KARINE ALVES GONÇALVES MOTA [1]
RESUMO: O estudo se desenvolveu a partir da regulamentação normativa acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado e a visão doutrinária e jurisprudencial da necessidade de comprovar o pressuposto culpa, elemento necessário apenas na responsabilidade subjetiva, quando o dano é ocasionado em razão de conduta omissiva estatal. De um lado o texto normativo estabelecido no §6º do Art. 37 da CF dispõe que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Por outro lado, é sabido que o Estado tem deveres de garantir segurança pública, saúde, educação, moradia, dentre outros, e dada sua impossibilidade de atuar satisfatoriamente em todas essas frentes, observado ainda o princípio da reserva do possível, não pode ser responsabilizado de forma genérica, argumentos estes que permeiam a jurisprudência dominante. Neste aparato, a problemática proposta é representada pela seguinte pergunta: A responsabilidade civil do Estado nos casos de conduta omissiva depende de comprovação de culpa? Por meio de revisão bibliográfica e abordagem qualitativa, o objetivo foi estudar e discutir as normas jurídicas legais e jurisprudenciais acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão.
PALAVRAS-CHAVE: Omissão Estatal; Pressuposto Culpa; Responsabilidade Civil do Estado.
Abstract: The study was developed from the normative regulation about the objective civil responsibility of the State and the doctrinal and jurisprudential view of the need to prove the presumed guilt, a necessary element only in the subjective responsibility, when the damage is caused due to omissive state conduct. On the one hand, the normative text established in §6 of Art. 37 of the FC provides that legal entities under public law and those under private law providing public services shall be liable for the damage their agents, in that capacity, cause to third parties, ensuring a right of recourse against the responsible party in cases of intent or fault. On the other hand, it is known that the State has duties to ensure public safety, health, education, housing, among others, and given its inability to act satisfactorily on all these fronts, still observing the principle of reserving the possible, it cannot be held responsible in a generic way, arguments that permeate the dominant jurisprudence. In this apparatus, the proposed problem is represented by the following question: Does the civil liability of the State in cases of omissive conduct depend on proof of fault? By means of a bibliographical review and qualitative approach, the objective was to study and discuss the legal and jurisprudential norms regarding the civil liability of the State for omission.
Keywords: State Omission; assumptions guilt; State Civil Liability.
Sumário: 1 Introdução. 2 Responsabilidade civil. 3 Responsabilidade civil objetiva do estado 3.1 A desnecessidade de comprovação da culpa na conduta comissiva. 3.1.1 Teoria do risco administrativo. 3.2 O nexo causal na conduta comissiva 3.3 O dano como pressuposto da responsabilidade civil dano. 4 Responsabilidade civil do estado por conduta omissiva. 5 Do entendimento jurispudencial. 6 Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal em seu Art. 37 §6º estabelece que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. A partir da interpretação literal do referido dispositivo se constata, sem qualquer ressalva, que o Estado tem responsabilidade objetiva pelos danos causados por seus agentes. O que de igual modo é estabelecido no Art. 43 do Código Civil.
A responsabilidade civil do Estado por danos causados a partir da ação de seus agentes, não traz divergência doutrinária ou jurisprudencial. No entanto, o dano decorrente da omissão estatal é matéria de grande discussão na academia e nos tribunais.
Assim, o presente estudo apresenta os argumentos doutrinários a respeito do tema e discute a divergência jurisprudencial.
Em primeiro momento foi estudado a respeito da responsabilidade civil e a culpa enquanto pressuposto ou não para configurar o dever de indenizar.
Em momento seguinte foi tratado a respeito da responsabilidade civil do Estado, a teoria do risco administrativo, o nexo de causalidade vinculando a ação do agente no exercício de sua função ou em razão dela, ao dano causado a terceiro, abordando inclusive o direito de regresso caso haja culpa do agente.
Por fim, se discutiu o dispositivo constitucional e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do pressuposto culpa para configurar a responsabilidade civil do Estado em caso de dano causado por omissão.
O estudo a respeito da responsabilidade civil do Estado nos danos causados por omissão é bastante relevante em razão da jurisprudência, a partir das circunstâncias do caso, exigir ou não o pressuposto culpa para sua configuração.
No que se refere a metodologia, a abordagem foi exploratória, o tipo de pesquisa bibliográfica, o método utilizado foi o dedutivo.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
O instituto da responsabilidade civil é encarado como um dever jurídico sucessivo ou consequência que surge a partir da não observância do dever jurídico originário que é a obrigação de cumprir a norma ou o negócio jurídico pactuado.
Nesse sentido o Código Civil ao definir o ato ilícito o faz genericamente, apontando o dano e os elementos da culpa como pressupostos para sua configuração. Daí se constata o dever jurídico originário determinado pela lei, que é não causar dano a outrem.
O Código Civil Brasileiro traz a definição de ato ilícito em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Equiparado ao ato ilícito está o abuso de direito, conforme se depreende do artigo 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Portanto o ato ilícito é de suma importância para a responsabilidade civil, pois é através desse que surge a obrigação de reparar o dano. Repercutindo na esfera do Direito e produzindo efeitos jurídicos criando dever de reparar não pretendidos.
Como evidenciado, a regra estampada no Código Civil traz a regra da responsabilidade subjetiva, ou seja, tendo a culpa como requisito para sua caracterização, inobstante apontar diversas situações em que se terá a responsabilidade objetiva, dispensando a comprovação da culpa.
Dentre as responsabilidades objetivas previstas no Código Civil estão as hipóteses de: abuso de direito (Art. 187 do CC); desempenho de atividade de risco (parágrafo único do Art. 927 do CC); colocação de produto em circulação (Art. 931 do CC); responsabilidade por fato de terceiro (Art. 932 CC); responsabilidade pelo fato da coisa (Arts. 936, 937 e 938 do CC).
Percebe-se, então, que a culpa pode ser pressuposto elementar ou não da responsabilidade civil.
No entendimento de Noronha (2010, p. 468/469) para que ocorra a obrigação de indenizar por ato ilícito é necessário:
Que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências; que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta.
O Código Civil trouxe cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva, constante do caput do Art. 927, que estabelece que aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. No entanto, seu parágrafo único dispõe que o dever de reparar independe da culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A partir da interpretação literal do referido artigo, se percebe que a regra da responsabilidade civil é a subjetiva, ou seja, tendo a culpa como um de seus pressupostos. Já nos casos apontados pelo parágrafo único, se aplicará a responsabilidade subjetiva, ou seja, independente de comprovação da culpa. A norma geral do artigo supracitado em regra traz a responsabilidade civil sendo um dever de indenizar sendo sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico.
Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa defende a responsabilidade subjetiva como regra geral de maneira que. “Somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize ou no julgamento do caso concreto, na forma facultada pelo parágrafo único do art. 927" (VENOSA, 2008. p. 13). ”
Dentre os casos especificados pela lei para se admitir a responsabilidade independentemente da comprovação da culpa está a do Estado por dano causado pela conduta de seus agentes, lhe restando o direito de regresso em caso de culpa ou dolo destes.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO
3.1 A DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CULPA NA CONDUTA COMISSIVA
O conceito de Responsabilidade Civil do Estado não difere muito do conceito válido para a Responsabilidade Civil genérica, a responsabilização do Poder Público gera determinadas particularidades, quando se fala em Responsabilidade Civil do Estado, a regra descrita se limita no art. 37, § 6º, da CF, é destinada para as pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços.
Para Vilmar Pozzetti (2009, p. 228), a Responsabilidade Civil do Estado conceitua-se da seguinte forma:
A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao Estado de reparar o dano que o servidor causou, por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. A responsabilidade, para o servidor nasce do ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização. Esta responsabilidade é independente das demais (da administrativa e da penal), e se apura na forma do Direito Privado.
Já Meirelles (2005, p. 629), a seu turno, elabora o seguinte conceito:
Preliminarmente, fixa-se que a responsabilidade civil é a que se traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização. Como obrigação meramente patrimonial, a responsabilidade civil independe da criminal e da administrativa, com as quais pode coexistir, sem, todavia, se confundir. Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal.
Podem ser considerados elementos aptos a deflagrar a Responsabilidade Civil do Poder Público o dano material ou moral sofrido por terceiros; conduta lesiva atribuída ao Estado; nexo causal entre o dano e a conduta estatal e por fim infração de um dever jurídico, capaz de revelar a antijuridicidade do ato estatal danoso.
Conforme disposição legal a responsabilidade do Estado não tem como pressuposto a culpa, sendo fundada no risco por se tratar de hipótese de responsabilidade civil objetiva.
3.1.1 A Teoria do Risco Administrativo
O ordenamento jurídico pátrio admitiu a teoria do risco administrativo como norma da responsabilidade civil do Estado, e surge quando o ato lesivo for causado a vítima pela Administração, por meio de seus agentes.
O constituinte de 1988 determinou em nosso ordenamento jurídico, através do art. 37, § 6º, a regra que obriga as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos a responder pelos danos causados por meio de seus agentes, causarem a terceiros, possibilitando o direito de regresso contra os responsáveis nos casos de dolo ou culpa.
Nos dizeres de Moraes (2007, p.357):
Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
Assim, pode-se concluir que o risco administrativo tem como fundamento que toda atividade pública gera risco, existindo a possibilidade de gerar prejuízos, a responsabilidade do Estado, portanto funciona como instrumento para viabilizar a reparação dano que porventura seja caracterizado.
3.2 O NEXO CAUSAL NA CONDUTA COMISSIVA
O nexo causal é o liame entre a conduta do agente e o resultado danoso, isto é necessário que o ato ilícito cause a responsabilidade do dano e que o prejuízo sofrido pela vítima seja em decorrência desse ato, entretanto o nexo causal cumpre uma dupla função sendo elas determinar o autor do dano, e comprovar a dimensão, dado que auxilia como medida de indenização.
O dispositivo constitucional que determina a responsabilidade do Estado e dos prestadores de serviços públicos, constante do § 6º art. 37, demonstra que o nexo causal se deve em razão de danos causados por meio da ação de seus agentes a terceiros. Infere-se, pois, que o dano deve decorrer da atuação do agente e guardar ligação entre sua função, para que se deve imponha ao Estado o dever de indenizar.
Inobstante a responsabilidade civil do Estado ser objetiva, o referido dispositivo deixa claro ser subjetiva a responsabilidade do agente público, quando dispõe sobre o direito de regresso contra os responsáveis, nos casos de dolo ou culpa.
Assim ensina Mulholland (2010, p. 100):
O problema da causalidade jurídica não constitui, portanto, em um verdadeiro problema de causalidade, na medida em que esta será definida pela pesquisa da causalidade material. A causalidade jurídica resolve-se nas próprias escolhas legislativas sobre os critérios que deverão ser utilizados para definir a relevância de determinada série causal para a delimitação da responsabilidade civil do agente e sua quantificação.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira:
Também se debateu vivamente acerca da responsabilidade pelos atos omissivos do Estado. Alegou-se que por estes deveria responder a Administração com base na teoria subjetiva. Entretanto, a Constituição não estabeleceu qualquer restrição ao âmbito de abrangência do art. 37, §6º, tampouco o art. 43 do Código Civil, daí decorrendo a natureza objetiva da responsabilidade estatal por omissão. Atualmente, ainda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que ‘as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, §6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. 2018, p. 181).
A Constituição Federal adotou a teoria do risco administrativo, estabelecendo a responsabilidade objetiva ao Estado. No âmbito da responsabilidade civil objetiva, o ofensor reparar o dano ao ofendido independentemente de culpa, bastado somente a comprovação do dano e nexo causal entre a ação e o resultado para surja o dever de indenizar.
3.3 O DANO COMO PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O primeiro pressuposto da Responsabilidade Civil da Administração Pública é a existência de um dano, seja material ou moral, o dano aqui referido é quando acontece lesão a direitos garantidos e são associados a valores protegidos, relacionando pessoa aos seus bens e direitos, sendo um dos principais elementos da responsabilidade a serem analisados perante o caso concreto.
Conforme Stoco (2007, p. 128):
O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Portanto o com efeito, a pesquisa do nexo causal realiza-se em duas etapas: sendo no primeiro momento, analisará a causalidade material prevista no código civil, que naturalissimamente relaciona o possível dano ao motivo que o gerou; já para o segundo momento, analisa a causalidade jurídica, que a partir da lesão realizada pela causalidade material indica quem deve ser considerado o responsável do dano e indenização que será devida.
O dano é o principal elemento para que ocorra a responsabilidade civil, caso este elemento não esteja presente ficará isento o Estado de reparar o prejuízo.
Cavalieri Filho (2012, p. 71) ensina:
O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta; será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo, mas, também, determinante do dever de indenizar.
O dano é qualquer afetação à esfera de interesses patrimoniais ou morais, no dano patrimonial esta relacionada a perca de cunho financeiro que a vítima sofreu já se tratando de violação ao dano moral será aquele que fere os preceitos elencados no inciso X do artigo 5º Constituição Federal.
Deste modo, a Responsabilidade Civil – não exclusivamente do Estado, mas de modo geral – é a violação a um direito. A quem sofreu um dano cabe indenização.
O dano material é aquele que poderá ser representado pela diminuição significativa ou não no patrimônio da vítima que sofreu o ato lesivo. Se a responsabilidade civil nada mais é do que a recomposição do terceiro abalado pelo Estado, sem a prova e fatos do efetivo prejuízo não nascerá a pretensão indenizatória, inclusive a quem sofreu dano moral que devera demostrar os prejuízos sofridos.
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR CONDUTA OMISSIVA
A conduta Omissiva, que tem como base o artigo 37, § 6º da Constituição Federal, assim como no artigo 43 do Código Civil, e aquele que causar dano a outrem tem o dever de reparar o prejuízo causado.
Entretanto, o Estado exerce uma posição de garantidor de todos os direitos constitucionais sejam fundamentais ou sociais. Nesse contexto, caso se aplicasse a regra da responsabilidade objetiva, qualquer situação que evidenciasse um dano pela falha ficaria o Estado com a responsabilidade obrigacional o dever de indenizar.
Para que se caracteriza a Responsabilidade Civil do Estado ocorrerá quando é descumprida alguma obrigação com terceiro ou existir conduta de seus agentes causando dano.
Ensina Gonçalves (2003, p. 37):
Para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado ato (de não se omitir) e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de agir (de não se omitir) pode ser imposto por lei (dever de socorrer às vítimas de acidente imposto a todo condutor de veículo pelo artigo 176, I, do Código de Trânsito Brasileiro) ou resultar de convenção (dever de guarda, de vigilância, de custódia) e até de criação de alguma situação de perigo.
O Estado poderá ser o causador de dano seja por ação ou omissão, toda via se tratando de conduta omissiva há diferentes entendimentos de que sua conduta por si só não gera responsabilidade civil. Já que nem toda sua conduta omissiva expressa uma inercia do estado em cumprir seu dever legal.
Logo, para que seja apurada a responsabilidade do Estado por conduta omissiva é necessário observar os fatos que contribuíram para o resultado danoso e a quem poderia evitá-lo. Desta forma, o Estado responderá por não ter agido de maneira apropriada a evitar o dano ou conter seu resultado, durante o tempo que o fato for evidente ou imaginável.
Consequentemente, pode-se afirmar que a responsabilidade estatal por ato omissivo será resultante de ato ilícito, em razão de uma atribuição imposta pelas diretrizes do Estado que, em virtude da omissão, não foram observadas.
Em casos que envolvam a responsabilização do Estado há vários elementos que influenciam para o cenário de conduta omissiva estatal sendo dano, imprudência, negligência ou imperícia.
A responsabilização tem fundamento na falta de conduta do Estado para alguns autores que fazem a diferenciação entre atos omissivos genéricos e específicos. Sérgio Cavalieri Filho, antes de se afirmar, explicitamente, ser subjetiva a responsabilidade do Estado por omissão, deve-se distinguir entre omissão genérica e omissão específica. Esclarece.
Assim, para Sérgio Cavalieri, a omissão genérica é a que não decorreu da inercia do Estado, diretamente. Mas sim pela falta de prestação de serviço ou serviço foi prestado tardiamente.
Segundo Cavalieri Filho (2012, p. 269):
A omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o princípio da responsabilidade subjetiva. São exemplos de omissão genérica: negligência na segurança de balneário público – mergulho em lugar perigoso, consequente tetraplegia; o infortúnio ocorreu quando a vítima, aos 14 anos, após penetrar, por meio de pagamento de ingresso, em balneário público, mergulhou de cabeça em ribeirão de águas rasas, o que lhe causou lesão medular cervical irreversível (REsp.418713-SP); queda de ciclista em bueiro há muito tempo aberto em péssimo estado de conservação, o que evidencia a culpa anônima pela falta do serviço (Ap. Civ. 4846/2008, TJRJ); estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional como manda a lei – fauteduservicepublic caracterizada; a omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão (REsp. 409203/RS); poste de ferro com um sinal de trânsito cai sobre idosa no calçadão de Ipanema – a base de metal que sustentava o sinal estava bastante enferrujada e acabou quebrando com o apoio da idosa (Globo, 12/07/2010).
A omissão específica se analisa nas hipóteses em que o dano decorreu da inércia do ente público.
Deste modo os atos praticados com imprudência, negligência ou imperícia por parte agente público e que resultassem prejuízos são passiveis de responsabilização.
Nesse sentido as lições de Edmir Netto (2009, p. 747):
A responsabilização, uma vez que o ato danoso ao administrado é praticado pela pessoa física do funcionário, somente seria referível ao Estado quando ocorresse a culpa. Assim, só os atos que revelassem a existência de imprudência, negligência ou imperícia do agente público na sua prática, ocasionando prejuízos, poderiam ser considerados para a responsabilização do ente público, pois os atos dolosos seriam imputados diretamente ao funcionário.
Sendo assim, a omissão geralmente decorre da infração de um dever jurídico legal que poderá ser contratual ou social, já que para que ocorra a responsabilidade o dano poderia ter sido evitado, já que os agentes públicos agem em nome do Estado.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello deve ser aplicada a teoria subjetiva à responsabilidade do Estado por conduta omissiva. Para isso, argumenta o autor que a palavra “causarem” do art. 37, § 6º, da Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos, afirmando que estes últimos somente “condicionam” o evento danoso.
Bandeira de Mello (2006, p. 968) ensina:
De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.
Entretanto, não há o que questionar sobre os elementos de maneira subjetivas da culpa entre o dano e o comportamento que o provocou o resultado sendo que a responsabilidade recairá sob qualquer dos poderes da Federação sendo União, Estados e Municípios. Inclusive entes da administração indireta sendo assim autarquias e fundações.
5 DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Como já enfatizado nos capítulos anteriores, a responsabilidade por conduta omissiva, na temática não tem um posicionamento pacificado nos tribunais pátrios, encontrando-se incompatibilidades Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Superior Tribunal de Justiça, REsp 1087561 RS 2008/0201328-0, observamos o seguinte acórdão:
RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002, ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido.
(STJ - REsp: 1087561 RS 2008/0201328-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 13/06/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2017).
Do Supremo Tribunal Federal, RE 841526 / RS vejam-se os próximos acórdãos:
A Constituição de 1988 (art. 37, § 6º), está, entre nós, consagrado o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, resultante da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Parece fora de dúvida tenha sucedido, efetivamente, na espécie, omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis, de forma razoável, a fim de ser evitado o homicídio do filho da recorrente, qual acabou por acontecer, no interior do presídio. [...] não apenas o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, implícito no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, mas também a doutrina e jurisprudência tem firmado decisão no sentido de reconhecer a responsabilidade civil do Estado por ato omissivo, somente cabendo exoneração no caso de culpa exclusiva da vítima, ou motivo de força maior circunstâncias não ocorridas e, portanto, não provada nos presentes autos.
Caracteriza-se a responsabilidade civil objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados por invasores, em propriedade particular, quando o Estado se omite no cumprimento de ordem judicial para o envio de força policial ao imóvel invadido.
O Superior Tribunal de Justiça em REsp: 44500 MG 1994/0005395-9, mantém entendimento majoritário de que esta responsabilidade deve ser analisada de forma subjetiva:
ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO CENTRAL (BACEN) – COROA-BRASTEL - PREJUÍZO CAUSADO A INVESTIDORES - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE OMISSÃO E NEGLIGÊNCIA DO BACEN, ANTE A FALTA DE FISCALIZAÇÃO (ART. 159 DO CC) – LIQÜIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL E ULTERIOR FALÊNCIA –– RECURSO ESPECIAL – AFRONTA AOS ARTIGOS 18, 39, 40 E 45 DA LEI N. 6.024/74 – ALEGADO DISSENSO PRETORIANO. Não é pela liqüidação e ulterior falência, per se consideradas, que passou a União a ser responsável pelos prejuízos dos investidores. Essa responsabilidade insere-se no campo no nexo causal. Nessa linha de raciocínio, a União apenas deverá responder pelos danos causados aos investidores, desde que estabelecida a sua responsabilidade, de sorte que essa questão é subsequente e não antecedente do exame de mérito. - Fiscalizar, per se, não significa atuar. A mera omissão na fiscalização, ainda que existente, não levaria ao infeliz, mas não imprevisível desate do Grupo Coroa-Brastel, dado o alto risco especulativo com que atuava. Há necessidade de nexo de causalidade eficaz entre a ação ou omissão do Estado e o dano sofrido pelo lesado. - Há necessidade de nexo de causalidade eficaz entre a ação ou omissão do Estado e o dano sofrido pelo lesado. Segundo conceituados administrativistas, para que haja responsabilidade objetiva do Estado, forçoso reconhecer que os atos lesivos devem ser praticados por agentes públicos, por comissão. Se houve omissão, sua responsabilidade será por culpa subjetiva (cf. Lúcia Valle Figueiredo, in Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 4a ed., p. 255). É incisiva a lição de Hely Lopes Meirelles, ao afirmar que "na exigência do elemento subjetivo culpa não há qualquer afronta ao princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6o, da CF, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos" (cf. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 24a ed., ps. 590/591). No mesmo diapasão, da necessidade de apuração da responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, mas sempre ligada diretamente ao funcionamento do serviço público, é a dissertação de Celso Antônio Bandeira de Mello (cf. Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 9a ed., p. 631). - A pretensão de mérito dos investidores, têm sido sistematicamente repelidas por esta Corte Superior, consoante incontáveis precedentes. - Acolhida a pretensão deduzida pelo Banco Central (BACEN), por configurada a vulneração a dispositivos legais, a teor do art. 105, inciso III, a, CF/88. Recurso especial conhecido e provido. Decisão por maioria.
(STJ - REsp: 44500 MG 1994/0005395-9, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 28/11/2000, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 09.09.2002 p. 181RDR vol. 29 p. 294RJADCOAS vol. 40 p. 106)
Como visto, há oposições no entendimento acerca de qual teoria deverá ser adotada, nos casos na qual se analisa se o Estado foi omisso.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem se a conduta como elemento da responsabilidade civil, de acordo com nossa doutrina, pode ser tanto comissiva quanto omissiva. E, portanto, aquele que causou prejuízo fica obrigado a reparar o dano sejam materiais ou moral sendo pessoa física ou jurídica.
O desenvolvimento do presente estudo demostrou que ficará o Estado obrigado a reparar danos causados a terceiros diante das suas condutas omissivas passando a ter muita relevância as condutas que se deu através da inobservância ou falta de cuidado de seus agentes nos serviços prestados.
Diante todos os argumentos expostos, nosso posicionamento é no sentido da responsabilidade de natureza objetiva ao Estado, pelas condutas omissivas que causarem danos a terceiros. Além disso, o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal é claro ao discorrer que o Estado responde independente de culpa, seguindo a teoria do risco administrativo, pelas condutas comissivas ou omissivas que causarem danos a terceiros.
Todos os pressupostos utilizados pelos doutrinadores com o intuito de ampara a tese de que se aplica a Teoria Subjetiva na responsabilização das condutas omissivas estatais são frágeis.
Além do que, o Código Civil, ao trazer tal regra no art. 43, ratificou a disposição constitucional, nessa perspectiva será investigada a culpa ou o dolo ficando aberta a possibilidade ação regressiva do Estado em face do agente causador do dano.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO. Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
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[1]Karine Alves Gonçalves Mota. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso. Advogada. E-mail: [email protected].
GRADUANDO EM DIREITO 1ª SEMESTRE DE 2020
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARINHO, CARLOS HENRIQUE CARDOZO. A responsabilidade civil do estado decorrente da conduta omissiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54667/a-responsabilidade-civil-do-estado-decorrente-da-conduta-omissiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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