KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(orientadora)
RESUMO: Os crimes de lesão a imagem cometidos na internet vêm aumentando exponencialmente. A Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 veio para dispor sobre a tipificação penal de delitos virtuais, alterando o Código Penal quanto à matéria. O presente artigo a seguir traz à baila breves considerações sobre o que o ordenamento pátrio estabelece sobre o direito à imagem na internet. O direito à imagem está atrelado ao direito de personalidade e confere à pessoa a capacidade de usar a própria imagem, dispor dela e reproduzi-la, podendo haver caráter comercial ou não na sua utilização. O dano moral a imagem visto sob a perspectiva do crime virtual, é aquele que atinge o sujeito como pessoa, e a lesão recai especificamente sobre os direitos da personalidade, tais como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem e o bom nome. A pesquisa realizada e ora apresentado neste artigo foi por meio de revisão bibliográfica, dentre elas, doutrinas, jurisprudências, súmulas e artigos.
Palavras-chave: Direito à imagem; Meio virtual; Tutela Jurídica
ABSTRACT: The crimes of image injury committed on the internet have been increasing exponentially. Law No. 12,737, of November 30, 2012 came to provide for the criminal classification of virtual crimes, amending the Penal Code as regards the matter. The following article brings up brief considerations about what the national system establishes about the right to image on the internet. The right to the image is linked to the right to personality and gives the person the ability to use the image itself, dispose of it and reproduce it, with the possibility of having a commercial character or not in its use. The moral damage to the image seen from the perspective of virtual crime, is that which affects the subject as a person, and the injury falls specifically on the rights of the personality, such as honor, dignity, intimacy, image and good name. The research carried out and now presented in this article was through bibliographic review, among them, doctrines, jurisprudence, summaries and articles.
Keywords: Right to the image; Virtual medium; Legal Protection.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Do direito a imagem – 2.1. A tutela dos direitos da personalidade – 3. Tipificação penal de delitos virtuais relacionados a imagem – 3.1. Reparação pelo dano moral por uso indevido da imagem no âmbito virtual – 4 Considerações finais – 5. Referências
1 INTRODUÇÃO
A proteção da imagem é intensa nos casos em que a utilização, sem autorização, tem fim comercial. Nesse sentido, a súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça dispõe: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Mediante a informação acima, a problemática norteadora desse estudo partiu da seguinte indagação: o que o ordenamento pátrio estabelece sobre o direito à imagem na internet?
Com a evolução da tecnologia, novas ferramentas são desenvolvidas e, portanto, surgem novas formas de causar danos a pessoa exposta na internet. É possível destacar dentre os danos: a divulgação não autorizada de imagens íntimas e/ou de cenas de nudez em aplicativos e sites de compartilhamento de conteúdo, a criação de página com mensagens ofensivas a determinada pessoa ou com atribuição de características em desacordo com a atual personalidade do retratado e a exposição abusiva da imagem de uma determinada pessoa em notícia jornalística ou em quadro de humor.
O dano moral a imagem visto sob a perspectiva do crime virtual, é aquele que atinge o sujeito como pessoa, sem ofender o seu patrimônio material. A lesão recai especificamente sobre os direitos da personalidade, tais como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome e etc.
Dessa forma, em razão dessa complexidade de fatos pretende-se fazer um levantamento das fontes jurídicas que tratam da proteção do direito à imagem na internet.
O direito à imagem está atrelado ao direito de personalidade e confere à pessoa a capacidade de usar a própria imagem, dispor dela e reproduzi-la, podendo haver caráter comercial ou não na sua utilização. Não obstante, entende-se que o direito à imagem protege principalmente interesses existenciais da pessoa, sendo compreendido como um direito da personalidade por se encontrar ligado ao indivíduo na condição de ser, repercutindo a manifestação de sua existência.
Em relação ao Direitos da Personalidade estabelecidos no art. 20 do Código Civil é evidenciado que salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
2 DO DIREITO A IMAGEM
As concepções históricas acerca da proteção do direito à imagem nos ensinamentos de Gonçalves (2017), resultou de um longo e gradativo trabalho pretoriano, visto não decorrer de texto expresso. À falta de melhor esteio, invocava-se o art. 666, X, do Código Civil de 1916, que focalizava, no entanto, antes uma limitação do direito do pintor e do escultor, em favor do proprietário de retratos ou bustos de encomenda particular e da própria pessoa representada e seus sucessores imediatos.
Ainda assim, três teorias buscaram explicar o fenômeno do “direito à imagem”. A primeira delas não admitia a existência desse direito. A segunda reconhecia sua existência, mas como reflexo de outro instituto jurídico (teorias afirmativas). Por fim, a terceira passou a reconhecer a imagem como direito autônomo, desvinculando de qualquer outro instituto jurídico (FACHIN, 1999).
O direito à imagem tem sua autonomia consagrada na própria Constituição Federal de 1988, “que o assegura independentemente de violação a outro direito de personalidade”. Não se torna necessário, assim, que a pessoa, cuja imagem foi captada ou publicada, “sofra dano em sua honra, por exemplo. O dever de indenizar impõe-se pelo simples fato de ter sido violado o direito à imagem (ARAÚJO, 2014).
No âmbito do direito à imagem, Gonçalves (2017), alude que, no Brasil, têm sido tutelados em leis especiais e principalmente na jurisprudência, a quem coube a tarefa de desenvolver a proteção à intimidade do ser humano, sua imagem, seu nome, seu corpo e sua dignidade.
Assim, o grande passo para a proteção dos direitos da personalidade foi dado com o advento da Constituição Federal de 1988, que expressamente a eles se refere no art. 5º, X, nestes termos, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O direito à própria imagem integra, pois, o rol dos direitos da personalidade. No sentido comum, imagem é a representação pela pintura, escultura, fotografia, filme etc. de qualquer objeto e, inclusive, da pessoa humana, destacando-se, nesta, o interesse primordial que apresenta o rosto (GONÇALVES, 2017).
Do ponto de vista histórico, os direitos da personalidade estão atrelados ao direito a imagem e constituem herança da Revolução Francesa, que pregava os lemas liberdade, igualdade e fraternidade, nesse entendimento:
[...] a evolução dos direitos fundamentais, desse modo, costuma ser dividida em três gerações ou dimensões, que guardam correspondência com os referidos lemas. A primeira geração tem relação com a liberdade; a segunda, com a igualdade, dando-se ênfase aos direitos sociais; e a terceira, com a fraternidade ou solidariedade, surgindo os direitos ligados à pacificação social (direitos do trabalhador, direitos do consumidor etc.) Discorre-se, ainda, na doutrina, da existência de uma quarta geração, que decorreria das inovações tecnológicas, relacionadas com o patrimônio genético do indivíduo, bem como de direitos de uma quinta geração, que decorreriam da realidade virtual (GONÇALVES, 2017, p. 201).
Para Amaral (2002, p.123), os direitos da personalidade como “direitos subjetivos têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”. Corroborando, Diniz (2004), considera os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física, a sua integridade intelectual e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social.
O mesmo tratamento é dado à exposição ou à utilização da imagem de uma pessoa, que o art. 5º, X, da Constituição Federal considera um direito inviolável. A reprodução da imagem é emanação da própria pessoa e somente ela pode autorizá-la.
Em relação ao direito à própria imagem, não pode ser aceita, segundo Chaves (2004), a definição segundo a qual seria o direito de impedir que terceiros venham a conhecer a imagem de uma pessoa, pois não se pode impedir que outrem conheça a nossa imagem, e sim que a use contra a nossa vontade, nos casos não expressamente autorizados em lei, agravando-se evidentemente a lesão ao direito quando tenha havido exploração dolosa, culposa, aproveitamento pecuniário, e, pior que tudo, desdouro para o titular da imagem.
Schreiber (2020), preceitua que o direito à imagem exprime o controle que cada pessoa detém sobre sua representação externa, abrangendo qualquer tipo de reprodução de sua imagem ou de sua voz. O autor ainda reforça que, o Código Civil, em momento infeliz, tratou da imagem conjuntamente com a honra (art. 20), deixando de reconhecer autonomia ao direito à imagem. De fato, uma interpretação literal do art. 20 sugere que uma pessoa somente poderia se insurgir contra os usos não autorizados da sua imagem se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
2.1 A tutela dos direitos da personalidade
Precipuamente, é importante aclarar que na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos: internet, clonagem, imagem virtual, monitoramento por satélite, acesso imediato a notícias e manipulação da imagem e voz por computador, a personalidade passa a sofrer novas ameaças que precisarão ser enfrentadas, com normatização legal da sua proteção.
Nas considerações de Tartuce (2017), os direitos da personalidade são regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1.º, III, da Constituição. Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.
Nesse contexto, o direito de personalidade vai, pois, além das prerrogativas catalogadas na Constituição e na legislação ordinária. O Código Civil, no referido capítulo, disciplina os atos de disposição do próprio corpo (arts. 13 e 14), o direito à não submissão a tratamento médico de risco (art. 15), o direito ao nome e ao pseudônimo (arts. 16 a 19), a proteção à palavra e à imagem (art. 20) e a proteção à intimidade (art. 21).
Contudo, Gonçalves (2017), aponta que o Código Civil, em momento infeliz, tratou da imagem conjuntamente com a honra (art. 20), deixando de reconhecer autonomia ao direito à imagem. Assim:
[...] A proteção da imagem ficaria, assim, dependendo da configuração de uma lesão à honra ou de uma finalidade comercial do uso da imagem. Muito ao contrário, nossa jurisprudência e doutrina já reconhecem, há muito, a autonomia do direito à imagem, como também o faz a própria Constituição da República (SCREIBER, 2020, p. 216).
Nesse óbice, a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 2009, segundo a qual independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. “[...] Basta pensar no uso de imagem de pessoa famosa, sem autorização, em panfletos e materiais de campanha eleitoral” (BARROSO, 2013, p. 29), para entender que o uso não autorizado da imagem de alguém pode ser impedido mesmo que não haja uso para fins comerciais ou uma lesão à reputação do detentor da imagem.
Haja vista que, destinam-se os direitos da personalidade a resguardar a dignidade humana, por meio de medidas judiciais adequadas, que devem ser ajuizadas pelo ofendido ou pelo lesado indireto. “Estas podem ser de natureza preventiva, cautelar, objetivando suspender os atos que ofendam a integridade física, intelectual e moral”, ajuizando-se em sequência, a ação principal, ou de natureza cominatória, com fundamento nos arts. 497[2] e 536[3], do Código de Processo Civil, com vistas a evitar a concretização da ameaça de lesão (MORAES, 2016).
3 TIPIFICAÇÃO PENAL DE DELITOS VIRTUAIS RELACIONADOS A IMAGEM
A Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, inseriu os seguintes arts. 154-A e 154-B. no Art. 154-A estabelecendo que, invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Assim sendo a pena é detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Consideravelmente na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput do referido decreto-lei.
Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena é reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal (Decreto-Lei no 2.848, arts. 154-A e 154-B).
No Art. 154-B do decreto-lei supracitado nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.
É importante trazer à baila neste tópico sobre a Lei 12737/2012 que trata da tipificação penal de delitos virtuais, alterando o Código Penal quanto a matéria. No artigo 154 A, do Código Penal, alterado pela mencionada Lei, estabelece a previsão de pena de três meses a um ano, e multa nos casos de invasão de dispositivo informático (incluindo tablets, notebooks, entre outros) alheio, conectado ou não à Internet, mediante a violação indevida de mecanismo de segurança com o objetivo de obter, alterar, ou inviabilizar dados ou informações sem autorização expressa do titular do dispositivo tecnológico.
Sobre o dispositivo informático, e sua amplitude, vale consignar os ensinamentos de Eduardo Luiz Santos Cabette:
[...] o objeto material da conduta é o “dispositivo informático alheio”. Estes são os computadores pessoais, industriais, comerciais ou institucionais. Além disso, hoje há uma infinidade de dispositivos informáticos, inclusive móveis, tais como os notebooks, tablets, netbooks, celulares com recursos de informática e telemática, Iphones, Smartphones ou quaisquer outros aparelhos que tenham capacidade de armazenar dados ou informações passíveis da violação prevista no tipo penal. é importante notar que o legislador optou por não apresentar uma lista exaustiva dos aparelhos e assim agindo foi sábio ao usar a locução “dispositivo informático” de forma genérica, possibilitou a criação adequada de uma norma para a qual é viável uma “interpretação progressiva” ou seja, o tipo penal do artigo 154-A, CP é capaz de se atualizar automaticamente sempre que surgir um novo dispositivo informático, o que ocorre quase que diariamente na velocidade espantosa da ciência da computação e das comunicações. Essa espécie de redação possibilitada de interpretação progressiva é a ideal para essas infrações penais ligadas à informática nos dias atuais, já que, caso contrário, correr-se-ia o risco de que a norma viesse a tornar-se obsoleta no dia seguinte em razão do Princípio da Legalidade Estrita (CABETTE, 2014, p. 04).
Observa-se que, conforme lembra o autor, os computadores, tanto industriais quanto pessoais, além de uma infinidade de dispositivos, tais como celulares, smartphones entre outros, incluindo qualquer aparelho capaz de armazenar dados ou informações, estão tutelados pelo tipo penal em tela.
Ainda, conforme Cabette (2014), para que haja o crime é necessário que o dispositivo conte com “mecanismo de segurança” (antivírus, firewall”), senhas etc. Assim sendo, o dispositivo informático despido de mecanismo de segurança não pode ser objeto material das condutas incriminadas, já que o crime exige que haja “violação indevida de mecanismo de segurança. Dessa maneira, a invasão ou instalação de vulnerabilidades em sistemas desprotegidos é fato atípico.
Em casos de prejuízos econômicos para a vítima, a pena poderá aumentar, de um sexto a um terço, conforme dosimetria do magistrado. Isso porque a tutela do patrimônio é a mais adequada nesses tipos de crime. A intimidade, conforme preceitua Morais (2016), se refere às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.
Na Lei nº 12.737/2012, as penas previstas para os delitos expostos em seus artigos são consideravelmente brandas, ajustadas aos procedimentos realizados nos Juizados Especiais Cíveis, ainda é importante considerar que não é benéfico que se adicione um tipo penal de violação de dispositivos informáticos, se a polícia não estiver preparada para investigar e instruir devidamente o inquérito sobre tais crimes (VIANA 2013).
Dessa forma, a lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012veio estabelecer que os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
A Lei 12737/2012 não resolveu de forma definitiva a questão dos delitos digitais, mas contribuiu consideravelmente, para a regulamentação e punição dos crimes que utilizam do uso indevido da imagem, bem como a reparação pelo dano causado.
3.1 Reparação pelo dano moral por uso indevido da imagem no âmbito virtual
Com a expansão do uso da Internet móvel e dos aplicativos para envio de texto e imagem pelo celular, o desafio de proteger a pessoa humana na Internet mostra-se ainda maior principalmente observando a complexidade que envolve a imagem no ciberespaço. O ciberespaço se caracteriza como um conceito emergente da pós-modernidade, que nasce da perspectiva do impacto das novas tecnologias e da conexão em rede na sociedade (LÉVY, 2007).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-UNESCO (2020), afirma que o ciberespaço consiste em pessoas de todos os países, de todas as culturas e linguagens, de todas as idades e profissões fornecendo e requisitando informações; uma rede mundial de computadores interconectada pela infraestrutura de telecomunicações que permite à informação em trânsito ser processada e transmitida digitalmente.
Assim considera Levy (2007, p. 47):
[...] o ciberespaço é um “lugar” sem cara de lugar e sem espaço, pois não há em seu interior fronteiras ou corpos, apenas textos e imagens e sons feitos de bits e bytes; um espaço transnacional, um “lugar” que não tem os aspectos de espaço, sem fronteiras, representando um lugar de peregrinação, de andarilho. Este espaço oferece novas relações entre produtores e consumidores de conhecimentos, pois permitem aos sujeitos serem não apenas consumidores ativos ou passivos dos produtos de informação e da cultura global, mas agentes de seus próprios produtos culturais e também distribuidores desses elementos.
Diante as informações acima, é nesse contexto que o jurista moderno se encontra, pois no que envolve o uso indevido da imagem na Internet, os arquivos com conteúdo lesivos podem ser guardados em celulares e em outros utensílios tecnológicos de diversas pessoas, a qualquer momento, qualquer usuário poderá reinserir os arquivos na rede, causando danos a terceiros, o que torna a filtragem de conteúdo e a exclusão de informações atividades bastante complexas e árduas (BRANCO, 2014).
Ligado ao uso indevido de imagem encontram-se também práticas de intimidação e de agressão a terceiros na internet, como o cyberbullying e a chamada pornografia de vingança.
Nessa concepção, atualmente diante a expansão da rede mundial de computadores através da Internet, o aplicador do direito deve estar atento à evolução tecnológica, para não tomar decisões totalmente descabidas, “como a de determinar o bloqueio de todos à Internet, visando proteger a imagem individual de determinada pessoa” (TARTUCE, 2017, p. 54).
No que tange a reparação por danos morais por uso indevido da imagem, a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 2009, informa que independe de prova do prejuízo aindenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com finseconômicos ou comerciais. Ou seja:
“[...] o direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. Não há como negar a reparação à autora, na medida em que a obrigação de indenizar, em se tratando de direito à imagem, decorre do próprio uso indevido desse direito, não havendo, ademais, que se cogitar de prova da existência de prejuízo (TEIXEIRA, 2011, p. 05).
A reparação do dano é prevista desde os antigos princípios romanos do “nem inem laedere, não lesar a outrem” (GONÇALVES, 2017, p. 207). Dessa forma é, dever exigível do homem de respeitar seu semelhante.
O dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo desnecessário perquirir-se a consequência do uso, se ofensivo ou não. Bittar (2015), preceitua que, a responsabilidade civil tem por fundamento a lesão que importe violação do dever de conduta pelo que surge o dever de indenizar como meio de compensar a ofensa perpetrada.
Destarte, quando a conduta vai de encontro com dever jurídico, este fatalmente implicará lesão em direito de outrem, resultando em responsabilidade civil por dano moral. Quando qualquer destes bens ideais é atingido, ocorre a caracterização do dano moral puro, quando há perda material, presente o dano misto.
Nesse sentido, cabe aqui elencar o seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZATÓRIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. AFRONTA AOS ARTS. 128 E 460 DO CPC/73. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ADMISSÃO DE PREQUESTIONAMENTO FICTO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 1.022 DO NCPC. DIVULGAÇÃO DE IMAGENS COM FINS ECONÔMICOS. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Esta Corte de Justiça, ao interpretar o art. 1.025 do Código de Processo Civil de 2015, concluiu que "a admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei". 2. O eg. Tribunal de origem adotou posicionamento consentâneo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no que tange à indenização a título de dano material, que entende que a divulgação de imagem com fins econômicos, sem autorização do interessado, acarreta dano moral in reipsa, bem como dano material, sendo devida a indenização e desnecessária a demonstração de seu prejuízo material ou moral. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.346.273 – PR, Relator: Min. RAUL ARAÚJO, 2019).
No Agravo em Recurso Especial citado foi estabelecida a indenização a título de dano material, que entende que a divulgação de imagem com fins econômicos, sem autorização do interessado acarretou dano moral. A indenização por danos morais assume grande relevância, pois os direitos da personalidade formam toda a base dos danos morais.
A responsabilidade civil por danos morais está citada na edição 125 da Jurisprudência em Teses. No entendimento do Superior Tribunal de Justiça a fixação do valor devido a título de indenização por danos morais deve considerar o método bifásico, aquele que conjuga os critérios da valoração das circunstâncias do caso e do interesse jurídico lesado, minimizando eventual arbitrariedade da adoção de critérios unicamente subjetivos por parte do julgador, além disso, afasta eventual tarifação do dano (STJ, 2019).
A violação do direito da personalidade que causa dano à pessoa acarreta, pois, a responsabilidade civil extracontratual do agente, decorrente da prática de ato ilícito. O direito subjetivo à sua reparação é interpretado de acordo com os ditames constitucionais, pois a responsabilidade pela violação do direito de personalidade não permanece exclusivamente no nível civil (GONÇALVES, 2017).
Ainda pra Gonçalves (2017), pode-se afirmar que, além do próprio ofendido, quando este sofre o gravame, poderão reclamar a reparação do dano, dentre outros, seus herdeiros, seu cônjuge ou companheira e os membros de sua família a ele ligados afetivamente, provando o nexo de causalidade, o prejuízo e a culpa, quando não se tratar de hipótese de culpa presumida ou de responsabilidade independente de culpa.
No âmbito virtual, a licitude do uso da imagem alheia não se limita à simples anuência ou autorização. O direito moderno a recebe como um bem, cuja disposição assume, principalmente no mundo artístico, contrato expresso, dada a necessidade de disciplina detalhada dos direitos e obrigações às partes contratantes. Imagem é um direito que compõe a personalidade jurídica, o qual possui conotação patrimonial, especialmente com a expansão da Internet, um fenômeno global, assim:
[...] o ato ilícito, usurpar do domínio de imagem, à toda evidência, no mundo fático, é capaz de gerar, como já reconhecido, o dano material, e, simultaneamente dano moral, pois a simples exposição pública pode, à psique (Personificação da alma), causar a dor, que em nosso sistema jurídico, a partir da Carta de 1988, passou, de forma inquestionável, ser um direito subjetivo protegido juridicamente (TEIXEIRA, 2011, p. 05).
Sendo a imagem toda a expressão formal e sensível da personalidade e assim objeto de um direito subjetivo privado, espécie de direito da personalidade, dá ao seu titular o poder dizer de si mesmo. Vale aqui transcrever a fala do Ministro Ruy Rosado de Aguiar “a minha figura, sendo exclusivamente minha, só eu posso usá-la, desfrutá-la e dela dispor, bem assim impedir que qualquer outro a utilize” (AGUIAR, 2009, p. 13).
Se tratando da indenização, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa, se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos.
O valor estipulado pelo juiz para pagamento da indenização é complexo e um meio de definir o montante das indenizações por danos morais atualmente adotado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o método bifásico. Costa (2019, p. 02), define o método bifásico assim:
[...] se apresentam duas etapas bem delineadas. Na primeira fase, arbitra-se um valor básico em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria, na segunda fase, alcança-se o quantum definitivo, ajustando-se o valor básico verificado na primeira fase às peculiaridades do caso concreto.
Na reincidência, ou diante da indiferença do ofensor, o juiz poderá elevar ao triplo o valor da indenização. Prescreve em 6 (seis) meses o prazo para o ajuizamento de ação indenizatória por danos morais, a contar da data do conhecimento do ato ou omissão lesivos ao patrimônio moral.
Na fixação do valor da indenização, o juiz levará em conta, ainda, a situação social, política e econômica das pessoas envolvidas, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a intensidade do sofrimento ou humilhação, o grau de dolo ou culpa, a existência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa ou lesão e o perdão, tácito ou expresso (FREITAS, 2016).
Visando proteger a imagem, o sistema jurídico chegou à conclusão que o uso indevido da imagem na Internet, por si só, gera direito à indenização por dano moral. Como já exposto no do art. 5.º, X, da CF/1988 são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a ascensão da Internet o aumento dos casos noticiados na mídia envolvendo danos morais cometidos virtualmente aumentaram significativamente.
Nessa concepção, o ordenamento jurídico trouxe um dispositivo a tratar especificamente da lesão da imagem no âmbito virtual, a Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 que dispõe em seus artigos sobre a tipificação penal de delitos virtuais, alterando o Código Penal quanto à matéria e, por força desta lei foi sancionada também a lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012estabelecendo que, os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
Face as considerações aduzidas, o dano moral a imagem visto sob a perspectiva do crime virtual, é aquele que atinge o sujeito como pessoa, assim, em razão da complexidade desta matéria, a reparação do dano deverá ser proposta em conformidade com as regras gerais previstas na legislação processual civil e julgadas de acordo com a qualidade da relação entre o autor e o ofendido.
O estudo acima evidenciou o que o ordenamento pátrio estabelece sobre o direito à imagem na internet. A lesão a imagem independentemente de qual meio foi publicada recai especificamente sobre os direitos da personalidade, tais como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome e etc.
5 REFERÊNCIAS
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BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucionalcontemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
BRANCO,Gerson Luiz. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo:Saraiva, 2014.
BRASIL. Código Civil (2002). Código civil brasileiro e legislação correlata. Brasília: Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
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[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora de Direito da Faculdade Serra do Carmo FASEC. Orientadora desse TCC. [email protected]
[3] Art. 536: No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
Acadêmico de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, EDILSON SALES DE. Proteção do direito à imagem na internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2020, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54731/proteo-do-direito-imagem-na-internet. Acesso em: 23 dez 2024.
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