arbitrariedades, como também a conhecida justiça “pelas próprias mãos”.
3.2. Imparcialidade
O CPP - Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941, Art. 257, afirma que: “Ao Ministério Público cabe: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
II - fiscalizar a execução da lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”
A modificação na legislação não cita o Ministério Público como órgão que deva instaurar procedimento de investigação e apurar infrações penais, deste modo, entende-se que o MP não deve conduzi-las.
O fato é que a investigação preliminar realizada pelo órgão acusador estaria contaminada pelos interesses de acusação, pois o julgamento do promotor, enquanto homem, o distancia da equidade necessária à condução da averiguação. Evidente que a investigação sendo conduzida por parte que tenha interesse na causa, o encaminhará a produzir as provas que lhe forem oportunas.
A polícia, por sua vez, não faz parte nem da acusação, nem da defesa, sendo figura imparcial, empenhada apenas na busca da realidade dos fatos. Não tem interesse na absolvição ou condenação, busca apenas garantir, ao cidadão e a sociedade, que os fatos sejam verificados dentro da legalidade e garanta a dignidade da pessoa humana. À polícia caberá, portanto, atuar de modo independente e imparcial.
3.3. Cautelaridade
Antes da Constituição Federal de 1988, o inquérito policial possuía por função principal reunir elementos a respeito do fato criminoso e sua autoria que fossem suficientes para que a ação penal fosse instaurada por seu titular.
No entanto, a doutrina atual enxerga o inquérito policial não apenas pelo aspecto acima mencionado, além disso, como elemento de captação e preservação dos meios de prova, tanto da materialidade, quanto da autoria delitiva, que ficará a serviço de uma possível ação penal posterior, como bem explica Machado (2010).
Machado (2010) cita José Frederico Marques ao destacar a cautelaridade do inquérito policial, verbis: “a investigação não passa do exercício do poder cautelar que o Estado exerce, através da polícia, na luta contra o crime, para preparar a ação penal e impedir que se percam os elementos de convicção sobre o delito cometido”.
Como sabemos, a justiça pode levar anos para julgar um processo e o inquérito policial, com essa característica cautelar, coopera para que os elementos de prova não se percam com o tempo, garantindo que tanto vítimas, quanto acusados não sofram injustiças.
3.4. Procedimento escrito
O Art. 9º, CPP afirma que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”
Desta maneira, enquanto procedimento escrito, o inquérito policial garante que os detalhes da investigação não se percam. Visto que o julgamento do investigado poderá ocorrer anos após o fato gerador da ação penal, inibe a distorção dos fatos, pois estarão documentados os depoimentos, provas técnicas e demais provas colhidas durante a fase investigativa, e deste modo, serve não apenas à acusação, como também à defesa.
Vale ressaltar ainda que o inquérito policial, enquanto peça escrita estará sujeito ao controle de legalidade pelos órgãos correcionais próprios, pelo Poder Judiciário, Ministério Público, o próprio imputado, seu advogado e a OAB. Portanto, caso haja irregularidade no processo investigativo, esta estará documentada e sujeita a fiscalização dos órgãos competentes.
3.5. Sigiloso
O art. 20, CPP, afirma que “a autoridade policial assegurará no inquérito o sigilo que reconhecer necessário para a elucidação dos fatos ou o exigido pelo interesse social.
BONFIM (2012) explica que o sigilo no âmbito do inquérito policial apresenta dois aspectos, sendo um o sigilo externo e o outro, o sigilo interno. Enquanto sigilo interno compreende-se que, no decorrer da investigação poderão surgir fatos novos, delineando novas hipóteses ou linhas de investigação, que, enquanto não concluídas e esgotadas todas as probabilidades, poderá valer-se do sigilo a fim de que as provas colhidas não sejam alteradas. Enquanto o sigilo interno apresenta a função primordial de proteger a imagem do suspeito da opinião pública.
O sigilo, porém, não alcança os membros do Poder Judiciário e ao Ministério Público, como também ao advogado, este desfrutando do direito de examinar os autos do inquérito, tendo acesso amplo aos elementos de prova já documentados no procedimento investigatório e assim exercer o direito de defesa do investigado.
O Supremo Tribunal Federal assegura esse direito por meio da Súmula vinculante nº 14, citada anteriormente, e que está diretamente relacionada à questão do sigilo. A mesma dispõe que:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
Dito isto, fica clara a importância do sigilo tanto no que tange à continuidade da investigação, resguardando os fatos novos e ainda não elucidados; quanto no que se refere à imagem do investigado, que podendo ser pessoa inocente, não terá sua identidade exposta à opinião pública, podendo assim sofrer inúmeros danos de toda ordem.
3.6. Temporalidade
O art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal no diz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asseguradas a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
Neste sentido, estende-se ao inquérito policial a regra de que deve haver prazo para sua conclusão. Como regra geral, nos crimes de competência da Justiça Estadual, o inquérito deverá ser concluído, conforme o art. 10 do CPP, no prazo de dez dias, no caso de indiciado preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente; ou, quando estiver solto, no prazo de trinta dias.
Ressalte-se que a autoridade policial pode tomar, por autoridade própria ou mediante autorização judicial, por necessidade da investigação, medidas que atinjam os direitos fundamentais do investigado, sejam direitos à liberdade, no caso da prisão em flagrante, direitos que atinjam o patrimônio, no caso de apreensão de bens ou mesmo à intimidade, no caso de acesso a dados sigilosos.
Desta feita, o prazo estabelecido para a conclusão do inquérito policial garante que o procedimento não se prolongue por tempo indeterminado, salvo exceções em que os fatos sejam de difícil esclarecimento, e permita que o Poder Judiciário e os demais órgãos, atuem na fiscalização, no que tange a eventuais restrições de direitos do investigado.
Imagine que, se não houvesse prazo para a conclusão, o procedimento poderia se prolongar ad eternum e atingir de forma negativa a vida de todos os envolvidos. A vítima e os seus estariam sem a solução para o caso em que foram prejudicados e o investigado, estaria sempre em condição de acusado, sendo ele culpado ou inocente.
3.7. Unidirecionalidade
A unidirecionalidade, enquanto característica do inquérito policial se refere ao aspecto em que o procedimento serve à apuração dos fatos, de autoria e materialidade delitiva, ficando a autoridade policial impedida de atribuir juízo de valor sobre a investigação e o que nela foi apurado.
Enquanto função formal, o inquérito policial tem por direção única a apuração dos fatos, autoria e materialidade, como acima foi exposto. No entanto, sabemos que, além da função formal, o inquérito policial é valiosa ferramenta no que tange à salvaguarda dos direitos dos envolvidos, inclusive do investigado.
Percebe-se também que está relacionada à imparcialidade, pois tendo como função a apuração dos fatos, impede a autoridade policial de praticar juízo de valor. Logo não há comprometimento do procedimento com a acusação ou a defesa.
4. CONCLUSÃO
Neste artigo, buscamos iluminar a mente do leitor, em torno da atual contenda acerca do inquérito policial, sua finalidade e importância. O enfoque dado se refere ao fato do inquérito, apesar das questões que envolvem a prática, ter uma importante finalidade, ignorada por muitos, por não ser formal: a função garantidora de direitos fundamentais das partes envolvidas, inclusive o investigado/acusado.
Após a revisão bibliográfica realizada, ficou evidente que o inquérito policial vai além de mera peça administrativa e que a única finalidade seria a apuração dos fatos delitivos, sua autoria e materialidade. Ficou demonstrado que, além desta finalidade formal, existe o escopo de suma importância no âmbito da garantia dos direitos das partes envolvidas.
As características que compõem o procedimento permitem que o mesmo seja capaz tanto de buscar pela verdade dos fatos, por meio da documentação de provas, dos exames periciais; como garantir que atos praticados durante sua realização estejam sujeitos à possibilidade de impetração de remédios constitucionais, tais como o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança.
Salienta-se ainda que, não sendo a autoridade policial parte integrante de acusação ou defesa, seja imparcial durante o procedimento investigativo, evitando que o cidadão sofra com ações penais temerárias.
Deste modo, concluímos que o inquérito policial, apesar das críticas a ele dirigidas, tem se tornado, a partir da Constituição Federal de 1988, um instrumento eficiente e garantista, contando com a observância dos meios essenciais para a defesa da liberdade do acusado.
5. BIBLIOGRAFIA
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Delegada de polícia da Polícia Civil de Pernambuco. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em direito processual civil pela Universidade Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, FLAVIA DE ALBUQUERQUE. Inquérito Policial e sua relação com as garantias fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 mar 2020, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54363/inqurito-policial-e-sua-relao-com-as-garantias-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
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