Resumo: O presente artigo aborda: o princípio da vedação ao confisco previsto expressamente na Constituição Federal e que tem como principal objetivo impedir que o Estado, por meio da tributação exacerbada, diminua a capacidade econômica dos cidadãos contribuintes colocando em risco o direito à propriedade e suprimindo o mínimo existencial de sua condição humana, tal princípio será compreendido sob a luz dos direitos humanos. Para melhor compreensão do tema serão vistos também dois princípios tributários constitucionais estreitamente ligados ao princípio de vedação ao confisco, quais sejam: o princípio da isonomia, e o princípio da capacidade contributiva, ademais, também serão analisados o princípio da dignidade da pessoa humana (mínimo existencial) e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade por serem pertinentes ao tema. Será feita uma breve introdução sobre os direitos humanos (conceito e breve evolução histórica), posteriormente faz-se pequena análise dos princípios da capacidade contributiva e do princípio da dignidade humana Por fim, o artigo visa demonstrar que o princípio da vedação ao confisco pode ser entendido como um direito humano fundamental, e um importante limitador da tributação no âmbito nacional.
Palavras chave: Tributação. Capacidade contributiva. Princípio de vedação ao confisco. Direitos humanos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direitos humanos: considerações preliminares 2.1. Direitos humanos e breve evolução histórica da tributação. 3. Princípios tributários constitucionais. 3.1. Princípio da isonomia tributária. 3.2. Princípio da capacidade contributiva. 4. Princípio da Dignidade da pessoa humana. 4.1. Mínimo existencial. 5. Princípio da vedação ao confisco: conceito e generalidades. 5.1. O direito de propriedade e o princípio de vedação ao confisco. 5.2. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 6. Conclusão.
1. Introdução
Há algum tempo, a tributação passou a ser entendida não apenas como um meio de arrecadação de recursos para os cofres públicos do Estado, mas também como um meio de promover os direitos humanos e fundamentais do cidadão contribuinte.
Um dos maiores desafios atuais do Direito Tributário é conseguir encontrar o ponto de equilíbrio entre o interesse arrecadatório do Estado e a proteção do cidadão contribuinte, ora, tal questão está intimamente ligada aos direitos humanos em confronto com o poder soberano estatal de tributar.
Por essa razão, Hugo de Brito Machado (MACHADO, 2010, p.33), com maestria peculiar ensina que: “Nos dias atuais, entretanto, já não é razoável admitir-se a relação tributária como relação de poder, e por isto mesmo devem ser rechaçada as teses autoritaristas. A ideia de liberdade, que preside nos dias atuais a própria concepção do Estado, há de estar presente, sempre, também na relação de tributação”.
E nessa mesma linha de pensamento Ricardo Alexandre (ALEXANDRE, 2016.p. 82) declara que:
Percebe-se que o Estado possui um poder de grande amplitude, mas esse poder não é ilimitado. A relação jurídico-tributária não é meramente uma relação de poder, pois como toda relação jurídica, é balizada pelo direito e, em face da interferência que o poder de tributar gera sobre o direito de propriedade, o legislador constituinte originário resolveu traçar as principais diretrizes e limitações ao exercício de tal poder diretamente na Constituição Federal.
A Constituição de 1988 tem como um dos seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana e como um dos objetivos fundamentais a redução das desigualdades sociais, ora, o cabe ao Estado e à sociedade buscar todos os meios possíveis para promover o pleno desenvolvimento da pessoa humana.
Nos dizeres de Kléverson Gomes Rocha (ROCHA, 2003):
O ordenamento pátrio, através das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais protegem as liberdades, limitando o poder de tributar, que deve agir apenas no espaço aberto pelos direitos humanos.
Deste modo, o poder fiscal deve ser constituído no espaço aberto pelas imunidades e privilégios, cabendo observar, que a Constituição brasileira, em seção denominada “das limitações do poder de tributar” (arts. 150 a 152 da CF), contém o núcleo essencial da cidadania fiscal.
Logo, o poder de tributar do Estado deve sempre ser limitado pelos direitos humanos fundamentais do cidadão contribuinte, lembrando que, os direitos humanos são imprescritíveis, inalienáveis, dotados de eficácia erga omnes, absolutos e autoaplicáveis e nesse sentido, o Direito Tributário é imprescindível para a realização dos direitos humanos.
E para que os direitos humanos fundamentais do cidadão contribuinte sejam assegurados, é imprescindível a valoração de outros princípios já explícitos na Constituição, tais como: o princípio da isonomia, o princípio da capacidade contributiva, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da vedação ao confisco, dentre outros.
No entendimento de Thiago Álvares Feital (FEITAL, 2019, p.37-38):
[...] os direitos humanos são apresentados como normas que irradiam efeitos nos domínios da tributação para proteger o contribuinte, elo mais fraco da relação tributária. É nesse sentido que as normas contidas em tratados internacionais são eventualmente invocadas para se argumentar acerca da necessidade de se codificarem instrumentos de defesa do contribuinte, para afastar a tributação confiscatória ou para viabilizar o direito de defesa contra a atuação fiscal.
Assim, a aplicação dos direitos humanos à tributação deve ser feita como uma limitação à sanha arrecadatória do Estado. Os direitos humanos devem servir como balizamento para a tributação
2. Direitos Humanos: conceito e considerações preliminares
Os Direitos Humanos, também denominados por parte da doutrina, como os Direitos do Homem, são os direitos que ultrapassam a esfera positiva dos ordenamentos jurídicos, ou seja, são os direitos ostentados por todas as pessoas e por isso, necessitam apenas ser declarados positivamente pelo ordenamento jurídico constituído, em outras palavras, são direitos naturais, inatos, inderrogáveis que emanam da própria natureza humana bastando ao homem apenas existir.
Logo, direitos humanos são aqueles inerentes à própria natureza da pessoa humana, enquanto ser dotada de racionalidade, igualdade, liberdade e dignidade. Sua titularidade requer somente o fato de a pessoa existir, e engloba todos os aspectos essenciais para garantir uma existência digna.
Corroborando esse entendimento, João Baptista Herkenhoff (HERKENHOFF, 2004, p.30) ensina que:
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
E ainda segundo o ensinamento de Thomas Paine (PAINE, 1989, p. 55): “os homens são todos de um só nível e, consequentemente, todos nasceram iguais e com direitos naturais iguais”.
Destaca-se que, a expressão formal dos direitos humanos se dá por meio de várias normas internacionais de direitos humanos, bem como outros instrumentos legais que começaram a surgir a partir de 1945.
Relevante dizer que, os direitos humanos e os direitos fundamentais não são necessariamente a mesma coisa, embora os seus conceitos se aproximem, pois tem como pedra angular a dignidade da pessoa humana.
De fato, os direitos fundamentais são aqueles essenciais ao homem e estão positivados no ordenamento constitucional interno de cada Estado, baseiam-se no Estado de Direito e na dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais seriam os direitos humanos expressos e positivados na Constituição de Estado, são resultados da evolução histórica e social de cada país, por isso são marcados pela historicidade.
Fábio Konder Comparato (COMPARATO, 2001, p.56) entende que:
Os direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais.
A melhor doutrina destaca como características dos direitos fundamentais: a historicidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade, irrenunciabilidade, a personalidade, a limitabilidade ou relatividade.
Já os direitos humanos estão além das fronteiras, são direitos supranacionais previstos em tratados e outros documentos internacionais, no entanto, os direitos humanos podem ser positivados nas Constituições dos países que se tornarem signatários dos Tratados Internacionais onde eles estão previstos.
Por exemplo, no Brasil o assunto está relacionado a tratados internacionais de direitos humanos, observa-se que podem ser incorporados ao direito pátrio com status ordinário vindo a ter até status constitucional. Os tratados internacionais de Direitos Humanos quando internalizados seguem o procedimento previsto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988, e adquirem o status constitucional. Vejamos in verbis o que diz o artigo:
[...]
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Dessa forma, vemos a relevância dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio e também sua importância para todos os ramos do Direito.
2.1 Os direitos humanos e breve evolução histórica da tributação.
Com a organização da sociedade humana surgiu a necessidade de se desenvolver atividades que garantissem recursos para suprir as necessidades coletivas, a evolução do tributo passa por inúmeras fases de organização do Estado, ora como oferendas a divindades pela proteção dada, ora como indenização de guerras ou imposição aos povos vencidos, ora satisfazendo os interesses e necessidades dos governantes ou ainda, satisfazendo necessidades da coletividade.
À medida que a noção de Estado foi se aproximando do conceito hodierno, o tributo passou a ser entendido como algo vital para manutenção do bem comum da coletividade, sendo imprescindível a geração de receitas. Diante disso, o tributo passa a ser uma imposição do Estado à sociedade.
Foi na Grécia antiga que surgiu a primeira noção do que seria hoje, a finalidade social do tributo, pois pela primeira vez o tributo deixa de atender as necessidades e prioridades dos governantes e passa a ser utilizado em prol do povo.
Os gregos tinha um sistema tributário rudimentar, mas ainda assim, conseguiam manter o equilíbrio contábil entre receitas e despesas.
A civilização romana, por sua vez, utilizava a instituição e cobrança de impostos para manter seus exércitos e conquistar outros povos. No entanto, a carga tributária imposta pelos romanos aos povos e nações conquistadas era exacerbada, o que desencadeava forte rejeição social resultando que inúmeras vezes em revoltas, bem como, estimulava a sonegação de impostos.
Na Idade Média, o patrimônio estatal se confundia com o patrimônio particular do rei, e os senhores feudais eram obrigados a pagar as contribuições por concessões gerais ou especiais outorgadas a eles pelo rei, e essas contribuições constituíam a principal fonte dos recursos do Estado.
Foi justamente na Idade Media que surgiu o primeiro documento histórico para o reconhecimento da evolução dos direitos humanos, trata-se da Magna Carta de 1215. Na esfera da tributação, esse importante documento trouxe o conceito rudimentar do princípio da legalidade, pois determinava que o rei só pudesse cobrar os tributos consentidos e que também não seria mais permitida a taxação de impostos excessivos.
Vemos aí, o inicio da evolução dos direitos humanos configurados na proteção da propriedade privada, na construção de uma tributação dentro da legalidade etc., porém, a Magna Carta só garantia esses direitos ao clero e a nobreza, não era um documento de cunho popular.
Após o período feudal, surge a era das monarquias absolutistas que teve como principal documento, relevante para consolidação dos direitos humanos e ao mesmo tempo importante para a evolução do modelo de tributação do Estado, a Carta Inglesa de 1689 (Bill of Rights).
A Carta Inglesa garantiu a separação dos poderes entre Executivo e Legislativo, e retirou do poder real a prerrogativa de legislar e criar tributos, passando a ser competência do Parlamento essa função.
Considera-se que a Carta Inglesa foi de grande relevância para o fortalecimento e reafirmação dos direitos humanos, pois, contribuiu para a separação institucional dos poderes do Estado, garantiu que a tributação não fosse utilizada ao bel prazer da realeza e permitiu a defesa dos súditos ingleses pelo Parlamento.
Com o fim do absolutismo e a posterior ascensão da burguesia, nasce o Estado liberal que tinha como principal fundamento o princípio da liberdade. No Estado Liberal, o cidadão abre mão de uma parcela de sua liberdade individual em prol do Estado, que, em contrapartida retribui garantindo proteção contra inimigos externos e, também, proporcionando estabilidade para o desenvolvimento da atividade financeira.
Com o desenvolvimento das atividades financeiras temos o advento do Estado Fiscal cuja principal fonte de receitas é a arrecadação de tributos, e é nesse momento da história que temos a primeira relação configurada entre a tributação e os direitos humanos, qual seja, a liberdade (considerado um direito liberal limitador da tributação).
No liberalismo temos os primeiros esboços de princípios importantes da tributação tais como: o princípio da anterioridade, da vedação à limitação de tráfego, dentre outros.
No entanto, a proteção da liberdade no Estado Liberal era feita por meio de garantias mínimas. De fato, o liberalismo se contentava com a ideia da igualdade formal não havia o interesse estatal de verificar, se as condições de igualdade e liberdade, eram efetivamente as mesmas para toda a sociedade.
Assim, embora, os direitos fundamentais tenham tido expressiva relevância no liberalismo, eles não conseguiram promover o valor maior da dignidade humana, pois se mostraram insuficientes para garantir o mínimo existencial necessário para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária.
Após o Estado Liberal, nasce o Estado Social que por meio de uma tributação extrafiscal busca a promoção da redistribuição de renda por meio de prestações estatais na área de assistência social, educação, etc.
No Estado Social, a liberdade deve caminhar de mãos dadas com a igualdade, e essa igualdade só é possível por meio da atuação estatal.
A Constituição Mexicana de 1917 trouxe previsões sobre direitos econômicos, e, posteriormente a Constituição Alemã de 1919 reconheceu os direitos econômicos com status de direitos fundamentais.
Mas, com certeza, foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que deu aos direitos econômicos o status de direitos humanos, elevando-o ao mesmo patamar de importância dos direitos políticos e individuais.
Como é sabido, um dos princípios fundamentais da República Brasileira é a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, princípio insculpido no art. 3º da Carta Magna. Ora, a promoção de uma sociedade justa e igualitária prescinde, indubitavelmente, de um sistema tributário que promova e assegure os direitos humanos fundamentais dos cidadãos contribuintes e que assegure o mínimo existencial da dignidade humana.
3. Princípios tributários constitucionais
Os princípios são entendidos como premissas maiores, gerais e abstratas, que delineiam os costumes e os dogmas de determinada época, e, que principalmente norteiam e guiam os sistemas jurídicos vigentes.
Nessa linha de intelecção explica o grande tributarista Roque Antônio Carrazza (CARRAZZA 2011, p. 44):
Por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é o começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema.
A Constituição Federal de 1988 abriga princípios desde o seu preâmbulo até os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e já em seu art.1º enumera os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, e os princípios da soberania nacional e da cidadania, conjunto esse de princípios, que figuram entre os mais úteis e essenciais ao desenvolvimento humano.
Hugo de Brito Machado (MACHADO 2010, p. 292), leciona que: “Os princípios jurídicos da tributação funcionam como limitações ao poder de tributar. Como é sabido, o Direito é um sistema de limites. Toda norma jurídica constitui alguma forma de limitação humana. Limita sempre, de alguma forma, a conduta de alguém. O poder de tributar, como expressão de soberania estatal, é limitado precisamente pelos denominados princípios jurídicos da tributação, que ditam a forma e as condições para o exercício daquele aspecto da soberania estatal”.
Dessa forma, como explicitado acima, os princípios tributários constitucionais são aqueles que regulam a atividade tributária e, também são considerados limitações ao poder de tributar.
Nesse sentido, Eduardo Sabbag (SABAGG 2015, p. 56) entende que: “[...] servem esses princípios como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a força tributária do Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao poder de tributar. Nessa toada, “consoante a jurisprudência firmada do STF, o poder que tem o Estado de tributar sofre limitações que são tratadas como cláusulas pétreas”.
Assim, os princípios constitucionais tributários que serão vistos nos próximos tópicos, e que limitam a atividade arrecadatória do Estado destinam-se, especialmente, para caracterizar a relação de direito existente entre o Estado e o cidadão contribuinte.
3.1. Princípio da isonomia tributária.
O princípio da isonomia tributária está previsto no art. 150, inciso II, da Constituição Federal e prescreve que: “É vedado [...] instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Tal princípio remonta ao famoso postulado de que se deve “tratar os iguais de maneira igual e tratar os desiguais de maneira desiguais”
Assim deve-se considerar que as pessoas não possuem as mesmas condições dentro de uma mesma sociedade, ou seja, é preciso considerar que a própria natureza humana é feita de diferenças entre os seres da mesma espécie.
Segundo Aristóteles, igualdade seria tratar os iguais na proporção de suas igualdades e os desiguais na proporção de suas desigualdades, essa concepção filosófica foi relembrada e exposta por Ruy Barbosa (BARBOSA, 2004, p. 34), ilustre jurista brasileiro, em sua obra “Oração dos Moços”:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a iguais com desigualdades, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
No entendimento de Dirley da Cunha Jr (CUNHA JR, 2016, p. 588):
O direito à igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualam e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material), pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A exigência de igualdade decorre do princípio constitucional da igualdade, que é um dos postulados básicos da democracia, pois significa que todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer tipo de privilégio e perseguição. O princípio em tela interdita tratamento desigual às pessoas iguais e tratamento igual às pessoas desiguais.
E ainda, segundo o magistério de Hugo de Brito Machado (MACHADO, 2010 p.43):
O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se aqui como garantia uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio, temos, em nossa Constituição, a regra da uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional.
O autor ainda leciona (MACHADO 2010, p. 293-294) que: “Em matéria tributária, mais do que em qualquer outra, tem relevo a ideia de igualdade no sentido de proporcionalidade. Seria verdadeiramente absurdo pretender-se que todos pagassem o mesmo tributo. Assim no campo da tributação o princípio da isonomia ás vezes parece confundir-se com o princípio da capacidade contributiva”.
Nessa mesma linha de intelecção, Eduardo Sabbag (SABBAG, 205, p. 136) assevera que:
“Trata-se de postulado específico que veda o tratamento tributário desigual a contribuintes que se encontrem em situação de equivalência ou equipolência. Enquanto o art. 5º, caput, CF, expõe a temática da igualdade de modo genérico, o art. 150, II, CF, explora-a de modo específico fazendo-a convergir para a seara da tributação”.
3.2. Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva, expresso no art. Art. 145 § 1º, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 145 [...]
§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio da capacidade contributiva, no que diz respeito à tributação, é o principal parâmetro para realizar a justiça tributária. Seu fundamento está intimamente ligado ao princípio da isonomia.
Eduardo Sabbag (SABAGG, 2015, p. 152) entende que:
[...] o princípio da capacidade contributiva está profundamente ligado ao da igualdade, mas neste não se esgota. Enquanto a isonomia evoca um caráter relacional, no bojo do confronto entre situações jurídicas, o princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de justiça para o Direito Tributário.
A capacidade contributiva também está ligada ao sentido de equidade na tributação, uma vez que determina que o Estado deva tributar o indivíduo de acordo com sua capacidade de suportar o ônus tributário. Dessa forma, o Estado deve tributar os cidadãos contribuintes sempre cuidando para que seja preservada a dignidade da pessoa humana, por meio do respeito ao mínimo existencial.
Para Eduardo Sabbag (SABBAG, 2015, p. 152):
A busca da justiça avoca a noção da “equidade” na tributação. Esta, na visão dos economistas, liga-se ao modo como os recursos são distribuídos pela sociedade, desdobrando-se em duas dimensões: (I) na equidade horizontal, em que deve haver o tratamento igual dos indivíduos considerados iguais, e (II) na equidade vertical, com tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais.
Assim, o objetivo do princípio da capacidade contributiva é, claramente, o de diminuir as desigualdades entre as classes sociais, e por isso mesmo, os postulados de progressividade, seletividade dentre outros são critérios aplicados à capacidade contributiva para sua concretização.
Consideramos ainda que, o princípio da capacidade contributiva incide sobre os tributos em geral e não somente sobre os impostos, sobre isso Hugo Brito Machado (MACHADO, 2010, p. 45) ensina que: [...] “o princípio da capacidade contributiva, ou capacidade econômica diz respeito aos tributos em geral, e não apenas aos impostos, embora apenas a estes esteja expressamente positivado na Constituição. aliás, é esse o princípio que justifica a isenção de certas taxas, e até da contribuição de melhoria, em situações nas quais é evidente a inexistência de capacidade contributiva daquele de quem teria de ser cobrado o tributo.”.
Ademais, consideramos importante salientar que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de a capacidade contributiva ser estendida para outras espécies tributárias e não somente para os impostos, conforme prevê o artigo 145,§ 1º da Constituição Federal.
Logo, o principio da capacidade contributiva está ligado ao mínimo existencial, pois, tem como objetivo primordial impedir que o contribuinte seja onerado com uma carga tributária tal que o impedisse de desfrutar minimamente da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a lição de Eduardo Sabbag (SABBAG, 2015, p. 156):
Se o mínimo se traduz na quantidade de riqueza mínima, suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, sendo intangível pela tributação por via de impostos, é de todo natural que a capacidade contributiva só possa se reputar existente quando se aferir alguma riqueza acima do mínimo vital. Abaixo dessa situação minimamente vital haverá uma espécie de isenção, para fins de capacidade contributiva aferível. Nesse passo, a isenção do mínimo vital é inseparável do princípio da capacidade contributiva.
Assim, a capacidade contributiva serve como elemento limitador da tributação, na medida em que revela a condição peculiar de cada cidadão contribuinte, ao revelar os sinais de riquezas exteriores como fundamento para a tributação.
4. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é princípio de valor supremo no Estado Democrático de Direito, e permeia toda a legislação pátria brasileira e está expressamente positivado em vários artigos da Constituição Federal de 1988. É um princípio de tamanha importância e significação que é princípio fundamental da República Federativa do Brasil.
Na lição de Leo Van Holthe (HOLTHE 2006, p.59-61):
Dos princípios fundamentais do Estado brasileiro contidos no art. 1º da Carta Magna, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana como valor jurídico de maior hierarquia axiológica do nosso ordenamento constitucional (ao lado, apenas, do direito a vida).
Com efeito, a doutrina pátria considera o referido princípio como valor supremo do Estado Democrático de direito, além de ser fator de legitimação do exercício do poder estatal, exigindo que a atuação dos poderes públicos e de toda a sociedade tenha como finalidade precípua o respeito e a promoção da dignidade da pessoa humana.
[...] a positivação da dignidade da pessoa humana no art. 1º da Carta Magna como princípio fundamental (e valor-síntese) do Estado democrático brasileiro impõe, para o Estado e para a sociedade, o dever jurídico de respeito à dignidade de todos os seres humanos (aspecto negativo), bem como a prestação de direitos sociais, econômicos e culturais que promovam a igualdade e a liberdade materiais (aspecto positivo), na medida em que o princípio da dignidade da pessoa humana, para além da carga moral que lhe é peculiar, passa a ter plena eficácia jurídica.
Christiane Marques (MARQUES 2007, p. 45) leciona com propriedade que:
O princípio da dignidade da pessoa humana é absoluto, fundamental e intangível, porque não permite qualquer relativização. E mais, independe de regulamentação, pode estar implícito ou explícito, não necessita de vigência, eficácia e validade, elementos condicionantes das normas, pois assume feição de princípio e, por isso, outorga como valor fundamental uma maior pretensão de eficácia e efetividade.
Nessa mesma linha de pensamento, Rúbia Zanotelli Alvarenga (ALVARENGA 2009, p. 64) assevera que:
Em outras palavras, pode-se afirmar que a CF/88, arrimada nos princípios da igualdade e da liberdade, elegeu o respeito à dignidade humana como o seu dogma maior. É a dignidade humana o núcleo essencial que compõe os Direitos Humanos, a fonte ética que confere unidade, sustentáculo e sentido a todo o sistema constitucional brasileiro.
É relevante observar que a Constituição Federal tratou do princípio da dignidade da pessoa humana no art. 170, que versa sobre a ordem econômica do Estado, vejamos in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...].
Conforme o artigo supracitado pode-se observar que o legislador constituinte originário teve o cuidado, de assegurar que a ordem econômica fosse desenvolvida, de forma a observar a dignidade humana no desenvolvimento e funcionamento da economia.
Nesse sentido, Flademir Belinati Martins (MARTINS 2007, p.72) entende que:
[...] passa-se, a partir do texto de 1988, a ter consciência constitucional de que a prioridade do Estado (política, social, econômica e jurídica) deve ser o homem, em todas as suas dimensões, como fonte de inspiração e fim último. Mas não o ser humano abstrato do Direito, dos Códigos e das Leis, e sim, o ser humano concreto, da vida real.
[...] Assim, a pessoa humana passa a ser concebida como centro do universo jurídico e prioridade do Direito.
É patente que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado em todos os ramos jurídicos, haja vista ele ser o “coração” do sistema jurídico pátrio, bem como o fundamento dos Direitos Humanos.
4.1. Mínimo existencial
A dignidade da pessoa humana está entrelaçada a determinadas prestações básicas positivas que devem ser protegidas e asseguradas pelo Estado, enquanto Poder Público, para que os cidadãos tenham garantido o mínimo essencial que possibilita uma vida digna, em outras palavras, o exercício efetivo da dignidade da pessoa humana é umbilicalmente ligado a esses direitos mínimos, e, é a partir dessa premissa que se constrói a ideia do mínimo existencial.
Assim, o mínimo existencial configura o núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana, que como princípio fundamental elencado no art. 1º, inciso III da Carta Magna, é a bússola de todo sistema jurídico pátrio.
O mínimo existencial, também denominado como mínimo vital ou mínimo necessário, em apertada síntese significa o mínimo de riqueza necessária que garanta a subsistência digna do indivíduo e de sua família, sendo que esse mínimo necessário não pode ser alcançado pela tributação.
Para Ana Paula Barcellos (BARCELLOS 2002, p.197-198), o mínimo existencial pode ser conceituado como:
[...] conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física - a sobrevivência e a manutenção do corpo - mas também, espiritual e intelectual, aspectos fundamentais em um Estado que se pretende, de um lado democrático, demandando a participação dos indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro, liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio desenvolvimento.
O art. 7º, inciso IV, da CRFB, define quais são as necessidades básicas vitais que devem ser garantidas ao cidadão contribuinte, antes que ele sofra qualquer tipo de tributação. Vejamos o teor do artigo, in verbis:
Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
Sobre o artigo supracitado, Eduardo Sabbag (2015, p. 238) entende que a Constituição ao disciplinar os itens que compõe o salário mínimo possibilitou ao legislador os parâmetros necessários para fixar o mínimo existencial, suficiente para garantir a subsistência do indivíduo e sua família, sendo esses parâmetros limites intangíveis pela tributação.
De fato, não existem normas constitucionais específicas sobre o mínimo existencial, e nem como seria a sua quantificação e aplicabilidade, por isso a importância de o legislador fixar parâmetros que garantam essa proteção ao cidadão contribuinte, ou seja, não existe nenhuma previsão expressa que assegure a não tributação do mínimo existencial em nossa Carta Magna.
No entanto, a falta dessa previsão expressa e específica não impede que o mínimo existencial seja percebido, nem, muito menos, a consideração se ele está sendo respeitado ou não.
Nesse aspecto, Regina Helena Costa (COSTA 2003, p.70) defende que: “A fixação do mínimo vital, destarte, variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois, concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada razoavelmente se reputaram necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família [...]”.
Observa-se que o mínimo existencial é um conceito relativo, o que se explica pela complexidade das sociedades constituídas em cada país do mundo, logo sua definição e aplicabilidade dependem, considerando a realidade fática, da análise de cada sociedade.
Logo, o sistema tributário de uma sociedade precisa se guiar pelos parâmetros que determinam o que é considerado o mínimo existencial naquela sociedade em análise, de modo a assegurar a existência digna de seus cidadãos.
De igual forma, o Poder Judiciário deve se orientar pelos princípios limitadores ao poder de tributar, considerando sempre a importância e aplicação dos direitos humanos em suas decisões, ajudando a construir efetivamente um sistema tributário que preserve a dignidade da pessoa humana e não lhe retire o mínimo vital necessário a uma existência digna.
5. Princípio da vedação ao confisco: conceito e generalidades
Segundo o art. 150, inciso IV da Constituição Federal é vedado à utilização de tributos com efeitos confiscatórios. Senão vejamos o artigo, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
IV - Utilizar tributo com efeito de confisco.
Antes de adentrarmos ao estudo propriamente dito do princípio em tela, é interessante observar que, o confisco na legislação pátria é uma penalidade imposta ao cidadão pela transgressão de uma norma legal, previamente prevista no ordenamento jurídico. Podemos observar essa possibilidade no art. 5º, inciso XLVI, alínea “b”, da CRFB que prevê o perdimento de bens, como uma das possibilidades de sanção pela infração da lei. Outro exemplo de confisco legítimo e legal se encontra no art. 243 da CRFB, que determina o perdimento da propriedade no caso de cultura ilegal de plantas psicotrópicas.
Já, o “não confisco” configura uma prestação negativa do Estado, um não fazer, em outras palavras significa a proibição de o Estado, por meio de uma tributação excessiva e irrazoável, transferir a propriedade do contribuinte para si ou para terceiros.
Dessa forma, o princípio da vedação ao confisco é uma limitação imposta pelo legislador originário constituinte ao poder de tributar do Estado, e se aplica a todas as espécies tributárias. Esse princípio é um direito fundamental do cidadão contribuinte, e, é também, considerado, uma cláusula pétrea implícita na visão de vários doutrinadores tributaristas.
Na lição de Ricardo Alexandre (ALEXANDRE 2016, p. 127):
[...] tributo confiscatório seria um tributo que servisse como punição; já tributo com efeito confiscatório seria o tributo com incidência exagerada de forma que, absorvendo parcela considerável do patrimônio ou da renda produzida pelo particular, gerasse neste e na sociedade em geral uma sensação de verdadeira punição. As duas situações proibidas, a primeira (confisco) pela definição de tributo (CTN, art. 3º); a segunda (efeito de confisco) pelo art. 150, IV, da CF/88.
Na conceituação de Leandro Paulsen (PAULSEN 2007, p. 220), confisco é:
[...] a tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização. O inciso comentado refere-se à forma velada, indireta de confisco, que pode ocorrer por tributação excessiva. Não importa a finalidade, mas o efeito da tributação no plano dos fatos. Não é admissível que a alíquota de um imposto seja elevada a ponto de se tornar insuportável, ensejando atentado ao próprio direito de propriedade. Realmente, de tornar inviável a manutenção da propriedade, o tributo será considerado confiscatório.
Assim, o princípio da vedação ao confisco é um direito e uma garantia de que o contribuinte não será atingido, pelos efeitos de uma tributação injusta e exacerbada. Vale dizer que, o referido princípio está intimamente ligado ao princípio da capacidade contributiva e ao direito de propriedade.
Nas palavras de Eduardo Sabbag (SABBAG 2015, pp. 237-238): [...] “o princípio de vedação ao confisco deriva do princípio da capacidade contributiva, atuando aquele em conjunto com este, porquanto essa capacidade econômica se traduz na aptidão para suportar a carga tributária sem que haja perecimento da riqueza tributável que a lastreia, calcada no mínimo existencial”.
. Importante também ressaltar que, o princípio de vedação ao confisco deve ser considerado sobre toda a carga tributária global incidente sobre o cidadão contribuinte e, não somente sobre um tributo específico, ou seja, é imprescindível que para evitar o efeito confiscatório do tributo seja feita uma avaliação e conjugação da carga tributária global incidente sobre o contribuinte em um determinado período de tempo, com o objetivo de verificar o grau de capacidade contributiva do contribuinte, considerando ainda, os princípios de razoabilidade e proporcionalidade que servem como limitadores aos exageros da tributação pelo Estado.
Nessa linha de pensamento, Eduardo Sabbag (SABBAG 2015, p.246) entende que:
A universalidade da carga tributária, para fins de detecção do confisco tributário, é a única capaz de dimensionar se o pagador de tributos, ao se sujeitar a esta múltipla incidência, terá condições de viver e se desenvolver.
Hugo Brito de Machado (MACHADO 2010, p.47) leciona que: “O caráter confiscatório do tributo há de ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto”.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o princípio da vedação ao confisco deve ser entendido sobre toda a carga tributária total incidente sobre o contribuinte. Nesse sentido, vejamos um trecho da ementa da ADIMC/2.010, com julgamento em 30-09-1999, da relatoria do Ministro Celso de Mello, que expõe o entendimento da necessidade de se averiguar a carga tributária global:
Ementa: [...] A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo).
A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público.
Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. (Grifo nosso).
Logo, entende-se que quando há uma incidência tributária cumulativa e irrazoável, sem que haja uma avaliação da capacidade contributiva do contribuinte e, ainda, desconsiderando a carga tributária total, essa exacerbação pode levar ao efeito confiscatório por parte do Estado.
5.1. O direito de propriedade e a vedação ao confisco tributário.
O princípio de vedação ao confisco está intimamente ligado ao direito fundamental de propriedade, vale dizer, que o direito de propriedade embora tenha sido expressamente positivado no texto constitucional de 1988 sempre esteve implicitamente presentes nas Cartas Constitucionais anteriores.
À medida que a proteção ao direito de propriedade foi se fortalecendo, nasceu a necessidade de se positivar garantias que tornassem efetivo esse direito, dentre essas garantias, tem-se a vedação de confisco tributário.
A esse respeito, Eduardo Sabbag (SABBAG 2015, pp.239-240), pondera que:
A vedação constitucional do confisco tributário traduz-se na interdição, pela Carta Política, da pretensão governamental tendente à injusta apropriação do patrimônio particular, parcial ou integralmente, sem correspondente indenização, levando ao comprometimento, em face da insuportabilidade da carga tributária imposta.
É sabido, da mesma forma, que o tributo é inexorável, entretanto o “poder de tributar” não se pode mostrar como um “poder de destruir” ou de aniquilar o patrimônio do particular.
De fato, quando a tributação impede o direito de propriedade e ignora a capacidade contributiva do cidadão, ela se torna injusta e inconstitucional. Nesse sentido, o princípio de vedação ao confisco mostra-se imprescindível como garantia ao direito de propriedade, haja vista que por um lado, fortalece esse direito e, por outro lado, impede a tributação com escopo confiscatório.
Nas palavras de Eduardo Sabbag (SABBAG 2015, p.240): “[...] o princípio que veda a confiscatoriedade “otimiza o direito de propriedade”, reforçando-o na essência, uma vez derivável dos direitos fundamentais do contribuinte”.
5.2. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade
Como já exposto anteriormente, a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito tem como princípio norteador a dignidade da pessoa humana e seus desdobramentos. Também já foi dito que, a dignidade da pessoa humana irradia os seus efeitos por todo sistema jurídico brasileiro, com o claro objetivo de manter os direitos humanos fundamentais dos cidadãos.
É nesse contexto que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem ser compreendidos quando aplicados ao princípio da vedação ao confisco, ou seja, como limites ligados estreitamente a manutenção dos direitos fundamentais dos contribuintes.
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade buscam garantir uma atuação estatal mais justa e equilibrada, ou seja, uma atuação estatal livre de excessos e desproporções na execução da lei.
No âmbito da tributação e especialmente no que tange a vedação ao confisco, são princípios de expressiva relevância, como padrões de avaliação para o entendimento e aplicação da norma jurídica.
Eduardo Sabbag (SABBAG 2015, pp.254-255) no que tange ao princípio da razoabilidade ensina que:
[...] o princípio da razoabilidade, em harmônico convívio com o postulado da proporcionalidade, apresenta-se no cenário em que o excesso e as atitudes incongruentes são proibidos à Administração, disposta a homenagear a prudência no nobre exercício da função estatal.
Neste passo, deve o intérprete, no intrincado trabalho de aquilatar até que ponto o tributo é ou não confiscatório, valer-se da razoabilidade, que lhe servirá de “bússola” para diferenciar aquilo que se põe como confiscatório, em dada conjuntura, sob certa cultura e condição de cada povo, e o que se mostra “razoável”, do ponto de vista da tributação.
Ainda sobre a razoabilidade, Hugo de Brito Machado (MACHADO 2010, pp.126-127) com maestria ensina que:
[...] o princípio da razoabilidade é uma diretriz da razão humana. Prestigiando-o não se está voltando ao racionalismo jurídico, mas, de certa forma, se está reconhecendo suas virtudes, posto que o princípio da razoabilidade preconiza a interpretação das leis conducente a soluções racionais. Entre duas ou mais soluções possíveis em face da lei, opta-se pela que se mostre mais racional.
Já a proporcionalidade tem sido entendida por maior parte da doutrina como uma faceta complementar do princípio da razoabilidade, esse princípio também é conhecido como o princípio da proibição ao excesso.
Nas palavras do mestre Hugo de Brito Machado (MACHADO 2010, p.126): “O princípio da proporcionalidade pode ser definido como o princípio da justiça. O proporcional é em certo sentido o justo. E neste sentido podemos dizer que o princípio da proporcionalidade está expressamente previsto em nossa Constituição Federal. É que a vigente Constituição coloca como o primeiro dos objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil constituir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Por fim, nos alinhamos ao entendimento do professor Ricardo Alexandre (ALEXANDRE 2016, p.127) que pondera que: “O princípio da vedação ao efeito confiscatório poderia ser denominado de princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade da carga tributária. A ideia subjacente é que o legislador, ao se utilizar do poder de tributar que a Constituição lhe confere, deve fazê-lo de forma razoável e moderada, sem que a tributação tenha por efeito impedir o exercício de atividades lícitas pelo contribuinte, dificultar o suprimento de suas necessidades vitais básicas ou comprometer seu direito a uma existência digna”.
Logo, a razoabilidade e a proporcionalidade devem sempre estar presentes na atuação do Poder Judiciário ao analisar e julgar se a tributação tem sido feita com efeito confiscatório ou não.
6. Conclusão
O presente artigo buscou demonstrar que a tributação deve ser entendida não apenas como instrumento arrecadatório de recursos para os cofres públicos, mas também deve ser feita à luz dos direitos humanos preservando a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial necessário a uma existência digna.
O enfoque foi dado ao princípio de vedação ao confisco e a sua importância na construção de uma tributação brasileira mais justa e mais condizente com os direitos humanos fundamentais dos contribuintes, para tanto, é imprescindível que as limitações ao poder de tributar sejam aplicadas tanto pelo intérprete como pelo aplicador da norma jurídica, ou seja, é fundamental a atuação do Poder Judiciário para concretizar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como, a efetivação dos direitos humanos na tributação.
Especificamente, no tocante ao princípio de vedação ao confisco, a tributação deve ser feita de forma a não esvaziar o patrimônio do contribuinte, em outras palavras, a tributação não pode incidir de forma a usurpar o direito de propriedade do contribuinte e ainda, comprometer o mínimo vital a uma existência digna.
Por fim, acreditamos que uma tributação lastreada nos direitos humanos e que possibilite uma carga tributária não confiscatória, que permita a plena aplicação dos princípios de igualdade, capacidade contributiva e, o princípio da dignidade da pessoa humana preservando o mínimo existencial, pode garantir efetivamente que toda a população brasileira tenha uma existência digna, bem diferente do abismo social e econômico que tem sido a nossa realidade atual.
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Bacharel em Direito, Universidade Católica de Brasília - UCB, Especialista em Direito Administrativo, LFG/Anhaguera. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Leonardo Ribeiro da. Direitos humanos da tributação e o princípio da vedação ao confisco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54623/direitos-humanos-da-tributao-e-o-princpio-da-vedao-ao-confisco. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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