ALANA CARLECH CORREIA [1]
(orientadora)
RESUMO: As Penas e Medidas Alternativas a prisão, são penas que buscam de forma efetiva uma abordagem que presa pela auto responsabilização, visando assim chegar à ressocialização de forma efetiva. No entanto, apesar da presença dos institutos despenalizadores e na forte crescente da política de alternativas penais, o estado ainda continua majoritariamente aplicando as penas privativas de liberdade. Este artigo pretende demonstrar a relação positiva da política com o sistema penitenciário, trazendo sucintamente alguns pontos que fazem da política de alternativas penais uma grande aliada no combate à crise do sistema penitenciário.
Palavras-chave: Alternativas penais; Crise; Ressocialização; Sistema Penitenciário;
ABASTRACT: Penalties and Alternative Measures to imprisonment are penalties that effectively seek an approach that is based on self-responsibility, thus aiming at achieving effective re-socialization. However, despite the presence of decriminalizing institutes and the strong increase in the policy of criminal alternatives, the state still continues to apply mostly custodial sentences. This article aims to demonstrate the positive relationship between politics and the prison system, briefly highlighting some points that make the policy of penal alternatives a great ally in combating the crisis in the prison system.
Keywords: Penal: Alternatives; Crisis; Resocialization; Penitentiary system;
Sumário: Introdução. 1. 2. Reconhececimento da necessidade de alternativas que possam auxiliar no combate a crise do sistema penitenciário. 3. Viabilidade da aplicação das penas alternativas. 4. A ressocialização como principal objetivo na aplicação das penas alternativas. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A organização do homem em sociedade impôs a necessidade de um regramento capaz de disciplinar o convívio e, para tanto, estabeleceu-se algumas partes da vida humana que necessitariam de uma tutela especial. Daí o surgimento do Direito Penal, tutelando aqueles bens da vida considerados mais valorosos, cuja lesão implicaria numa responsabilização mais severa. O Direito, ciência dinâmica, acompanha a evolução das necessidades humanas e no âmbito penal essas mudanças também ocorrem, tanto na tutela, quanto na penalização, motivo pelo qual se vislumbra algumas mudanças no decorrer do estudo histórico desse ramo do Direito.
Não é difícil de observar na história que o Direito evolui em proporcionalidade com o desenvolvimento da sociedade, mas que em alguns momentos foram necessárias certas “revoluções” para que a mudança acompanhasse os pensamentos e necessidades de sua época. Observa-se, assim, que em dado momento histórico o Direito Penal e Processual Penal tinham uma proposta mais punitiva e isso acompanha de certa forma a necessidade de reposta à aclamação social, que entendia que a punição deveria ser exemplar e chocante o suficiente para que outros indivíduos se intimidassem na realização do mesmo delito, sob o receio de passar por tamanho sofrimento. Ocorre que a crueldade da pena não foi suficiente para inibir comportamentos humanos indesejados, o que não surtiu o efeito positivo esperado, nem para a sociedade, nem para os indivíduos oriundos do sistema.
A pena privativa de liberdade, existente desde os primórdios, se manteve durante todo o período. E hoje, diante da crise que o sistema carcerário enfrenta em razão da superlotação, fazem-se necessárias implantações de políticas públicas criminais capazes de atingir o objetivo precípuo da pena, que é a ressocialização do individuo, apresentando alternativas ao encarceramento, já que esse é insuficiente para atendimento do contingente criminal. Daí a necessidade de se reconhecer ações que possam com efetividade diminuir a grande massa carcerária existente no nosso país e é nesse cenário que a aplicação de penas e medidas alternativas aparecem como possibilidade de auxiliar na crise do sistema penitenciário, não só pela redução da quantidade de encarcerados, mas, principalmente, pelos resultados relativos a ressocialização e diminuição da reincidência.
Diante deste cenário, questiona-se: as penas e medidas alternativas podem auxiliar no combate a crise do sistema penitenciário?
O trabalho justifica-se em razão de o Brasil hoje vivenciar uma crise no sistema penitenciário que se perfaz por mais de uma década. Se o objetivo do cárcere é fazer com que o indivíduo possa refletir sobre o ato ilícito cometido e que possa ter cada vez mais apreço por sua liberdade, prisões superlotadas e indignas não seriam um ambiente favorável para essa reflexão.
Assim, é urgente que a diminuição da população carcerária diminua e a hipótese que se levanta é que as penas e medidas alternativas poderiam auxiliar nesse sentido, cabendo portanto ao Poder Judiciário, sempre que possível, dar preferência para essas penalidades em vez da pena restritiva de liberdade.
1. RECONHECECIMENTO DA NECESSIDADE DE ALTERNATIVAS QUE POSSAM AUXILIAR NO COMBATE A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
O sistema carcerário hoje passa por uma crise que se perdura devido ao elevado número de crimes, a políticas públicas mal aplicadas, à insuficiência de investimentos governamentais em segurança, estruturas precárias e principalmente as prisões no país que seguem superlotadas, como mostra o relatório feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público através do projeto Sistema Prisional em Números (BRASIL, 2020). Todos esses fatores influenciam negativamente em dados da reincidência, o que leva a conclusão de que o objetivo da ressocialização não é suficientemente alcançado.
Os fatores apresentados acima servem para que se possa reconhecer a necessidade de opções alternativas que venham a auxiliar no combate a crise do sistema penitenciário.
De acordo com uma cartilha do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicada no ano de 2016 que versa sobre as Regras de Tóquio, entre os anos de 1990 e 2014 houve um aumento da população carcerária em cerca de 575%, algo que reflete na curva ascendente do encarceramento em massa que se amplificou no Brasil.
O relatório “O Brasil atrás das grades” elaborado pela Human Rights Watch, organização em defesa dos Direitos Humanos, aponta o seguinte:
Embora as condições variem significativamente de um Estado para outro, e de uma instituição para outra, as condições carcerárias no Brasil são normalmente assustadoras. Vários estabelecimentos prisionais mantêm entre duas e cinco vezes mais presos do que suas capacidades comportam. Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos com detentos amontoados em pequenas multidões. As celas lotadas e os dormitórios desses lugares mostram como os presos se amarram pelas grades para atenuar a demanda por espaço no chão ou são forçados a dormir em cima de buracos de esgoto (HUMAN RIDGHTS WATCH, 2019).
Até agora, é possível considerar pela maneira a qual vem sendo estruturado que o sistema penitenciário brasileiro está fadado ao erro. Há algum tempo a realidade é que a quantidade de vagas produzidas não consegue acompanhar a demanda que chega para o Estado. Diante disso, enquanto o Estado não consegue articular e organizar o sistema, o crime o faz. O relatório aponta para uma ausência de política efetivamente voltada para diminuição da população carcerária:
Além disso, os defeitos do sistema penal são em grande parte devidos à ausência de vontade política para ajustá-los, ao invés de falta de verbas. Algumas das crueldades mais extremas das quais os detentos brasileiros são vítimas não podem de forma alguma ser atribuídas à falta de recursos públicos. No presente, à luz do horrendo estado do sistema penal, é crucial que as autoridades prisionais e policiais--com o apoio dos deputados estaduais, promotores, Ministérios Públicos e autoridades federais relevantes--comecem a instituir um conjunto de reformas mais do que necessárias. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1997-1998).
É necessário, ainda, observar o ato ilícito cometido por um determinado indivíduo não só como a real natureza daquela ação, mas sim observando critérios que o levaram a cometer aquele ato e qual seria a melhor forma de responsabilizá-lo sobre essa ação.
No entanto, pode-se afirmar que o sistema não cumpre com as diretrizes na qual foi instituído e muito mais que querer aplicar penas ou medidas alternativas em qualquer situação, quer-se também que ela seja criteriosa e eficaz. Uma análise de um profissional na área da psicologia poderia trazer para o judiciário, por exemplo, como que esse indivíduo vai reagir ao encarceramento ou se outras penas seriam mais eficientes, para que de certa forma possa prever o alcance do real caráter reflexivo da pena.
A prisão e sua lógica da segregação, da exclusão, da produção da delinquência e do apartheid social já foi objeto de discussões e serviu como ponto para a assunção de uma posição por parte da Psicologia e dos psicólogos (as) com respeito à ineficácia daquela e sua capacidade de retroalimentação da violência, do crime e da criminalidade. Os efeitos perversos e nocivos do encarceramento, prioritariamente dirigido às classes pobres, aos negros e aos jovens, é hoje razão de preocupação de organismos internacionais, e também nacionais, que veem neste processo de encarceramento uma justiça seletiva e distante de qualquer forma de reintegração social ou responsabilização daqueles que sofrem os efeitos nefastos da pena de prisão. A lógica punitiva, retributiva e de vingança parece ser a única que permanece nesses tempos difíceis onde o alcance dos fins da chamada Defesa Social justificaria toda sorte de estratégias de aprisionamento, violações de direitos, etc. (FRANÇA; PACHECO; TORRES, 2016).
O trabalho do psicólogo nessa situação vai muito mais além que um mero exame criminológico que foi estabelecido pela LEP (Lei de Execução Penal) em seu artigo 8º, em que deveria ser aplicado ao condenado à pena em regime fechado com o objetivo de obter elementos que sirvam para uma adequada classificação do condenado, mas, principalmente, para a individuação da execução penal. No entanto, houve alteração do artigo 112 da LEP e deixou-se de contemplar o exame criminológico como obrigatório.
Bittencourt (2012, p. 459) afirma que “o exame criminológico é a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos e psicológicos do condenado, para obtenção de dados que possam revelar a sua personalidade”.
Além disso, Bitencourt enfatiza que:
É uma perícia, embora a LEP não o diga, busca descobrir a capacidade de adaptação do condenado ao regime de cumprimento da pena; a probabilidade de não delinquir; o grau de probabilidade de reinserção na sociedade através de um exame genético, antropológico, social e psicológico (BITTENCOURT, 2012, p. 461).
O exame criminológico é um conjunto de exames que juntos conseguem revelar um “olhar” mais detalhado sobre o condenado. Ele até aparenta ser mais um exame psicológico do que criminológico, mas não é, possuindo, por exemplo, etapas como: Exame Psicológico (Nível mental, traços básicos de personalidade e agressividade); Exame Social (Informações familiares, condições sociais em que o ato foi praticado e outros); etc. Observados esses fatores, seria possível aplicar a penalidade mais adequada ao perfil do condenado.
Mas infelizmente essas etapas são observadas geralmente após o adentrar do apenado no sistema carcerário, isso quando ele tem a oportunidade de receber essa avaliação. O exame criminológico deveria ser realmente uma das etapas da aplicação da pena, podendo o indivíduo passar por uma espécie de triagem, quem sabe contendo mais de um profissional para que tenham diferentes ponderações sobre aquele sujeito.
Os objetivos do trabalho dos psicólogos, no sistema penitenciário, necessita evoluir progressivamente de uma orientação avaliativa para intervenções mais efetivas, com o objetivo de melhorar as possibilidades de recuperação dos detentos como também o aperfeiçoamento das organizações penitenciárias (JESUS, 2010, p.30).
Pouco vai adiantar tentar descontruir ou reinventar um individuo depois que ele passa pelo sistema superlotado, descumpridor de um mínimo de dignidade esperada para qualquer ser humano. Por isso se faz necessário o máximo de tentativas, que possam de certa forma comprovar que aquela pena restritiva de liberdade seria a última, a única ou a melhor opção naquele caso.
Beccaria aduz que:
As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza: e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos (BECCARIA, 2006, p. 20).
Grande parte da sociedade ainda vê o indivíduo que cumpre uma pena, independente de qual seja e principalmente as privativas de liberdade, como alguém que cometeu um erro irreparável, que deve pagar por ele e que não deve voltar para o convívio social até que tenha entendido a “gravidade” das suas ações e respeite a ordem e os “bons costumes” da sociedade.
Fernando de Jesus em sua obra, Psicologia Aplicada a Justiça, ao falar sobre normais sociais traz a seguinte colação:
As normas sociais regem o comportamento humano. Necessitamos dessas regras para estabelecermos os padrões de convívio, ajustarmos os comportamentos que desviam desse padrão, para que possam retornar a ele, e reforçarmos os comportamentos desejáveis. A pessoa anormal não consegue satisfazer as normas de conduta vigentes em seu meio de convívio (JESUS, 2010).
Aqui cabe uma reflexão: um indivíduo hoje que passa pelo cárcere tem parte de sua dignidade “perdida”, pois ele na maioria das vezes, para não dizer sempre, vai ter aquilo marcado na sua vida. Ele sempre vai ser visto como o egresso do sistema, como alguém que já cumpriu uma pena e dificilmente chegarão a ele segundas chances perante o convício social.
As penas e medidas alternativas, observando esse contexto apresentado, entrariam como um catalisador na formação de uma sociedade mais equilibrada, principalmente no combate a crise presente no sistema carcerário, de forma que se poderia cada vez mais humanizar as penas e elevar mais uma vez a aplicação do Direito Penal e Processual Penal.
As penas alternativas possuem previsão no Código Penal em seu artigo 43 e são aquelas penas que, ao contrário da pena restritiva de liberdade, visão o carácter educativo e social da pena de forma efetiva. As penas alternativas têm como objetivo manter o indivíduo na sociedade sem inseri-lo no sistema penitenciário, como por exemplo, a Prestação de Serviços a Comunidade.
Segundo a legislação, sempre que possível o juiz deve aplicar a pena alternativa. As hipóteses legais para aplicação da pena alternativa são aquelas previstas no Código Penal nos artigos 44 a 58 e na Lei 9.099 em seus artigos 76 e 89 que falam, respectivamente, sobre a Transação Penal e a Suspensão Condicional do Processo. Segundo esses artigos será possível a aplicação das alternativas penais quando: Os crimes com pena máxima aplicada em até dois anos considerados de menor potencial ofensivo, serão recebidos pelos Juizados Especiais Criminais e para eles poderão ser aplicados à transação penal e a suspensão condicional do processo; Os crimes com pena máxima até dois anos, com ou sem violência, poderão receber suspensão condicional da pena e os crimes com pena máxima aplicada em até quatro anos, sem violência ou grave ameaça, poderão receber uma pena restritiva de direito.
Assim, é necessário fazer das Alternativas Penais como uma primeira opção na aplicação de uma pena e tentar utilizá-las sempre que possível no lugar das penas privativas de liberdade, de forma que possa vir a fortalecer o crescimento da política de alternativas penais, bem como diminuir a grande demanda existente no sistema penitenciário.
2. VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS
Hoje infelizmente o Estado não consegue dar aos condenados o mínimo necessário para o cumprimento da pena privativa de liberdade e apesar da existência de políticas voltadas para essa área, o sistema encontra-se em colapso.
É notável que ainda existe um grande preconceito da sociedade com as alternativas penais, o que dificulta ainda mais o crescimento e fortalecimento da política. Dessa forma se faz necessário demonstrar que as penas e medidas alternativas são mais viáveis que as penas privativas de liberdade em diferentes âmbitos, para que elas possam ser observadas com um “olhar” mais receptivo.
Caso apenas tenhamos penitenciárias com instalações físicas adequadas, mas com carência de pessoal treinado e de programas que contemplem ações objetivas e práticas, não teremos como um resultado uma melhor recuperação do recluso, de maneira que perdemos de vista o objetivo que desejamos atingir (JESUS, 2010).
No ano de 2017, segundo dados levantados pelo INFOPEN, após a análise feita com 1.507 unidades prisionais cadastradas, o país contava com 726.354 pessoas privadas de liberdade. Se for feita uma observação a cerca do número de vagas disponíveis, é possível encontrar um déficit total de 303.112 mil vagas, perfazendo uma taxa de ocupação de 171,62%.
O Brasil hoje, segundo dados levantados pelo Banco de Monitoramento de Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possui cerca de 812.564 presos, população carcerária que se equipara a população da cidade de Nova Iguaçu no estado do Rio de Janeiro que possui 818.75 habitantes e aproximadamente três vezes mais que a população de Palmas, Tocantins, que hoje estima-se ter 299.127 habitantes segundo o IBGE.
Sabemos que todos os que estão nos cárceres sofrem seus efeitos mortíferos. O psicólogo pode esclarecer à sociedade sobre os efeitos da prisão – por exemplo, sobre as questões ligadas à agressividade. Se de um lado a agressividade é inerente à vida, é uma das facetas da libido composta como disse Freud, de amor e ódio, ela pode ser transformada em destrutividade e sadismo. A prisão é um meio eficaz no que diz respeito a operar essa transformação da agressividade em destrutividade, em torná-la, de reação normal que é algo descontrolado e mortífero. (FRANÇA; PACHECO; TORRES, 2016).
O artigo 10 da Lei de Execução Penal é bem claro quando diz que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, com o objetivo de prevenir a reincidência e orientar a um retorno pacífico a convivência em sociedade. Diante deste contexto, a população não se vê como uma das responsáveis diretas pelo retorno adequado daquele indivíduo para o seu meio e o Estado se perde nas inúmeras demandas criadas hoje pelo sistema, não conseguindo cumprir na grande parte das vezes com o papel ao qual é encarregado.
Outro fator que ajuda a entender o quanto as alternativas penais são mais viáveis é quando se observa os índices de reincidência. Segundos dados levantados pelo IPEA em 2015, através de um relatório sobre Reincidência Criminal no Brasil, foi possível analisar que 75% dos apenados reincidentes foram condenados a penas privativas de liberdade e apenas 8,9% a penas alternativas. Agora o que mais chama atenção é o fato de que 89,3% dos condenados a penas privativas de liberdade voltaram a reincidir e apenas 6,6% são de penas alternativas.
Como parte do seu objetivo na reabilitação e ressocialização, a LEP determina que os presos tenham acesso a vários tipos de assistência, inclusive assistência médica, assessoria jurídica e serviços sociais. Na prática, nenhum desses benefícios são oferecidos na extensão contemplada pela lei, sequer a assistência médica--o mais básico e necessário dos três serviços--é oferecida em níveis mínimos para a maior parte dos presos. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1997-1998).
O que notamos hoje é que a sociedade precisa ser trabalhada, para que se consiga acolher de forma correta esses indivíduos após a saída deles do sistema. Infelizmente a cultura predominante é a do encarceramento, mas é necessária a difusão de uma educação onde os métodos para resoluções de conflitos tenham como foco meios restaurativos.
É notável que ainda existe uma insegurança muito grande na hora de apresentar oportunidades a esses indivíduos, mas enquanto não houver um primeiro passo de solidariedade não haverá progresso.
3. A RESSOCIALIZAÇÃO COMO PRINCIPAL OBJETIVO NA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS
Hoje não é novidade para nenhum brasileiro, independente de ter um estudo aprofundado ou não sobre a causa, que o sistema penitenciário brasileiro há alguns anos está em crise. Crise essa que se manifesta em diferentes setores, mas se apresenta com maior relevância diante da superlotação e da falta de estruturação das penitenciárias, algo que habitualmente acaba sendo retratado pela mídia seja em entrevistas, reportagens e até mesmo na cinematografia, como por exemplo, no filme Carandiru lançado no ano de 2003.
Para Carvalho Filho (2002, p.10), “As prisões brasileiras são insalubres, corrompidas, superlotadas, esquecidas. A maioria de seus habitantes não exerce o direito de defesa. Milhares de condenados cumprem penas em locais impróprios”.
Diante do demasiado crescimento da população carcerária nos últimos 20 anos, fez-se necessária à busca por opções viáveis ao cárcere, pois o Brasil a cada ano observava o aumento significativo do percentual de entradas e reincidências no sistema, isso em resultado de um Direito Penal e Processual Penal mais punitivista.
É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei (BECCARIA, 2005, p. 71)
A prevenção ao crime sempre teve grande relevância entre as políticas aplicadas pelo governo brasileiro, isso claro em virtude da presença de dispositivos do ordenamento jurídico, em particular da Constituição Federal de 1988, que traz em seu art. 5º (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), o direito à segurança, e assegura no art. 6º, o direito à segurança como um direito social.
A segurança pública sempre foi um tema relevante na sociedade brasileira, principalmente após o aumento da criminalidade no país, e em “resposta” a essa aclamação social, o Judiciário aplicou cada vez mais penas privativas de liberdade, mas não pareceu ser suficiente. Hoje o Brasil está entre as quatro nações que mais prendem no mundo, mas a sensação de insegurança ainda permanece no cotidiano do brasileiro.
Caso apenas tenhamos penitenciárias com instalações físicas adequadas, mas com carência de pessoal treinado e de programas que contemplem ações objetivas e práticas, não teremos como resultado uma melhor recuperação do recluso, de maneira que perdemos de vista o objetivo que desejamos atingir (JESUS, 2010).
Hoje infelizmente a construção de novos presídios não consegue acompanhar o aumento da população e o número de presos é bem maior que a quantidade de vagas existente no sistema, onde em um espaço que acomodaria de sete a dez pessoas se encontram vinte. O Estado vem se mobilizando para conter os resultados negativos do sistema penal, entretanto parece ser uma “corrida” de certa forma “desigual”.
As penas e medidas alternativas aparecem diante desse cenário como uma solução.
Há quem enxergue as alternativas penais como se elas retirassem o caráter punitivo da pena, como se elas passassem na verdade uma sensação de impunidade. Entretanto esse tipo de pensamento na verdade está focada apenas na sanção penal aplicada e não no resultado que ela vai gerar para aquele indivíduo.
Não poderíamos deixar de mencionar, ainda, a existência do conflito entre o velho mundo jurídico, constituído pelos operadores reais do sistema, com todo o seu contexto ideológico-criminológico, e o novo mundo das ciências da conduta, que se encontra há menos de cem anos procurando repostas factíveis da aplicação de suas técnicas. Comumente encontraremos discussões estéreis sobre determinados problemas penitenciários que possuem a mesma essência, porém são julgados de forma diferente, induzindo seus participantes a posições radicais e inflexíveis (JESUS, 2010).
É necessário compreender que o sistema punitivista que era predominantemente aplicado até alguns anos precisa ser reformulado e que as penas privativas de liberdade não estão surtindo efeito algum. Prender por prender não gera resultado, e apesar de toda aclamação social para que essa seja a única medida adotada, ou a mais aplicada, é de conhecimento comum que a privação da liberdade necessita de certa estrutura que hoje não vem sendo ofertada pelo Estado.
A reforma do sistema, que hoje sintetiza várias das mazelas brasileiras, implica uma mudança de cultura e mentalidade no que se refere à dimensão da punição na legislação brasileira e na maneira como ela vem sendo aplicada pela polícia, Poder Judiciário e Ministério Público. Mais que cumprir a lei é preciso interromper ciclos de violência e reconstruir as relações sociais afetadas pelo crime. (XII CONGRESSO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE PREVENÇÃO DO CRIME E JUSTIÇA CRIMINAL, 2010).
Felizmente o reconhecimento da importância das Alternativas Penais teve êxito, de forma que o Ministério de Justiça através da Portaria Nº 495, de 28 de Abril de 2016, com o objetivo de desenvolver ações, projetos e estratégias voltadas ao enfrentamento do encarceramento em massa, e recentemente o Conselho Nacional de Justiça, através da Portaria Resolução Nº 288 de 25 de Junho de 2019 na qual define a política institucional do Judiciário para as Alternativas Penais.
Apesar de algumas ideias ainda precisarem de maturação, tem-se em mente que a busca por humanização na aplicação das penas pode sim ser alcançada e contribuir para a mudança dos números negativos encontrados hoje diante dessa problemática.
Dessa forma, se faz necessário compreender que as penas e medidas alternativas podem trazer o real caráter ressocializador que uma pena possui já que o cárcere teria por finalidade essa ressocialização, mas ela não é efetiva nos moldes aos quais vem sendo aplicada.
Diante disso, as alternativas penais surgem como uma grande opção para que a sanção penal não deixe de ser aplicada e principalmente que o objetivo por trás dessa sanção seja alcançado.
Recomenda-se que no máximo sejam feitos três grandes itens/partes de modo que cada um dos itens ou partes sejam elementos necessários para bordar o tema e auxiliar no desenvolvimento do raciocínio para se alcançar uma conclusão válida.
CONCLUSÃO
O sistema penal brasileiro prevê a possibilidade de aplicação de pena restritiva de liberdade, multa e as chamadas penas alternativas. O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como as penas e medidas alternativas podem auxiliar no combate a crise do sistema penitenciário. Além disso, permitiu um olhar mais clínico sobre o que já é aplicado, as inovações propostas, bem como a visualização da necessidade de alternativas que possam combater a crise do cárcere, a viabilidade de aplicação e o entendimento da ressocialização como principal resultado.
Diante da crise instalada no sistema penitenciário brasileiro, superlotado e com recurso financeiro insuficiente para cumprimento dos requisitos básicos da Lei de Execução Penal, resta imperioso encontrar formas de se atingir o objetivo do processo penal.
Alternativas ao cárcere podem ser uma resposta para essa problemática, já que a crise supramencionada ainda segue, infelizmente, em evolução. Essas alternativas são possíveis de serem aplicadas em casos de crimes de menor potencial ofensivo e desde que o réu cumpra com os requisitos estabelecidos pelo Código Penal, o que torna a política de certa forma limitada a certos crimes, já que sua aplicação torna-se restrita a critérios técnicos e objetivos, podendo inclusive existir um avanço nesse ponto dando mais autonomia as penas alternativas e permitindo aos juízes adotarem critérios subjetivos como, por exemplo, conduta social do réu.
Estudos demonstram uma curva ascendente do encarceramento dos últimos vinte anos. Mesmo assim, parte da população continua com a sensação de insegurança, ficando evidente que se faz necessária o aprimoramento da política de alternativas para encontrar novas e melhores formas de aplicação dessas penas.
Decorrente desse fator, se faz necessário pensar a viabilidade da aplicação das medidas alternativas no lugar do cárcere. Apesar das verbas destinadas, o sistema penitenciário tem um elevado custo com manutenção de estruturas, alimentação, higienização, etc., sendo, assim, muito difícil equilibrar toda demanda já existente e que chega constantemente no sistema. O curso disso para o Estado é de aproximadamente três mil reais mensais, enquanto uma boa estrutura para aplicação de medidas alternativas custaria em média menos de duzentos reais. Percebe-se que um indivíduo no sistema carcerário gasta cerca de quinze vezes mais do que um indivíduo em alternativas penais.
Trata-se, portanto, não apenas de condição que podem vir a melhorar as condições do sistema, mas também de números, algo que implica diretamente em certas tomadas de decisões no nosso país.
Nesse sentido, entende-se então que o principal resultado a ser alcançado é a ressocialização. O pensamento a ser analisado não é de uma “extinção do cárcere”, mas sim em um encarceramento realizada com qualidade, em que o indivíduo tenha a mínima dignidade para realizar o cumprimento da sua pena e acesso a métodos eficazes de reeducação, nos moldes que dispõe a Lei de Execução Penal.
Ora, as alternativas penais trazem a tona a ideia da auto responsabilização, algo que era pra ser alcançado no cárcere, mas infelizmente não é. Hoje se faz necessário olhar mais para o indivíduo e principalmente para situação fática, para entender o que o sistema pode fazer na vida daquele indivíduo e, estatisticamente, percebe-se que a ressocialização não é alcançada.
Por isso, priorizar as medidas alternativas contribui de maneira ampla, já que alcança a finalidade punitiva da pena, permite a ressocialização, não expõe o indivíduo à situação degradante do sistema carcerário, além de ter menos impacto no orçamento público destinado ao cumprimento das penas.
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[1] Doutoranda em Direito Internacional, mestre em Direito Público, professora de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins, advogada. Email: [email protected]
Acadêmico de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Matheus Carvalho. As penas e medidas alternativas no auxílio ao combate a crise do Sistema Penitenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2020, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54647/as-penas-e-medidas-alternativas-no-auxlio-ao-combate-a-crise-do-sistema-penitencirio. Acesso em: 23 dez 2024.
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