RESUMO: O estudo desenvolvido no presente trabalho objetiva identificar as diversas posições que permeiam a discussão sobre a aplicabilidade das normas. Por se tratar de um tópico constantemente debatido e desenvolvido ao longe de anos, variadas posições doutrinárias foram arquitetadas. Com base em referida premissa, o presente artigo foi gestado com base na divisão entre a doutrina estrangeira e a doutrina brasileira. No primeiro momento serão abordados aspectos dos autores estrangeiros de maior influência sobre tema. Na sequência, a atenção da pesquisa versará sobre a principal produção da doutrina brasileira relacionada a aplicabilidade das normas. Ao final, a exposição enuncia alguns modelos brasileiros de menor expoente. Dessa forma, ainda que de forma perfunctória, a análise levada a cabo busca apresentar um panorama nacional e internacional sobre o instituto abordado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Validade. 3. Eficácia. 4. Aplicabilidade. 5. Teorias da aplicabilidade das normas constitucionais. 5.1 Doutrina Estrangeira. 5.1.1 Normas Constitucionais self executing e not self executing. 5.1.2 Normas constitucionais preceptivas e diretivas. 5.1.3 Normas constitucionais imediatamente preceptivas, de eficácia diferida e programática. 5.1.4 Normas constitucionais de eficácia direta e indireta. 5.2 Doutrina nacional. 5.2.1 Normas constitucionais exequíveis por si sós e não exequíveis por si sós. 5.2.2 Normas constitucionais de organização, definidoras de direitos e programáticas. 5.2.3 Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada. 5.3 Outras classificações das normas constitucionais. 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O estudo adequado das normas deve principiar pelo escopo das três características principais: validade, eficácia e aplicabilidade. Os três aspectos são complementares, de forma que o correto entendimento sobre cada um é essencial para compreensão do alcance de cada tipo normativo. Somente com a plena cognição das principais características de qualquer norma será possível dar azo ao aprofundamento sobre um dos mais interessantes atributos, qual seja, a aplicabilidade. Para o adequado estudo, é imperativo perpassar primeiro pela produção sobre o assunto no âmbito internacional, de forma a entender como a doutrina brasileira trabalhou os entendimentos importados.
A aplicabilidade das normas sempre foi assunto de grande interesse e dúvida que permeia a exegese jurídica. Os ordenamentos jurídicos baseados no civil law, normas escritas, dependem de adequado conhecimento sobre os diversos efeitos que as normas podem apresentar. Não obstante o entendimento sobre a referida aplicabilidade seja basilar, poucos tem consciência sobre as diversas classificações existentes. Nesse sentido, as variadas contribuições para o estudo da aplicabilidade das normas devem ser entendidas sob uma ótica sistemática.
Conforme se observa ao longo do presente trabalho, a aplicabilidade das normas constitucionais conta com diversas classificações. Cada ramificação proposta se pautou por uma ou mais características, o que não impede parcial e/ou total correspondência entre algumas. Longe de representar um problema, o que fica evidente é a contribuição que todas as propostas de classificação permitiram ao longo do tempo.
A correta identificação sobre a aplicabilidade das normas constitucionais se torna cada vez mais essencial ao trabalho de qualquer interprete, seja em relação a normas constitucionais ou infraconstitucionais. A atividade das instituições e dos operadores do direito depende diretamente de determinar o alcance de cada norma. Desta feita, a correta compreensão sobre a aplicabilidade das normas é um desafio diário que depende das bases exegéticas desenvolvidas sobre o assunto ao longo do tempo e dos países com ordenamentos semelhantes.
2. Validade
Hodiernamente, no que se refere ao conceito de validade, costuma-se observar que válida é aquela norma que está em conformidade com o ordenamento jurídico em que está inserida. Nesse contexto, interessante citar a lição dada por Flavia Piovesan (2003, p 55):
A validade é conceito relacional, ou seja, norma válida é aquela que está em conformidade com a norma que lhe é hierarquicamente superior e este raciocínio à luz de um sistema normativo escalonado, que se apresenta como norma jurídica positiva suprema à Constituição que, por sua vez, busca sua especial validade na norma jurídica fundamental, que é o termo unificador das normas que integram a ordem jurídica, fundamento de validade de todas as normas do sistema.
Visivelmente, a referida doutrinadora buscou respaldo para o seu conceito na teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Hans Kelsen. Segundo tal construção teórica, “o ordenamento jurídico não é, portanto, um sistema jurídico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de várias camadas de normas jurídicas” (KELSEN, 2007, p. 103). Existem normas hierarquicamente superiores e normas hierarquicamente inferiores, sendo que, nesse tipo de ordenamento jurídico (escalonado), a Constituição costuma ser o ponto de onde decorre a unidade do ordenamento. Assim, as normas que forem qualificadas como inferiores no ordenamento jurídico devem buscar sua validade nas normas qualificadas como superiores no mesmo ordenamento.
Norma válida é aquela que está em consonância com os ditames do ordenamento jurídico em que a mesma está inserida. Isto envolve a harmonia das normas em geral e, principalmente, a observância e conformidade de uma norma com aquela outra que lhe é hierarquicamente superior e as de mesmo nível. Dessa forma, a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico apresenta-se como uma ferramenta útil para se aferir a validade das normas, porém, cumpre esclarecer que ela não deve ser utilizada de maneira isolada.
No Brasil, é preciso observar que as normas detêm áreas específicas de atuação, de forma que em determinadas áreas pode ser necessária à conjugação de normas. Isso, por exemplo, pode acontecer quando em determinado assunto uma lei complementar pontue que é possível tomar certa atitude, ao passo que uma lei ordinária exprima que não, entretanto, cada norma só pode tratar de assuntos específicos, de modo que nenhuma das duas busca validade na outra, ou mesmo quando uma lei deve tratar de apenas um assunto e acaba tratando obliquamente de um assunto afeto a outra norma de mesmo nível. Além do mais, cada uma foi editada na sua respectiva área. Então há a discrepância de duas normas legítimas, sob a égide da Constituição, levar a uma incongruência que nem a norma hierarquicamente superior poderá superar de maneira correta.
3. Eficácia
Outro aspecto importante de uma norma é a sua eficácia, que deve ser analisada sob diversos ângulos. No que tange essa diversidade, dois pontos são mais utilizados na doutrina atual. O primeiro ponto divide a análise da eficácia em dois planos distintos, quais sejam, o mundo do ser e do dever-ser (PIOVESAN, 2003, p. 56). Por sua vez, o segundo ponto divide a eficácia de uma norma em social e jurídica.
Com efeito, o primeiro ponto a ser analisado sobre a eficácia das normas é, na verdade, uma distinção das categorias jurídicas da validade e eficácia feita por Hans Kelsen. Para o eminente jurista austríaco, a validade (vigência) opera no mundo do dever-ser, enquanto a eficácia acontece no mundo do ser. Em interpretação dessa lição de Kelsen, de forma simplificada, José Afonso da Silva (2008, p. 64) explica que “vigência significa a existência específica da norma; eficácia é o fato de que a norma é efetivamente aplicada e seguida”.
Por sua vez, Flavia Piovesan procede a distinção da eficácia social e jurídica da norma. As condições fáticas consubstanciam a eficácia social, enquanto as condições técnicas se referem à eficácia jurídica:
Eficácia jurídica corresponde às condições técnicas de atuação da norma, ou seja, apresenta eficácia jurídica a norma que tiver condições de aplicabilidade. Eficácia jurídica significa, assim, a possibilidade de aplicação da norma. Já a eficácia social significa aplicação da norma a casos concretos. (PIOVESAN, 2003, p. 56)
A eficácia jurídica consubstancia-se na parte mais abstrata da norma. Por sua vez, a eficácia social seria a metade concreta da norma, ou o que alguns doutrinadores costumam chamar de perspectiva sociológica da norma.[1] Ainda que, não obstante a possibilidade de vocação de determinadas normas para um lado ou para o outro, não é impossível imaginar que todas possuam, em alguma medida, ambos tipos de eficácia.
Com isso, Michel Temer (2000, p. 23) esclarece o seguinte:
Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de situações concretas, mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam. Embora não aplicada a casos concretos, é aplicável juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto é: retira a eficácia da normatividade anterior. É eficácia, embora não tenha sido aplicada concretamente.
Ante a anterior explanação, é imperioso abstrair que uma norma jurídica alcança primeiro eficácia jurídica, em virtude de seus efeitos mínimos necessariamente apresentados, para, só depois, obter eficácia social, que é de fato o que se espera da norma. Cumpre esclarecer que há um lapso entre a primeira e a segunda eficácia anteriormente citadas, de modo que é possível que haja normas jurídicas dotadas de eficácia jurídica, porém, sem eficácia social.
4. Aplicabilidade
A eficácia das normas é uma categoria jurídica intimamente ligada à validade e aplicabilidade de normas. Sua relação com a categoria da aplicabilidade de normas é tão intensa que José Afonso da Silva (2008, p. 60) expõe o seguinte:
Uma norma só é aplicável na medida em que é eficaz. Por conseguinte, eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela com potencialidade; está com realizabilidade, praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade de aplicação. Para que haja essa possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos.
Logo, é possível perceber que a aplicabilidade de uma norma está diretamente ligada à eficácia jurídica da mesma. Isso quer dizer, em última ratio, que uma norma já é aplicável a partir do momento que exercer sua eficácia jurídica, já explicada alhures. Não é necessário que a mesma tenha exaurido todos os seus efeitos para ser considerada aplicável basta que surta seus efeitos jurídicos.
5. Teorias da aplicabilidade das normas constitucionais
Uma vez tecidas as categorias jurídicas em que se inserem uma norma, cumpre agora tecer a classificação das normas pelo critério da aplicabilidade. Nesse sentido, deve ser considerada aplicável aquela norma que tem capacidade de produzir efeitos jurídicos mínimo (pelo menos retirar do plano jurídico normas incompatíveis de mesmo nível).
Aliás, é importante observar que todas as normas constitucionais possuem alguma sorte de força normativa, o que, necessariamente, implica reconhecer-lhes alguma eficácia, sempre. Assim, como bem assevera Thomas Cooley, as provisões de uma Constituição nunca devem ser consideradas como meros conselhos (advisory), porém ele visualizou a existência de normas incapazes de serem imediatamente aplicadas (TAVARES, 2008, p. 91).
Lição essa que foi acolhida no Brasil por Rui Barbosa (AFONSO DA SILVA, 2008, p. 75), quando foi dito por este que “não há, numa Constituição, cláusulas, a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos.” Todas as normas constitucionais tem alguma sorte de efeito, nem que seja ao menos o efeito jurídico de afastar as normas anteriores que conflitam com ela, inerente a todas as normas.
5.1 Doutrina Estrangeira
5.1.1 Normas Constitucionais self executing e not self executing
Antes de efetivamente iniciar o estudo sobre a classificação das normas constitucionais em self executing e not self executing, cabe tecer a transcrição da crítica de José Afonso da Silva sobre a antiga (talvez não tão antiga assim) dependência brasileira na criação de construções teóricas no campo jurídico do direito constitucional. Já apontava o referido autor que “como acontece com quase todos os grandes temas do direito constitucional, foram à jurisprudência e a doutrina constitucional norte-americanas que conceberam e elaboraram a classificação das normas” (AFONSO DA SILVA, 2008, p. 74).
A primeira classificação das normas constitucionais de que se tem notícia, sob a ótica da aplicabilidade, foi à norte-americana encabeçada por Thomas Cooley e, como já explicado antes, acolhida no Brasil por Rui Barbosa. Segundo esta classificação, as normas constitucionais dividiam-se em normas auto-executáveis (self executing provisions) e normas não auto-executáveis (not self-executing provisions).
As normas auto-exequíveis ou self-executing seriam aquelas dotadas de todos os meios necessários para que o direito seja aplicado imediatamente. Por outro lado, ter-se-á uma norma não auto-exequível ou not self-executing quando a mesma não possuir meios suficientes para sua aplicação, exigindo, assim, providências legislativas posteriores que lhe conceda as provisões capazes de torná-la aplicável.
Ante o exposto, pode-se perceber, desde logo, a problemática das normas não auto-executáveis ou not self executing, qual seja, não são dotadas de aplicabilidade imediata. Disso deflui a necessidade de reelaboração doutrinária da matéria, logo, aproveitando-se todos os ensinamentos oportunizados por esta teoria. Como conceitua Cooley (AFONSO DA SILVA, 2008, p. 74):
Pode-se dizer que uma norma constitucional é auto-executável, quando nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto; e que não é auto-aplicável, quando meramente indica princípios, sem estabelecer normas cujo meio se logre dar esses princípios rigor de lei.
Patente que tal classificação serviu de base para a construção de muitas teorias a respeito da aplicabilidade das normas constitucionais, mas que, visivelmente, não é mais aplicada ante a evolução das teorias sobre assunto, servindo apenas para pesquisa como uma das fontes primeiras da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais.
5.1.2 Normas constitucionais preceptivas e diretivas
O jurista italiano Gaetano Azzaritti, ao tecer classificação sobre a eficácia das normas constitucionais, diferenciava as normas constitucionais em preceptivas e diretivas (PIOVESAN, 2003, p. 64). As preceptivas consubstanciavam os preceitos de caráter obrigatório e impositivo. De outro lado, as normas constitucionais diretivas apenas indicavam uma direção ao legislador futuro, sendo as mesmas destituídas de obrigatoriedade, poderiam, inclusive, serem violadas por lei infraconstitucional, sem que isso implicasse em inconstitucionalidade. Cumpre observar que as normas diretivas não apresentavam qualquer eficácia ou juridicidade, sendo consideradas apenas prescrições de observância não impositiva.
Para distinguir as normas diretivas das normas preceptivas Gaetano Azzaritti destacava os seguintes critérios: a) destinatário; b) objeto; e c) natureza da norma. No que diz respeito ao destinatário, eram diretivas as normas dirigidas ao legislador e preceptivas as normas voltadas para os cidadãos e ao juiz. Quanto ao objeto normativo, as normas diretivas apresentavam por objeto os comportamentos estatais, enquanto que as preceptivas recaíam sobre as relações privadas. Por fim, em relação à natureza normativa, as normas diretivas se caracterizavam pelo seu alto teor de abstração e imperfeição e as normas preceptivas por serem normas concretas e completas, suscetíveis de imediata aplicação e dotadas de incontrastável juridicidade.
5.1.3 Normas constitucionais imediatamente preceptivas, de eficácia diferida e programática
Contrapondo-se à teoria de Azzaritti, Vezio Crisafulli desenvolveu um estudo importante em relação à classificação das normas constitucionais, reconhecendo a todas o caráter cogente (TAVARES, 2008, p. 92), ainda que dependentes de complementação legislativa. Em sua classificação, Vezio Crisafulli organiza as normas constitucionais em normas imediatamente preceptivas ou constitutivas, normas de eficácia diferida e normas programáticas.
As normas constitucionais imediatamente preceptivas são aquelas que de maneira direta regulam relações entre cidadãos, o que significa possuir eficácia imediata sobre as situações que trata. Independem, tais normas, de qualquer sorte de implementação de ações por parte do Estado, haja vista que o mesmo não chega a participar da dita relação.
De outra parte, as normas constitucionais diferidas são aquelas que trazem a matéria que lhe serve de objeto imediatamente regulada e definida na Constituição, a qual depois será efetivada na prática mediante provimentos legislativos de aplicação. São normas que não se dirigem unicamente aos poderes do Estado, mas indistintamente aos cidadãos e aos órgãos estatais e que só desdobram sua inteira eficácia através de meios instrumentos posteriores.
Por sua vez, normas constitucionais programáticas, ao contrário das normas diretivas de Azzaritti, têm valor jurídico, ou seja, eficácia obrigatória e imediata sobre os comportamentos estatais, obrigando e vinculando o poder dos órgãos do Estado. Nas palavras de Crisafulli, normas programáticas são:
Aquelas normas jurídicas com que o legislador, em vez de regular imediatamente um certo objeto, obrigando-se a ele não se afastar sem um justificado motivo. Com referências àquelas postas não numa lei qualquer mas numa Constituição do tipo rígido, qual o vigente entre nós, pode e deve dar-se um passo adiante, definido como programáticas as normas constitucionais, mediante as quais um programa de ação é adotado pelo Estado e cometido aos seus órgãos legislativos, de direção política e administrativa, precisamente como programa que obrigatoriamente lhes incumbe realizar nos modos e formas da respectiva atividade. Em suma, um programa político, encampado pelo ordenamento jurídico e traduzido em termos de normas constitucionais, ou seja, provido de eficácia prevalente com respeito àquelas normas legislativas ordinárias; subtraído, portanto, às mutáveis oscilações e à variedade de critérios e orientações de partido e de governo, assim obrigatoriamente prefixados pela Constituição como fundamento e limite destes. (TAVARES, 2008, p. 65)
Logo, Crisafulli: a) reconhece a eficácia normativa das disposições constitucionais programáticas; e b) reconhece a obrigatoriedade do vínculo que deriva de tais normas para os órgãos legislativos, como consequência da eficácia prevalente da Constituição.
Por outro lado, perceber-se que, de certo modo, todas as normas são incompletas. Crisafulli já notava isso ao ponderar o seguinte:
Cada norma, em certo sentido, é incompleta, porque geral e abstrata, tanto que necessita do trabalho do intérprete para tornar-se concretamente aplicável aos casos singulares da vida social, compreendidas na respectiva categoria existem, demais disso, normas mais ou menos (…) incompletas, ou em outros termos, que requerem operações mais ou menos demoradas e complexas de interpretação para preencher o hiato que sempre separa a regra abstrata do caso historicamente individual que se trata de regular concretamente. (AFONSO DA SILVA, 2008, p. 76)
É justamente o que é pregado em uma Constituição Dirigente como a brasileira. Não há como o legislador constituinte prever e discorrer a respeito de tudo que ele pode, sob pena de termos uma Constituição formada por centenas, talvez milhares, de artigos. Grande parte da doutrina já critica bastante o fato de nossa Constituição ter muitos artigos (250 artigos, contando com os 114 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, considerando apenas a numeração sequencial[2]).
No fim, tanto as normas constitucionais quanto as demais espécies de normas necessitam operações lógicas de interpretação, que, em um caso ou em outro, possam ser feitas por meio de normas ou atos concretos. Isto é inerente a qualquer norma, eis que são requisitos da norma a abstratividade e generalidade. Tais requisitos acabam por construir um hiato entre o que a norma prescreve e como ela deve ser implementada faticamente.
5.1.4 Normas constitucionais de eficácia direta e indireta
A classificação das normas constitucionais, quanto a sua eficácia, em de eficácia direta e indireta foi idealizada por Gustavo Zagrebelsky. Vale ressaltar que as normas constitucionais de eficácia indireta, a seu turno, são classificadas em normas de eficácia diferida, normas de princípio e normas programáticas.
Segundo Zagrebelsky, normas constitucionais de eficácia direta são aquelas idôneas por si mesmas (diretamente) para regularem hipóteses concretas. Isso significa que tais normas não necessitam de atividade legislativa ulterior para regular as hipóteses que ela contempla. No pensamento de André Ramos Tavares (2008, p. 92):
Nesses casos (das normas de eficácia direta), a norma constitucional apresenta uma estrutura suficientemente completa para valer como regra concreta, a ser utilizada por todos os sujeitos do ordenamento jurídico, seja o Judiciário, seja a Administração Pública ou os particulares.
Normas constitucionais de eficácia indireta, na definição de Zagrebelsky são aquelas que necessitam ser atuadas ou concretizadas por meio de uma ulterior atividade normativa, tendo em vista que a norma constitucional não é suficientemente completa a produzir efeitos. Por sua vez, as normas constitucionais de eficácia indireta diferida são as normas de organização que necessitam de uma disciplina normativa ulterior.
De outra banda, as normas constitucionais de eficácia indireta, de princípios, são aquelas que estabelecem orientações gerais. Contudo, o próprio Zagrebelsky reconhece que isso não exclui, todavia, que a concretização do princípio possa ser cumprido diretamente, prescindindo da obra do legislador.
5.2 Doutrina nacional
5.2.1 Normas constitucionais exequíveis por si sós e não exequíveis por si sós
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 389) é quem classifica a aplicabilidade das normas constitucionais em, basicamente, dois grupos, quais sejam: a) das normas constitucionais exequíveis por si sós; b) normas constitucionais não exequíveis por si sós.
As normas constitucionais exequíveis por si sós seriam aquelas que independem da existência de qualquer tipo de integração legislativa para a sua aplicação integral, ou seja, são normas completas. Já as normas constitucionais não exequíveis por si sós seriam compostas por normas incompletas, que demandariam uma diuturna complementação. Estas normas se dividem em três espécies: a) normas de estruturação; b) normas programáticas; e c) normas condicionais.
Normas programáticas são aquelas que prevêem políticas públicas. Sua aplicabilidade, contudo, depende de outras normas que a implementem e a tornem completa. As normas de estruturação, por sua vez, são as que instituem entes e órgãos. Ao passo que as normas condicionadas seriam aquelas que, a priori, são completas, podendo, inclusive, ser aplicáveis, mas, por expressa determinação constitucional, acabam por depender de uma lei infraconstitucional.
5.2.2 Normas constitucionais de organização, definidoras de direitos e programáticas
A classificação das normas constitucionais, segundo suas finalidades, a) normas constitucionais de organização; b) normas constitucionais definidoras de direitos; e c) normas constitucionais programáticas, pertence a Luis Roberto Barroso (2006, p. 90).
Nessa classificação as normas constitucionais de organização seriam aquelas destinadas à ordenação dos poderes estatais, à criação e estruturação de entidades e órgãos públicos, à distribuição de suas atribuições, bem como à identificação e aplicação de outros atos normativos.
Quanto às normas definidoras de direitos, são compostas pelos direitos fundamentais dos indivíduos submetidos à soberania estatal. Por sua vez, os direitos fundamentais são seccionados em: 1) direitos políticos; 2) direitos individuais; 3) direitos difusos; 4) diretos sociais.
Os direitos políticos abrangem o direito de nacionalidade e o direito de cidadania. No primeiro, o indivíduo é incorporado em uma nação com vistas a desfrutar prerrogativas e cumprir deveres. No segundo, se reconhece ao indivíduo, qualificado por certos requisitos, a capacidade eleitoral e a capacidade eletiva.
Os direitos individuais são dirigidos à proteção de valores relativos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, contêm limitações ao poder político, traçando a esfera de proteção jurídica do indivíduo em face do Estado. Tais direitos, em suma, impõem deveres de abstenção aos órgãos públicos, preservando a iniciativa e a autonomia dos particulares.
Os direitos difusos caracterizam-se, basicamente, por pertencerem a uma série indeterminada de sujeitos, além da indivisibilidade de seu objeto, de maneira que a satisfação de um sujeito implica a satisfação de todos e vice-versa, mas apenas teoricamente. Integram essa natureza a preservação do meio ambiente, a defesa da qualidade dos produtos e a garantia contra manipulações de mercado e a salvaguarda de valores culturais e espirituais.
No que tange aos direitos sociais, estes surgem como deveres de prestação positiva do Estado, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material. Destina-se a neutralizar as distorções econômicas geradas na sociedade, assegurando direitos afetos à segurança social, ao trabalho, ao salário digno, à educação, entre outros. Dada a sua complexidade tais direitos costumam serem divididos em três posições jurídicas: a) aqueles que geram situações prontamente desfrutáveis, dependentes apenas de uma abstenção; b) aqueles que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado; e c) os que contemplam interesses cuja realização dependem da edição de norma infraconstitucional integradora.
A primeira posição jurídica seria semelhante à que resulta dos direitos individuais, na medida em que o dever jurídico, correspectivo do direito assegurado, consiste não em uma atuação, mas em uma omissão, normalmente dirigido ao Estado. Na segunda posição jurídica residiria, ao contrário da anterior, no dever jurídico consistente em uma atuação efetiva do Estado na entrega de um bem ou na satisfação de um interesse. Atente-se que a ausência da prestação estatal será sempre inconstitucional e passível de ser sancionável. Quanto à terceira posição jurídica, esta consiste no fato de que, geralmente, como a Constituição tem natureza concisa isso faz com que ela transfira ao legislador ordinário a competência para o regular exercício de determinados direitos capitulados em seu texto.
Por fim, as normas constitucionais programáticas têm por objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público. Tais normas desde o início de sua vigência geram alguns efeitos imediatos, como revogar os atos normativos anteriores que disponham em sentido contrário com o princípio que substanciam e carreiam um juízo de inconstitucionalidade aos atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis (BARROSO, 2006, p. 117). Seria como uma espécie de efeito básico das normas constitucionais, o que provam que elas possuem um mínimo de eficácia, não havendo, por conseqüência, normas constitucionais destituídas de alguma eficácia.
5.2.3 Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada
Sem sombra de dúvida, a classificação das normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, elaborada por José Afonso da Silva é um marco à teoria da aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil, e quiçá no Mundo. Em tal construção teórica, José Afonso, visivelmente influenciado pela teoria de Vezio Crisafulli, apresenta uma teoria tricotômica da eficácia das normas constitucionais (AFONSO DA SILVA, 2008, p. 86).
Uma das características mais marcantes dessa teoria orienta-se no sentido de reconhecer eficácia e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de cunho sociológico, as quais, inicialmente, não passavam de princípios programáticos. Todavia, cumpre esclarecer que variável é o nível de aplicabilidade apresentado pelas normas.
Com base nesses preceitos, as normas constitucionais foram discriminadas em três categorias jurídicas, quanto à eficácia e aplicabilidade, em normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada.
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que possuem aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica, prescindindo de normatividade ulterior que lhe desenvolva a eficácia. Isso porque o legislador constituinte criou, desde logo, uma normatividade suficiente para que essas normas surtissem seus efeitos essenciais imediatamente.
Na concepção de José Afonso da Silva (2008, p. 101), normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que desde a entrada em vigor da Constituição produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.
Por sua vez, as normas constitucionais de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, posto que sujeitas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade. Para distinguir as normas de eficácia contida das normas de eficácia plena e limitada, José Afonso da Silva (2008, p. 104) explica:
É necessário o surgimento de um grupo de normas constitucionais diferentes das de eficácia plena e das de eficácia limitada, exigindo tratamento à parte, porque, conquanto se pareçam com aquelas (são de aplicabilidade imediata) sob o aspecto da aplicabilidade, delas se distanciam pela possibilidade de contenção de sua eficácia, mediante legislação futura ou outros meios; e, se assemelham às de eficácia limitada pela possibilidade de regulamentação legislativa, destas se afastam sob o ponto de vista da aplicabilidade e porque a intervenção do legislador tem sido exatamente contrário; restringe o âmbito de sua eficácia e aplicabilidade, em vez de ampliá-la, como se dá com as de eficácia limitada.
Vislumbra-se, assim, que as normas constitucionais de eficácia contida é um ponto médio entre as demais classificações propostas por José Afonso. Isso porque apesar das diferenças com as outras, essa classificação guarda, também, algumas características peculiares com as demais classificações.
Na definição exposta por José Afonso da Silva (2008, p. 116), normas constitucionais de eficácia contida podem ser exprimidas como:
Aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados.
Para Michel Temer (2000, p. 24), as normas de eficácia contida são melhor denominadas de “eficácia redutível” ou “restringível”, que podem ter reduzido seu alcance pela atividade posterior do legislador infraconstitucional.
Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas normas que não têm o condão de produzir todos os seus efeitos essenciais somente com a entrada em vigor do texto constitucional, tendo em vista que necessita atividade normativa posterior para se tornar eficaz. Apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, sendo que nas palavras de José Afonso da Silva (2008, p. 126) significa o seguinte:
Somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais, ou, melhor, não dirigidas aos valores-fins da norma, mas apenas a certos valores-meios e condicionantes.
Nesta acepção somente após uma legislação integrativa posterior que tal norma alcançará sua executoriedade plena. As normas constitucionais de eficácia limitada, por sua vez, são de dois tipos, a) normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo e b) de princípio programático.
As normas constitucionais de princípio institutivo são somente aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuição de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário o estruture em definitivo, mediante lei. Ainda dentro das normas constitucionais de princípio institutivo há a subdivisão em normas impositivas e facultativas.
Por outro lado, as normas impositivas são as que determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa. Ao passo que as normas facultativas não impõem uma obrigação; limitam a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineadas.
Outrossim, as normas programáticas compõem os elementos sócio-ideológicos que caracterizam as Constituições contemporâneas. Essas normas são traduzidas no texto supremo apenas em princípios, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários.
Na acepção de José Afonso da Silva (2008, p. 138), as normas programáticas como:
Aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.
Em suma, o objetivo das normas programáticas é instaurar um regime de democracia substancial, ao determinar a realização de fins sociais, através da atuação de programas de intervenção na ordem econômica, com vistas à realização da justiça social e do bem comum. Nesse raciocínio o que é possível abstrair como essa espécie de norma constitucional se mostra essencial, tanto para auxiliar no efetivo desenvolvimento da sociedade necessita, como desafogar o texto constitucional.
5.3 Outras classificações das normas constitucionais
Com vistas a enriquecer o presente trabalho será exposto, inicialmente, a classificação de Pontes de Miranda. O referido autor, identificando o problema da completude normativa, optou por classificar as normas constitucionais em normas não bastantes em si e normas bastantes em si.
Pontes de Miranda (1970, p. 126) conceitua da seguinte forma:
Quando uma regra se basta, por si mesma, para sua incidência, diz-se bastante em si, self-acting, self-enforcing. Quando, porém, precisam as regras jurídicas de regulamentação, porque, sem a criação de novas regras jurídicas, que as complementem ou suplementem, não poderiam incidir e, pois, ser aplicadas, dizem-se não bastante em si.
Na visão de Pontes de Miranda, tanto as normas bastantes em si quanto as não bastantes em si, poderiam ser programáticas. Em sua concepção, normas programáticas seriam aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos (MIRANDA, 1970, p. 127).
Por outro lado, a que se ressaltar que algumas outras classificações sobre aplicabilidade das normas constitucionais merecem digressões. Dentre elas, destaque-se a proposta apresentada por Maria Helena Diniz, que classifica as normas constitucionais em a) normas com eficácia absoluta; b) normas de eficácia plena; c) normas com eficácia relativa restringível; e d) norma com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação.
As normas com eficácia absoluta são aquelas intangíveis, que não podem ser, nem ao menos, emendadas. Por sua vez, as normas com eficácia plena são aquelas que têm possibilidade de produção imediata dos efeitos previstos e são suscetíveis de emenda. Já as normas com eficácia relativa restringível correspondem às normas de eficácia contida na classificação exposta por José Afonso da Silva. Por fim, as normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa equivale às normas de eficácia limitada da teoria de José Afonso da Silva. É de se perceber que apenas os nomes das classificações mudam, contudo, a essencial conceitual se mantém a mesma.
Quanto à classificação tecida por Maria Helena Diniz, José Afonso da Silva (2008, p. 8) faz uma crítica, inclusive, muito ponderável, informando “não nos parece cabível a classe de normas de eficácia absoluta de Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz, uma vez que se baseia em critério de modificabilidade, e não no critério da aplicabilidade”.
Como última classificação a ser apresentada no presente estudo, Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito fixam como critério de sistematização o modo de incidência das normas constitucionais, com ênfase à possibilidade de interferência do legislador no comando jurídico-constitucional, separando, ainda, a aplicabilidade da eficácia das normas.
Segundo Bastos e Brito (TAVARES, 2008, p. 96) as normas constitucionais em dois grupos: a) normas constitucionais quanto ao modo de incidência; e b) normas constitucionais quanto à produção de efeitos. As primeiras, à sua vez, são subdivididos em: 1) por via de aplicação, distinguindo-se em normas regulamentáveis e irregulamentáveis; 2) por via de integração, distinguindo-se em normas complementáveis e normas restringíveis. As segundas são de dois tipos: i) normas de eficácia parcial, que são normas complementáveis; e ii) normas de eficácia plena, distinguindo-se em normas regulamentáveis, normas irregulamentáveis e normas restringíveis.
São classificadas como normas de aplicação aquelas por nota caracterizadora o não deixar interstício entre o seu desígnio e o desencadeamento dos efeitos a que dão azo. Tais normas são divididas em normas regulamentáveis; aquelas que admitem edição de lei infraconstitucional para aperfeiçoar sua aplicação, e normas irregulamentáveis, que são aquelas que vedam qualquer possibilidade de regulamentação, salvo as normas constitucionais.
Por normas de integração os autores explicam que têm por traço distintivo a abertura de espaço entre o seu desiderato e o efetivo desencadear dos seus efeitos. Tal grupo se bifurca em normas completáveis, aquelas que exigem uma complementação, por parte da legislação infraconstitucional, dependendo dessa legislação para efetiva aplicação, e normas restringíveis, que, por sua vez, demandam uma complementação normativa para restringir o campo de incidência da norma, tendo em vista que abrange campo de atuação muito extenso para uma perfeita aplicação.
Em fervorosa crítica à classificação exposta anteriormente, José Afonso da Silva (2008, p. 87) expõe o seguinte:
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, na sua ânsia de inovação, acabaram produzindo uma classificação confusa, que, lamentavelmente, não melhorou em nada a nossa. (...) Separa a aplicabilidade (normas de incidência) da eficácia (normas de produção de efeitos) não beneficia em nada a clareza da matéria. Antes, confunde e cria redundâncias desnecessárias.
Conforme se nota, diversos autores se aventuraram a classificar a aplicabilidade das normas. Não obstante a diversidade de nomenclaturas, o cerne de várias dele tem um núcleo comum. O importante é que também algumas nuances de cada modelo permitem identificar um novo achado sobre o referido assunto, o que torna a matéria sempre passível de inovações e pesquisas.
6. Considerações finais
Tratar sobre aplicabilidade de normas não é tarefa simples, considerando o peso que tal matéria implica. Todas as normas dependem de algum nível exegético para permitir a produção de efeitos. Todavia, apenas é possível entender em que medida as alterações que a norma produz no ordenamento jurídico e no seio social a partir da aplicação de metodologias.
O primeiro traço marcante sobre a aplicabilidade das normas foi o grande interesse despertado em muitos doutrinadores. Durante algum tempo o referido tema foi objeto de debate e proposições das mais diversas. No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, as classificações apresentadas no presente trabalho denotam o anseio por demonstrar algo ainda não identificado pelos demais autores. Conforme muito doutrinadores resolveram se debruçar sobre o assunto, de modo a lançar (ou não) novas luzes sobre a temática de aplicabilidade, é inegável que o assunto se desenvolveu de forma ímpar a permitir uma plena vivencia normativa digna de um estado democrático no Brasil.
O dia a dia de um Estado é composto por diversas operações de aplicabilidade normativa. Decidir como e quando uma norma se torna aplicável é inerente ao adequado funcionamento das instituições estatais e, por consequência, a própria vida social. Nesse sentido, a forma como um Estado foi erigido determina o grau de importância sobre o qual recai o estudo da aplicabilidade das normas.
Em ordenamentos jurídicos no qual a Constituição é a norma de maior envergadura, não é raro que várias disposições possam remeter tarefa aos Poderes para que garantir a produção de efeitos do preceito. A estratégia é adotada tanto por Constituição de matiz analítica quanto de matiz sintética, tendo em vista a impossibilidade de tratar sobre todos os aspectos da vida social no documento mais importante de um ordenamento. Sendo assim, caberá ao aplicador da norma identificar em que termos uma norma pode/deve produzir mudanças (imediatas ou não; no âmbito jurídico ou social; dependente de ato de qual instituição e etc).
7. Referências bibliográficas
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
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PIOVESAN, Flavia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandato de injunção. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969. 2 ed, revista. São Paulo: Revista dos tribunais, 1970. t. 1.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7 ed. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Advogado da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KIRK, ERIK. As diversas nuances da aplicabilidade das normas constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2020, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54778/as-diversas-nuances-da-aplicabilidade-das-normas-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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