VALDIR RODRIGUES MORAES[1]
(coautor)
GUSTAVO LUÍS MENDES TUPINAMBÁ RODRIGUES[2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo explana sobre a eficiência da colaboração premiada no combate do crime organizado, bem como a utilização de formas de aplicação diante o caso concreto e as possíveis vantagens na esfera jurídica. O seu objetivo primordial é analisar a importância do instituto da colaboração premiada no combate ao crime organizado à luz da Lei 12.850/2013, assim como, mensurar os benefícios que podem ser concedidos ao agente que celebra um acordo de colaboração premiada. Desta forma, será tratado sobre sua definição, origem, natureza jurídica direito, comparado com abordagem sistemática e didática. Dessa maneira, pretende-se obter ao fim do presente estudo uma análise da utilização deste instituto na Operação Lava Jato, para que assim possa se concluir se o acordo de colaboração premiada é de fato eficaz e necessário no combate às práticas criminais atuais e futuras.
Palavras-chaves: Colaboração Premiada; Delação; Processo Penal; Operação Lava Jato.
INTRODUÇÃO
O estudo foi desenvolvido através da pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, fazendo uso de citações doutrinária. O primeiro capítulo irá tratar sobre a colaboração e delação premiada: conceito, diferença, natureza jurídica, direito comparado, valor probatório, analisando o seu procedimento. No segundo capítulo é realizado uma contextualização do referido instituto junto a Operação Lava Jato. Então no terceiro e último capítulo será exposto sobre: o uso da prisão preventiva para obtenção da Colaboração premiada e seguinte será exposto as considerações finais.
A colaboração premiada possui uma extensão ampliada em consonância com o caso concreto, pois a sua apliação pode ser implementada a qualquer prática ilícita. Porém possui maior carga de utilização nos crimes praticados por organizações criminosas. Desse modo, pode ser identificado em que a medida da colaboração premiada disciplinada pela Lei 12.850/2013 contribui para combater o crime organizado no cenário brasileiro, como também a importância em buscar conhecer os meios de combate ao crime organizado.
A relevância jurídica da colaboração premiada é de grande notoriedade no cenário brasileiro atual, uma vez que concede benefícios penais aqueles que se utilizem deste instituto para conceder eventuais reparações aos que foram prejudicados de forma direta ou indireta pelas práticas criminosas. Será também analisado os requisitos à serem observados em um acordo de colaboração premiada, sua natureza jurídica conceito, direito comparado, valor probatório e muitos outros.
Apesar de ser um instituto que apresenta muitas controvérsias diante a sua aplicação, alguns defendem tal prática poderia gerar imputações tendenciosas, quanto conferir impunidade aos já condenados. Todavia, por outra vertente se mostra efetivo por atingir alvos dos mais alto escalão além de ampliar com as investigações.
Contudo, deve ser destacado que o instituto abordado não se trata de uma prova, mas um meio para a obtenção de prova. De modo em que possa constatar a sua ocorrência e efeitos na Operação Lava Jato sendo veiculado na mídia que grandes figuras públicas fizeram acordos de colaboração premiada com grandes empresários e até mesmo representantes políticos.
1. Da colaboração e delação premiada: conceito, diferença, natureza jurídica, direito comparado e valor probatório
Os primeiros indícios da delação podem ser encontrados na Idade Média, durante o período da Inquisição, no qual se costumava distinguir o valor da confissão de acordo com a forma em que ela acontecia. Se o corréu confessava de forma espontânea, o entendimento era que ele estava inclinado a mentir em prejuízo de outra pessoa, diferentemente daquele que era torturado. Portanto, a confissão mediante tortura era mais bem valorizada.
Ao contrário do que acontece no direito brasileiro, a confissão não é requisito para que o coautor seja beneficiado pelo instituto da delação premiada, portanto, existe a possibilidade de o acusado não ser premiado apenas pelo fato de denunciar seu comparsa, o que ocorre no caso é a mera confissão, devendo ser considerada como atenuante da pena nos termos do artigo. 65, III, alínea “d” do Código Penal.
Zacarias de Inellas (2000) determina a delação como sendo a confissão do corréu que ao ser interrogado confessa a autoria de um crime e além disso confessa que contou com a participação de um terceiro, seja em coautoria ou participação.
Quanto ao sentido semântico/jurídico da palavra, o jurista e magistrado brasileiro, Guilherme de Souza Nucci (2017), aponta que o instituto da delação quer dizer, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido falarmos em delação quando alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também ajudou de qualquer forma.
A colaboração premiada ocorre quando o acusado ou indiciado, admitindo ter cometido prática criminosa, revela que contou com a participação de uma terceira pessoa, que de alguma forma contribuiu com a prática daquele ato. Vale destacar que a mera delação não dá ensejo a beneficiar o criminoso, haja vista que as informações prestadas devem efetivamente contribuir para fazer cessar a conduta criminosa e assim a mera delação configura confissão devendo ser considerada como atenuante.
A delação premiada é a redução da pena, podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a isenção total da pena para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo Juiz na sentença final condenatória. (BITTENCOURT, 2010).
Luiz Flávio Gomes (2010) aponta que: não se pode confundir delação premiada com colaboração premiada. Esta é mais abrangente. O colaborador da Justiça pode assumir culpa e não incriminar outras pessoas nesse caso é só colaborador.
Delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório ou em outro ato colaboração premiada configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário menos rigoroso.
De acordo com Nestor Távora (2019), para que colaboração premiada tenha força probatória, deve ser submetida ao crivo do contraditório, possibilitando ao advogado do delatado que faça perguntas durante o interrogatório, e se necessário, é possível a marcação de um novo interrogatório para que haja a participação do defensor.
A colaboração, premiada é considerada um negócio jurídico processual, possuindo normas mistas de natureza processual e penal. Há quem sustente que a natureza jurídica da delação/colaboração premiada se subdivide em três, penal, civil e processual; penal por decorrência dos prêmios franqueada; processual penal quanto a sua alocação no tempo e espaço probatório, civil por se tratar de um contrato negocial, muitas das vezes fixado entre o representante do Ministério Público o agente criminoso e o seu advogado.
O STF se posicionou sobre o assunto através do HC-127483 determinando que a delação premiada tenha natureza de: negócio jurídico processual, pois, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como meio de obtenção de prova, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual.
Percebe-se que a colaboração premiada possui uma natureza tríplice, dividida em três elementos do Direito: Direito Penal material, Direito Penal Processual e Direito Cível, quando exteriorizada através de negócio jurídico muito semelhante a um contrato.
A natureza jurídica processual está estritamente relacionada com o Direito Processual Penal, referindo-se a uma técnica especial de investigação, um mecanismo/instrumento por meio do qual, viabiliza ou facilita o alcance ao qual se destinou a colaboração. Desta feita, envolve o agente (colaborador), bem como os frutos da sua colaboração.
A natureza jurídica material, vinculada ao Direito Penal, engloba aspectos penais que o acordo de colaboração premiada poderá acarretar ao colaborador determinados benefícios penais tais como a redução, substituição ou isenção de pena, aplicar o instituto do perdão judicial, conceder imunidades ou até mesmo implicar no não oferecimento da denúncia.
A Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) define que aquele que contribuir efetiva e voluntariamente com a investigação ou processo, o juiz poderá conceder perdão judicial, reduzir a pena de prisão em até dois terços ou substituir por pena restritiva de direitos.
Assim, para que um réu se torne um delator e goze dos benefícios que a lei lhe oferece, o primeiro passo é manifestar oficialmente o interesse em fazer o acordo. Depois, na presença de advogados e procuradores, o réu revela o que tem para delatar. Se o processo avançar, as partes assinam um termo de confidencialidade para evitar vazamentos.
Só depois que a delação for homologada pela Justiça é que as informações poderão ser usadas nas investigações. Junto com os depoimentos, o delator tem que apresentar provas e documentos. Em troca, recebe uma pena mais leve. Especialistas no assunto defendem que a decisão de se tornar um delator precisa partir voluntariamente do investigado.
Segundo o que determina o artigo. 4ª da lei 12.850/13 a colaboração deve resultar em pelo menos um desses aspectos:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Valor probatório deve ser observado que a Lei 12.850/2013 define colaboração como um meio de produção de prova disso infere-se que ninguém pode ser condenado apenas com base em delações, logo o valor probatório desse instituto é relativo.
A colaboração premiada, à forma como se conhece hoje, é originária do direito italiano, cuja origem se deu na década de 1970, quando o país enfrentava ações terroristas, predominantemente de crimes de extorsão mediante sequestro, além da forte influência das máfias que ali haviam se instalado. No entanto, foi na década de 1980 que o instituto penal em análise obteve maior destaque e eficácia (LOBO, 2016).
Diante desse contexto a Itália criou leis com o objetivo de combater essas práticas criminosas que assolavam o país, auxiliando o Estado no combate aos atos terroristas e as associações da máfia. Foi nesse contexto que surgiu o instituto da colaboração Premiada, sob o escopo da expressão "Colaboradores da Justiça", que inicialmente recebeu a denominação de pentitismo, que em português significa algo como "arrependido", denominação que foi criada pela imprensa italiana quando se referia ao instituto jurídico. Na legislação italiana, o instituto previa para o réu que confessasse sua autoria ou participação em ato criminoso, assim como fornecesse informações que se mostrassem úteis para elucidação do crime e/ou a possibilidade de impedir a execução dos crimes para os quais a organização criminosa se constituiu, receberia um prêmio legal que variava desde a suspensão condicional do processo e atenuante da pena, até a extinção da punibilidade, além de proteção de sua família, pelo Estado (LOBO, 2016).
Nos EUA, a colaboração premiada é conhecida por plea bargaining, que em português significa “um ato de negociação através do argumento”, o que pode ser interpretado como "barganhar". O plea bargaining é um instituto penal que consiste em uma negociação realizada entre um membro do Ministério Público (MP) e a defesa do acusado, onde esse deve fornecer todas as informações que possui sobre o crime praticado. Em compensação, o MP pode, inclusive, não prosseguir com a acusação. No sistema norte-americano há uma ampla discricionariedade a cargo do MP no que se refere ao processo penal, tanto que o próprio MP é quem comanda a fase investigativa, assim como decide sobre a instauração ou não da ação penal. Há estudos que afirmam a elevada eficiência da plea bargaining, dizendo que ela soluciona cerca de 85% dos crimes nos EUA (LOBO, 2016).
Nesse caso, observa-se que difere do que ocorre no Brasil onde, via de regra, imperam o princípio da indisponibilidade e o da obrigatoriedade. Portanto, nos EUA, fica sob a responsabilidade do juiz apenas a fase de homologação do acordo, restando ao MP todas as demais ações que são relativas à realização do pacto da delação entre a acusação e defesa.
No Brasil o instituto da colaboração premiada foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro nas Ordenações Filipinas, em seu Livro V, o qual tratava da parte criminal, vigorando de janeiro de 1603 até o ano de 1830, quando foi editado o Código Criminal do Império do Brasil (PIERANGELI, 2004). Conforme explica Sergio Rodas (2015), o uso do instituto teve seu início no Brasil em movimentos políticos sociais, um deles a inconfidência mineira, quando o coronel Joaquim Silvério dos Reis, delatou os seus companheiros e obteve da fazenda real o perdão de suas dívidas.
Embora não tenha sido em processo judicial, a denúncia de Silvério foi o primeiro caso de delação premiada. Após isto, ele ganhou emprego público, uma mansão, e salário vitalício. Também houve o instituto da colabora premiada no Golpe Civil-Militar de 1964, com o fim de descobrir supostos criminosos que não concordavam com o regime militar repressivo (GUIDI, 2006).
Na história mais recente, há inúmeros exemplos ocorridos durante os governos após o Golpe Civil-Militar de 1964, seguidos ao Ato Institucional nº 05 (AI-5), que incluía a delação em condições adversas, geralmente em busca de pessoas contrárias ao governo (SANTOS, 2005).
Durante estes acontencimentos o instituto jurídico foi bastante utilizado com o propósito de revelar os supostos “criminosos” por não adotarem o regime militar repressivo. De tal maneira, que é notória a ampla aplicação da delação premiada em cenários bem anteriores aos aqui destacados.
2. Uso da Colaboração Premiada na Operação Lava Jato
É evidente que a “Lava Jato” é a maior operação de combate á corrupção que este país já presenciou em toda a sua história. À frente, a Polícia Federal investigava um esquema de lavagem de dinheiro que era praticado em uma pequena empresa situada em Londrina no estado do Paraná.
No decorrer das etapas de investigação, houve a manifestação uma rede de doleiros que atuavam em vários Estados do país, doleiros esses que possuíam ligação a um vasto esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de vários partidos e das maiores empreiteiras do país.
Um dos principais articuladores do esquema era o doleiro Alberto Youssef, o qual posteriormente fora descoberto que mantinha negócios com o ex–diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, bem como com grandes empreiteiras. Já no ano 2014, as duas partes citadas foram presas, dando início a chamada “Operação Lava Jato”.
Tendo em vista um abrandamento de pena, no dia 27 de agosto de 2014 o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa assina primeiro acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal, “dando largada” a algo que se tornaria recorrente a partir de então.
Além de tudo, o ex-diretor não suportava mais permanecer atrás das grades, estivera preso por 07 (sete) dias em um presídio localizado em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, e voltara bastante aterrorizado com a experiência.
Por isso ocorria muita esperança entre os investigadores que coordenavam o acontecido quanto ao primeiro depoimento a ser prestado pelo ex-diretor - haja vista a possível possibilidade de suas declarações - que naquele momento introdutivo da investigação poderiam “iluminar” caminhos ainda desconhecidos.
Conforme prestava o seu depoimento, Paulo Roberto Costa, ia detalhando o funcionamento do gigantesco esquema criminoso do qual fazia parte, além de divulga o nome dos demais partícipes. Nesse primeiro depoimento, o ex-diretor citou a participação de 27 (vinte e sete) políticos, 03 (três) governadores e 14 (quatorze) deputados federais, dentre os quais estavam inclusos grandes nomes do cenário político nacional.
Declarou que o esquema funcionava também em outras diretorias da Petrobras, não sendo algo exclusivo da que estava sob sua chefia (Diretoria de Abastecimento). Revelou a existência de um cartel, conhecido como “Clube das 16”, o qual fora criado para fraudar as licitações bilionárias realizadas pela Estatal.
Este cartel era constituído por inúmeras empreiteiras, que se reuniam e decidiam quem ficaria com cada uma das obras e cada contrato, bem como qual seria o percentual desviado para pagamento de propina. Expôs que os valores superfaturados possuíam destino certo, sendo que o empresário que prestava esse tipo de serviço à Petrobras previa uma margem de lucro de 10% a 20%, sendo que sobre esse montante, e empresa em questão colocava mais 1% a 3% no preço final e depois repassava essa quantia para o grupo político que comandava cada diretoria.
Destaca-se que para afirmar o que estava alegando, o ex-diretor exibiu dados que corroboravam as suas afirmações e eventual separação de valores pagos a títulos de propinas no êxito das empreitadas criminosas.
A colaboração do ex-diretor foi de grande valia e utilidade para o curso das investigações, assim como para os cofres públicos, haja vista os 79 (setenta e nove) milhões de reais que foram restituídos à Justiça pelo delator. Finda a sequência de depoimentos do acordo firmado, Paulo Roberto Costa, foi liberado para cumprir prisão domiciliar no dia 1º de outubro de 2014.
Em análise no que o ex-diretor havia celebrado o referido acordo com a Justiça, o doleiro Alberto Youssef não via outra saída que não delatar. Dessa maneira, quase dois meses depois da delação de seu comparsa, o doleiro chegou a um acordo com o Ministério Público Federal. O próprio advogado do acusado, Antônio Figueiredo Basto, anunciou que seu cliente iria fazer uma “confissão total”.
Vale recordar que o doleiro Alberto Youssef já havia quebrado um acordo celebrado anteriormente (caso Banestado), não podendo dessa forma realizar novo acordo. Além do que, a defesa afirmava que o doleiro é um “criminoso costumas”, portanto, as suas declarações não seriam confiáveis.
Diante disso, fora levantado um novo questionamento, o qual buscava entender até que ponto iria á confiança da Justiça em um acusado reincidente. A subprocuradora Ela Wiecko manifestou-se favoravelmente quanto ao acordo assinado entre o Ministério Público Federal e Alberto Youssef na Lava Jato, emitindo o seguinte parecer:
A circunstância (quebra de acordo anterior) foi considerada para limitar os benefícios no segundo acordo. O MP apresentou condições mais rígidas. Enquanto outros colaboradores se encontram em prisão domiciliar, Youssef permanece em regime fechado e assim permanecerá (NETTO, 2016, p.265)
Quanto a esse ponto, o relator do pedido, o ministro Dias Toffoli, afirmou que:
O ministro que homologa uma delação não pode analisar a credibilidade do autor. Ao homologar acordo de delação, o juiz não faz avaliação de depoimentos prestados antes ou depois. Não cabe ao Judiciário examinar aspectos como conveniência ou condições, nem atestar a veracidade em fatos contidos (NETTO, 2016, p.265).
Dentre ás condições agraciados no acordo firmado, este previa de igual forma ao acordo de Paulo Roberto Costa que o colaborador indicasse todos os delitos cometidos por ele e pela organização criminosa da qual fazia parte, desse o nome dos demais envolvidos, juntasse elementos probatórios, bem como que restituísse à Justiça os vários bens e valores oriundos (50 milhões de reais) de suas práticas criminosas.
Em respeito ao acordado, o doleiro explicou como era feito todo o desvio, expôs o nome dos envolvidos, além de descrever como funcionava a engrenagem do esquema de propina. Para provar o que afirmava, Alberto Youssef juntou diversos documentos.
Em desfecho, depois da homologação de seus acordos, como também depois de investigadas e provadas ás alegações prestadas, os dois primeiros colaboradores foram agraciados com as benesses previstas legalmente. Com a sua colaboração, Alberto Youssef teve sua pena reduzida de maneira significativa; tendo-a cumprido por 03 (três) anos em regime fechado.
A indispensabilidade da aplicação do instituto em decorrência das numerosas opiniões emitidas ao instituto, muitas foram ás autoridades do meio jurídico que emitiram o seu parecer acerca da utilização da colaboração premiada como meio de prova. O juiz Sergio Moro, parte relevante da “Operação Lava Jato”, quando indagado sobre o acúmulo de delações feitas na operação, esclareceu:
Tem que ser compreendido que esse caso (Operação Lava Jato) não envolve um único crime, são vários crimes, são dezenas de crimes, são centenas de crimes. Havia um sistema de corrupção, portanto não é possível se pegar um único criminoso pra desvendar todo o esquema criminoso, daí a necessidade de o Ministério Público fazer acordo com várias dessas pessoas. Então eu acho que é possível se justificar acordos com criminosos menores para se chegar a criminosos maiores (MORO, GLOBONEWS, 2017, s.p.).
Desse modo, além da relevância investigativa e pecuniária das primeiras colaborações, estas também motivaram os demais investigados a seguirem os mesmos passos. Tal como o ex-gerente executivo da Petrobrás, Pedro Barusco, que de igual forma celebrou o acordo e restituiu aos cofres públicos um montante de 100 (cem) milhões de dólares.
Após completar seis anos da Lava Jato, foi identificado que durante este lapso foram 70 fases, 1.343 buscas e apreensões, 130 prisões preventivas, 163 prisões temporárias, 118 denúncias, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e 253 condenações (165 nomes únicos) 2.286 anos e 7 meses de pena. Mais de R$ 4 bilhões já foram restituídos por intermédio de 185 acordos de leniência, nos quais se combinou a restituição média de cerca R$ 14,3 bilhões de reais.
Além de tudo, foi oferecido um total de 38 ações civis públicas, mostrando aumento no ano de 2019 no total de 12, abrangendo ações de improbidade administrativa contra três partidos políticos (PSB, MDB e PP).
3 O uso da prisão preventiva para obtenção da colaboração premiada
A prisão preventiva é um instituto do Direito Processual Penal que consiste em uma medida cautelar de privação da liberdade pessoal antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, disciplinada pelo Código de Processo Penal em seu artigo 312.
Neste sentido Aury Lopes Junior conceitua a prisão preventiva como uma prisão processual de natureza cautelar, decretada pelo juiz na investigação policial ou no processo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sempre que preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores.
Conforme, o código de processo penal a prisão preventiva é medida cautelar, que tem como objetivo assegurar o resultado útil da investigação e do processo. Como é uma medida cautelar extrema, deve ser utilizada em último caso, excepcionalmente.
Dessa forma só deve ser utilizada como última medida, pois é necessário que haja uma análise prévia da viabilidade de empregar outras medidas cautelares, como as previstas no art. 319, CPP a exemplo, o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado: permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações, proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante, dentre outras.
Como serve para justificar a proteção da persecução penal, deve estar fundamentada nos requisitos elencados no art. 312 do CPP, que são: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria.
Percebe-se que em sede da operação Lava Jato existem investigados que foram presos preventivamente e após um, certo período no cárcere, fizeram acordo de colaboração premiada, podendo citar: Antônio Palocci, Joesley Batista, Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, dentre outros. Dos exemplos citados, o caso que será analisado no presente estudo será o que envolve o Antônio Palocci. A razão da escolha desse caso está no fato de que Palocci permaneceu preso preventivamente desde setembro de 2016, impetrando diversos Habeas Corpus na Justiça sendo todos negados, mas foi solto pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 29 de novembro de 2018, em virtude de acordo de delação premiada firmado com a Polícia Federal e homologado pelo Desembargador João Pedro Gebran Neto em junho do mesmo ano.
Palocci foi preso investigado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa, dando ensejo à Ação Penal n. 5054932- 88.2016.4.04.7000/PR. A prisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no HC 5045442-90.2016.4.04.0000/PR, julgado em 14.12.2016 e impugnada no âmbito do STJ, por meio do HC 387.557/PR que, por sua vez, em 26.4.2017, não conheceu a medida. A prisão preventiva imposta foi mantida em sentença condenatória recorrível proferida, em 26.6.2017, em primeiro grau.
No STF, foi impetrado também o HC n. 143.33359, caso em que houve divergência nos votos dos Ministros, que obteve maioria para manutenção de Palocci na prisão. De um lado, rejeitaram o pedido de liberdade da referida prisão preventiva os Ministros Edson Fachin, relator do processo, Alexandre Moraes, Barroso, Fux, Rosa Weber e Carmem Lúcia. Em sentido contrário se posicionaram os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Desse HC, surtiram algumas discussões entre os ministros sobre os pressupostos a serem atendidos para a prisão preventiva, como o prazo excessivo para compor a questão, tendo em vista que se passaram mais de quatro anos entre a prática da conduta e o encarceramento, a ausência de fundamentos para manutenção da custódia.
Segundo entendimento do Ministro Lewandowski, já havia tempo suficiente para exame do processo de Palocci, destacando também sua primariedade e bons antecedentes, o que não era motivo suficiente para manutenção da custódia. Destacou, ainda, que a prisão preventiva está ancorada exclusivamente na garantia da ordem pública, que se consubstancia, em caso, na probabilidade de reiteração delitiva – o que, no entendimento do ministro, é motivo frágil, diante do lapso temporal de mais de quatro anos entre a prática da conduta criminosa e o encarceramento.
O Ministro Gilmar Mendes destacou que a prisão não mais era necessária e deveria ser reavaliada conforme a evolução das circunstâncias, bastando a aplicação de medidas cautelares diversas, como as presentes no art. 319 do CPP, tendo em vista que não há acusação de crimes violentos, não sendo a segregação a forma única de acautelar a sociedade.
É de causar estranheza o fato de que Palocci passou dois anos preso preventivamente, utilizando-se de todos os meios processuais para converter a decisão de prisão e conquistar sua liberdade, sendo todos esses meios negados, inclusive pelo STF, para posteriormente, após prestação de informações através de acordo de colaboração premiada ser solto.
Sobre esse aspecto, até os Ministros do STF, na votação do HC 143.333, posicionaram- se que a prisão preventiva para obtenção da colaboração premiada é ilegal, tendo em vista que não constitui fundamento legal para a custódia. O Ministro Gilmar Mendes advertiu que não se pode, volto repetir, usar a prisão provisória para obter delação premiada Isso é tortura, em qualquer lugar do mundo, e é preciso deixar isso muito claro; e isso é um vilipêndio a nossa história constitucional, e a história constitucional de qualquer país do mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do presente estudo foi observado que a colaboração premiada é um meio de produção de provas à disposição do estado com o fim de buscar a verdade formal no processo penal, sendo um instituto que pode ser usado na fase pé-processual ou processual com o objetivo de combater o crime organizado em especial os praticados por organizações criminosas e principalmente os crimes de colarinho branco.
Trata-se de um instituto jurídico que auxilia o estado a identificar ou ao menos tentar identificar outros participantes envolvidos em atividades criminosas, buscando prevenir e reprimir essas condutas ilícitas.
Dessa forma tal instrumento possibilita vantagens investigatórias e processuais que não seriam conseguidos de outra maneira, tendo em vista que ninguém melhor do que os participantes de um crime para elucidar aspectos de como e quando o crime aconteceu a forma de atuação da organização criminosa.
É importante ressaltar que a colaboração premiada somente pode ser considerada válida se houver o preenchimento de todos os requisitos estabelecidos na lei sendo vedada sua obtenção por meio de prisão preventiva.
Portanto é notório que o acusado ou investigado renuncia ao direito constitucional do silencio em virtude do acordo de colaboração premiada.
Apesar de haver parte da doutrina que é contraria ao uso do desse instituto fica evidente que as peculiaridades que são apresentadas pelas organizações criminosas atualmente exigem uma reestruturação da dogmática penal em virtude da ineficiência do estado dessa forma a colaboração surgiu como uma alternativa a disposição do estado no combate à criminalidade.
Percebe-se que esse instituto auxilia a justiça encontrar outros indivíduos que também incorreram em ilícitos penais, e que na ausência da colaboração premiada dificilmente seriam conhecidos e eventualmente condenados.
Nota-se ainda que esse instituto ganhou mais notoriedade na Operação Lava Jato e assim deu mais celeridade e eficácia à operação, tendo em vista que foi através de acordos de colaboração que se chegou a determinadas pessoas envolvidas no crime organizado.
REFERÊNCIAS
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[1] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA Email:[email protected]
[2] Orientador, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. E-mail:[email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, Walquiria Gonçalves da Silva. A eficiência da colaboração premiada no combate ao crime organizado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54832/a-eficincia-da-colaborao-premiada-no-combate-ao-crime-organizado. Acesso em: 23 dez 2024.
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