RESUMO: O objetivo geral do presente trabalho é mostrar de forma clara o quão prejudicial são as súmulas vinculantes para o ordenamento jurídico pátrio, como qualquer tipo de amarras aos juízes podem prejudicar o direito brasileiro, que está em constante movimentação. O problema resumiu-se em: analisar o fracasso do império do absolutismo, quanto às necessidades da sociedade. A evolução do constitucionalismo como forma de limitação do poder absoluto, a separação dos poderes e o fortalecimento do judiciário. Os modelos de hermenêutica constitucional, como forma de interpretação das normas para melhor aplicação ao caso concreto. Os prós e os contra para edição das súmulas vinculantes. Os princípios que se colidem, quando se edita uma súmula que vincula a interpretação de um magistrado. Criticas a algumas súmulas que estão presentes no dia-a-dia do direito brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Súmulas; Prejudicialidade; Interpretação; Princípios.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Breve relato histórico das Súmulas Vinculantes - 3. Da análise do tema - 4. Conclusão - 5. Referências Bibliográficas
1.INTRODUÇÃO
As súmulas surgiram para o direito, como uma formula de evitar que certos processos chegassem a analise do Supremo Tribunal Federal, auxiliando assim na celeridade processual. Por uma visão rápida, tem-se em conta seus efeitos positivos, porém com uma análise histórica e mais aprofundada do tema percebe-se os efeitos limitativo para os poderes, incluindo o próprio judiciário, indo de encontro para evolução do ordenamento jurídico brasileiro.
Com o avanço das concepções filosóficas em que o direito brasileiro se encontra hoje, especificamente o neoconstitucionalismo, percebe-se cada vez mais o fortalecimento do judiciário, no que tange a liberdade de atuação em sua função típica, criando assim novos pensamentos aos litígios concretos, que serão observados pelos demais poderes, para a criação do ordenamento jurídico, se tornando totalmente inócuo a paralização de tal movimento pela edição de súmulas vinculantes.
2. BREVE RELATO HISTÓRICO DAS SÚMULAS VINCULANTES
É indispensável à compreensão de como surgiram no Brasil as súmulas vinculantes. O Brasil, quando ainda colônia, obedecia à legislação portuguesa, que nas Ordenações Manuelinas, durante o reinado de Dom Manuel, por meados de 1500, já traziam em seu corpo a pretensão da unificação das decisões Judiciais. Quando havia algum tipo de celeuma, esta era suprida pelo entendimento dado pelas ordenações, que eram redigidas em assento próprio para futuras consultas.
Assim como no período já mencionado, no constitucionalismo antigo, o Rei Felipe II, em 1603, promulgou as Ordenações Filipinas, criando os Assentos da Casa de Suplicação. Tais assentos tinha o fito de estabelecer a autêntica interpretação da lei, que era registrado no “Livro de Relação”, servindo como modelo para decisões posteriores. Esses assentos tinha força de lei, e o não era permitido que o juiz interpreta-se de maneira diversa de caso semelhante, ou seja, novamente o juiz era mero aplicador autônomo de um ordenamento pré-existente, a boca da Lei, o mais interessante, quem tinha o papel de suprir qualquer lacuna na lei era o Rei, um exemplo épico do fracasso que o absolutismo tem para o ordenamento jurídico.
Com a constituição brasileira de 1891, se extingue a aplicação de tais assentos, criando um ideal de uniformidade, instaurando a consulta jurisprudencial a todos os tribunais existentes.
No campo trabalhista, houve a criação da figura dos “Prejulgados” na justiça do trabalho, decisões que tinham força vinculante, contudo em 1977 foram tidas como inconstitucionais, perdendo com isso sua obrigatoriedade. No ano de 1963, com a carência do Judiciário, esse enfrentou uma grande crise, por conta dos altos números de processos a serem examinados. O Ministro Victor Nunes Leal, cita pioneiramente a “Súmula de Jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal”, observando que qualquer dos Ministros poderia propor a revisão do enunciado, não tendo efeito vinculante, serviria apenas de base para simplificar os julgamentos, dando apenas a orientações para os demais juízes.
O precedente mais concreto das súmulas vinculantes vem no Ano de 1964, quando foi apresentado ao Congresso o anteprojeto para a reforma do Código de Processo Civil, do professor Alfredo Buzaid, em que existia a criação da “Jurisprudência Obrigatória”, que corroborava força de lei as Decisões dos tribunais tidas por maioria absoluta. Porem tal proposta não foi aprovada, ao invés disso obteve-se o incidente de uniformização de jurisprudência através das sumulas, que não tinha o poder de vincular os demais órgãos, instituto que se encontra presente até os dias de hoje.
Quanto ao efeito vinculante, certamente foi instituído em nosso ordenamento jurídico, por ocasião da promulgação da Emenda constitucional 03-93, cujo artigo 1º alterou o artigo 102 da Constituição para incluir o §2, criando a Ação declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo, dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Esse efeito foi criado como uma mera solução encontrada para “combater” a recalcitrância dos outros poderes, acima de tudo mediante a reiteração material de atos declarados inconstitucionais. Notou-se a necessidade de reforçar a eficácia das decisões prolatadas na seara da jurisdição constitucional, de modo que os outros poderes do Estado, inclusive tribunais estivessem vinculados a toda a sentença.
Com esse Pensamento, Gilmar Ferreira Mendes explica:
Como se vê como efeito vinculante pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF, outorgando-lhe amplitude transcendente ao caso concreto. Os órgãos estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. (MENDES, 2008, p. 1281)
Com esses institutos afins, a vinculação das decisões nas ações de declaração de constitucionalidade, foi aparato para a vinculação das súmulas. Mas possuem diferentes aspectos, Evandro Lins, mostra essa diferenciação:
Seria a súmula vinculante resultado da reiteração de decisões num mesmo sentido, emitida após diversos pronunciamentos da Corte sumulante, sintetizados num enunciado propositivo. Por sua vez, o efeito vinculante prescinde, segundo sua formação original, de decisões reiteradas, constituindo eficácia derivada do próprio julgado, ainda que único. Ademais, o efeito vinculante não implica qualquer sumarização ou estratificação jurisprudencial. A vinculação decorrente do instituto alcança todos os fundamentos determinantes do julgado, sem o perigo das imperfeições que, não raro, recaem sobre a simplificação em verbetes ou enunciados condensadores da jurisprudência dominante. (SILVA, 1995, p.53).
O autor ainda ressalta que a emenda Constitucional 45-2004 não instituiu a súmula vinculante, apenas reconheceu tal efeito vinculante, as súmulas que estiverem de acordo com os requisitos estipulados pelo artigo 103-A da Constituição Federal possuirão tal efeito:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
3. DA ANÁLISE DO TEMA
Com a presente análise histórico-evolutiva, pretende-se que se tenha uma noção básica do tema, para a compreensão posterior das colisões entre o movimento filosófico que o Brasil se encontra hoje, o neoconsticuionalismo, com o “Império Absoluto das súmulas vinculantes” e a própria independência dos poderes.
Conforme consta no caput do art. 103-A, as súmulas tem efeito vinculante para os demais órgãos do poder judiciário (como os tribunais inferiores e os juízes de primeira instância) e para a administração publica (poder executivo). Importante inferir, que não vinculam o legislativo na sua atuação típica de legislar.
Ocorre que tal instituto, pode ser considerado como um “sucedâneo” da lei, isso quer dizer, um substituto da própria lei, indo diretamente em conflito contra a separação dos poderes e com o principio da legalidade, garantias essas constitucionais, já que somente a lei, editada com a participação do poder judiciário poderia vincular as condutas dos participantes do ordenamento jurídico brasileiro.
Interessante destacar, que observando tal movimento, em recente alteração da Consolidação das Leis Trabalhistas, a Lei nº 13.467, de 2017 incluiu no paragrafo segundo do art. 8º da CLT, o seguinte preceito:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
§ 2o Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
Não contrariando o texto constitucional, para não ser eivada de inconstitucionalidade, o referido dispositivo que não se aplica as súmulas vinculantes, buscou autorizar somente a criação de obrigações ou restrição de direitos por meio de leis. O próprio poder executivo (já que tal lei, advém de uma MP) e legislativo, compreendendo os poderes implícitos e obscuros que as súmulas vinculantes trouxeram para o ordenamento pátrio, estão de certa forma buscando limitar tais poderes, já que a constituição em sua redação originaria, de forma cristalina estabelece nos arts. 2º e 5º, II, os princípios da separação dos poderes e da legalidade:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Obrigando que a administração direta e indireta, que envolve o poder executivo observe de forma obrigatória os comandos vinculantes, traz infração direta ao comando constitucional, pois há uma limitação clara dos poderes do chefe do executivo. Da mesma forma ao legislativo, que foi dado a principal característica de legislar, sendo subvertida por meio das súmulas que criam obrigações para os demais poderes.
Já no âmbito judiciário, quanto aos tribunais inferiores e aos juízes de primeiro grau, a limitação do poder encontra mais patente quando analisemos a evolução do constitucionalismo brasileiro.
Quando se faz um comparativo entre o constitucionalismo clássico que teve presente a escola da Exegese onde juiz era mera ‘boca da lei’, com o neoconstitucionalismo, movimento este em que se percebe uma total mudança no legiscentrismo, para a adoção da centralidade da constituição, com observância dos direitos e garantias fundamentais.
Para que essa mudança ocorra, foi necessária a substituição do formalismo interpretativo, com fundamentos na subsunção (aplicação da norma ao fato), pela argumentação jurídica e a ponderação. Contudo vale destacar que não se excluiu a subsunção lógica do ordenamento pela ponderação, atualmente as duas se auxiliam.
Portanto aquela visão fechada, em que os positivistas puros tinham do direito, foi remodelada permitindo a entrada das clausulas abertas no ordenamento jurídico brasileiro, essas que dão maior margem aos juízes na analise de casos concreto, para aplicarem o direito de forma mais justa. Consequentemente estas análises fazem com que o direito se aperfeiçoe a cada decisão dos juízes e desembargadores, o que não convém com a obrigatoriedade das súmulas vinculantes.
4.CONCLUSÃO
O presente artigo teve como objetivo primordial, mostrar a prejudicialidade das súmulas vinculantes, quanto a evolução do ordenamento jurídico brasileiro, ponto principal analisado é quanto a sua forma de “engessar” os demais poderes, principalmente na afronta direta a Constituição Federal, aos artigos 2º que trata da Independência dos Poderes, e do art. 5º, II que trata do principio da legalidade. Por ter sido incluída por meio de emenda, ao texto da constituição, resta eivada de inconstitucionalidade material, por afronta a tais preceitos.
NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 10ªed. São Paulo: Método, 2014 p. 19.
MONTESQUIEU. Do espirito das leis. Coleção Grandes Pensadores, trad. Fernando Henrique Cardoso e Leoncio Martins Rodrigues. Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
SILVA, Evandro Lins e. A Questão do Efeito Vinculante. In Revista da OAB, Brasília, ano XXV, 1995.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BRASIL. Constituição (1988)
FORMADO EM DIREITO PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DO SUL DO MARANHÃO (UNISULMA). PÓS GRADUADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA UNIVERSIDADE ANHANGUERA (LFG). ADVOGADO, PROCURADOR CONCURSADO DO MUNICÍPIO DE GURUPI/TOCANTINS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTA, FELIPE FERNANDES. Súmulas Vinculantes e a limitação do poder: Como as súmulas vinculantes estão limitando os poderes, um breve pensamento sobre a inconstitucionalidade do instituto. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54687/smulas-vinculantes-e-a-limitao-do-poder-como-as-smulas-vinculantes-esto-limitando-os-poderes-um-breve-pensamento-sobre-a-inconstitucionalidade-do-instituto. Acesso em: 23 dez 2024.
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