WELLINGTON GOMES MIRANDA[1]
(orientador)
RESUMO: Atualmente, há um notório crescimento de demandas judiciais que visam o fornecimento de medicamentos gratuitos pelo Estado, indispensáveis à saúde e à manutenção da qualidade de vida do cidadão. A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direito público subjetivo fundamental, razão pela qual merece especial proteção jurídica. São recorrentes as reclamações da população das recusas ou demora do Sistema Único de Saúde - SUS no fornecimento de medicamentos, na realização de exames e procedimentos, além da ausência de leitos disponíveis em hospitais da rede pública e até mesmo privada o Estado alega que a demanda à saúde é grande, enquanto a receita é limitada. Na impossibilidade de atender a todas as necessidades da sociedade, o Estado tem de eleger prioridades para que possa implementar uma política pública eficaz, garantindo o mínimo existencial e ao mesmo tempo atuando de acordo com as diretrizes orçamentárias. O direito à saúde demanda prestações positivas do Estado o que implica alocação de recursos materiais e humanos para sua efetivação. Se é assim, o seu atendimento está submetido a uma reserva do possível que é o princípio segundo o qual o cumprimento de decisões que impliquem gastos públicos, O qual fica a depender da existência de meios materiais disponíveis para sua implementação.
PALAVRAS-CHAVES: Direito à Saúde, Judicialização, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
ABSTRACT: Currently, there is a notable growth in lawsuits aimed at the provision of free medicines by the State, which are essential to the health and maintenance of the citizen's quality of life. Life and health are the most elementary rights of human beings, presuppositions for the existence of other rights, fitting into the category of fundamental subjective public law, which is why it deserves special legal protection. The population's complaints about refusals or delays in the Unified Health System - SUS in the supply of medicines, in carrying out tests and procedures are recurrent, in addition to the lack of available beds in public and even private hospitals, the State claims that the demand health care is great, while revenue is limited. In the impossibility of meeting all the needs of society, the State must choose priorities so that it can implement an effective public policy, guaranteeing the minimum existential and at the same time acting in accordance with budgetary guidelines. The right to health demands positive benefits from the State, which implies the allocation of material and human resources for its implementation. If so, your service is subject to a reservation of the possible, which is the principle according to which the fulfillment of decisions that involve public spending, which depends on the existence of material means available for its implementation.
KEYWORDS: Right to Health, Judicialization, Law of Introduction to the Rules of Brazilian Law (LINDB).
A saúde é instituída no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no rol dos direitos sociais e assegurada no artigo 196 do texto constitucional como direito de todos e dever do Estado, garantido através de políticas sociais e econômicas que atuam tanto para sua promoção, quanto para sua proteção e consequentemente a sua recuperação. Com o advento da Constituição vigente a consequente redemocratização, o direito à saúde ganhou bastante notoriedade.
O fenômeno é conhecido como a judicialização de direitos, desta forma, pode se dizer que é a pretensão individual para que seja efetivado por meio de uma decisão emanada para que o Poder Judiciário tome as decisões legais. A judicialização ocorre nos casos onde o Juiz se considera no dever de interpretar a Carta Magna no sentido de garantir direito fundamental relacionado à saúde.
Diante do exposto, o trabalho inicia se com uma análise profunda relacionada à Judicialização dos direitos Sociais no Brasil onde se pretende analisar as decisões judiciais no contexto da saúde, as causas, condições e efeitos da judicialização, levando em consideração a fundamentação de grandes doutrinadores, posteriormente faz se uma breve explanação sobre a Saúde como um Direito a dignidade da Pessoa Humana onde se dispõe a um estudo sobre a estrutura do SUS- Sistema Único de Saúde e seus princípios norteadores.
Já o penúltimo item faz uma abordagem sobre Os direitos Fundamentais e a Dignidade da Pessoa Humana, um contraponto entre o direito individual e o direito coletivo relacionado à saúde, ou seja, Fundamento do Direito ao mínimo existencial e ao final trata sobre a Reserva do Possível com apontamentos de pesquisadores.
O trabalho utiliza-se do método indutivo, o qual a parte dos fatos específicos para se chegar a conclusões gerais. Pretende-se utilizar a exposição de argumentos e contra-argumentos de determinado assunto de forma fundamentada.
2. A JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL
Os Direitos Sociais são consagrados na segunda dimensão do direito, reconhecidos por não serem meros poderes de agir, como às liberdades individuais de primeira geração, mas por terem o poder de exigir uma prestação positiva do Estado para que sejam concretizados de forma plena. Os direitos sociais são, portanto, para SILVA (2005, p 286-287).
Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais. São portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propicias ao euferimento da igualdade real, ao que por sua vez, proporciona condições mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA 2005, P 286-287).
Como prevê em seu artigo 196 da Carta Magna que diz, em suma, que o direito relativo à saúde seja universal, igualitário, garantido a todos sendo dever do Estado, a ser efetivado através de políticas sociais quanto de políticas econômicas que devem ter o direito á saúde como garantia e que seja cumprido na íntegra e cumprido em sua totalidade. Percebe se que no Brasil através do advento da Constituição Federal conquistou mais força normativa e efetividade. A jurisprudência é um exemplo emblemático do pode se afirmar em questão ao direito fundamental em relação à saúde como também do fornecimento de medicamentos.
Percebe se que a garantias das normas do direito e da justiça deixaram de ser constatado como elemento de um documento literalmente político, mera convocação a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por Juízes e Tribunais. Neste aspecto verifica-se a obrigatoriedade do Estado em garantir que sejam respeitados os objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil, como a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais.
A judicialização do direito à saúde é compreendida como a obtenção de assistência médica através da intervenção do Poder Judiciário que ao provocar e atuar por vias judiciais para que seja feita e efetivada a assistência médica, como também a obrigatoriedade do fornecimento dos insumos e medicamentos, e que o tratamento em prol da saúde seja de fato garantido.
Observa-se que é de suma importância à proteção quando está relacionada à vida e à saúde da população, a atuação do Poder Judiciário com as devidas intervenções, que quando provocada seja para garantir a efetividade dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988.
2.1 SAÚDE COMO UM DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como está instituído no Artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil onde está instituída que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A judicialização, em linhas gerais, corresponde ao ato de se transferir para o Poder Judiciário decisões que a rigor deveriam ser tomadas pelos demais Poderes (Legislativo e Executivo). Implica em colocar sob a análise do Poder Judiciário questões que envolvem o reconhecimento e concretização de um direito.
As demandas que versam sobre o reconhecimento e concretização de direito de natureza social envolvem questões de grande repercussão social e política o que só faz com que aumente a responsabilidade em relação aos órgãos jurisdicionais em se tratando da agilidade nas resoluções desses casos.
O significado de judicialização da saúde, levando em consideração os princípios constitucionais da universalidade e integralidade no que diz respeito ao acesso a saúde previstos nos artigos 196 e 198, inciso II da CRFB/88, respectivamente, o Estado tem o dever de prover todas as condições para que os cidadãos previnam doenças, curem-se delas e tenham acesso à prestação de serviços em saúde.
Neste mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, dispõe:
Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família saúde e o bem estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice e noutros casos de perda de meio de subsistência por circunstância independentes de sua vontade. (ONU 1948).
Foi somente após o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu como dever do Estado em prover uma saúde de qualidade e com equidade para todos, é importante lembrar que a figura do Estado refere-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou seja, é dever de todos na medida de suas competências fornecerem uma saúde de qualidade.
Neste sentido a lei n. 8080/90 (BRASIL, 1990), que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, é clara no seu artigo 2º e seus parágrafos, que o Estado deve executar medidas para efetuar um atendimento a população de forma igual, executando políticas econômicas e sociais para isso.
Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º - O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. (BRASIL 1990).
A Lei n. 8.080/90 (BRASIL, 1990) determina, em seu artigo 9º, que a direção do SUS deve ser única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida, em cada esfera de governo, pelos seguintes órgãos:
I. no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II. no âmbito dos estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; III. no âmbito dos municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. (BRASIL, 1990).
Constata-se que não é possível atender todos os agravos de maneira eficiente, visto o limitado recurso financeiro alegado pela administração do Estado, em muitas vezes ocasionado por má gestão. Dada tal deficiência na concretização do direito à saúde, as pessoas que não tem suas pretensões alcançadas no âmbito administrativo, procuram o Poder judiciário para que seja logrado êxito em seu pedido.
Por ser um direito fundamental prevista no texto constitucional a deve ser feito imediatamente logo após tenha tomado conhecimento em se tratando do direito a saúde de forma emergente. Os tribunais não aceitam a má administração como desculpa para o cumprimento da lei. A Defensoria Pública tem como papel dar assistência jurídica às pessoas que comprovem insuficiências de recursos, defendendo os seus interesses, enquanto o Ministério Público tem como dever proteger os interesses individuais indisponíveis (à vida, à liberdade e saúde).
O Sistema Único de Saúde foi criado no intuito de garantir os princípios constitucionais da universalidade e equidade no atendimento ao cidadão que necessita de atendimento à saúde, visando garantir uma saúde de qualidade independentemente de sexo, raça ou religião. Acontece que por muitos anos a saúde foi deixada de lado, sem à devida atenção, com políticas que não mostram resultados efetivos.
2.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Visando garantir de forma mais eficiente o direito à saúde, em prol de quem realmente necessita, o Poder Judiciário faz o papel do executivo e legislativo, quando estes deixam de cumprir com seu dever, quando deixam de efetivar e garantir o direito à saúde, argumento por meio do princípio da reserva legal a falta de recursos financeiros para tal. O princípio da reserva legal não pode ser regra, e sim, ser alegado em casos excepcionais onde, realmente o executivo não tenha nenhuma possibilidade em garantir acesso a esse direito desta forma o Estado não pode deixar de garantir esse direito por falta de previsão financeira, pois existem meios de contornar a situação.
Destarte, os direitos fundamentais são os considerados indispensáveis a pessoa humana, necessários para garantir a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecer direitos formalmente, devendo-se concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia da sociedade, de forma que o texto constitucional não venha ser meramente simbólico, ante a omissão do Estado, em garantir à aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais incorporados a norma.
É possível vislumbrar que no curso da evolução histórica da humanidade, a formação de direitos que não se superam, mas convivem entre si. Os direitos fundamentais são compreendidos como direitos subjetivos, positivados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como finalidade limitar o exercício do poder do Estado em face da liberdade individual. (MORAES 2000, P. 11).
A vida e a saúde são excepcionais e tornam se os direitos mais importantes para o ser humano, requisito fundamental para a existência dos demais direitos, adentrando na categoria de direito público fundamental, merecedor de total proteção jurídica por parte do Estado. Esses direitos por serem fundamentais são o resultado de lutas e rupturas sociais que buscam a aplicação plena da dignidade da pessoa humana, e a consolidação dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos, conforme a demanda de cada época. A consagração progressiva e sequencial nos textos constitucionais deu origem às gerações. Importante destacar que, o surgimento de novas gerações não importa na extinção das gerações anteriores, razão pela qual parte da doutrina tem preferência pelo termo dimensão. (NOVELINO, 2009, P. 364).
Os direitos de primeira dimensão individuais e políticos, correspondem ao ideal da liberdade, reconhecidos nas Revoluções Francesa e Norte-Americana. Em um contexto histórico, os direitos individuais foram os primeiros direitos a serem reconhecidos e respeitados, inibindo a atuação do Estado liberal. Como pressuposto dessa visão, o direito à liberdade passou a ter eficácia imediata, já que sua aplicação não dependia de regulamentação. São exemplos de direitos de primeira geração o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, entre outros. (NOVELINO, 2009, P. 364).
Em seguida, no século XX, surgiram os direitos de segunda dimensão, denominado de direitos sociais, econômicos e culturais, baseados na igualdade impulsionada pela Revolução Industrial e problemas decorrentes do período. Caracterizavam-se por um dever de ação por parte do Estado, denominado de direitos prestacionais, ligados aos direitos do trabalhador, as necessidades básicas dos indivíduos, tais como saúde, moradia, educação, alimentação, assistência social e outros. (NOVELINO, 2009, P. 365).
A terceira geração não se destina especificamente à proteção de interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado. São atribuídos genericamente a todas as formações sociais, vez que têm sua titularidade coletiva ou difusa, preocupando-se com a proteção da coletividade e não do homem individualmente considerado. São exemplos de direitos de terceira geração, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à paz, à defesa do consumidor, dentre outros. (NOVELINO, 2009, P. 365).
É possível ainda acrescentar uma quarta geração de direitos fundamentais, defendidas por alguns doutrinadores, relaciona-se ao processo de globalização econômica, com o consequente afrouxamento da soberania do Estado Nacional, decorrente da ideologia neoliberal nos tempos atuais em todo o mundo, existe uma tendência de globalização dos direitos fundamentais, a única que realmente interessa aos povos da periferia, quais sejam: direito à democracia, à informação e ao pluralismo. (BONAVIDES, 2000, p.524).
Os direitos fundamentais possuem certas características particulares que os identificam e distinguem dos demais direitos. A vinculação ao valor da liberdade e, sobretudo, à dignidade humana conduz à sua universalidade. A existência de um núcleo mínimo de proteção à dignidade da pessoa humana deve estar presente em qualquer sociedade, ainda que os aspectos culturais devam ser respeitados. (NOVELINO, 2009, P. 361).
A partir da exposição histórica a respeito da classificação dos direitos que são constituídos como fundamentais o mesmo está disposto na segunda dimensão e por se tratar de um direito social deve ser direcionado a todos como condição de garantias que são relativos aos direitos fundamentais, verifica-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expandiu os valores da dignidade da pessoa humana, elevando a vida, integridade física, e principalmente a saúde. Sendo direitos indisponíveis, imprescritíveis, e insuscetíveis de alienação, protegidos de forma plena pelo texto constitucional.
2.4 FUNDAMENTO DO DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL
O mínimo existencial relaciona-se ao dever do Estado de proporcionar aos cidadãos condições mínimas de sobrevivência, garantido por políticas públicas, que visam efetivar os direitos e garantias fundamentais. Compreende-se em uma existência digna, no sentido de proteção as necessidades básicas existenciais para o desenvolvimento social e humano dos indivíduos. (BRASIL, 1988).
Neste sentido, Leivas 2006, afirma que:
O mínimo existencial é, então, o direito à satisfação das necessidades básicas, ou seja, o direito a objetos, atividades e relações que garantem a saúde e a autonomia humana e, com isso, independem a ocorrência de dano grave ou sofrimento em razão da deficiência de saúde ou impossibilidade de exercício de autonomia. (Leivas 2006, p. 135).
O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria, devendo-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais de igualdade, devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios dos cidadãos. A ideia de mínimo existencial por muitas vezes, se confunde com a questão da pobreza, devido abranger qualquer direito, ainda que originariamente não fundamental. (TORRES, 1999, p. 57).
Diante do exposto, é possível afirmar que o fundamento do direito ao mínimo existencial, por conseguinte está nas condições para o exercício da liberdade, que, por seu turno, se expressam no princípio da igualdade, na proclamação do respeito à dignidade humana, na cláusula do Estado Social de Direito e em inúmeras outras classificações constitucionais ligadas aos direitos fundamentais.
Em muitas vezes se torna difícil extremar os direitos econômicos e sociais, fundados na justiça social, e o mínimo existencial, necessário à liberdade. Isso por que, a diferença pode surgir da inserção de interesses nos direitos ainda que originariamente não fundamental, como por exemplo a saúde, a educação, a alimentação etc. (TORRES, 1999, P.59).
Corrobora neste sentido o autor (1999, p. 263):
O mínimo existencial, portanto, como direito às condições da liberdade, exibe o status positivus libertatis. A sua proteção positiva se realiza de diversas formas. Primeiramente pela entrega de prestações de serviço público específico e divisível, que serão gratuitas pela atuação do mecanismo constitucional da imunidade das taxas e dos tributos contraprestacionais, como ocorre na prestação jurisdicional, educação primária, saúde pública, etc. [...] A retórica do mínimo existencial não minimiza os direitos sociais, senão que os fortalece extraordinariamente na sua dimensão essencial, dotada de plena eficácia, e os deixa incólumes ou até os maximiza na região periférica, em que valem sob a reserva de lei. (TORRES, 1999, p. 263).
Desta forma, compreende-se que as garantias extraídas do princípio do mínimo existencial, são capazes de exigir atuação do Poder Judiciário, tanto na via mandamental quanto ordinária. Seja como forma de se extrair real significação do Estado Democrático de Direito, preservando desta forma o mínimo necessário para seus tutelados ou até mesmo pela inafastabilidade jurisdicional.
A garantia de uma existência digna não se limita apenas à sobrevivência física, estando além do limite da pobreza extrema. A dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada, quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade. (SARLET 2007, P. 18).
É possível verificar em relação ao exposto sobre o mínimo existencial que o mesmo está diretamente relacionado aos direitos fundamentais previstos no texto constitucional, sem os quais não é possível viver dignamente. Objetivo fundamental de garantir condições mínimas necessárias para a existência humana digna, exigindo que o Estado atue para atribuir eficácia plena desses direitos.
2.5 RESERVA DO POSSÍVEL
A ideia reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionado a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis. A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direito público subjetivo fundamental, razão pela qual merece especial proteção jurídica por parte do Poder Público. (SARLET 2007, P. 19).
O princípio da reserva do possível é originariamente da jurisprudência Constitucional alemã e adaptada ao sistema jurídico brasileiro, onde a efetivação dos direitos sociais está condicionada a capacidade financeira do Estado, ou seja, os direitos já previstos em normas Constitucionais só podem ser garantidos quando há recursos públicos disponíveis juntos aos cofres Públicos. (LIMA, 2008, P. 26).
Quando se fala da teoria da reserva do possível, remete-se à existência lógica ou contingente de meios materiais, mormente recursos financeiros nos cofres públicos, que possam viabilizar a aplicação efetiva das normas de quando se trata dos direitos fundamentais prestacionais por parte do Estado. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, cresceu consideravelmente a quantidade em se tratando dos direitos fundamentais, da mesma forma que tornou a sociedade mais consciente de seus direitos.
A efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais estão inseridos em uma “reserva do possível” e dela dependem economicamente. A elevação do nível da realização desses direitos estaria sempre condicionada pelo volume de recursos suscetíveis de serem mobilizados para esse efeito. CANOTILHO (1998, P. 86).
Com a inclusão de todos os fatores, começaram a surgir às falhas na distribuição das finanças por parte do Estado, e com isto também contribuiu com a falta de recursos financeiros para efetivar esses direitos garantidos constitucionalmente. Desta forma, compreende-se que as limitações dos recursos públicos passariam a ser considerados limites fáticos à efetivação dos direitos sociais prestacionais, em especial o da saúde.
Em diversas vezes, a doutrina questiona, a forma pela qual o Estado se utiliza da reserva do possível, entendendo ser uma desculpa genérica, com o intuito de se omitir ante a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais, deixando de efetivar e garantir sob argumento da reserva do possível, bem como, ausência de previsão orçamentária ou danos ao erário público (SARLET, 2007, P. 20).
É sabido que existe uma limitação de recurso e não podemos ignorá-la, desta forma o Estado como um ente garantidor não pode eximir-se de efetivar os direitos sociais, principalmente o direito à saúde, com base nesse princípio sem antes demonstrar que tem motivos fáticos e razoáveis para deixar cumpri, concretamente, a norma constitucional assecuratória de prestações positivas.
Neste sentido Torres, menciona que a reserva do possível não se aplica ao mínimo existencial, ou seja, aos direitos fundamentais sociais, contudo é totalmente compatível com os direitos sociais, cuja implementação depende de reserva de lei e efetiva realização pela Administração Pública, por isso o entendimento de que houve um desvirtuamento do conceito pela doutrina brasileira, que passou a considerar a reserva do possível para a efetivação dos direitos fundamentais e do mínimo existencial. (TORRES, 2001, p.14).
Cumpre esclarecer que o presente trabalho não traz a solução para o problema da judicialização, até mesmo porque, isso seria utopia para a realidade atual do País. A judicialização não é a solução para se efetivar o direito garantido em relação à saúde, mas em muitos casos chega a ser necessário para garantir o mínimo de dignidade ao ser humano. A teoria da reserva do possível não pode ser regra, e sim, ser alegado em casos excepcionais onde, realmente existe a impossibilidade do executivo em garantir esse direito, o Estado como regra não pode deixar de garantir direitos fundamentais pela falta das previsões financeiras, pois existem meios de contornar a situação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo aponta sobre as possíveis mudanças que podem ser contempladas através das garantias do direito à saúde quando demandado através da Judicialização. Como podemos perceber sobre a judicialização do direito fundamental à saúde ocorre nos casos onde o Juiz se considera no dever de interpretar o Vigente Texto Constitucional no sentido de garantir direitos.
O principal reflexo da Judicialização é o aumento dos gastos pelo governo para o cumprimento das decisões judiciais. Quando a administração é questionada através da justiça a fazer prestação em relação ao que deixou de fazer em relação ao atendimento médico e assistência farmacêutica, os cofres públicos sofrem grande prejuízo, comprometendo o funcionamento do Estado de forma geral e não somente o SUS - Sistema Único de Saúde.
Percebe se que o número de processos em primeira instância relacionados aos casos que se referem à saúde teve um aumento em entre os anos de 2009 a 2017. No período, a quantidade de casos cresceu 198% enquanto o total de processos entrando na Justiça nacional diminuiu 6%. Esta porcentagem é uma noção do cenário da Judicialização que o Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER) disponibilizou no ano de 2019.
Ou seja, houve um acelerado aumento de 95,7 no ano de 2017 e essas demandas começaram a tramitar no Judiciário brasileiro em relação à saúde.De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais regras que foram violadas por parte do estado em relação a saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde.
O artigo aqui tratado não esgota o assunto sobre a Judicialização como direito fundamental à saúde, nem mesmo apresentar novos mecanismos, mas trazê-lo ao campo de debate, para contribuir sobre possíveis contribuições que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) podem trazer a Judicialização da Saúde no Brasil.
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[1] Wellington Gomes Miranda: Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT, Analista Ministerial em Ciências Jurídicas na Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Tocantins, Professor especialista de Direito na UniCatólica. CL Lattes: http://lattes.cnpq.br/8230081219259484. (Prof. Orientador).
Bacharelando do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, afonso augusto gomes dos. A judicialização do direito fundamental à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54737/a-judicializao-do-direito-fundamental-sade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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