VITÓRIA MARIA BELTRÃO ALMENDRA [1]
(coautora)
ÉRIKA CRISTHINA NOBRE VILAR [2]
(orientadora)
RESUMO: Com o advento da reforma trabalhista – Lei 13.467/2017 – surgiram novas formas de trabalho dentre elas o trabalho intermitente que sua regulamentação, por si só, acarreta em precarização da mão-de-obra, porém a lei deixa de regulamentar pontos importantes do trabalho intermitente. Na intenção de trazer mais completude a regulamentação do tipo de trabalho em comento surgiu a MP 808/17 que perdeu a vigência devido a sua não conversão em lei, prejudicando o trabalhador, inclusive lesando o princípio da proteção ao trabalhador, bem como outros princípios trabalhistas. Neste contexto, é importante destacar a importância de uma regulamentação completa e abordar os aspectos que a lei é omissa com relação ao trabalho intermitente.
Palavras-chave: trabalho intermitente, MP 808/17, reforma trabalhista, princípios trabalhistas, flexibilização.
Sumário: 1 Introdução. 2 A gênese do Contrato de Trabalho Intermitente. 3 A Regulamentação do Trabalho Intermitente: 3.1 Na legislação estrangeira; 3.2 Na legislação brasileira; 3.3 A regulamentação pela Medida Provisória 808/2017; 4 Contrato de Trabalho Intermitente versus Contrato de Trabalho Padrão. 5 A flexibilização de princípios trabalhistas no âmbito do Contrato Intermitente. 6 A perda da vigência da MP 808/2017 e outros impactos nocivos sobre o Contrato intermitente: 6.1 A violação ao princípio de proteção integral ao trabalhador no Trabalho Intermitente; 6.2 A situação da gestante em Trabalho Intermitente; 6.3 Acidente de trabalho. 7 Caso prático da jurisprudência brasileira. 8 Conclusão. 9 Referências
1 INTRODUÇÃO
O trabalho intermitente foi criado em meio a uma crise econômica com a intenção, por um lado, de reduzir as taxas de desemprego, tirando uma série de trabalhadores da informalidade, e de outro, reduzir os custos que o empregador teria para contratar um empregado padrão. Considera-se como intermitente o contrato de trabalho subordinado cuja prestação de serviços não ocorre de forma contínua, em que há alternação de períodos de exercício da atividade laboral e períodos em que o trabalhador fica inativo, que podem ser horas, dias ou meses, independente da atividade exercida pelo empregado e pelo empregador.
O contrato intermitente está regulamentado o parágrafo 3º no artigo 443 e foi inserido o artigo 452-A, ambos da CLT, que foram inseridos pela Lei da Reforma Trabalhista nº 13.467 de 13 de julho de 2017, por meio dos quais foi regulamentada a forma como pode ser firmado essa modalidade de contrato de trabalho.
Neste sentido, em 14 de novembro de 2017, entrou em vigor a medida provisória 808 que inseriu ainda mais artigos na CLT e aqueles já existentes, a fim de trazer uma completude para a regulamentação do contrato de trabalho intermitente observadas as seguintes razões segundo a exposição de motivos da edição da aludida MP:
“Para melhor definir os elementos que caracterizam o regime de contratação de trabalho intermitente, propõe-se alterar o art. 452-A e incluir os arts. 452-B a 452-H ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, para não restar dúvida quanto às diferenças desta forma de contração das demais já previstas na legislação, como o contrato por prazo indeterminado, o contrato com jornada parcial e o contrato temporário”.
Observa-se que a reforma trabalhista inseriu o contrato de trabalho intermitente com regulamentação incompleta, uma das razões pela qual foi editada a MP 808/2017, que adicionava mais 7 (sete) artigos para disciplinar a nova modalidade contratual intermitente, através do acréscimo dos artigos 452-B ao 452-H. Todavia, a aludida Medida Provisória não foi convertida em lei, tendo em vista que não obteve aprovação no Congresso Nacional.
Dessa forma, o contrato de trabalho intermitente perdeu parte importante de sua regulamentação, tornando-se incompleta novamente, prejudicando, assim, os direitos do trabalhador, bem como implicando em violação no princípio de maior proteção do trabalhador, tendo em vista que ao pactuar essa nova modalidade contratual os trabalhadores abrem mão de uma série de direitos que caso realizassem o contrato de trabalho padrão.
A despeito da regulamentação do contrato intermitente pela Reforma Trabalhista não se revelar satisfatória comprometendo quantidade significativa de direitos, a disciplina expressa de tal modalidade contratual no âmbito da CLT teve como finalidade retirar da informalidade muitas pessoas que trabalhavam e garantiam sua subsistência por meio dos chamados “bicos”. Neste sentido, encontra-se parte de texto de acordão do Tribunal Superior do Trabalho:
Ora, a introdução de regramento para o trabalho intermitente em nosso ordenamento jurídico deveu-se à necessidade de se conferir direitos básicos a uma infinidade de trabalhadores que se encontravam na informalidade (quase 50% da força de trabalho do país), vivendo de “bicos”, sem carteira assinada e sem garantia de direitos trabalhistas fundamentais. Trata-se de uma das novas modalidades contratuais existentes no mundo (junto com o teletrabalho, também introduzido pela Lei 13.467/17), flexibilizando a forma de contratação, prestação dos serviços e remuneração, de modo a combater o desemprego. Não gera precarização, mas segurança jurídica a trabalhadores e empregadores, com regras claras, que estimulam a criação de novos postos de trabalho.
Com relação aos motivos de regularização do contrato de trabalho intermitente a doutrina (MARTINEZ, 2019) comenta que agiram com inocência os legisladores ao regulamentarem essa nova modalidade contratual, porque se pensou que as pessoas que trabalhavam de “bicos” teriam acesso aos direitos que assistem aqueles que têm carteira assinada. Todavia, quando se analisa pela óptica da economia do direito, os empregadores não se utilizarão desse contrato celetista em discussão, em virtude de ser bem mais dispendiosa a sua manutenção.
Assim, pode-se perceber que a nova modalidade contratual confere direitos ao trabalhador, porém suprime boa parte de outros direitos assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil e pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Nesse ponto, para uma melhor compreensão do contrato intermitente, impende-se fazer uma breve análise sobre a sua origem, uma vez que a sua regulamentação não é privilégio do ordenamento jurídico brasileiro, mas também se constata em outros países pelo mundo, demandando a comparação do contrato intermitente brasileiro com os de outros países, principalmente, no que pertine à supressão de garantias trabalhistas.
2 A GÊNESE DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
O sistema capitalista no qual o homem se encontra inserido tem como prioridade a aquisição de lucro em detrimento da proteção ao trabalho humano, tendo em vista que a redução de direitos garantidos ao trabalhador traz maiores benefícios aquele a quem ele se encontra subordinado. Então, o estabelecimento de normas trabalhistas de caráter protetivo ao trabalhador constitui obstáculo à obtenção de lucro pelos empregadores, porque desfavorece consideravelmente a produção de mais-valia em todos os setores de produção. Assim, com o objetivo de adequar o mercado às crises econômicas ocorridas pelo mundo, tornam-se necessárias formas alternativas de vínculo entre empregado e empregador para minimizar os custos do empregador, acarretando a flexibilização dos direitos trabalhistas.
Neste sentido, chama-se com eufemismo a redução de direitos trabalhistas assegurados ao trabalhador de flexibilização, que passa a ser considerada forma de progressão e inovação do Direito do Trabalho (TEIXEIRA; GONÇALVES, 2017). E, com o advento da lei 13.467/2017, utiliza-se da severa crise econômica, institucional e política a época para retirar direitos dos trabalhadores com o fim de reduzir o custo dos empregadores com a mão-de-obra.
Neste contexto, posicionam-se Teixeira e Gonçalves (2017) a respeito da menor onerosidade do empregador em detrimento da precarização do trabalho humano:
A ganância pela maximização do lucro do mercado torna-se mais desastrosa quando, em detrimento de todo arcabouço tuitivo acerca do trabalho humano, são criadas e recriadas inovadoras modalidades de prestação de serviço destoantes da relação de emprego clássica, a fim de escapar da tutela justrabalhista. A regulação da precarização do trabalho, travestido de novas modalidades de prestação de serviço, torna o trabalhador ainda mais vulnerável com sua mão-de-obra barateada, com a flexibilização das formas de contratação e dispensa [...], fragmentando não só direitos como a próprio trabalho digno nos moldes constitucionais.
Com base nisso, depreende-se que havendo um menor gasto por parte do empregador aumentam os ganhos decorrentes da atividade econômica que ele desempenha, e para auxiliar na redução de custos insere-se novidades laborais no ordenamento jurídico, com o intuito de burlar a barreira de proteção aos direitos inerentes aos trabalhadores. Em virtude disso, há aproveitamento da deficiente regulamentação dessas novas formas de contrato para fugir da responsabilidade que a lei impõe no contrato padrão, contribuindo para um maior enfraquecimento dos empregados.
Em contrapartida, deve-se entender quando um trabalhador tem salário e emprego dignos, com observância às garantias legais que lhes são atribuídas, há aumento de renda e produção, gerando benefícios para ambas as partes de uma relação de trabalho. Além disso, cria-se uma melhor distribuição de renda e inserção de novas pessoas ao mercado de consumo gerando desenvolvimento econômico.
Todavia, a partir do ano de 2017, no ordenamento jurídico pátrio surge um novel modelo contratual individual trabalhista, com o advento da lei n. 13.467/17 – Lei da Reforma Trabalhista –, que trouxe novidades para as relações de trabalho no Brasil, denominado de contrato de trabalho intermitente, um acordo peculiar entre patrão e empregado bem distinto do contrato laboral padrão.
Considera-se que a raiz do trabalho intermitente se finca no Reino Unido, surgindo o termo por volta do ano de 1980, denominado de zero-hour contract, com o objetivo de reduzir a complexidade das relações laborais e reerguer a economia do país, que no momento passava por um período de fragilidade. Além disso, em 1997, era percebida a utilização deste modelo para contratação de mão-de-obra com baixa qualificação, nas áreas de saúde e para as autoridades locais (MIRANDA, 2018). Inclusive, conforme comentários de juristas da nação brasileira, o contrato de trabalho zero-hora é a inspiração para a regulamentação pelo ordenamento jurídico nacional do contrato de trabalho intermitente (ALVES, 2019).
Resolveu-se, então, implantar este modelo contratual celetista no Brasil com o propósito de estimular o firmamento de novas relações empregatícias sem debilitar o emprego[3]. Dessa forma, procura-se a flexibização de algumas condições mais severas exigidas das normas da CLT pré-reforma, pois é dada a convicção que esta rigidez impede a regularização de milhões de trabalhadores.
Destaca-se, ainda, que a fixação do contrato celetista intermitente traria um impacto social, no sentido de que facilitaria aos jovens e estudantes o acesso ao primeiro emprego, uma vez que lhes seria facultado adequar seus horários de estudo e trabalho, sem que um prejudicasse o outro, e evitando, assim, a evasão escolar e gerando aumento da renda familiar. Mas afinal, o que é o trabalho intermitente?
O conceito de contrato de trabalho intermitente está consignado no art. 443, §3º, da CLT[4] que determina que o aludido contrato é aquele em que:
“[...] a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.”
Com base nisso, entende-se que os serviços prestados pelo empregado ocorrerão de forma descontinuada, com o revezamento entre períodos de atividade e de inatividade do empregado. O fundamento mais utilizado para que fosse regulamentado o trabalho intermitente foi o de trazer para a lei trabalhista as atividades de serviço que se encontravam a margem do Direito do Trabalho, os “bicos”, buscando garantir aos trabalhadores dessa modalidade CTPS anotada, 13º salário, FGTS, férias e recolhimento de contribuições previdenciárias.
Além disso, também há posicionamentos no sentido de que a inserção de um novo tipo contratual reduza as taxas de desemprego, amenizando a crise do país e tira do empregador o dispêndio que ele gastaria com um trabalhador comum. Em contrapartida, mesmo sendo uma forma de reduzir o desemprego, retira direitos que os trabalhadores passaram anos para conquistar, privilegiando apenas os interesses do capital.
Dessa maneira, ao se analisar pelo viés econômico do direito, acredita-se que os empregadores não utilizariam o contrato de trabalho intermitente, pois teriam que tornar formal os “bicos” que antes não necessitavam de formalidade acarretando custos superiores aos de manter os trabalhadores na informalidade (MARTINEZ, 2019).
Contudo, partindo do pressuposto de que em um país que 41,2% dos trabalhadores, sendo 11,9 milhões sem carteira assinada e 24,4 milhões trabalhando por conta própria, ou seja, ambos na informalidade, segundo dados do IBGE[5], não há como se pensar que a maioria dos trabalhadores intermitentes não passariam pela mesma situação.
3 A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE
3.1 Na legislação estrangeira
Partindo do pressuposto que a influência maior para a inserção do contrato de trabalho intermitente veio do zero-hour contract ou casual contract do Reino Unido, começa-se então com a análise dele. Vale-se ressaltar que o casual contract se encontra previsto no artigo 27A do Employment Rights Act 1996 da Inglaterra e, se trata de espécie do gênero contrato de trabalho em tempo parcial, que se subdivide também em contrato com horário flexível. Nele não há garantia de prestação de serviços e de recebimento de salário gerando insegurança para o trabalhador quanto ao período de prestação de serviços e a contraprestação a ser recebida, pois pode passar vários sem que a convocação ocorra e a empresa nem precisa o demitir (CONALGO, 2019). Entretanto, o trabalhador está à disposição do empregador 24 horas por dia.
Ademais, o casual contract não define a porção de horas a serem trabalhadas, os empregados ficam à espera da convocação do empregador, que não é obrigado a chamar, bem como se chamados os empregados não estão obrigados a prestar seus serviços. Este contrato caracteriza-se pela inexistência de garantia de prestação de serviços e de recebimento de salário. A idade estimada da maioria das pessoas que trabalham por meio deste contrato no Reino Unido, encontram-se nas idades antes dos 25 anos e depois dos 65 anos de idade, e o utilizam como uma complementação da sua renda.
Em Portugal tem-se o contrato de trabalho intermitente previsto nos artigos 157 a 160 do Código do Trabalho, que por sua vez foi oficialmente publicado em 2009. O trabalho intermitente em Portugal é gênero de duas espécies dispostas no item 1 do artigo 159 do Código do Trabalho[6], são elas o trabalho alternado e o trabalho à chamada.
No trabalho alternado, as partes contratantes estabelecem o período de início e fim da prestação de serviços. Em contrapartida, no trabalho à chamada não há previsão de quando será a convocação do empregador com antecedência mínima legal de 20 dias ou antecedência acordada pelas partes, que pode ser maior. Trata-se, ainda, de contrato por tempo indeterminado para a preservação da duração das relações trabalhistas e no período de 1 ano pelo menos 6 meses deve haver a prestação de serviços, e quatro dentre os 6 meses deve ser de atividade contínua (SCHNEIDER, 2017).
Quanto à remuneração, o trabalhador receberá pelo serviço efetivamente prestado, bem como os períodos à disposição do empregador, chamada de compensação retributiva, que “poderá ser estabelecida por IRC, devendo observar, no entanto, o mínimo de 20%” (SCHNEIDER, 2017) sobre o valor da remuneração base ou o valor definido em instrumento de negociação coletiva.
Na Itália, o trabalho intermitente foi introduzido no ordenamento jurídico pela legge biagi em 2003, denominado de lavoro intermittente, sendo alvo de duras críticas devido a tamanha flexibilização legislativa laboral. Hoje referida lei teve os artigos pertinentes a essa matéria revogados pelo decreto legislativo 81 de 2015 conhecido como Jobs Act, passando este a regulamentar o trabalho intermitente na Itália.
Destarte, o Jobs Act define o trabalho intermitente, em seu artigo 13, como contrato em que o empregado fica disponível para trabalhar para o empregador, que pode usar seus serviços de forma descontínua ou intermitente conforme os acordos coletivos promovidos pelas organizações sindicais estabelecem, podendo determinar antecipadamente os períodos de atividade no decorrer da semana, mês ou até mesmo do ano[7].
Por meio do contrato de lavoro intermittente, somente podem celebrar este contrato aqueles com até 24 anos e com mais de 55 anos, pois a faixa etária que se apresenta é a que mais sofre com o desemprego. Ademais, existe um limite temporal para esse tipo contratual, que não poderá ultrapassar os 400 (quatrocentos) em 3 (três anos), caso ultrapasse será convertido em emprego de tempo integral, sendo que esta regra não inclui os empregados dos setores de turismo, setor público e entretenimento.
Vale frisar que existem duas espécies de trabalho intermitente italiano que são o trabalho intermitente com ou sem garantia de disponibilidade. Neste último, o empregado submete a sua disponibilidade mesmo nos períodos de inatividade, sendo-lhe assegurada indenização pelo tempo à disposição, que não será devida diante de impossibilidades da prestação de serviços.
Existem três situações de vedação a essa contratação pela lei italiana, quais sejam: para substituição de trabalhadores em greve, por empresas que há seis meses dispensaram em massa os trabalhadores que desempenhavam a atividade que o trabalhador intermitente irá prestar, induzindo o pensamento de que a dispensa coletiva ocorreu como forma de substituição desses empregador em regime padrão pelos intermitentes, também caso haja suspensão da produção e quedas de salário. Além dessas, há a terceira hipótese, de proibição de contratar os trabalhadores intermitentes por empresas sem certificação do quadro atinentes à saúde e segurança no trabalho (COLUMBU, 2019).
3.2 Na legislação brasileira
De acordo com o artigo 452-A, da Consolidação das Leis Trabalhistas, encontra-se a previsão legal e os parâmetros a que se submete essa contratação celetista que vem sendo discutida ao longo deste trabalho, delimitando a forma de contratação do empregado. Contudo, a contratação de um trabalhador intermitente deve ser celebrada por escrito, devendo este conter o valor da hora da prestação de serviços que será exercida pelo contratado e não poderá estar abaixo do valor referente a hora do salário mínimo ou o valor da hora baseado no salário recebido pelos demais contratados que prestem o mesmo serviço, sendo eles contratados intermitentemente ou não.
É notório que a criação da nova modalidade de contratação empregatícia foi criada para romper a rigidez que é intrínseca no contrato de trabalho comum, tornando funções antes exercidas nessa modalidade formal, com a viabilidade de ocorrer de forma intermitente. Desse modo, o empregador quando necessita do trabalho de determinado empregado intermitente pode o chamar pelo modo mais eficaz (carta, e-mail, telefone, etc.), devendo para tanto observar a antecedência legal mínima de três dias corridos e informar a jornada de trabalho do operário.
No entanto, diferenciando-se do empregador, o trabalhador ao tomar ciência da convocação para a prestação de serviços, tem somente um dia útil para responder ao chamado, devendo informar se irá ou não prestar os serviços, no dia em lhe foi solicitado, sendo presumida a recusa caso não responda. Porém, caso ocorra a recusa, expressa ou tácita, a subordinação existente nessa modalidade de contrato permanecerá. Todavia, sendo aceita a convocação, se uma das partes, empregado ou empregador, descumprirem o contrato sem justa causa, terá que pagar o equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor que seria devido pela prestação de serviços à parte prejudicada, dentro do prazo de trinta dias.
A prestação de serviços firmada no contrato intermitente não pode ser firmada do modo em que o empregador desejar, haja vista que nessa modalidade o caráter da prestação é a não continuidade. Desse modo, ao contratar um empregado para exercer certa função de forma intermitente, e ao fim de cada prestação, esperar um incerto período de tempo para que o empregado possa ser convocado novamente (DELGADO, 2019).
Por outro viés, após prestados os serviços pelo empregador, deverá receber a sua contraprestação acordada pela atividade exercida. Assim, o empregador deve pagar o valor correspondentes as horas trabalhadas e de forma proporcional, as férias acrescidas do terço constitucional e o décimo terceiro salário. Em relação ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a contribuição previdenciária, o empregador tem o dever de recolher a contribuição da alíquota de 8% (oito por cento), conforme a lei e valor referente ao mensal pago ao empregado, devendo obrigatoriamente prestar contas com esse sobre a devida contribuição.
Por fim, ao se passarem doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período este em que não pode ser convocado para trabalhar pelo mesmo empregador.
3.3 A regulamentação pela extinta MP 808/2017.
Em novembro, juntamente com a Lei nº 13.467/17, entrou em vigor a Medida Provisória 808 de 14 de novembro de 2017 que modificou uma parcela significativa à Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive abrangendo o trabalho intermitente, adaptando a redação legal para prestar uma tutela mais adequada atendendo melhor aos interesses do trabalhador. A MP deu nova redação ao artigo 452-a da CLT e inseriu os artigos 452-B, 452-C, 452-D, 452-E, 452-F, 452-G e 452-H, trazendo novas disciplinas para o contrato intermitente, porém a mencionada MP perdeu sua vigência em abril de 2018, retornando a viger o texto anteriormente regulamentado pela Lei 13.467/17.
Segundo a exposição de motivos da medida provisória em questão, já citada anteriormente nesse trabalho, as alterações e a inclusões dos referidos artigos foram realizadas para uma melhor caracterização do contrato de trabalho intermitente e para melhor diferenciação com relação aos demais tipos de contratos trabalhistas, razão pela qual, impende-se analisar o conteúdo de tais dispositivos legais, para melhor compreensão do tema estudado.
O artigo 452-A passou a determinar que o contrato deveria ser feito por escrito e devidamente registrado na Carteira de Trabalho e nele deveria conter os elementos essenciais deste contrato de trabalho, isto é, a identificação, assinatura das e endereço das partes, o valor da hora ou do dia de trabalho respeitando o mínimo constitucional, o local e o prazo para pagamento da remuneração. Seu §2º previa que do recebimento da convocação o trabalhador teria o prazo de 24 horas para dar resposta de aceitação ou recusa. O parágrafo 10 previa a possibilidade de férias em três períodos de acordo com o art. 134, §§1º e 2º, da CLT, desde que previamente acordado. O §12, ainda do mesmo artigo, determinava que o pagamento para aqueles trabalhos que excedessem um mês, o pagamento não poderia acompanhar o prazo de término do trabalho, devendo ser pagos até um mês contado do primeiro dia da prestação de serviço.
O § 13 prescrevia que o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social, o trabalhador de contrato intermitente, a datar do início da incapacidade, não se empregando a deliberação do § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 1991. Já o §14 determina que o salário maternidade da trabalhadora intermitente será pago diretamente pela Previdência Social, adotando-se o estabelecido no §3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 1991. Tratam-se de providências imprescindíveis para a exata determinação dos direitos e garantias do trabalhador intermitente, que não foram regulamentados na Lei nº 13.467, de 2017[8].
O artigo 452-B dava a faculdade as partes de acordar no contrato os locais em que seriam prestados os serviços, os turnos em que o empregado trabalharia, as formas e instrumentos de convocação e resposta para a prestação de serviços e o formato da reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços que já estavam previamente agendados. Assim, extinguiu a multa recíproca de 50% quando do descumprimento do contrato por alguma das partes.
O artigo 452-C evidenciava o conceito de inatividade, considerando-a o intervalo de tempo diferenciado daquele em que o trabalhador intermitente tenha sido chamado a trabalhar e tenha prestado serviços nos termos do § 1 º do art. 452-A. Na inatividade, o trabalhador não se mantém a disposição do empregador, podendo este prestar seus serviços para outros tomadores. Caso fosse remunerado o período a disposição, seria descaracterizado o contrato de trabalho intermitente.
O artigo 452-D fixava que se passados o intervalo de 1 ano sem nenhuma convocação do trabalhador contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, considerando para efeitos legais o que for mais recente, o contrato na modalidade intermitente restaria rescindido. A determinação legislativa seria importantíssima para impedir que os contratos permanecessem abertos por tempo indeterminado, sem que houvesse pagamento de verbas rescisórias aos empregados.
O artigo 452-E determinava os valores devidos na rescisão contratual. A previsão que trouxe o mencionado artigo se destinava a favorecer o trabalhador, dado que o empregador poderia preferir não por firmar o contrato até o prazo de um ano, implicando no atraso insignificante do pagamento de verbas rescisórias ao trabalhador. Estabelecendo iguais conjunturas monetárias para quaisquer dos momentos de rescisão contatual, o contratante e contratado poderiam deliberar sobre o momento que o contrato teria fim, sem acarretar em grandes danos para quaisquer das partes.
O artigo 452-F previa o cálculo das verbas rescisórias e do aviso prévio tendo como base a média dos valores pagos ao empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.
O artigo 452-G antevia que o trabalhador de contrato padrão quando demitido, pelo menos até a data de 31 de dezembro de 2020, não poderia prestar serviços para o mesmo empregador por meio do contrato de trabalho intermitente pelo prazo de 18 meses contados da data da rescisão. Seria assim para obstar quaisquer perigos de transformações súbitas nas formas de contratação.
O artigo 452-H, último artigo acrescentado para disciplinar o contrato intermitente, estipulava que no contrato de trabalho intermitente, o tomador de serviços realizaria o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador, e o depósito do FGTS, observando a determinação legal, seguindo os valores pagos no período mensal e daria ao empregado o comprovante do cumprimento dessas obrigações, considerando para tal o previsto no art. 911-A, que também havia sido colocado na CLT pelo advento da MP 808/2017.
Verifica-se que, a preservação da mencionada medida provisória era de suma importância para trazer ao trabalhador o mínimo de dignidade ao contratar com seu empregador na jornada intermitente, pois estabelecia parâmetros que traziam segurança jurídica maior ao empregado. Assim, com o fulcro de manter o teor da MP 808/17 foi editada a portaria 349 pelo Ministério do Trabalho à época, hoje Secretaria do Trabalho integrado ao Ministério da Economia, porém se questiona acerca da inconstitucionalidade dessa portaria por se tratar de instrumento normativo e o Ministério do Trabalho não ter competência legislativa precisando de uma regulamentação complementar feita por órgão competente (SILVA; SANTOS; BEZERRA, 2018, p. 15 e 16).
Contudo, mesmo com a portaria editada pelo Ministério do Trabalho, ainda há insegurança jurídica por se tratar de ser norma editada por órgão administrativo e não legislativo, necessitando de uma lei que regulamente o trabalho intermitente em sua completude. Ademais, se foi necessária a edição de portaria para restabelecer alguns dos aspectos disciplinados pela MP 808/17, era preferível a conversão dessa medida provisória em lei por atribuir mais segurança jurídica aos sujeitos do aludido contrato de trabalho.
4 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE VERSUS CONTRATO DE TRABALHO PADRÃO
Antes de colocar frente a frente as características dos contratos que dão nome ao título deste subtópico é cabível que se faça uma breve conceituação acerca do que é o contrato individual de trabalho. Senão vejamos, o contrato de trabalho se trata de negócio jurídico expresso ou tácito em que há submissão de pessoa física perante outra pessoa física ou jurídica ou ente despersonificado a prestar serviços de maneira personalíssima, habitual, subordinada e onerosa (DELGADO, 2019).
A partir do conceito tradicional dado ao contrato individual de trabalho é importante destacar as principais características que os validam: pessoalidade, habitualidade, subordinação, onerosidade, alteridade. A pessoalidade diz respeito a quem presta os serviços, que deve ser aquele que assina o contrato, não podendo se fazer substituir sem autorização expressa do empregador. A habitualidade preza para que o contrato seja contínuo, sem interrupções, sucedendo no tempo de forma continuada. A subordinação é caracterizada pela direção por parte do empregador sobre a prestação de serviços do empregado, pois este depende daquele para que sejam prestados os serviços. A onerosidade caracteriza-se prestação de serviços e na contraprestação devida pelo serviço ter sido prestado, onde há perdas e ganhos para ambas as partes. A alteridade diz respeito aos riscos inerentes ao contrato de trabalho que são de ônus do empregador.
Com bases nas aludidas características que exsurgem para tornar válidos os contratos empregatícios, segue-se tabela acerca do contrato de trabalho padrão e o contrato de trabalho intermitente com o intuito de diferenciar os principais pontos dessas supramencionadas relações de trabalho para melhor entendimento. De antemão é ideal saber que as características mencionadas acima são de um contrato padrão, porém nem todas vão ser características do contrato intermitente, uma vez que algumas sofrem alguma relativização.
Características do contrato de trabalho |
Contrato de trabalho padrão |
Contrato de trabalho intermitente |
Pessoalidade |
A prestação de serviços pelo próprio empregado, sem sua substituição. |
A prestação dos serviços ocorre exclusivamente pelo contratado. |
Habitualidade |
A prestação de serviços é habitual, caracterizada pela sua continuidade sem interrupções. |
Não existe habitualidade, este é um contrato de trabalho caracterizado pela eventualidade, onde há tempos de prestação de serviços e tempo de inatividade. |
Onerosidade |
Para cada mês em que o empregado utiliza da sua força de trabalho há uma contraprestação não inferior ao mínimo constitucional. |
Há contraprestação ao final de cada período de prestação de serviços, sendo incerto a data de recebimento, não sendo observado o salário mínimo, mas a hora mínima de trabalho. |
Subordinação |
Há dependência do empregado para com o empregador caracterizando a subordinação a todo tempo, pois o empregado encontra-se a disposição do empregador. |
A subordinação está presente no trabalho intermitente, havendo contradição quanto a não aceitação pelo empregado para prestar serviços e quando o trabalhador está inativo não está à disposição do empregador. |
Alteridade |
O empregador aqui assume os risco da prestação de serviços, bem como da atividade empresarial. |
O trabalhador assume o risco da prestação de serviços, pois não sabe quando irá trabalhar novamente após o tempo de inatividade. |
Tabela 1 – Contrato de trabalho padrão versus contrato de trabalho intermitente.
Como se vê, no contrato padrão empregatício a prestação de serviços é prestada pelo próprio contratado, sendo a atividade por ele exercida de forma contínua, recebendo o valor constraprestacional periódico pelo trabalho feito, observando o mínimo constitucional, bem como o salário determinado para algumas categorias. Aqui o trabalhador se sujeita a vontade do empregador para exercer suas atividades, permanecendo sempre à disposição deste assuntor dos riscos da prestação de serviços.
No contrato de trabalho intermitente, também há prestação de serviços pelo próprio empregado, mas não há habitualidade na prestação de serviços devido aos períodos de inatividade do trabalhador intermitente. A onerosidade, assim como no contrato padrão, se caracteriza aqui, mas não há um mínimo salarial mensal a ser pago a este trabalhador sendo observada a hora mínima legal devendo este ser pago ao final de cada período trabalhado. Subordina-se o trabalhador intermitente ao empregador, mesmo que não aceite exercer o trabalho para o qual foi convocado, bem como no período de inatividade que não fica à disposição do empregador, podendo trabalhar para outros empregadores inclusive. Dessa forma, não é ônus do empregador os riscos da prestação de serviços, pois o trabalhador temo encargo de assegurar e administrar sua manutenção no mercado de trabalho, alternando a sua existência entre ocupar postos de trabalho e procurar por outros postos de trabalho para serem ocupados (TEXEIRA E GONÇALVES, 2017).
5 A FLEXIBILIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS TRABALHISTAS NO ÂMBITO DO CONTRATO INTERMITENTE
Conforme o entendimento de Nascimento (2014, p. 119) os princípios jurídicos são instituidores de convicções reconhecidas pelo Direito, nas quais devem ser seguidos para cumprir a sua finalidade no ordenamento. Exercendo a função de nortear a compreensão, como um alicerce para um viés direcionado, através da interpretação dentro da linha de pensamento, integrando a norma através do entendimento disposto.
Os princípios especiais trabalhistas possuem uma grande força quando se fala em garantias, formam o denominado núcleo basilar do direito do trabalho, não só por estarem enraizados na essência da função teleológica do direito do trabalho, mas por sua amplitude expandida e difundida no meio material do direito do trabalho (DELGADO, 2019).
Com a regulamentação do contrato de trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro havia expectativa de maiores direitos ao contratado, facilidade de contratação e o mínimo de flexibilização. No entanto, o princípio da imperatividade das normas é relativamente afastado, deixando de restringir a manifestação de vontade das partes, já que no contrato de trabalho intermitente, a faculdade de escolha sobre a quantidade de atividades desempenhará e quais, estando assim a mercê da vontade do empregador, trazendo assim um retrocesso de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários (LIMA, 2017, p. 75).
Conforme Delgado (2019, p. 245), o princípio da continuidade da relação de emprego direciona-se a participação do empregado na estrutura e dinâmica empresariais, bem como a permanência com o vínculo empregatício, interesse direto do Direito do trabalho, assegurando o objetivo de alcançar melhores condições a classe trabalhadora. No entanto, a partir do momento em que se aceita o contrato de trabalho intermitente se coloca disposto a insegurança da continuidade deste que, para Cassar (2018, p. 512) a modalidade de contrato trará inseguranças a quem lhe firmar, não terá alguma garantia do tempo mínimo que vai exercer seja por mês ou durante o ano, nos quais estará à disposição do empregador, mas não contará como tempo de serviço, divergindo o aplicado no art. 4º da CLT, que dispõe sobre período de inatividade dos contratos de trabalho comuns.
O princípio da intangibilidade salarial dispõe sobre o salário assegurado em seu valor, montante e sua disponibilidade ao empregado. Derivando este princípio diretamente do seu caráter alimentar, sua essencialidade para a sobrevivência, sendo uma das fortes garantias diversas da figura econômico-jurídica e também do princípio da dignidade humana (DELGADO, 2019). Tal princípio também é flexibilizado na regulamentação do contrato de trabalho intermitente, já que no art. 452 – A da CLT, dispõe que será remunerado o trabalhador intermitente conforme as horas trabalhadas, sendo essas conforme o valor hora do salário mínimo ou do pago aos demais funcionários exercendo a mesma função. Assim, o dispositivo fragiliza o trabalhador intermitente, a partir do momento que traz distinções do artigo 76, da CLT, estabelecendo um salário abaixo do mínimo.
Trazendo para o cenário atual, Silva (2017, p. 73) dispõe também que “a ideia trazida no art. 452-A nada mais é do que a elaboração de um cadastro com os dados do empregado para, se houver trabalho, ele ser acionado, mas sem o compromisso de ser chamado e sem o compromisso de atender ao chamado”.
Assim, pode-se dizer que o empregador por livre e espontânea vontade, delibera sobre chamar ou não o trabalhador, e este será o único a deliberar se vai ocorrer a efetivação ou não. No entanto, se o trabalhador depender somente da renda proveniente da intermitência para sua subsistência, retirando-a não existirá remuneração, pondo a parte vulnerável do contrato para a aceitação obrigatória, tornando a liberdade do contrato relativa.
6 A PERDA DA VIGÊNCIA DA MP 808/2017 E OUTROS IMPACTOS NOCIVOS SOBRE O CONTRATO INTERMITENTE
6.1 A violação ao princípio de proteção integral ao trabalhador no trabalho intermitente
A existência de uma relação de emprego pressupõe um empregado e um empregador, sendo aquele a parte mais fraca. Assim, a situação de hipossuficiência do trabalhador decorre da sua vulnerabilidade dentro da relação trabalhista, não se relacionando com poder aquisitivo, nível educacional ou de informação das partes. A vulnerabilidade tem a ver com o exercício efetivo da autonomia da vontade (CARELLI, 2017). É aqui onde o princípio da proteção tem incidência, uma vez que a proteção vai ser concretizada ao controlar o poder do empregador, impedindo-o de compelir sua própria vontade de maneira desenfreada.
Neste sentido, o princípio da proteção vai abranger praticamente todos os princípios nos quais são especiais do Direito Individual do Trabalho como, por exemplo, o princípio da imperatividade das normas trabalhistas, o princípio da inalterabilidade contratual lesiva o da continuidade da relação de emprego, e assim sucessivamente. Assim, conforme a doutrina majoritária, seguindo Américo Plá Rodrigues, há a defesa de que o princípio da proteção se trata de gênero que comporta três princípios: o da condição mais benéfica, o da norma mais favorável e do in dubio pro operario (VIEIRA, 2019).
Diante disso, o princípio da condição mais benéfica estabelece que todo tratamento mais vantajoso ao trabalhador, ofertado de forma tácita e rotineira, não pode ser anulado porque desde já integra o salário do empregado, devendo ser mantido. Destarte, existindo cláusula ou condição em lei anterior mais frutuosa ao obreiro, ainda que sobrevenha lei nova abordando sobre a mesma matéria, a condição mais benéfica deve permanecer (VIEIRA, 2019).
A partir disso, é importante também mencionar sobre lei mais benéfica posterior que traria condições mais benéficas ao trabalhador intermitente, porém perdeu sua vigência. Este é o caso da MP 808/17, esta medida provisória trouxe significativas condições benéficas ao trabalhador. A extinção da multa de 50%, por exemplo, que o obreiro não precisaria pagar caso houvesse distrato em caso de prestação de serviços acertada. Com a perda da vigência da MP 808/2017, o empregado volta a pagar a multa em caso de descumprimento não justificado. Contudo, se norma anterior for mais benéfica que a posterior, a anterior prevalece. Então, diante de norma posterior que deixa de viger que trouxe condições mais vantajosas ao trabalhador, estas também deveria permanecer, pois de acordo com o princípio em questão e o exemplo utilizado, afeta diretamente o salário do empregado, uma vez que o obreiro teria que pagar 50% do valor que receberia.
Ademais, tem-se o princípio da norma mais favorável que determina que o hermeneuta deve decidir pela norma mais favorável ao trabalhador no instante da elaboração da regra, quando houver choque entre regras e quando for interpretar normas. Assim, partindo do pressuposto que o princípio aduzido tem, dentre suas funções, a de elaboração das normas jurídicas que devem estar compatíveis com a desvantagem econômica do empregado dentro da relação laboral, ocorre a violação do princípio em tela em decorrência da perda de vigência da MP 808/17.
Quanto ao princípio in dubio pro operario Cassar (2018, p. 254) expõe que:
Recomendamos que deva prevalecer a interpretação decorrente do princípio da proteção ao trabalhador, isto é, o princípio interpretativo in dubio pro misero, segundo o qual se a norma comportar mais de uma interpretação razoável, o exegeta deverá optar por aquela mais favorável ao trabalhador.
Tendo em vista isto, a MP 808/17 foi elaborada levando em conta a hipossuficiência e vulnerabilidade do trabalhador frente ao empregador na relação de trabalho e se tratava de norma mais favorável ao obreiro intermitente, uma vez que tinha, além de outras funções, evitar que os empregadores demitissem trabalhadores padrões para os admitir como trabalhador intermitente. No entanto, com a queda da MP citada, norma mais favorável ao trabalhador deixou de existir, desprotegendo-o como consequência.
Segundo Vieira (2019, p. 70), a lei nº 13.467/17 modificou “muito mais artigos da CLT em favor do empregador do que do empregado, e que pode ser observado, em certos casos, a diluição do princípio da proteção ao trabalhador em benefício da proteção do empregador”. A MP 808/17 foi elaborada para atenuar a diluição do princípio da proteção, pois trazia provisões indispensáveis para a correta estipulação dos direitos do trabalhador intermitente, que não estiveram disciplinados na Lei nº 13.467, de 2017.
6.2 A situação da gestante em trabalho intermitente
Um ponto importante para se analisar quando se trata de trabalho intermitente é a situação da gestante e as garantias de convocação que terá no período da gravidez. Diante disso, surgem indagações que Cassar (2018, p. 253 e 254) explana bem:
A empregada que engravida no período de inatividade, terá estabilidade na inatividade? Deverá ser convocada ao trabalho? De forma oposta, se engravida no curso do trabalho efetivo, terá o direito a continuar trabalhando, mesmo que a convocação tenha sido expressa limitando o período de trabalho em apenas 10 dias?
Neste sentido, a gravidez é um período delicado em que a gestante pode ter algumas restrições para efetuar tarefas em seu trabalho que antes realizava, para que não venha a causar danos à vida que se desenvolve em seu ventre. Além disso, é fundamental que haja supervisão médica através do pré-natal. Assim, diante das omissões legislativas no tocante a trabalhadora intermitente gestante, o patrão pode facilmente não convoca-la para trabalhar pelas razões acima expostas. Portanto, o empregador manteria a gestante no emprego, porém sem a garantia de ser requisitada para exercer algum trabalho efetivamente, porque, diante da previsão legal vigente acerca do trabalho intermitente, entende-se que a convocação para a prestação de serviços da empregada grávida seria um direito exclusivo do empregador (GUNTHER; LIMA; NETO, 2019).
Com base nisso, tinha-se através da MP 808/17, uma única previsão a respeito da gestante, mais precisamente no §14 do artigo 452-A, prevendo o pagamento da licença-maternidade pela Previdência, assim como já acontece com as empregadas domésticas e mães adotivas. Na vigência da medida provisória aduzida ainda tinha alguma garantia para a gestante, ainda que deficiente, todavia não há mais qualquer previsão legal a respeito do contrato intermitente com relação a trabalhadora.
Assim, deve-se não focar apenas na estabilidade da gestante, pois tem-se que atentar para que a trabalhadora tenha segurança com relação a sua subsistência ao longo do período gestacional e nos primeiros meses após o parto. Destarte, em observância ao princípio da proteção ao trabalhador, não se admite exegese legislativa que aborte a sobrevivência do operário (GUNTHER; LIMA; NETO, 2019).
Contudo, é preciso que o poder legislativo atente para estas questões omissas relacionadas a gestante enquanto trabalhadora intermitente, pois, o que há de se pensar, é que diante do cenário legal atual a mulher trabalhadora é massa de manobra no poderio do empregador, tendo em vista que a lei não obriga a permanência da gestante no trabalho, muito menos a sua convocação.
6.3 Acidente de trabalho
Em volta a tantas precarizações, encontramos o trabalhador intermitente em meio a mais uma situação de omissão legal, sobre garantias nos casos de acidente de trabalho e sua aplicação. Assim, não há previsão na lei sobre os acidentes de trabalho tanto típicos como atípicos. Na forma típica, ou a mais comum, ocorre durante a prestação do trabalho, onde o empregador vai figurar como polo passivo. Em contrapartida, quando atípico no qual é resultado do trabalho, a análise de como ocorrerá a responsabilidade deverá ser por prova técnica rogada por magistrado, observando aspectos do ambiente, bem como de proteção através do uso de equipamentos individuais, treinamento e a efetiva fiscalização (MELEK, 2019).
De mesmo modo, o autor Melek (2019, p. 76) dispõe que, a interpretação da garantia do emprego nos casos atípicos, deveram ser feitos seguindo os contratos com prazo determinado, in verbis:
“Superada a questio iuris de qual empregador suportará a garantia de emprego, prima facie nos parece que a garantia de emprego será cumprida nos mesmos moldes que a jurisprudência já vem aplicando a contratos por prazo determinado, dada a similitude, uma vez que cada convocação ao trabalho possui lapso temporal absolutamente determinado.”
Então, o trabalhador intermitente vai ser amparado conforme normas que não lhe são específicas, e também poderá se utilizar da prevalência da convenção coletiva ou acordo coletivo conforme dispõe o art. 611 –A, inciso VII, da CLT. Situações em que, a garantia da estabilidade do emprego pode ocorrer por negociação coletiva caso o afastamento seja superior a 15 (quinze) dias, garantindo assim o mínimo de remuneração para a manutenção vital, no período em que permanecer inativa todas as convocações do trabalhador, buscando a plena recuperação deste (NOGUEIRA, 2017).
6 CASO PRÁTICO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Ao analisar a jurisprudência nacional, nota-se que a matéria no tocante a regulamentação do trabalho intermitente ainda não foi suficientemente enfrentada. Com base nisso, alguns julgados dos tribunais que tratam do assunto ilustram de maneira nítida as controvérsias existentes entre desencadeadas pela insuficiente regulamentação do contrato de trabalho intermitente.
Em 2019, o caso de um assistente de loja contratado pela Magazine Luiza, já na vigência da Reforma Trabalhista de 2017, que faz requerimento de comutação de contrato de trabalho intermitente para contrato de trabalho por tempo indeterminado, e ainda que lhe fosse pago o valor completo do salário por todo o período.
Contratado em novembro de 2017, o trabalhador que prestou serviços durante 98 (noventa e oito) dias pediu a nulidade do contrato de trabalho intermitente, tendo em vista que ele estaria violando o regime empregatício, a dignidade da pessoa humana, a responsabilidade para com a profissionalização e o escalão essencial de proteção ao trabalhador que se mantém pelo seu labor.
Nisso, o pedido foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau, porém o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região deu procedência ao pedido sob fundamento de “que o trabalho em regime intermitente é lícito de acordo com a nova legislação, todavia, deve ser feito somente em caráter excepcional, ante a precarização dos direitos do trabalhador” e, além disso, que somente seria para suprir demandas de empresas pequenas, não podendo ser utilizado para guarnecer atividade regular e permanente.
Ademais, o TRT da 3ª Região faz interpretação extensiva do parágrafo 3º do artigo 443 da CLT na parte em que fala da independência do trabalho intermitente quanto ao tipo de atividade exercida pelo empregado ou empregador. Entendeu o Regional que quando a lei traz essa redação, o legislador referiu-se ao cargo desempenhado pelo trabalhador dentro da empresa, não fazendo menção ao caráter da atividade.
Todavia, o Tribunal Superior do Trabalho, por sua 4ª turma, divergiu da colocação do TRT, fundamentando em sede de Recurso de Revista lesão ao princípio da legalidade sob alegação de que com seus excessos exegéticos queria o Tribunal reduzir o campo de aplicação da nova modalidade de contrato celetista, definindo parâmetros além daqueles que a lei prevê, pois de acordo com o texto literal da lei o trabalho intermitente não é direcionado apenas para algumas atividades ou empresas e, inclusive, não tem “caráter excepcional”. Assim, declarou que a Reclamada preencheu todos os requisitos legais no que tange à contratação do Reclamante como trabalhador intermitente.
Em observância ao caso mencionado, percebe-se as consequências causadas pela ausência de regulamentação adequada, tendo em vista que o TRT da 3º Região, aplica a lei com observância aos direitos e princípios do trabalho que estão à disposição do trabalhador, buscando proteger a parte hipossuficiente da relação empregatícia. Enquanto isso, o TST leva em conta o texto literal da lei sem observar as necessidades, garantias e princípios já conquistados pelo trabalhador, tornando o cenário inseguro juridicamente.
6 CONCLUSÃO
O trabalho intermitente surgiu no Reino Unido, modelo adotado no Brasil, frente aos modelos existentes em outros países que tem uma legislação mais completa a respeito do trabalhador intermitente. Neste sentido, verifica-se que o Brasil adotou o modelo que não dá garantia de emprego e muito menos de recebimento de salário.
Assim, pode-se considerar o trabalho intermitente como uma nova forma de contratação, que reduz custos para o empregador, estimulando substituições do trabalhador padrão por pelo intermitente, fato que desencoraja o empregado e piora o círculo da miséria, contrariando a continuidade da relação de emprego, o bem-estar do trabalhador no meio ambiente de trabalho, o aperfeiçoamento e qualificação da mão de obra.
A definição trazida pela Reforma Trabalhista acerca do trabalho intermitente transgrede integralmente a proteção do trabalhador, já que cria um contrato que explora intensamente a força de trabalho, considerando-se como subemprego, elevando a desigualdade e potencializando a precariedade no trabalho.
Para que sejam atenuados os efeitos degradantes dos direitos já conquistados pelos obreiros, deve-se respeitar o conjunto normativo do Direito do Trabalho, interpretando-o em sua completude e fazendo ponderações das normas que mais beneficiam o trabalhador, com observância a dignidade da pessoa humana, a proteção do trabalho digno, a proteção integral ao trabalhador e os demais princípios especiais do Direito do Trabalho, bem como reconhecer os direitos essenciais do cidadão trabalhador.
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[1] Acadêmica de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2]Orientadora do presente artigo, Mestra em Direito, professora do Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: erikavilar @hotmail.com.
[3]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
[5] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/trabalho-sem-carteira-e-por-conta-propria-batem-novos-recordes-diz-ibge.shtml
[6] http://cite.gov.pt/asstscite/downloads/legislacao/CT20032018.pdf#page=64
[7] https://www.cliclavoro.gov.it/Normative/Decreto_Legislativo_15_giugno_2015_n.81.pdf
[8] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2017/medidaprovisoria-808-14-novembro-2017-785757-exposicaodemotivos-154248-pe.html
Acadêmica de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Ana Gisely da Silva. O trabalho intermitente: impactos nocivos da perda de vigência da MP 808/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54645/o-trabalho-intermitente-impactos-nocivos-da-perda-de-vigncia-da-mp-808-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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