ANDREA LUIZA ESCARABELO SOTERO[1]
(Orientador)
RESUMO: O trabalho apresentado, visa analisar um tema que está sendo repercutido com grande ênfase no mundo jurídico, a figura do estelionato sentimental. Atualmente reconhecida por jurisprudência, o termo vem sendo analisado pelo prisma da responsabilidade civil, cabendo reparação de danos morais e materiais ao ofendido. O presente, traz os pressupostos caracterizadores da obrigação de indenizar, sendo eles o ato ilícito e o abuso de direito. Também, a analise descritiva das características das partes existentes na relação afetiva estudada e a análise fática do primeiro caso que deu origem ao tema apresentado, no ano de 2013 em Brasília- DF. Breves apontamentos em relação a responsabilidade civil, elencada no Código Civil de 2002, foram feitos para melhor entendimento do assunto abordado. Atenta-se o atual estudo para a proteção da vítima que deve ser ressarcida pelos danos causados a mesma. Para a realização do estudo, foi utilizado o método de revisão bibliográfica e aplicado o método hipotético dedutivo.
Palavras-chave: Estelionato sentimental. Responsabilidade civil. Abuso de direito. Boa-fé objetiva.
ABSTRACT: This paper aims to analyze a theme that has been reflected with great emphasis in the legal world, the figure of sentimental estelionate. Currently recognized by jurisprudence, the term has been analyzed from the perspective of civil liability, being responsible for reparation of material and moral damages to the offended. The present, brings the necessary presuppositions for the characterization of the obligation to indemnify, being the abuse of right and the illicit act practiced. Also, the descriptive analysis of the characteristics of the existing parts in the affective relationship studied and the factual analysis of the first case that gave rise to the theme presented, in 2013 in Brasília-DF. Brief notes regarding the institute of civil liability were made, for a better understanding of the subject. This study focuses on the protection of the victim who should be compensated for the damage caused to him. To perform the study, the literature review method was used and the hypothetical deductive method was applied.
Key words: Sentimental Estelionate. Civil responsability. Abuse of law. Objective good faith.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, com a valorização do princípio da boa-fé objetiva e a evolução dos relacionamentos amorosos, nos deparamos com uma nova figura, o estelionato sentimental.
Podendo ser caracterizado como um novo ‘golpe’, o artificio utilizado para a obtenção de vantagem é o sentimento alheio. Aquele que comete o estelionato afetivo utiliza de situações que fragilizam a vítima para enriquecimento ilícito.
Por se tratar de um tema relativamente novo, a legislação ainda é defasada, carecendo do olhar crítico do judiciário para resolução de cada caso, necessitando de um estudo mais aprofundado para analisar as consequências que tal ato acarreta.
Por intermédio deste artigo, será apresentado o tema estelionato sentimental, definindo-o e analisando mais de perto a ação que deu origem ao assunto, baseando-se na sentença proferida pela 7º Vara Cível de Brasília, no ano de 2013.
Frente aos relacionamentos afetivos não protegidas pelo ordenamento jurídico, será verificado o instituto da responsabilidade civil, abordado pelo Código Civil, que tem sido utilizado como fundamento para reparação dos danos causados pela figura estudada.
2.1 origem do termo
O legislador, ao redigir a atual norma, deixou uma grande lacuna em relação ao tema, visto que, o termo repercutiu pela primeira vez em Brasília-DF, no ano de 2013, em um processo tramitado na 7º Vara Cível que condenou o réu, ex-namorado da autora da ação, ao pagamento de uma indenização no valor de cento e um mil e quinhentos reais em decorrência de dividas adquiridas pela vítima no decurso da relação amorosa que durou dois anos. Em sentença, proferiu o magistrado que:
Embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar. ( TJDF, 7ª Vara Cível de Brasília, Autos nº 0012574-32.2013.8.07.0001, juiz de Direito Luciano dos Santos Mendes) .
Posteriormente, em recurso promovido pelo réu, a 5º Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, manteve a sentença proferida pelo juízo a quo que condenou o ex-namorado da autora a restitui-la dos valores dispendidos em despesas e dividas adquiridas pela mesma, no decurso do relacionamento, em prol do réu como recargas de celular, empréstimos bancários, passagens de viagens, etc. O fato gerou a seguinte ementa:
PROCESSO CIVIL. TÉRMINO DE RELACIONAMENTO AMOROSO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ABUSO DO DIREITO. BOA FÉ OBJETIVA. PROBIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. [...] depreendendo-se que a autora/ apelada efetuou continuadas transferências ao réu; fez pagamentos de dívidas em instituições financeiras em nome do apelado/réu; adquiriu bens móveis tais como roupas, calcados e aparelho de telefonia celular; efetuou o pagamento de contas telefônicas e assumiu o pagamento de diversas despesas por ele realizadas, assim agindo embalada na esperança de manter o relacionamento amoroso que existia entre os ora demandantes. Corrobora-se, ainda e no mesmo sentido, as promessas realizadas pelo varão-réu no sentido de que, assim que voltasse a ter estabilidade financeira, ressarciria os valores que obteve de sua vítima, no curso da relação. 2. Ao prometer devolução dos préstimos obtidos, criou-se para a vítima a justa expectativa de que receberia de volta referidos valores. A restituição imposta pela sentença tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa, sendo tal fenômeno repudiado pelo direito e pela norma. 3. O julgador não está obrigado a pronunciar-se quanto a todos os dispositivos de lei invocados pelas partes, quando entender ser dispensável o detalhamento na solução da lide, ainda que deduzidos a título de prequestionamento. 4. Recurso conhecido e não provido. (TJDF. Acórdão n.866800, 20130110467950APC, Relator: CARLOS RODRIGUES, Revisor: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/04/2015, publicado no DJE: 19/05/2015. P. 317).
No caso fático, entendeu o MM. Julgador que a vítima foi levada a erro ao gerar uma espera em receber de volta o valor despendido em empréstimos ao ex-namorado, uma vez que, o próprio, propiciou tal expectação. Contudo, não tendo o réu real objetivo de ressarcir o valor, usou de má-fé para enriquecer ilicitamente, visto que este ato é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico.
Para a tipificação do estelionato afetivo é necessário cautela, pois a mera desilusão amorosa causada pelo termino do relacionamento não caracteriza tal ato.
2.2 Analogias com o artigo 171 do Código Penal Brasileiro
O denominado estelionato de afeto é uma pratica que se configura a partir das relações amorosas e emocionais, cujo conceito se toma por empréstimo definido no artigo 171, do CP, quando o agente utiliza de meio ardil e fraudulento para obter vantagem econômica ilícita de seu companheiro, se aproveitando da relação afetuosa e mantendo em erro a vítima. Em que pese, o referido artigo dispõe, in verbis:
“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa” (BRASIL, 2016).
No que concerne ao estelionato, identifica-se diversos de requisitos aos quais tipificam o crime, sendo elas, o lucro ilícito, o erro, o dolo e o prejuízo alheio. Seguindo esta linha, o penalista Greco (2017, p.853) assevera que “desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale de fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese lhe seriam indevidas.”
Depreende-se então que, o estelionato sentimental é toda a forma de obtenção de vantagem ilícita no decurso de uma relação amorosa em que, um indivíduo aproveita-se da lealdade, confiança e afeto alheio para enriquecimento próprio, desrespeitando a boa-fé objetiva e, consequentemente acarretando a obrigação de indenizar a vítima pelos prejuízos sofridos.
2.3 Características do estelionatário e da vítima na relação
O advogado Nardenn Souza Porto, especialista no tema e responsável pelo caso fático que deu origem ao assunto, explana que (2019, N.P.), para realizar a fraude os golpistas utilizam de gatilhos mentais em conjunto com técnicas de psicologia, que influenciam diretamente na tomada de decisão da pessoa, ou seja, a vítima fica continuamente em estado de erro e acaba ficando cega, sem reação própria.
Geralmente as ferramentas usadas pelos estelionatários configuram-se em técnicas de sedução, reciprocidade disfarce, escassez, urgência, segurança, criação de uma nova personalidade e identidade, excessos de elogios, entre outros.
A principal arma utilizada pelo golpista é o sentimento da vítima, na maioria das vezes esta encontra-se em um momento difícil da vida como, por exemplo, passando por um processo de divórcio término recente de um relacionamento, perda de um ente querido ou passando por problemas de saúde. Aproveitando-se desse momento de fragilidade, o golpista aproxima-se da vítima conquistando sua confiança, induzindo-a a erro e mantendo-a nesta situação até que alcance seu objetivo.
Após obter a vantagem almejada, o golpista abandona vítima que por sua vez fica em estado de penúria psicológica e tendo seu patrimônio dilapidado, com dividas em seu CPF e sem um direcionamento de como reconstruir sua vida (Nardem, 2019).
3 PARÂMETROS NORTEADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Disciplinado o Título IX, Parte Especial, do Código Civil de 2002, o instituto da responsabilidade civil dispõe em seu artigo 927 que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2016), ou seja, a responsabilidade civil tem por objetivo a reparação de danos causado a outrem, que tenha diminuído seu patrimônio jurídico. Segundo Pablo Stolze Gagliano (2017, p.59) “a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).”.
Atualmente no ordenamento jurídico, encontramos duas classes de responsabilidade, objetiva e a subjetiva, Para Carlos Gonçalves (2017, p.62), a convicção de responsabilidade civil objetiva tange da vertente em que é indispensável a relação de causalidade entre a ação e o dano, ou seja, independente da culpa comprovada, o responsável por causar dano tem o dever de indenizar a vítima.
Diferentemente, para a classificação da responsabilidade civil subjetiva estreita-se na convicção de culpa, nesta perspectiva, comprovação da culpa do agente causador é requisito essencial para a indenização do dano. Para Gagliano (2017, p.65) “A responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo”.
3.1 Requisitos da Responsabilidade Civil
Para Tartuce (2018, p.59) “a responsabilidade civil, no Código Civil de 2002, está estribada em dois conceitos estruturais, tratados em sua Parte Geral, quais sejam o ato ilícito (art. 186) e o abuso de direito (art. 187).”.
Via de regra, a obrigação de indenizar provém da ilicitude de um ato. O artigo 186, do Código Civil de 2002 consagra que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Analisando o dispositivo da lei, extraímos três pressupostos imprescindíveis da Responsabilidade Civil, sendo eles a conduta, nexo causal e a culpa.
3.1.1 Conduta
Para configuração da responsabilidade civil, o primeiro requisito, indispensável, é a conduta humana praticada pela ação ou omissão do agente causador. Paulo Nader salienta que (2016, p.87) “o ato ilícito pressupõe uma conduta do agente, violadora da lei ou de ato negocial causadora de lesão ao direito alheio”. Destarte (Gagliano, 2017) tal ação pode ser positiva ou negativa, conduzida voluntariamente pelo agente, fato o qual enseja um dano ou um prejuízo ao patrimônio juridicamente tutelado de outrem.
Ressalta, também, Pablo Stolze Gagliano (2017, p.84) que: “O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.”
Em outras palavras, para determinar o elemento conduta, é necessário a voluntariedade. No entanto, tal ato não configura necessariamente a intenção de causar dano, mas, a ciência do aquilo que está fazendo, ou seja, o conhecimento do ato praticado.
3.1.2 Nexo de causalidade
O vínculo lógico entre a ação do agente e o prejuízo causado chama-se nexo causal, segundo requisito para a formação da responsabilidade civil. Segundo Cavalieri Filho (2014, p. 63) “o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É um conceito jurídico-normativo através do qual poderemos concluir quem foi o causador do dano.”, ou seja, trata-se do liame de ligação entre o ato e o dano, ausente essa ligação de causalidade não há de se falar em dever de indenizar.
É de entendimento doutrinário que o Código Civil brasileiro adotou a mesma teoria da relação de causalidade amparada pelo Código Penal, em seu artigo 13, in verbis:
” Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”
Neste sentido, apenas as práticas de condutas causadoras de danos são capazes de gerar a reparação e a obrigação de indenizar. Em contrapartida, determinados acontecimentos desfazem o nexo de causalidade, ensejando na exclusão da responsabilidade civil, visto que a ausência de qualquer um dos pressupostos impossibilita o dever de indenizar (Cavalieri Filho, 2014). Estabelece Gonçalves (2012, p. 465) que as excludentes da responsabilidade são: “o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar, e o caso fortuito e a força maior”. Presente qualquer uma dessas hipóteses, impede-se o compromisso de indenizar e, consequentemente, a exclusão da responsabilidade civil.
3.1.3 Culpa
A culpa, em sentido amplo, caracteriza o elemento subjetivo da conduta compreendida em stricto sensu como ação ou omissão dolosa. Na responsabilidade subjetiva, a culpa é um dos pressupostos essenciais para a formação do ato ilícito (Paulo Nader, 2016).
O componente culpa é essencial para a definição da conduta na responsabilidade civil, já que, se a ação do agente não for voluntaria e não incorrer de negligência, imprudência ou imperícia, não há de se falar em ato ilícito e reparação de danos.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2017, p.66)
Para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de provar dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil. Entretanto, como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o nosso direito positivo admite, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a responsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria do risco.
Considerando, em sentido amplo, a teoria subjetiva da culpa sofre várias distinções na manifestação de sua extensão e natureza, sendo elas: culpa lata ou grave - o agente incorre deliberadamente em sua conduta, certo de que causará danos a outrem; culpa leve e levíssima – a conduta do agente decorre de uma falta e atenção (Gonçalves, 2017)
3.2 Dano material e moral
É requisito fundamental para a configuração da responsabilidade civil o dano ou o prejuízo ao patrimônio juridicamente tutelado, podendo ser ele material ou moral. Preceitua Gagliano (p. 93, 2017) que “sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente, responsabilidade”
Sergio Cavalieri Filho (2000, p. 70), ressalta que, a inafastabilidade do dano incorre nos seguintes termos:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem danos. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento — risco profissional, risco proveito, risco criado etc. —, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem danos, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa
É de entendimento doutrinário que o Código Civil brasileiro adotou a mesma teoria da relação de causalidade amparada pelo Código Penal, em seu artigo 13, in verbis:
“Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”
Nesse sentido, assegura-se que o dano é a lesão a um interesse protegido juridicamente, causado pela ação ou omissão do agente causador do prejuízo.
Antigamente, a doutrina considerava apenas o dano material como passível de reparação, por sua vez, alegavam que o dana moral era insuscetível de indenização pecuniária. No entanto, o entendimento que prevalece é o oposto, fundamentando que o dano moral não tem preço, mas cabe a vítima uma compensação (Paulo Nader, 2016).
O dano patrimonial segundo preceitua Pablo Stolze Gagliano (2017, p. 100) "O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular". Os danos materiais não implicam apenas na diminuição de patrimônio do ofendido, mas também nos prejuízos decorrentes de lucros cessantes e danos emergentes.
Por sua vez, o dano moral tem um duplo significado, em sentido estrito, refere-se ao abalo sentimental sofrido pelo ofendido, e o sentido amplo, que abrange também as lesões de todos os bens ou interesses pessoais da pessoa do ofendido, exceto econômicos (p. 03, CIV 15)
Segundo entendimento de Paulo Nader (2016, p 100)
Danos morais são as práticas que constrangem, injustamente, outrem, causando-lhe sofrimentos na esfera espiritual. São os que atingem a honra, nome, reputação; são, também, os que ferem os sentimentos mais profundos da pessoa humana.
O instituto da responsabilidade civil, impõe ao ofensor o dever de indenizar a vítima pelos danos morais ou materiais injustamente causados. O cumprimento desta reparação se faz na pessoa do ofendido ou aos seus dependentes (Paulo Nader, 2016).
4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO NAMORO
4.1 Entendimento jurídico quanto ao namoro
Não encontramos na lei um conceito para a relação de namoro. Sem a regulamentação legal, não encontramos requisitos para sua formação, a não ser aqueles de cunho moral, impostos pela própria sociedade (Ravache, 2011). Tal relação é marcada por um vínculo afetivo contínuo com intenção de partilhar momentos, progredindo até que haja a constância do casamento (Lima, 2016)
Neste sentido, afirma LIMA (2016):
Verifica-se, pois, que as relações de namoro devem estar pautadas na convivência pública, contínua e duradoura, por meio do qual os companheiros não tenham a intenção de constituir família. Assim sendo, destaca-se que nas relações de namoro deve haver um vínculo, não é uma questão de durabilidade que não se. analisa o tempo, mas sim o tipo de namoro e como as pessoas se reconhecem como tal.
Encontramos no namoro os requisitos para a formação da união estável, sendo elas a convivência pública, contínua e duradoura, no entanto, difere-se no componente subjetivo de constituir família. Preceitua Maria Berenice Dias (2016, p. 412) que “A união estável nasce da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação”.
4.2 Pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil na relação afetivas
A responsabilidade civil fundamenta-se na componente culpa, contudo, encontramos casos em que há o ensejo da obrigação sem que haja o pressuposto da culpa presente (Lima, 2016). Nesse sentido, o direito civil vem tentando se desvencilhar desse conceito tradicional, desta forma preceitua Pereira (2014, p. 537) “a responsabilidade civil tem procurado libertar-se do conceito tradicional de culpa”
Para a definir o estelionato sentimental, partimos da premissa de dois pressupostos do relacionamento amoroso que caracterizam a responsabilidade civil, sendo eles o abuso de direito e a boa-fé objetiva (Lima, 2016).
4.2.1 Abuso de direito
Fundamentada como cláusula geral da responsabilidade civil, o artigo 187, do Código Civil dispõe que (BRASIL, 2016) “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, entende-se desta forma, que, qualquer prática irregular dos preceitos legais configura o abuso de direito.
Gonçalves (2017, p. 68) afirma que “o instituto do abuso do direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos.”, as sanções podem variar conforme o caso concreto, podendo ser desde uma restrição de atividade e até sua cessação, declaração de ineficácia de negócio jurídico, obrigação de ressarcimento dos danos, entre outras.
A teoria defendida por Gonçalves (2017, p. 68) fundamenta que “prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa.”, contrário ao entendimento do autor, a I Jornada de Direito Civil, por meio do enunciado nº 37 (2012, p. 20), dispôs que: “A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Destarte, observa-se que a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe da culpa, fazendo-se necessária a comprovação de um direito subjetivo aliado ao seu emprego de forma irregular para sua caracterização (Lima, 2016).
4.2.1 boa-fé objetiva
A função da responsabilidade civil é a reparar um dano causado a outrem. Ocorre quem nem sempre as possibilidades de reparação de danos encontram-se no instituto da responsabilidade civil, e sim, baseadas em princípios que regem o meio jurídico (Castro, 2016). A boa-fé é compreendida pela definição de abuso de direito, isto é, ela consiste na restrição do exercício irregular de direitos subjetivos e incide na postura de uma conduta correta ao indivíduo (Lima, 2016).
Cavalieri Filho (2014, p. 214) salienta que:” A boa-fé objetiva é o padrão de conduta necessária à convivência social para que se possa acreditar, ter fé e confiança na conduta de outrem”. Refere-se a um comportamento humano que perdura em qualquer forma de relação social, ou seja, tal princípio é fundamental para a regulamentação das relações individuais, sejam afetivas ou contratuais.
Nesse sentido Cavalieri Filho (2014, p.215) sustenta que:
Em sua função de controle, que aqui nos interessa, a boa-fé representa o padrão ético de confiança e lealdade indispensável para a convivência social. As partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Essa expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente indispensável na vida de relação. Conforme já destacado, a boa-fé, em sua função de controle, estabelece um limite a ser respeitado no exercício de todo e qualquer direito subjetivo.
A recognição do princípio como cláusula geral do Direito Civil, auxilia significativamente o instituto da responsabilidade civil, dando diretrizes para a regulamentação das relações no âmbito jurídico, impondo ao indivíduo um limite para a pratica de seu direito subjetivo.
4 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do presente trabalho, foi utilizado como método de pesquisa a revisão bibliográfica, onde foram usadas como fundamentação e coleta de dados as doutrinas, especialmente de Paulo Stolzer Gagliano (2017), Carlos Roberto Gonçalves, (2016), Paulo Nader (2016), Flávio Tartuce (2018), entre outros autores mencionados no decorrer do presente artigo. Também foram utilizadas fontes de sites jurídicos e artigos científicos anteriormente publicados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das exposições levantadas pelo presente artigo, conclui-se que o estelionato sentimental é uma prática que se configura a partir das relações amorosas e emocionai, em que uma das partes tem como objetivo o enriquecimento ilícito, utilizando-se dos sentimentos alheios e levando o indivíduo a erro.
Caracterizado o estelionato, a vítima tem direito de ser ressarcida pelos danos, morais e materiais, sofridos na constância da relação afetiva. Lembrando que, é necessária uma análise fática do caso para ter certeza da caracterização do ato ilícito, pois a mera desilusão amorosa não configura o estelionato e a ajuda financeira, em grande parte dos relacionamentos, é aceitável.
Percebe-se que o instituto da responsabilidade civil tem grande alcance nos relacionamentos amorosos, em que pese na possibilidade reparação de danos, morais e materiais, decorrentes de uma prática abusiva que leve a quebra da lealdade e do princípio da boa-fé objetiva.
Nestes termos, o atual estudo, tem relevância jurídica decorrente da demonstração do dever de reparação de danos aplicadas ao indivíduo que desrespeita o sentimento alheio com o único objetivo de obter vantagem ilícita.
REFERÊNCIAS
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[1] Docente mestre do curso de Direito – IESB Instituto de Ensino Superior de Bauru – e-mail: [email protected]
Discente do curso de Direito – IESB Instituto de Ensino Superior de Bauru .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUEDES, Gabriela de Souza Becari. Estelionato sentimental: reparação de danos cabíveis em razão do estelionato de afeto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2020, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54397/estelionato-sentimental-reparao-de-danos-cabveis-em-razo-do-estelionato-de-afeto. Acesso em: 23 dez 2024.
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