RESUMO: O presente artigo pretende explicitar as nuances do princípio da cooperação (ou da colaboração), previsto no inovador Código de Processo Civil de 2015. O destacado princípio é uma ideia moderna de direito, onde diz respeito ao fato das partes e o juiz, cooperarem para um melhor andamento processual, auxiliando-se entre si para se buscar o melhor resultado. O motivo de tal análise se descarrega na falta de legislação em possibilidades existentes de sanções para as situações de dever de cooperação não ser observada no referido Código de Processo Civil. Desta forma, serão abordadas as devidas explicações sobre o princípio da cooperação processual, para depois serem abordadas as possíveis lacuna de sanções aos deveres das partes de cooperarem na relação processual e possíveis mudanças. Se busca ao final determinar se seriam necessárias as devidas inovações ao Direito Processual Civil Brasileiro.
Palavras-Chave: Direito Processual Civil, Princípio da Cooperação, Princípio da Colaboração, Sanções Processuais.
ABSTRACT: This article intends to clarify the nuances of the principle of cooperation (or collaboration), as provided for in the innovative Code of Civil Procedure 2015. The outstanding principle is a modern idea of law, where it concerns the fact that the parties and the judge cooperate to better procedural progress, helping each other to seek the best outcome. The reason for such an analysis is due to the lack of legislation on existing possibilities of sanctions for situations of duty of cooperation not to be observed in the said Code of Civil Procedure. In this way, due explanations on the principle of procedural cooperation will be addressed, and then the possible gap of sanctions to the parties' duties to cooperate in the procedural relationship and possible changes will be addressed. The aim is to determine if the necessary innovations to Brazilian Civil Procedural Law would be necessary.
Keywords: Civil Procedural Law, Principle of Cooperation, Principle of Collaboration, Procedural Sanctions.
Sumário: Introdução – 1. Princípio da cooperação processual; 1.1 Origem do princípio da cooperação processual; 1.2 Limites da cooperação processual; 1.3 Vontade entre as partes; 2. A figura da sanção no princípio da cooperação processual; 3. Conclusão; Referências.
Introdução
O Direito Processual Civil sofreu grandes modificações nos últimos anos pelo advento do Novo Código de Processo Civil. Dentre inúmeras modificações positivas, uma delas é a novidade do princípio da cooperação processual.
Porém, apesar de ser uma alteração positiva, o princípio da cooperação ainda detém alguns pontos que poderiam ser modificados, como o fato do paradoxo em se haver uma sanção no caso da "cooperação" prevista no principio não for cumprida entre os envolvidos no processo, afinal, a partir do momento que se considera os deveres previsto no princípio, se imagina uma sanção para a situação processual, mas pode não ser o caso.
De acordo com estes pontos, o presente trabalho pretende demonstrar primeiramente as questões iniciais do princípio da cooperação, como o seu conceito e a sua base legal, para depois adentrar em uma referida possível mudança no tema em questão, especificamente nas sanções pelo não cumprimento ao referido princípio da colaboração.
Uma visão moderna para o Direito Processual Civil é a ideia de boa-fé aliada ao principio da colaboração, que quebra a ideia de que uma parte pode agir no processo de forma egoísta, fazendo o que for possível para o que direito desta seja reconhecido, não tendo nenhum limite para buscar o sucesso de sua tutela jurisdicional.
1. Princípio da cooperação processual
O princípio da cooperação processual surge em uma visão moderna para estruturar o Direito Processual Civil, se aliando em alguns princípios, como o princípio da boa-fé processual, do devido processo legal e do contraditório. A previsão expressa desta princípio está no Art. 6° do Código De Processo Civil de 2015[1]: "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".
1.1 Origem do princípio da cooperação processual
É apontado por diversos autores que o Direito brasileiro se adaptou ao Direito estrangeiro para surgir a figura do princípio da cooperação, como narra Elpídio Donizetti[2]:
A doutrina brasileira importou do Direito europeu o princípio da cooperação (ou da colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular (entre o juiz e as partes). A moderna concepção processual exige um juiz ativo no centro da controvérsia e a participação ativa das partes, por meio da efetivação do caráter isonômico entre os sujeitos do processo.
Reiterando a importação desta novidade do Código de Processo Civil, Humberto Theodoro Jr[3], demonstra que no Código de Processo Civil de Portugal, de 2013, já estava prevista a temática da cooperação entre as partes e o juiz no âmbito processual:
Dispositivo similar consta do Código de Processo Civil de Portugal, de 2013: “Art. 7º- 1- Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os 152/1774 mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Sendo assim, não necessariamente o Direito brasileiro têm a idêntica aplicação do princípio de todos os países, mas a base da ideia do mesmo é semelhante entre todos que o aplicam.
Avançando nesta linha, Fredie Didier Jr[4]. analisa o surgimento do princípio da cooperação processual:
Os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, do contraditório e do respeito ao autorregramento da vontade no processo, juntos, servem de base para o surgimento de outro princípio do processo: o princípio da cooperação. O princípio da cooperação define o modo como o processo civil deve estruturar-se no direito brasileiro. O art. 6º do CPC o consagrou expressamente: "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Esse modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes. O contraditório é valorizado como instrumento indispensável ao aprimoramento da decisão judicial, e não apenas como uma regra formal que deve ser observada para que a decisão seja válida. Não por acaso, o art. 10 do CPC, já examinado, proíbe a decisão surpresa, impondo ao órgão julgador o dever de consulta.
Desta forma, partindo do pressuposto que os sujeitos do processo devem cooperar entre si, a relação entre eles é formada de forma triangular, pois estes sujeitos são: a parte autora, ré e o juiz, caracterizando desta forma a figura do princípio da cooperação tem sua utilidade.
1.2 Limites da cooperação processual
Os limites da cooperação processual se equivalem em até aonde as partes devem cooperar entre si, sendo a previsão é que a cooperação seja praticada entre todos, como explica Cássio Scarpinella Bueno[5] sobre os limites da relação existente no princípio da cooperação:
Observação importante que merece ser feita é que a cooperação prevista no dispositivo em comento deve ser praticada por todos os sujeitos do processo. Não se trata, portanto, de envolvimento apenas entre as partes (autor e réu) e de seus procuradores, aí compreendidos também os membros da advocacia pública e da defensoria pública, mas também de eventuais terceiros intervenientes (em qualquer uma das diversas modalidades de intervenção de terceiros), do próprio magistrado, de auxiliares da Justiça e, evidentemente, do próprio Ministério Público quando atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica.
Humberto Theodoro Júnior[6] também clarificou sobre os limites do principio da cooperação processual
(...) o princípio da cooperação tende a “transformar o processo civil numa comunidade de trabalho”, na qual se potencializa o franco diálogo entre todos os sujeitos processuais – partes, juiz e intervenientes – a fim de alcançar “a solução mais adequada e justa ao caso concreto”. A cooperação não se restringe à relação parte-juiz, tampouco se limita ao relacionamento entre as partes. Dela se extraem “deveres a serem cumpridos pelos juízes e pelas partes”, de sorte que, na verdade, deve haver “a cooperação das partes com o Tribunal, bem como a cooperação do Tribunal com as partes”. É certo que a atividade das partes não se equipara totalmente à do juiz, pois, enquanto àquelas cabe a defesa de interesses particulares, a este toca definir, como autoridade, o litígio. Todavia, ainda que o faça como detentor do poder estatal, não pode ignorar ou desprezar a contribuição das partes no diálogo precedente ao julgamento da causa.
O princípio da cooperação diz respeito ao juiz cooperar com as partes e as partes cooperarem com o juiz. Não diz respeito entre uma parte e outra, e sim com um juiz. É uma cooperação triangular, que especificamente pode ser vertical, que acaba por não sendo horizontal, pois diz respeito as partes e o juiz, superior no processo.
Uma relação horizontal ocorre no princípio da boa fé entre as partes. O princípio da cooperação implica um dever do juiz conversar entre as partes, dialogar entre as partes, ter uma relação entre as partes para um melhor andamento do processo.
1.3 Vontade entre as partes
Dizendo a respeito da condução do processo e da vontade das partes, Fredie Didier Jr.[7] demonstra especificidades do princípio da autorregramento da vontade no tema:
A condução do processo deixa de ser determinada exclusivamente pela vontade das partes (marca do processo liberal dispositivo). Também não se pode afirmar que há uma condução inquisitorial do processo pelo órgão jurisdicional. em posição assimétrica em relação às partes. Busca-se uma condução cooperativa do processo'", sem destaques para qualquer dos sujeitos processuais. Não por acaso, o CPC consagra o princípio do respeito ao autorregramento da vontade, já examinado, que claramente reequilibra as posições das partes e do juiz na divisão de tarefas processuais.
Fredie Didier Jr.[8], também explica de como funciona a relação entre as partes e o juiz, e a assimetria entre as partes:
No entanto, não há paridade no momento da decisão; as partes não decidem com o juiz; trata-se de função que lhe é exclusiva. Pode-se dizer que a decisão judicial é fruto da atividade processual em cooperação, é resultado das discussões travadas ao longo de todo o arco do procedimento; a atividade cognitiva é compartilhada, mas a decisão é manifestação do poder, que é exclusivo do órgão jurisdicional, e não pode ser minimizado. Neste momento, revela-se a necessária assimetria entre as posições das partes e a do órgão jurisdicional: a decisão jurisdicional é essencialmente um ato de poder.
Desta forma, as partes estão assimétricas entre si e a condução do processo não necessariamente depende da vontade das partes, onde a "condução cooperativa do processo" ocorre, independente de qualquer um dos sujeitos processuais.
2. A figura da sanção no princípio da cooperação processual
Observado que a decisão é exclusiva do órgão jurisdicional e as partes devem cooperar entre si com discussões na parte cognitiva do procedimento, resta analisar a parte na qual o presente artigo sugere inovação para a sanção neste princípio do Direito Processual Civil, que é na parte de possíveis sanções advindas do princípio da cooperação processual.
Primeiramente, a necessidade de inovação para o princípio diz a respeito da inevitável característica incoerente existente no Código de Processo Civil de não existir sanção para os deveres descritos relacionados para o princípio da cooperação processual.
Compactuando de mesma opinião, se faz necessário demonstrar o raciocínio de Daniel Amorim Assumpção Neves[9], que explica a falta de previsão de sanção para o princípio da cooperação:
No art. 6° do Novo CPC consagra-se o princípio da cooperação, passando exigir expressa previsão legal para que todos os sujeitos do processo cooperem si para que se obtenha a solução do processo com efetividade e em tempo razoável. Como o dispositivo prevê a cooperação como dever, é natural que o desrespeito gere alguma espécie de sanção, mas não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo ora analisado.
Salientando que, apesar de ser visto como dever, se demonstra fatalmente paradoxal a falta a sanção na previsão deste princípio, afinal deveres sugerem um compromisso que deveria haver consequência. O autor Fredie Didier Jr.[10] exemplifica especificamente sobre algumas das manifestações de deveres das partes:
Vejamos algumas manifestações desses deveres em relação às partes: a) dever de esclarecimento: os demandantes devem redigir a sua demanda com clareza e coerência, sob pena de inépcia; b) dever de lealdade: as partes não podem litigar de má-fé (arts. 79-81 do CPC), além de ter de observar o princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC); c) dever de proteção: a parte não pode causar danos à parte adversária (punição ao atentado, art. 77, Vl, CPC; há a responsabilidade objetiva do exequente nos casos de execução injusta, arts. 520, l, e 776, CPC). (DIDIER JR., 2017, p.144)
Outros deveres, especificamente do magistrado, são devidamente clarificados por Cássio Scarpinella Bueno[11]:
O CPC de 2015 apresenta inúmeras aplicações concretas do princípio da cooperação naquelas quatro facetas, permitindo, com segurança, atestar que ele já implementou verdadeiro modelo de processo cooperativo. Assim, por exemplo, quando o magistrado antes de indeferir a inicial indica precisamente o que, no seu entender, macula aquele ato processual e deve ser corrigido sob pena de indeferimento (art. 321) – dever de esclarecimento; quando o juiz determina a prévia oitiva das partes para só depois decidir (art. 9º), ainda que se trate de matéria que ele deva apreciar de ofício (art. 10) – dever de consulta; quando o magistrado busca suprir a ausência de pressupostos processuais e, mais amplamente, de outros vícios que podem comprometer a prestação da tutela jurisdicional (arts. 139, IX, e 317), inclusive no âmbito recursal (art. 932, parágrafo único) – dever de prevenção; e no que diz respeito à modificação do ônus da prova diante dos pressupostos do art. 373, §§ 1º e 2º – dever de auxílio.
Passada a parte específica dos deveres entre as partes advindos do princípio da cooperação, é necessário novamente demonstrar que o dispositivo não prevê sanções específicas para as partes que não cooperarem entre si ou que não cumprirem aquilo na referida legislação.
O raciocínio onde existem deveres, mas ao mesmo tempo não se prevê a sanção acaba tornando a imputação como uma grande incoerência, afinal de contas, falta a conexão entre o dever e a sanção, para se realmente caracterizar como um dever de direito.
3. Conclusão
Diante da perspectiva apresentada no dispositivo legal e na doutrina, foi possível explicar as características do princípio da cooperação processual, demonstrando os deveres das partes e o que se espera da aplicação do dispositivo. A explicação foi necessária para se abordar por fim inovações no caráter de sanção ao dispositivo.
Foram exemplificados diferentes doutrinas, com o objetivo de demonstrar lacunas prevista na matéria e como foi explicado por Daniel Amorim Assumpção Neves, não há previsão de sanção aplicada quando a parte não realiza o dever de cooperar no processo.
Resta salientar, que os princípios do Direito Processual Civil são protagonistas no ordenamento jurídico brasileiro e deveriam ter explicitamente todo o tipo de previsão para o melhor andamento processual, mas não é o que ocorreu no dispositivo apresentado.
Sendo assim, é importante ressaltar por fim, que apesar do princípio da cooperação processual ser detentor de uma ideia moderna de Direito, a aplicação do mesmo no Código de Processo Civil necessita de alteração, de forma inquisitiva para ser possível se cobrar a atuação de ambas as partes cooperando entre si. Não é possível haver um dever para um sujeito processual, se o mesmo não tem uma sanção caso não observar o dever que lhe é direcionado. Infelizmente, o caráter sancionatório de um ordenamento é extremamente necessário para a eficiência do mesmo, e esta eficiência pode ficar por segundo plano se faltarem as devidas sanções expressas para o princípio estudado.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 set. 2019.
BUENO, Cássio Scarpinella Manual de direito processual civil : volume único – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. · Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017.
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil - 20. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil e Volume único. 9° Ed - Salvador. Ed. JusPodivm, 2017.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I - 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[1] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
[2] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil, 2017. p. 40.
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2015. p. 152-153
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2017. p. 141.
[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil, 2018. p. 140-141.
[6] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2015. p. 154.
[7] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2017. p. 141.
[8] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2017. p. 142.
[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil, 2017. p.204-205.
[10] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2017. p. 144.
[11] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil, 2018. Pág. 140.
Advogado; Bacharel em Direito (PUCMINAS), Pós-Graduado em Direito Público (PUCMINAS) e Direito Processual Civil (Universidade Candido Mendes); Mestrando em Direito (Universidade FUMEC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Victor Werneck. Inovação de sanção ao princípio da cooperação processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2020, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54853/inovao-de-sano-ao-princpio-da-cooperao-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
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