GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo busca compreender de que maneira as novas disposições normativas que versam sobre a arbitragem, no âmbito do direito público contribui para a celeridade processual e para efetiva implantação da política pública de acesso à ordem jurídica justa. A arbitragem apresenta-se como uma alternativa extrajudicial de jurisdição privada, capaz de auxiliar o Judiciário a partir do ideal do Sistema Judicial Multiportas, que amplia as diversas formas de enfrentamento dos conflitos e litígios, para além do processo judicial. O objetivo deste estudo é fazer uma revisão bibliográfica, através da metodologia dedutiva-qualitativa, demonstrando que essa técnica possibilita trazer as partes uma maior autonomia no enfrentamento dos seus próprios conflitos. O sistema multiportas é uma saída para o acesso efetivo e integral a ordem jurídica justa, garantida aos cidadãos. A arbitragem é caracterizada como um método adequado de tratamento dos conflitos partindo da ideia que para cada conflito haverá um método mais apropriado a ser adotado. Após longo caminho de acreditação pelo ordenamento jurídico e pela sociedade, hoje a arbitragem torna-se melhor recepcionada pela Administração Pública que poderá valer-se dessas técnicas, sendo mais um instrumento para resolução dos seus conflitos.
Palavras chave: Arbitragem; Celeridade Processual; Direito Público.
ABSTRACT: Keywords: Arbitration; Procedural Celerity; Public right
SUMÁRIO: Introdução. 1. Breves anotações da Arbitragem no Direito brasileiro. 1.1 Princípios que norteiam a Arbitragem. 1.2 Procedimentos Arbitrais. 1.3 Conflitos tratados na Arbitragem. 1.4 A Arbitragem na Administração Pública. 2. Paradigma da Administração Consensual. 3. Arbitragem como Política Pública de acesso à ordem jurídica justa. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa apresentar a arbitragem como um método adequado para o tratamento dos conflitos e demonstrar a partir da alteração da lei 13.129/2015, que ampliou o âmbito de aplicação da arbitragem, os benefícios que a mesma trouxe para o Direito Público. Bem como apresentá-la como um modelo possível de celeridade processual, considerando que arbitragem contribui para que as partes tenham uma maior autonomia sobre a lide e, de forma secundária, contribui para a diminuição dos processos no Poder Judiciário.
O incentivo aos métodos adequados de tratamento dos conflitos como a conciliação, mediação e arbitragem, assim como a edição da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) em sua larga implementação, na esfera federal e estadual trouxe a possibilidade do autor procurar seus Direitos com garantia de celeridade na resolução da lide.
A partir da utilização desses métodos, e do incentivo do Poder Judiciário para a sua aplicação, houve a necessidade da criação de legislações específicas que abordassem esses métodos, vez que a legislação atual não acompanhava a evolução da sociedade, mormente em relação a esses métodos. Dentre esses métodos de solução de conflitos, existe a arbitragem, conceituada como uma justiça privada, muito assemelhada com a jurisdição estatal.
A escolha dos árbitros pelas partes é algo primordial nesse método, uma vez que tem como principal escopo dar aos litigantes uma maior autonomia. No direito civil brasileiro as partes podem optar pela cláusula de arbitragem no contrato, cláusula denominada de compromissória, que possibilita em hipótese futura de judicialização do conflito, evitar que ingresse no Poder Judiciário, bem como que o conflito seja resolvido integralmente por meio da arbitragem. Vale ressaltar que a adesão das partes pela cláusula compromissória nos contratos no direito brasileiro é facultativa.
Arbitragem pode ser dividida, em relação a sua forma de condução e julgamento, em: arbitragem de direito ou arbitragem por equidade. A arbitragem de direito é aquela em que os árbitros utilizarão da legislação para fundamentar a sua decisão, já a arbitragem por equidade os árbitros poderão estender sua fundamentação para além da legislação, fora das regras de direito e de acordo com o seu saber, poderá reduzir os efeitos da lei e decidir conforme achar justo, salienta-se que para que o árbitro decida dessa maneira deverá haver concordância das partes.
O instituto da arbitragem, por muito tempo, foi indicado apenas ao Direito privado, em especial em relação ao direito patrimonial disponível, tendo como principal fundamento normativo a Lei Nº 9.307/1996. Ocorre que, no ano de 2015 houve alteração de alguns dispositivos nesta lei, com o acréscimo da 13.129/2015, possibilitando que o Direito Público houvesse a chance de tratar seus conflitos por meio da Arbitragem, como em contratos administrativos na Administração Pública por exemplo, sendo este o foco do presente trabalho.
1. BREVES ANOTAÇÕES DA ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO
A arbitragem assim como outros métodos adequado de tratamento de conflitos já existem antes mesmo do nascimento de Cristo, diversas comunidades antigas utilizavam dessa técnica para resolverem seus conflitos. Sálvio de Figueiredo Teixeira em relação a essa quadra histórica da arbitragem relata o seguinte:
Historicamente, a arbitragem se evidenciava nas duas formas do processo romano agrupadas na ordo judiciorum privatorum: o processo das legis actiones e o processo per formulas. Em ambas as espécies, que vão desde as origens históricas de Roma, sob a Realeza (754 a.C.) ao surgimento da cognitio extraordinária sob Diocleciano (século III d.C.), o mesmo esquema procedimental arrumava o processo romano: a figura do pretor, preparando a ação, primeiro mediante o enquadramento na ação da lei e, depois, acrescentando a elaboração da fórmula, como se vê na exemplificação de Gaio, e, em seguida, o julgamento por um iudex ou arbiter, que não integrava o corpo funcional romano, mas era simples particular idôneo, incumbido de julgar, como ocorreu com Quintiliano, gramático de profissão e inúmeras vezes nomeado arbiter, tanto que veio a contar, em obra clássica, as experiências do ofício. Esse arbitramento clássico veio a perder força na medida em que o Estado romano se publiciza, instaurando a ditadura e depois assumindo, por longos anos, poder absoluto, em nova relação de forças na concentração do poder, que os romanos não mais abandonaram até o fim do império. (TEIXEIRA, 1996, pg. 25)
Neste sentido a arbitragem enquanto conceito apresenta-se como um dos meios mais antigos de soluções de controvérsias, e perdura desde a criação do Império Romano, pois os principais conflitos existentes eram entre particulares, tratando do direito privado e disponível. Pois, como não havia o intermédio do Estado em quase todos os litígios nomeava-se um árbitro como terceiro imparcial para que pudessem resolver aquela pendência entre as partes utilizando das técnicas da arbitragem.
No Brasil, o marco inicial da positivação da Arbitragem se inicia com o Código Civil de 1916, entre os meios indiretos de pagamento, descrito como títulos de compromisso e elencado nos artigos 1037 à 1102 do referido código. Nesse código o instituto ainda não era tratado como uma técnica de solução de conflitos, pois para existir a sentença arbitral como um título extrajudicial era necessário a homologação de um juiz, por meio do Estado e por isso o poder judiciário se transformava em um segundo grau de jurisdição da arbitragem.
Com a criação da Lei 9.307/1996 é que essa necessidade do laudo arbitral, hoje denominado como sentença arbitral deixou de passar primeiro pela mão de um juiz togado, tendo a arbitragem a autonomia de tratar os conflitos e o reconhecimento como uma técnica de resolução de controvérsias.
Diante dos fatos mencionados, a partir do crescimento e evolução da Arbitragem, sobretudo após a Lei 9.307/96 verificou-se a necessidade de ampliação desta lei, no que se refere a inclusão de algumas demandas da Administração Pública, uma vez que o Estado é titular de direitos indisponíveis e que diante do crescimento de conflitos, o Poder Judiciário não conseguia mais tratar desses conflitos de forma mais célere, necessitando da aplicação de tratamentos consensuais de conflitos para auxiliá-los. Com isso, em 2015 houve a alteração da Lei de Arbitragem (9.307/96) pela Lei 13.129/2015, possibilitando que a Arbitragem possa tratar também de alguns litígios que envolvem a Administração Pública, mediante o cumprimento de algumas condições e princípios.
1.2 Princípios que norteiam a Arbitragem
É evidente que para que exista a criação de um instituto, é necessário que este seja norteado por princípios. Além de serem base do instituto os princípios possibilitam que a técnica não se restrinja somente a norma e possa ser utilizado para a fundamentação jurídica, de acordo com o caso concreto. Os princípios constituem os fundamentos para toda as ciências, e no Direito eles são os pilares do sistema jurídico, não há direito sem princípios (ATALIBA, 1991).
O primeiro princípio que a Lei 13.129/2015 trata é o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, mesmo que seja norteado por meio da Constituição Federal é importante ressaltar que a parte contrária a ação tem o direito constitucional de se defender, e apresentar sua contestação, mesmo que seja elencado por meio do Juízo Arbitral.
Ainda o princípio constitucional da Igualdade deve ser pautado nos procedimentos arbitrais. A partir dele infere-se que ambas as partes devem ser tratadas de igual modo, sem proteção de apenas um lado, tendo inclusive a opção cada uma de indicar quem são os árbitros aptos a realizar o seus julgamentos (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004).
Na arbitragem segue-se também o Princípio da Imparcialidade que é um pressuposto essencial, bem como um requisito de validade para seguir com o processo arbitral. Toda a vida pessoal do árbitro deve ser deixada de lado, e fazer o julgamento de acordo com as provas documentais e testemunhais dos autos, em pé de igualdade para que ambas as partes tenham um resultado satisfatório.
Ademais, se encaixa também o Princípio do direito à Tutela Jurisdicional bem como o Princípio do Devido Processo Legal, uma vez que o direito de ação do indivíduo deve ser por meio dos tribunais, ou seja, o indivíduo tem o seu direito assegurado pelo estado, contudo, deverá provocá-lo e seguir o que está de acordo com a legislação, aguardando o que o processo irá solucionar.
Sob esse mesmo prisma, cabe ressaltar o Princípio do Livre Convencimento, haja vista ser um árbitro a decidir a procedência daquela ação. Este princípio dá ensejo ao árbitro julgar da forma que achar necessário, desde que valore os fatos e as provas arroladas no processo, e de forma fundamentada possa chegar a decisão mais justa.
O Princípio da Autonomia da Vontade que garantem às partes a autonomia necessária para abdicar do direito de seguir com a lide judicialmente, optando pela via arbitral, devem escolher quais os árbitros que participarão do processo, qual local se dará este julgamento, optar pela arbitragem de direito ou a de equidade, inclusive lembra Francisco José Cahali (2012, pg.97) que ambas poderão modificar o que estabeleceram, entretanto que com mútuo consentimento.
Por fim, o Princípio da competência-competência o qual os próprios árbitros possuem a competência para determinar sua própria competência, ou seja, o tribunal arbitral como qualquer outra jurisdição poderá verificar anteriormente para conhecer de determinado litígio, submetido à sua apreciação, quando contestado pelas partes.
1.3 Procedimentos Arbitrais
O Estado por meio do Poder Judiciário exerce a função jurisdicional, e a Arbitragem, como procedimento específico administrado pelos árbitros e pelos tribunais arbitrais também exerce a função jurisdicional, aplicando o direito material. O procedimento é uma sequência de atos coordenados, bem como é a forma como se exterioriza e se materializa no mundo jurídico.
A liberdade conferida às partes na Arbitragem para determinar as regras procedimentais arbitrais é regulamentada pela Lei da Arbitragem, Lei 9.307/1996, que possibilita às partes na convenção de arbitragem determinem as regras procedimentais que serão aplicadas.
Dessa forma, leciona o art. 21 §2º da Lei 9.307/1996:
Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.
§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
Não obstante, caso as partes eventualmente restarem-se inertes quando ao procedimento adotado, a competência passará aos árbitros. Seguindo essa mesma esteira de entendimento, os árbitros deverão elaborar uma ata juntamente com as partes, ata que passará a integrar a convenção de arbitragem.
Esta ata denominada como ata de missão, é necessária para entender e esclarecer até onde vai a extensão do poder dos árbitros, haja vista a inércia das partes em escolher o procedimento que será adotado, bem como onde se desenvolverá o conflito, ou seja, qual câmara correrá o processo arbitral. (JÚNIOR, 2018)
Através da informação dos atos praticados pela parte contrária, sempre deverá ser possível uma reação, lembrando que o que se requer é a oportunidade para que a outra parte se manifeste, não havendo afronta ao contraditório se, a par dessa possibilidade, o contendor permanece inerte. Portanto, deve haver o máximo de cautela na comunicação dos atos processuais, ainda que seja da forma estipulada pelas partes ou pela entidade arbitral, permitindo que os litigantes possam influir nas decisões que serão tomadas (JÚNIOR, 2018).
A igualdade entre as partes é algo primordial no processo arbitral, se uma oportunidade for dada a uma das partes necessariamente deverá ser concedida a outra, ou seja, se uma indicar um advogado por exemplo, a outra também poderá indicar. Todavia, se a oportunidade for concedida e não for aproveitada, por escolha da parte, não caberá posteriormente a tese de nulidade do procedimento arbitral (JÚNIOR, 2018).
Na arbitragem obrigatoriamente no início do processo, é essencial que os árbitros tentem conciliar as partes, embora seja obrigatória poderá ser dispensada caso as partes decidirem pela não realização, ou até mesmo se o processo comportar improcedência liminar do pedido ou tratar-se de direito indisponível.
A arbitragem é constituída a partir da concordância de todos os árbitros, conforme preleciona o art.19 da Lei de Arbitragem. Vale ressaltar que o prazo de apresentação da sentença é definido pelas partes, contudo, caso as partes se mantenham inertes, o tribunal arbitral deverá apresentar a sentença no prazo de até 6 meses. Em consequência disso, os árbitros poderão apreciar as sentenças de modo parcial, bem como nos casos de serem um colegiado de árbitros, julgarão pela maioria dos votos.
Em relação a prescrição, é importante evidenciar que com a alteração da Lei 9.307/1996 para a 13.129/2015, trouxe a possibilidade de a partir de instaurado o procedimento arbitral, consequentemente a prescrição será interrompida. Assim, a interrupção da prescrição na arbitragem se dará com a aceitação do árbitro, que terá efeito retroativo à data da provocação da parte para que aceite o mister, aplicando-se, por analogia, a teoria da expedição, de resto tradicional entre nós nos contratos (JÚNIOR, 2018).
Em regra a Lei 9.307/1996 não estabelece a prescrição, haja vista que a pretensão da arbitragem deverá ser provocada. A questão é se no caso do indivíduo ter optado pela cláusula compromissória no contrato e posteriormente se mantém inerte no processo, poderá ser punido com a aplicação da prescrição. Nesse contexto, é fato que a interrupção da prescrição mexe com ambas as partes, muitas vezes a insegurança, deixando a cláusula compromissória de lado, e optando por seguir no meio Judicial.
1.3 Conflitos tratados na Arbitragem
Como mencionado no tópico anterior, a Arbitragem, com regra geral, poderá ser utilizada em demandas de natureza patrimonial disponível. Entres essas demandas inclui-se aquelas de natureza de relação de consumo, ou seja, para que exista essa relação é necessário a existência do consumidor final, o fornecedor e o produto, para que a relação contratual de consumo seja firmada.
O art. 51 do CDC inciso VII veda a estipulação de cláusula arbitral nos contratos de consumo, haja vista a hipervulnerabilidade em que o consumidor fica na relação com o fornecedor. Contudo, questão essa que cabe plenamente uma discussão, uma vez que em âmbito judicial é cabível essa descaracterização do consumidor como vulnerável, e obrigatoriamente o ônus da prova passa a ser seu. Ora, porque não aplicar a arbitragem, já que vigora mormente a livre iniciativa das partes?
Embora haja essa objeção existem julgamentos favoráveis a instituição da arbitragem, e que se há concordância do consumidor nesse caso deve prevalecer sua vontade, posteriormente caso entenda ser conveniente e verificando vícios na sentença arbitral, deverá ingressar com uma ação anulatória no Poder Judiciário.
A arbitragem é admitida também para solucionar os conflitos que envolvem os contratos de adesão, desde que seja expressamente escrito da opção das partes pela adesão da cláusula compromissória no contrato. Em regra, nos contratos de adesão que envolvem a relação de consumo não poderão instituir a arbitragem, contudo, caso já seja instaurada a convenção de arbitragem e que seja lavrado o documento o qual as partes devem assinar, e optem pela concordância em seguir com esse procedimento, poderão sim optar pela cláusula compromissória.
Sob esse mesmo prisma, convém salientar que a Arbitragem também poderá ser implantada nas relações trabalhistas que envolvem direitos coletivos e individuais dos trabalhadores, a própria Constituição Federal em seu bojo mais precisamente no art.114, traz a possibilidade de frustrada a negociação coletiva, poderão eleger árbitros.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
É também plenamente possível utilizar da Arbitragem nas relações que envolvem a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), seja em conflitos que envolvem despejo, pretensão renovatória ou até mesmo a revisional de contrato de locação.
As partes poderão optar por meio da cláusula no contrato, ou por meio do compromisso arbitral nas convenções, tal qual os árbitros deverão se ater a legislação, mas nunca poderão se esquecer da vontade das partes.
Seguindo este mesmo raciocínio, salienta-se a existência da arbitragem nos contratos societários, uma vez que perduram diariamente a saída e entrada de sócios, dissolução, distribuição de lucros, dentre outros. Dessa forma, é aplicável a arbitragem nas relações empresariais, principalmente no que tange a esses conflitos, em razão da celeridade, e da constante mudança interna que acontece nas sociedades. Ademais, vale ressaltar que quando um sócio é estabelecido na sociedade, e já existe a cláusula compromissória, se obrigará da mesma forma perante a arbitragem (JÚNIOR, 2018).
Por fim, nos casos de Falências e recuperação judicial, poderá ser demandado e seguir o curso normal da arbitragem, para apurar eventuais créditos para serem liquidados. As discussões relacionadas a quantias ilíquidas que perdurarem no juízo arbitral, lá mesmo permanecerão para posteriormente ao obter o título judicial ingressar no juízo universal de falências.
1.4 A arbitragem na Administração Pública
Com a evolução da sociedade foi necessário que a Justiça adequasse à legislação para acompanhar essa evolução, uma vez que estava se tornando obsoleta. A partir do grande crescimento das demandas em sede judicial, a justiça passou a adotar métodos adequados de tratamento de conflitos para que pudesse auxiliar o Poder Judiciário no julgamento das demandas.
Com a aplicação efetiva desses métodos de justiça, para o conhecimento da sociedade houve a necessidade de ampliação desses métodos que até então somente era possível utilizá-los nos conflitos que envolviam o Direito Privado, e não podiam abordá-los para o Direito Público, embora houvesse a necessidade.
Para que se possa analisar a possibilidade do uso da Arbitragem em face dos princípios administrativos, torna-se fundamental conceituar a distinção introduzida no Brasil por Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), com fulcro na obra de Renato Alessi, quanto ao interesse público primário e secundário.
Neste sentido, o interesse público corresponde à dimensão pública dos interesses individuais, isto é, aos interesses dos indivíduos enquanto membros da sociedade, de modo que o interesse público não se confunde com o interesse estatal. Isso se deve porque, não obstante o Estado subjetive os interesses públicos, ele, de maneira similar aos particulares, convive em um universo jurídico juntamente com outros sujeitos e também pode ter interesses particulares, concebidos em sua mera individualidade. Estes interesses inerentes ao aparato estatal não se qualificam, portanto, como públicos, mas individuais do Estado, sendo denominados por interesse público secundário (PRIESS; SAVOLDI, 2017).
Desta feita, os contratos administrativos só poderão ser submetidos à Arbitragem quando não versarem sobre a consecução do bem comum, no caso o interesse público primário. Entretanto, nada obsta que, por não haver relação direta com a persecução do interesse público, eventual conflito entre a Administração e particular seja levado à jurisdição arbitral. (REINERT, 2010)
Em 2001, o STF pacificou o seu entendimento em relação a constitucionalidade da Lei, passando a arbitragem a ser a principal técnica a ser utilizada em várias áreas. Mas, é importante ressaltar que antes mesmo desse entendimento do tribunal superior, na década de 90 já era reconhecida em vários diplomas normativos, como por exemplo nos casos de conflitos que envolviam: portos, energia elétrica e transportes.
Em suas legislações específicas continham referências expressas à possibilidade de arbitragem nos contratos entre o poder concedente e os concessionários. Essa evolução se acelerou com a previsão de arbitragem na Lei de PPPs (Lei 11.079, de 2004) e na Lei de Concessões (Lei 8.987, de 1995, alterada em 2005). Pouco tempo depois o Superior Tribunal de Justiça iniciou uma série de decisões favoráveis à arbitragem em contratos com a Administração Pública, que ensejou a alteração futura da lei, que deu origem à Lei 13.129/2015. (PEREIRA, 2017)
Apesar de ser amplamente reconhecida no ordenamento jurídico, não se sabe ao certo até onde a Arbitragem poderá ir, no âmbito da Administração Pública. Como citado anteriormente, há previsões legais nas legislações específicas das Parcerias Público Privada (PPP), por meio da Lei 11.079/2004, bem como da Lei de Concessões, podendo tratar os seus conflitos entre o poder público e o concessionário por meio da Arbitragem.
Apesar da aceitação quanto ao tema ser bastante lenta, cumpre destacar que a jurisprudência já vem entendendo ser necessário a aplicação da Arbitragem nos direitos indisponíveis, como sugere a pesquisa do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a qual desenvolveu um projeto para investigar a relação entre arbitragem e o Poder Judiciário.
De acordo com o pensamento de Timm, Silva e Richter (2017) assim como a jurisprudência demonstra estar se curvando ao procedimento, as discussões acadêmicas, artigos jurídicos, notícias e doutrinas que tratam da matéria, também começam a debater o tema. O Estado parece estar se aproximando e precisando do auxílio da iniciativa privada, cada vez mais.
Muitos doutrinadores são contra essa evolução, uma vez que acreditam que os Princípios da Administração Pública não se encaixam junto ao modelo da Arbitragem, pois seria incompatível com o princípio da indisponibilidade do interesse público, tido como corolário do princípio da legalidade sendo indisponíveis os interesses postos sob a guarda da Administração. Em relação ao Princípio da Publicidade diz ser incompatível por ser confidencial e sigilosa, haja vista que deve ser publicada de forma geral. O princípio da legalidade exige a existência de autorização legal específica para que seja possível a pactuação de cláusula compromissória por ente da Administração.
A nova visão do Direito Administrativo, segundo Eurico Bitencourt Neto (2019) implica em dizer que o Estado está tendente a inclinar-se a uma visão de negociação, com maior abertura de diálogos entre o particular e poder público, vislumbrando assim uma nova forma de governação estatal. Não obstante, apesar de todo o poder revestido na mão do Juiz, representante do Estado em relações de conflito, sabe-se que por muitas vezes não se tem a qualificação adequada para tratar de determinados assuntos, cuja complexidade não leva a fazer um julgamento correto e justo para ambas as partes.
A opção das partes pela adesão da arbitragem para julgar eventual conflito futuro, assemelha-se a uma relação contratual, já que existe o negócio jurídico, uma relação bilateral, bem como a possibilidade de incluir no contrato a cláusula compromissória, obrigando-as puro e simplesmente somente pela existência dessa cláusula, tal qual a escolha do foro competente para julgar o conflito, ou seja, qual câmara e de qual localidade será competente para analisar o conflito.
Seguindo ainda a linha de pensamento dos autores mencionados Morais e Spengler (2012) se faz imprescindível abordar a questão da natureza jurídica da arbitragem, onde se divide em duas correntes:
a) Corrente contratualista, onde a arbitragem é vista por um viés privatista, tanto no que se refere a sua origem, quanto a respeito da qualidade dos árbitros, pois o vínculo que se cria entre as partes e o árbitro é contratual, uma vez que o árbitro não exerceria uma verdadeira jurisdição, embora esteja implícito em sua atividade coercitiva quando necessária. Assim, por esta corrente, o árbitro não compõe a estrutura judiciária, o laudo arbitral não possui garantia de força coercitiva e o caráter principal da arbitragem é o consenso entre as partes e que o afasta da ideia de jurisdição, pois esta pertence somente ao Estado;
b) Corrente Jurisdicional, fundamenta-se no caráter público da administração da justiça. Reconhecem a origem do instituto, mas ao mesmo tempo alegam que se desprende do caráter privatista, adquirindo características próprias de uma sentença proferida por um juiz na função jurisdicional do Estado. Os árbitros passam à ser juízes não somente pelo consentimento das partes, mas porque o Estado, também lhes concedeu tal caráter (MORAIS, 2012, pg. 228-229.).
Com base nessas duas correntes, surgiu uma terceira que trás a junção das duas, denominada de natureza jurisdicional híbrida, a qual primeiro o instituto seria contratual, e na segunda fase, jurisdicional (MORAIS; SPENGLER, 2012).
A corrente contratual demonstra ser mais aplicada nos conflitos que envolvem o direito privado, uma vez que o laudo arbitral não possui a garantia de força coercitiva, poder este que o Estado detém. Já a corrente jurisdicional é voltada para os conflitos que envolvem a Administração Pública, bem como os árbitros, por equidade passam a ser reconhecidos como juízes, não só porque as partes lhe colocaram nessa posição, mas sim porque o Estado os revestiu daquele poder.
Dessa forma, não se pode negar o caráter público da atividade exercida pelo árbitro, pois somente por estarem resolvendo os conflitos com base na vontade das partes, já estão contribuindo para a resolução de conflitos sociais, haja vista ser o principal intuito desse método de arbitragem: a pacificação social.
Vale ressaltar que na justiça comum existe um rigor mais excessivo para à lei a juízes estatais, já na justiça arbitral, os árbitros poderão decidir as controvérsias tanto pela lei, como por meio da equidade, adotando o critério do que for mais justo, sempre respeitando a vontade das partes.
Por isso, a necessidade de ampliação da arbitragem para atender as demandas do Poder Público, e principalmente utilizar da celeridade processual que a arbitragem garante para agilizar os processos existentes na Administração Pública, seja em caráter administrativo ou judicial.
2. PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO CONSENSUAL
Antes da alteração da Lei 9.307/1996 a Arbitragem só era tratada no âmbito do Direito Privado tratando de direitos disponíveis, ocorre que a partir do advindo da lei 13.129/2015, trouxe a possibilidade do Direito Público tratar seus conflitos por meio da arbitragem, incluindo os direitos indisponíveis transacionáveis.
De acordo com Venturi (2016) embora não haja uma explicação única do que se trata direitos indisponíveis transacionáveis, pode-se dizer que é uma categoria especial de direitos cujo interesse público de efetiva proteção torna irrenunciáveis, inalienáveis e intransmissíveis por parte de seus próprios titulares. A indisponibilidade revela um certo intervencionismo do Estado no que se refere ao campo da liberdade individual e sociais e de vedações ou restrições do exercício de certos direitos ou interesses, protegê-los contra lesões ou ameaças provenientes de seus próprios titulares ou de terceiros.
O poder judiciário, espaço tradicional de resolução de conflitos, demonstra ser a sociedade o único meio capaz de impedir a protelação do conflito, bem como que qualquer direito violado seja passível de indenizar ou até mesmo condenar. Com a evolução da sociedade, é possível perceber um grande aumento nos métodos extrajudiciais de solução de conflito, haja vista a mudança na cultura do país com o crescimento da tecnologia, globalização e principalmente o grande acúmulo de processos e problematizações que antes eram todas levadas às mãos do Poder Judiciário.
O próprio direito evoluiu e se aprimorou muito nos últimos anos, passando de uma posição de rigidez autoritária para a flexibilidade democrática, até mesmo como forma de acompanhar a dinâmica do interesse social. (LEMOS, 2013).
A atuação da Administração Pública passou a ter uma feição mais consensual, desde a efetivação do Estado Democrático de Direito, surgiram princípios importantes que englobam esse modelo consensual mais pacífico, qual seja Princípios como o da Consensualidade e da Participação. São embrionários princípios do consenso, ainda em tímida construção, mas que já pode ser definido como a afirmação do primado da concertação sobre a imposição nas relações de poder. Ou seja, o estado passou a ser menos autoritário, e assumiu uma posição mais democrática, e que esteja mais próximo do povo, para o bem comum e principalmente o bem de todos (MOREIRA NETO, 2003).
Entende-se que por muito tempo na história do Brasil o poder não pertencia ao povo, e devido a essa herança histórica, percebe-se que de fato o estado está evoluindo, passando a dar mais voz à população, e principalmente entendendo que o seu papel representa o coletivo, a representação que exerce é de poder do povo, passando a dar mais importância a métodos de solução de conflito, como a arbitragem. (LEMOS, 2013)
Optando a Administração Pública por meios adequados de Solução de Conflitos, mais precisamente a Arbitragem, permite que o estado seja mais eficiente e mais rápido na resolução dos conflitos, como menciona Odete Medauar (2003), a seu turno, acredita que Administração Pública passou a exercer a atividade de composição consensual de conflitos por estar mais próxima ao cidadão comum.
Assim, para compor os conflitos de interesses com eficiência, a alternativa encontrada é a reformulação cultural do estado para a utilização de meios consensuais para a pacificação de conflitos, inaugurando-se uma nova fase na gestão de conflitos envolvendo a Administração Pública Direta com a criação de alternativas mais adequadas às especificidades dos conflitos, aptas e ágeis para atender aos anseios desse novo tempo de reavaliação e relativização do poder de império do Estado e da plena cidadania (MEDAUAR, 2003).
Por conseguinte, embora a Arbitragem tenha como origem tratar dos conflitos do direito privado, qual seja os direitos disponíveis, é perfeitamente encaixado no direito público, principalmente em contratos administrativos, possibilitando a evolução do sistema na Administração Pública, tornando um meio imprescindível para que o investidor privado possa ingressar neste meio. (PEREIRA, 2017)
Vale ressaltar que se tratando dos contratos administrativos Pereira (2017) alega que apesar das exigências, não há nada na Lei de Concessões que impeça a adequação do Estado para tratar dos conflitos por meio da Arbitragem, haja vista não deixar de ser jurisdição, apenas optando por um meio extrajudicial.
De acordo com Lemos (2013, pg. 78), em relação a este método extrajudicial, aborda o seguinte:
Contemporaneamente, a arbitragem surgiu na Administração Pública com a promulgação da Lei nº 8.987/1995 (trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos), disciplinada nos artigos 23, XV72 e 23-A73 (este acrescido pela Lei 11.196/2005). É sem dúvida uma inovação que se coaduna com as já citadas transformações na Administração Pública brasileira, buscando-se soluções de controvérsias por meios consensuais (se pode ocorrer transação, negociação, conciliação, pactos, etc. no âmbito da Administração Pública, é razoável que se utilize também a arbitragem). Registre-se, também, que a Lei 11.079/200474 (estabelece normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada), aplicável à Administração Pública Direta, autoriza, em seu artigo 11, o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, nos conflitos envolvendo contratos de parceria público-privada.
Como há argumentos favoráveis a adaptação do sistema, também existem argumentos totalmente contrários a nova lei 13.129/2015, com alegações de que a Administração Pública caminhar para este meio pode ferir constitucionalmente os Princípios da Legalidade e da Administração Pública, algo que já é bastante superado, haja vista a Lei já têm sido aprovada, está em vigor e se faz necessária nos dias atuais.
Não há qualquer ilegalidade na Lei 13.129/2015, inclusive a Lei de Concessões não traz qualquer vedação pela adaptação da Arbitragem na Administração Pública. Vale ressaltar que o Estado também é detentor de direitos disponíveis, sendo plenamente possível a escolha das partes a utilização dessa técnica.
Quando se trata do Conflito da Indisponibilidade do Interesse Público não há qualquer irregularidade, pois o Estado pode perfeitamente escolher de um método de jurisdição para resolver o conflito, a única diferença é que se trata de jurisdição extrajudicial.
Embora as Sociedades de Economia Mista não serem totalmente ligadas a Administração Pública, pois possuem natureza de Direito Privado, há possibilidade de também abarcar seus conflitos por meio da Arbitragem, como a ANATEL, por exemplo, agência que regulamenta as telecomunicações, possui influência da União, e haja vista seus conflitos serem urgentes podem perfeitamente adequar os seus conflitos utilizando a arbitragem, além de se tornar mais célere, possibilita que as Empresas regulamentadas possam também opinar, exercendo o seu direito ao contraditório e a ampla defesa, garantindo o acesso à justiça a ambas as partes. (PEREIRA, 2017)
De acordo com Venturi (2016) o ordenamento jurídico brasileiro, se tratando de direitos indisponíveis era praticamente impossível se falar em métodos de solução de conflitos para tratar dos conflitos envolvendo esse tipo de direito, uma vez que muitas vezes envolvem direitos fundamentais, como a vida, liberdade, ou quando envolvem incapazes, ou até mesmo quando se trata de matérias que tratam do meio ambiente, devido a sua complexidade era praticamente impossível se falar em transação de direitos, e buscar consequentemente métodos extrajudiciais para dirimir esses conflitos.
Muito embora continue a parametrizar como alvo de atuação dos métodos consensuais de conflitos os direitos disponíveis, com a alteração da lei de arbitragem é que se percebe uma abertura no que alude ao cabimento no procedimento arbitrário para a solução de conflitos que envolvam direitos indisponíveis passíveis de transação.
Apesar de existir um longo caminho de aceitação da sociedade, pode-se dizer que com a alteração da Lei para 13.129/2015 foi um marco histórico para tratar desses conflitos, e que apesar de o Judiciário caminhar em passos lentos, é uma alternativa a se investir, e desafogar o Estado no que pese a esses direitos, evitando a judicialização, e fazendo com que o próprio poder judiciário invista nesses modelos, incentivando o uso a sociedade.
3. ARBITRAGEM ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA
As políticas públicas tornaram-se uma categoria de interesse para o direito já há alguns anos, havendo pouco acúmulo teórico sobre sua conceituação, sua situação entre os diversos ramos do direito e o regime jurídico a que estão submetidas a sua criação e implementação (BUCCI, 1997).
Em linhas gerais, num Estado Democrático de Direito é necessário a implantação de Políticas Públicas por meio do governo para que sejam desenvolvidas pelo Estado e colocadas em prática, seguindo os moldes da Constituição Federal e das leis infraconstitucionais (OLIVEIRA, 2011).
No Estado constitucional, pautado pelas teses do novo constitucionalismo, a função fundamental da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas públicas gestadas no seio do Poder Legislativo ou pela própria Administração, políticas estas orientadas pelos princípios e regras dispostos na Constituição (CRISTOVAM, 2005).
Não se pode, por certo, afastar a judicialização das políticas públicas sob o argumento de que consubstanciam questões exclusivamente políticas. As políticas públicas têm inegáveis contornos jurídicos, havendo um verdadeiro poder-dever do Judiciário em analisar sua legalidade e constitucionalidade.
Desta feita, com a evolução do direito brasileiro, é possível perceber que o Poder Judiciário procura criar um novo modelo de justiça multiportas, que garantem o acesso a justiça de forma ampla, porém não una, existente diversas possibilidades de provocá-lo, e evitando consequentemente o abarrotamento de um sistema único.
De acordo com as palavras de Roberto Antônio Darós Malaquias (2016), em relação ao sistema multiportas leciona:
Nesse contexto, surge no âmago da sociedade civil a enorme expectativa de utilizar-se efetivamente da arbitragem, da conciliação, da mediação (art. 3.º, §§ 1.º, 2.º e 3.º do CPC/2015) e de outros MSCC, com o advento do novel diploma processual civil, Lei 13.105, de 16.03.2015, que por intermédio de seus porta-vozes otimistas da ciência processual, apresentam esses referidos institutos jurídicos como se fossem a “solução milagrosa” para sanar os anacrônicos problemas de morosidade na atuação do Poder Judiciário que se verificam por décadas e agora prometem efetividade processual plena e imediata nessa nova realidade vindoura anunciada como “sistema multiportas”, aliando-se as promessas de celeridade e efetividade do evento de incorporação de tecnologia conhecido como processo judicial eletrônico. Lamentável e equivocada previsão.
O novo modelo multi portas do judiciário foi institucionalizado no Brasil a partir da criação do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), embora seja elencado no Código, não é vislumbrado na prática, uma vez que, o Judiciário ainda caminha em passos lentos para acompanhar a sociedade, e os novos métodos tecnológicos, que eventualmente dão ensejo a este modelo ganhar espaço cada vez mais no sistema jurídico.
A ideia da alteração do código foi justamente a necessidade do Poder Judiciário, juntamente das leis civis conseguirem acompanhar a evolução da sociedade, uma vez que percebia-se um grande descompasso entre a Constituição Federal de 1988 com o Código de Processo Civil de 1973. Obviamente que as demandas foram mudando, e com isso houve a necessidade da reforma para moldá-lo aos novos tempos, e novos fundamentos, mas sempre seguindo o modelo democrático de direito.
Ademais, juntamente com essa alteração, cresceu espaço para métodos de solução de conflitos, determinando que o Estado deverá promover sempre, a qualquer momento do processo, a conciliação ou mediação (MALAQUIAS, 2016).
O novo CPC trouxe a transformação paradigmática para a implementação da solução de conflitos adotando a filosofia do Sistema Multiportas. A Justiça Multiportas traz um rearranjo processual e meios alternativos para a resolução dos litígios. Os meios extraprocessuais que contribuem para a desjudicialização são a mediação, a conciliação, a arbitragem e a negociação. Assim, a Justiça passa a apresentar muitas alternativas de acesso, diversas portas, diversas justiças, para uma só finalidade, a resolução dos conflitos com mais celeridade (SOLANO, 2018).
O Poder Judiciário, a partir dessa criação do modelo de multiportas da justiça, deverá incentivar além dos métodos judiciais também a forma extrajudicial, não somente as formas de mediação e conciliação, mas principalmente a arbitragem.
Entende-se que a arbitragem hoje engloba por meio da sua legislação própria praticamente todos os conflitos, tanto os que tratam de direitos disponíveis como os de direitos indisponíveis transacionáveis, dá autonomia para as partes expor o conflito, e principalmente autonomia para que ambos decidam da melhor forma possível, além do mais, a escolha dos árbitros compete às próprias partes.
Seguindo essa mesma esteira de entendimento, a arbitragem pode-se dizer que é uma forma de política pública para que o Estado busque uma saída para evitar tanta judicialização de conflitos, embora o acesso a justiça seja uma garantia constitucional, também abarrota o sistema, com conflitos que por muitas vezes podem ser resolvidos com uma simples conversa.
O Estado detém o dever de prestar uma tutela jurisdicional adequada ao cidadão, proporcionando efetividade às pretensões dos demandantes, demonstrando aos jurisdicionados que possui condições de oferecer uma resposta adequada, em um espaço de tempo razoável, motivando-os a buscar a solução do conflito por meio do Poder Judiciário. (KLIPPEL, 2008).
Ocorre que, mesmo o cidadão tendo o direito de ingressar com o seu direito de ação para buscar a justiça, não necessariamente na própria constituição cita ser a única via o Poder Judiciário, mas sim o acesso à justiça. Dessa forma, o acesso à ordem jurídica justa deverá ser da forma como os litigantes escolherem, haja vista que com o modelo multiportas as partes terão um leque de opções para que possibilitem solucionar o conflito da maneira que acharem conveniente.
Vale ressaltar que Watanabe (2008) diz que o acesso a justiça não deve ser estudado nos limites do Poder Judiciário existente, bem como não se trata de apenas possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Ou seja, embora o Poder Judiciário seja uma opção, não basta estudar o acesso à justiça somente por meio dele, mas sim incentivar a criação de outros meios, ou até mesmo os já existentes, para que sejam mais uma opção de se buscar justiça, e consequentemente desafogar os conflitos existentes na mão de um único sistema.
CONCLUSÃO
A Arbitragem é uma das opções de auxílio que o sistema judiciário atual possui para contribuir na diminuição dos processos. Devido a todo o seu histórico e estudos ao longo dos anos é possível perceber a sua credibilidade, e como atualmente tem ganhado cada vez mais espaço. Embora seja regulamentada pela legislação, a sociedade ainda não incentiva métodos consensuais de conflitos, acreditando ser a via judicial a única alternativa para ingressar no mundo jurídico.
O sistema multiportas é uma saída para o acesso à justiça, é uma forma ampliada de opções que os indivíduos poderão escolher aonde procurar para resolver seu conflito, para cada conflito terá um método específico, no intuito de preservar a autonomia das partes e ampliar o acesso à justiça.
A arbitragem após longo caminho de aceitação pelo ordenamento jurídico e da sociedade hoje possibilita que a Administração Pública utilize de sua técnica para resolver seus conflitos, e diante do que foi apontado acima o objetivo principal deste trabalho foi apresentá-la como uma alternativa de política pública para acrescentar ainda mais o acesso à justiça de forma justa.
Portanto, a Arbitragem como um método extrajudicial de conflitos é uma alternativa em que tanto o sistema jurídico, como os indivíduos poderão investir na tentativa de solucionar o seus conflitos de forma mais célere, uma vez que o Estado embora garanta o direito à tutela jurisdicional, está cada vez mais abarrotado e moroso, necessitando que a sociedade tome conhecimento da existência de outras ferramentas para o tratamentos adequados dos conflitos, quer seja para os conflitos que envolvam direitos disponíveis e/ou direitos indisponíveis transacionáveis, a exemplo das demandas de natureza pública possíveis de serem submetidas a arbitragem.
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[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito do Centro Universitário
Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: [email protected]
Bacharelanda do curso de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins (UNICATÓLICA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Isabela Maria Santana de. A Arbitragem aplicada na Administração Pública como Política Pública de acesso à ordem jurídica justa a partir da Lei 13.129/2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54681/a-arbitragem-aplicada-na-administrao-pblica-como-poltica-pblica-de-acesso-ordem-jurdica-justa-a-partir-da-lei-13-129-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
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