RESUMO: Diante do flagelo COVID-19, que já contaminou mais de 300 mil pessoas em todo o planeta, dentre as quais causando a morte de mais de 13 mil, direitos fundamentais, como o livre exercício de qualquer atividade econômica, vêm sendo restringidos pelo Estado brasileiro na tentativa de evitar o colapso do seu sistema de saúde, tal qual já ocorre em outros países, como na Itália, 1ª do ranking mundial em total de mortes pelo coronavírus, somando quase 5 mil óbitos. Desse modo, o comerciante/empresário, afetado pelas medidas de fechamento do comércio em geral, vem sofrendo inúmeras perdas financeiras, possivelmente irreversíveis, motivo pelo qual se faz necessária a busca de todos os meios legais e cabíveis para que sua empresa se mantenha “viva” no mercado. É nesse contexto que, com base na Teoria da Imprevisão, tem-se perfeitamente viável a renegociação unilateral de contratos de locação comercial, eis que restou frustrada a expectativa de realização dos seus atos de comércios em decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, motivo pelo qual se vislumbra a viabilidade jurídica de resolução ou modificação do contrato de locação comercial.
Palavras-chave: Teoria da Imprevisão, revisão de contratos de locação comercial, resolução ou modificação de contratos, coronavírus, COVID-19, fechamento do comércio, medidas restritivas.
1. INTRODUÇÃO
Esse pequeno e breve artigo versa sobre a possibilidade de relativização dos contratos de locação comercial, firmados por empresários e/ou comerciantes que, na atualidade, se veem cerceados do livre exercício da sua atividade econômica, compelidos a fechar os seus estabelecimentos em atendimentos às medidas do Estado para frear o flagelo denominado coronavírus.
2. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO CORONAVÍRUS (COVID-19)
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu o primeiro alerta para uma doença que causava uma misteriosa pneumonia na cidade de Wuhan, metrópole chinesa com 11 milhões de habitantes, cujo tamanho é comparável à cidade de São Paulo, que tem mais de 12 milhões de habitantes.
A doença enigmática foi nomeada oficialmente pela OMS como COVID-19, em 11 de fevereiro. COVID significa: COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto 19 se refere ao ano de 2019, quando os primeiros casos foram divulgados.
Em 17 de março de 2020, a revista científica “New England Journal of Medicine[1]” afirmava que o coronavírus consegue sobreviver até 03 dias em algumas superfícies, como plástico ou aço. Em superfícies como papelão ele tem duração de 24 horas. Já ao tossir ou espirrar, o vírus pode permanecer no ar por até 03 horas.
Desde a sua primeira vítima fatal na China, já são mais de 300 mil infectados pelo COVID-19 no mundo e quase 13 mil mortes[2]: Destaque para a Itália, com quase 5 mil mortes dentre os mais de 53 mil casos confirmados, e para a China, com mais de 3 mil mortes dentre os mais de 80 mil casos confirmados.
Nos EUA são mais de 25 mil infectados e 300 mortes. Na França são quase 15 mil infectados e mais de 500 mortes. Já a Espanha, 4º pais com mais óbitos confirmados, já são mais de 25 mil infectados e 1,3 mil mortes.
No Brasil, cuja transmissão do coronavírus esta em plena ascensão, desde a confirmação do primeiro caso, em 25 de fevereiro, até o fim do dia de hoje, as secretarias estaduais de saúde haviam contabilizado mais de 1 mil infectados, dentre os quais 18 óbitos foram confirmados, sendo 15 no estado de São Paulo e 03 no estado do Rio de Janeiro.
A taxa de letalidade do coronavírus é em torno de 4% dos infectados, porém, esse percentual sobe para 20% quando se tratam de idosos com mais de 70 anos.
3. DAS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DO COVID-19 ADOTADAS PELO PODER EXECUTIVO
Na última sexta-feira, dia 20, o Congresso Nacional aprovou o decreto que reconhece o estado de calamidade no Brasil. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 88/20[3], que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, foi analisado e aprovado de forma remota pelo Senado. A medida autoriza o executivo a elevar os gastos públicos sem a preocupação em cumprir a meta fiscal prevista para o corrente ano.
Já no estado do Rio Grande do Sul, assim como em diversos outros estados da Federação, o governador decretou situação de calamidade pública[4], com medidas que vão desde a proibição de viagens interestaduais, até o fechamento de shoppings, cinemas e o comércio em geral, ficando autorizados a funcionarem somente os estabelecimentos essenciais, tais como farmácias, clínicas, áreas de alimentação e agências bancárias, sendo que esses têm o compromisso de garantir o cumprimento de algumas medidas restritivas.
Nessa toada, desde a última terça-feira, dia 17, o prefeito do município de Porto Alegre já havia decretado[5] medidas emergenciais para enfrentar o avanço do COVID-19 na capital gaúcha. Dentre as quais, está a determinação do fechamento de casas noturnas, pubs, bares e boates. Porém, com o avanço das mortes em todo o planeta, e o iminente colapso da rede de saúde, na madrugada de hoje, novo decreto municipal foi publicado[6], dessa vez com medidas mais drásticas, as quais determinam o fechamento do comércio em geral, da indústria, do setor de serviços e da construção civil.
4. DOS PREJUÍZOS ADVINDOS DAS MEDIDAS EMERGENCIAIS DECRETADAS PELO ESTADO
Diante da necessária intervenção estatal para a contenção dessa hecatombe denominada COVID-19, liberdades fundamentais, garantidas pela nossa Constituição, estão sendo restringidas, eis que o direito à vida é o bem maior a ser tutelado pelo Estado.
Considerando que a prevalência dos interesses da coletividade sobre os interesses dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável, dentre as liberdades fundamentais restringidas esta o direito ao livre exercício de qualquer atividade econômica.
Destarte, na intenção de mitigar as inevitáveis perdas que os comerciantes e/ou empresários passaram a amargar, o governo federal editou medidas consideradas meramente protelatórias, tais como adiamento, por três meses, do pagamento da parte da União do Simples Nacional e do FGTS.
Porém, diante da atual recessão, agravada pelo coronavírus, para que o pequeno e o médio empresário não venham a “quebrar”, e consigam manter os seus atos de comércio, tais medidas não são suficientes, fazendo-se necessário lançar mão de outros meios mais eficazes que garantam a sua sobrevivência.
Nesse contexto é que abordaremos o cerne deste pequeno artigo: Deve o comerciante e/ou empresário, que firmou contrato de locação na expectativa de estruturar e exercer a sua atividade comercial, suportar sozinho todas as perdas decorrentes das determinações estatais de fechamento do comércio? No caso concreto, defende-se que não.
5. DA TEORIA DA IMPREVISÃO APLICADA NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO COMERCIAL
Somos sabedores que para garantir a eficácia de qualquer negócio jurídico, faz-se necessário a celebração de um contrato, seja para criação, extinção ou modificação de um direito.
Em que pese o Princípio Pacta Sunt Servanda (brocardo latino que significa: os pactos assumidos devem ser respeitados) seja o mote do Direito Civil, esse não é absoluto, haja vista a possibilidade da aplicação da Teoria da Imprevisão.
No atual contexto pandêmico, nada mais justo que o comerciante e/ou empresário, atingidos pelas medidas governamentais restritivas, tenham a possibilidade de negociar abatimentos em seus contratos de locação comercial, requisitando, junto a locadores e administradoras de shoppings, o desconto dos dias em que seu estabelecimento se encontra fechado.
Mas e no caso de não lograrem êxito? Bom, aí não restaria alternativa se não a de procurar o advogado da sua confiança para, com base na Teoria da Imprevisão, ingressar com ação judicial pleiteando a revisão desses contratos.
Prevista na Seção IV, Título V, do Código Civil, a Teoria da Imprevisão possibilita maior flexibilidade contratual e tem como escopo a possibilidade de resolução ou modificação de contratos em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que resulte em onerosidade excessiva a uma das partes.
Desse modo, diante da atual pandemia que assola toda a raça humana, e das consequentes medidas estatais tomadas para contenção do COVID-19, com base nos arts. 478, 479 e 480, do Código Civil, perfeitamente viável a possibilidade jurídica de alteração quantitativa, ou resilição, dos contratos de locação comercial.
6. CONCLUSÃO
O estado de exceção atualmente vivido, imposto pelo apocalíptico coronavírus, tende a relativizar direitos individuais fundamentais em prol do direito à vida e da coletividade.
O Princípio Pacta Sunt Servanda, não é absoluto, eis que diante da pandemia vivida, a Teoria da Imprevisão se faz presente e pronta para ser colocada em prática, possibilitando, dessa forma, a resolução ou modificação de contratos de locação comercial, desde que a onerosidade excessiva decorra de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, como é o caso vivido na atualidade.
Isto posto, em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, somado à boa-fé e ao bom senso, a solução mais indicada sempre será a conciliação e a mediação, deixando a ação judicial como a última ratio.
Advogado formado pela FMP/RS. Contador formado pela PUC/RS. Perito Contábil Trabalhista. Especialista em Direito de Trânsito e atuando com demandas cíveis, trabalhistas e contratos empresariais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUCONI, Cristiano Moraes de Oliveira. Teoria da imprevisão: o coronavírus e a possibilidade jurídica de renegociação dos contratos de locação diante dos prejuízos advindos do fechamento do comércio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54436/teoria-da-impreviso-o-coronavrus-e-a-possibilidade-jurdica-de-renegociao-dos-contratos-de-locao-diante-dos-prejuzos-advindos-do-fechamento-do-comrcio. Acesso em: 23 dez 2024.
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