RESUMO: O presente artigo tem o escopo de analisar a possibilidade de contratação de empregados em comissão por parte de empresas públicas e sociedades de economia mista à luz dos dispositivos constitucionais e da jurisprudência pátria. O trabalho é desenvolvido em quatro tópicos centrais. No primeiro, realiza-se uma análise acerca do vínculo jurídico entre as espécies de agentes públicos e a Administração Pública, com base na legislação e conceitos doutrinários. Em seguida, são examinados os contornos próprios do regime jurídico híbrido das empresas estatais, notadamente sobre as entidades que atuam em regime concorrencial. Ato contínuo, é realizado uma breve digressão sobre as formas de investidura que excepcionam a regra do concurso público no âmbito da Administração Pública. Por fim, é exposto o cenário jurisprudencial, com ênfase na posição dominante na SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, o trabalho fornece ao leitor elementos utilizados pelas Cortes nacionais para embasar o instituto do emprego público em comissão sem que haja autorização legiferante.
PALAVRAS-CHAVE: Empresas públicas. Sociedades de economia mista. Concurso público. Empregado público em comissão. Autorização legal. Desnecessidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Agentes públicos na ordem jurídica constitucional. 3. Regime jurídico híbrido das empresas estatais e necessidade de concurso público. 4. Exceções constitucionais ao concurso público. 5. Empregados públicos em comissão à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. 6. Conclusão. 7. Referências.
1.INTRODUÇÃO
A Lei 13.303/16, regulamentando o art. 173, §1º da CF/88[1], tratou de diversos aspectos sobre as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, a exemplo da fixação de regramento específico sobre licitações e contratos.
Dentre vários temas importantes que permeiam o regime jurídico das empresas estatais, a possibilidade de admissão de empregados públicos em comissão vem ganhando contornos mais claros pelo Judiciário.
A controvérsia possui origem na previsão constitucional que admite a existência de cargos em comissão para o exercício de atribuições de chefia, direção e assessoramento no âmbito da Administração Pública. Trata-se de hipótese que excepciona a regra constitucional da realização de concurso público para a investidura em cargos e empregos públicos (art. 37, II e V da CF/88)[2].
Tendo em vista as distinções conceituais entre cargo e emprego, infere-se que o permissivo constitucional não autoriza expressamente a possibilidade de admissão de empregados públicos em comissão no âmbito das empresas estatais.
Com efeito, a nebulosidade do tema suscita calorosos embates no Judiciário, notadamente em relação à necessidade de autorização legislativa para a criação dos empregos.
Se por um lado há quem sustenta a admissibilidade do instituto sem que haja necessidade de lei prévia, tendo em vista o regime jurídico próprio das empresas estatais, por outra banda subsiste a vertente que apresenta forte resistência, com amparo em uma interpretação restritiva dos dispositivos constitucionais.
O presente trabalho tem o escopo de analisar o atual cenário jurisprudencial, com ênfase no posicionamento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, acerca da possibilidade ou não de contratação de empregados públicos em comissão, independentemente de disposição legal.
Assim, a pesquisa tomou por base a análise de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, o estudo de fontes doutrinárias para elucidar conceitos de institutos que gravitam a temática, bem como em decisões jurisprudenciais de tribunais regionais, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.
2.AGENTES PÚBLICOS NA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL
O termo “agentes públicos”, analisado em sentido amplo, consiste no conjunto de indivíduos que desempenham as atividades administrativas, seja transitoriamente, seja permanentemente, ainda que sem remuneração. É nesse sentido, inclusive, que o legislador positivou ao dispor sobre normas para fins de responsabilização por atos de improbidade administrativa, conforme o art. 2º da Lei 8.429/92[3].
Trata-se, portanto, de expressão genérica da qual são espécies os agentes políticos, os particulares em colaboração e os servidores públicos. Cumpre destacar que os servidores públicos integram a ampla maioria daqueles que desempenham as atribuições no âmbito da estrutura orgânica da Administração Pública.
Conforme lição de Neiva, Piton, Soutinho e Souza (2020, p.16):
Servidor público consiste em gênero, correspondendo aos trabalhadores que estabelecem vínculo de natureza profissional com a Administração Pública. Cada uma das espécies de servidor público será determinada pela natureza da relação jurídica estabelecida com o ente público à qual pode corresponder a um vínculo de natureza institucional-estatutária, empregatício ou contratual-temporário.
Verticalizando o tema, infere-se que os servidores públicos estatutários são regidos por regramentos funcionais próprios, inexistindo uma relação contratual. Nessa perspectiva, Carvalho Filho (2014, p.621) assevera que o regime estatutário é caracterizado pela pluralidade normativa, posto que cada ente federativo possui a competência para editar uma lei com o fim de disciplinar a relação jurídica funcional entre as partes.
Por sua vez, os servidores temporários ostentam um vínculo de natureza contratual-temporária, com arrimo no art. 37, IX da CF/88[4]. Consiste em uma modalidade de contratação excepcional com o fito de suprir uma carência temporária de pessoal, visando, em última análise, satisfazer o interesse público.
Com a finalidade de evitar abusos e práticas tendentes a burlar a regra do concurso público (art. 37, II da CF/88), o Supremo Tribunal Federal (ADI 2.229) estabeleceu condicionantes para as contratações temporárias, a saber: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional.
Integrando a terceira espécie de agentes públicos, os empregados públicos são caracterizados pelo vínculo de natureza contratual com o Poder Público, regidos pela legislação trabalhista. Desse modo, em se tratando de relação empregatícia, restam configurados os requisitos elencados no art. 3º da CLT[5], notadamente a pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.
Assim, ao contrário dos servidores estatutários, Carvalho Filho (2014, p.623) aponta que a relação empregatícia é caracterizada pelo princípio da unicidade normativa, tendo em vista que o complexo de normas que rege a referida relação encontra-se disposto num único diploma, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho.
Antes de passar ao imbróglio que gravita em torno da admissão de empregados públicos em comissão no âmbito das empresas estatais, é imperioso adentrar nos aspectos ligados ao regime jurídico das referidas entidades empresariais.
3.REGIME JURÍDICO HÍBRIDO DAS EMPRESAS ESTATAIS E NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO
As entidades da Administração Pública Indireta resultam de um processo de descentralização, ostentando personalidade jurídica própria, com o fito de obter maior celeridade, eficiência e flexibilização em determinadas atividades essenciais ao interesse público.
Especificamente sobre as empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades com personalidade jurídica de direito privado, o Poder Constituinte estabeleceu a necessidade de lei específica que autorize a instituição, conforme preceituado no art. 37, XIX da CF/88[6].
É certo que as empresas estatais necessitam de um quadro de pessoal capacitado para o desempenho das atividades para as quais foram criadas, sobretudo quando atuam concorrencialmente no mercado explorando atividades econômicas (art. 173, caput da CF/88). Logo, deve-se rechaçar eventuais ingerências pessoais que favorecem interesses momentâneos dos gestores ou dirigentes.
Assim, conquanto necessitem de maior flexibilidade para atuar no mercado, o regime das empresas estatais está submetido a influxos de preceitos do regime publicista. Sobre o assunto, Carvalho Filho (2014, p. 968) explica:
Apesar de pessoas privadas, essas entidades sujeitam-se às regras de vinculação com a respectiva Administração Direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto a própria Administração; só podem recrutar mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; obedecem ao princípio da obrigatoriedade de licitação, e outras tantas normas de direito público, não aplicáveis, obviamente, às empresas da iniciativa privada. Há, portanto, um regime híbrido, pelo qual, de um lado, sofrem o influxo de normas de direito privado quando explorando atividades econômicas, e de outro submetem-se a regras de direito público quanto aos efeitos decorrentes de sua relação jurídica com o Estado.
Tendo em vista esse regime jurídico híbrido, tais agentes observarão, por exemplo, o teto remuneratório, salvo os empregados das empresas estatais não dependentes do orçamento (art. 37, §9º da CF/88[7]). Ademais, há expressa vedação acerca da acumulação de empregos públicos com outros empregos, cargos ou funções públicas, ressalvadas hipóteses expressas no próprio Texto Político (art. 37, XVII da CF/88[8]).
Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal possui farto acervo jurisprudencial agasalhando a tese que submete as entidades da Administração Indireta aos ditames do art. 37, II da CF/88:
A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas – art. 173, §1º, II da CF/88 - não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CF/1988, que se refere à investidura em cargo ou emprego público.[AI 680.939 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 27-11-2007, 2ª T, DJE de 1º-2-2008.]
Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, § 1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição. [MS 21.322, rel. min. Paulo Brossard, j. 3-12-1992, P, DJ de 23-4-1993.]
Por conseguinte, não restam dúvidas sobre a necessidade de prévia aprovação a concurso para a admissão de empregados públicos, ainda que não gozem da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88 [9] nem possuam suas relações jurídicas regidas por um estatuto funcional próprio.
4.EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS AO CONCURSO PÚBLICO
Previsto expressamente no art. 37, II da CF/88, a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos para fins de investidura em cargos ou empregos públicos é imperativo aplicável às entidades empresariais estatais. Não obstante, o dispositivo em comento excepciona expressamente investidura para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, silenciando a respeito dos empregos em comissão.
Complementando a norma mencionada, o inciso V do art. 37 da CF/88, com redação alterada pela Emenda Constitucional 19/98, determina que os cargos em comissão serão preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Por sua vez, as funções de confiança estão reservadas exclusivamente a servidores ocupantes de cargo efetivo.
Não obstante o permissivo constitucional, o preenchimento dos cargos comissionados deve possuir condicionantes, sob risco de subverter a lógica estatuída pelo Texto Político. Interpretando o dispositivo, o Supremo Tribunal Federal elencou os seguintes requisitos:
Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. (...) Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir. [RE 1.041.210 RG, rel. min. Dias Toffoli, j. 27-9-2018, P, DJE de 22-5-2019, Tema 1.010]
É nítido o objetivo de blindar o texto de interpretações que extrapolem a finalidade para a qual foi inserido, posto que, por se tratar de norma que excepciona a regra, deve ser interpretado restritivamente.
No entanto, ante a inexistência de vedação constitucional explícita, determinadas empresas estatais passaram a admitir empregados públicos em comissão para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, tendo em vista as necessidades decorrentes da atuação em concorrência com empresas privadas, o que requer maior celeridade e flexibilidade na tomada de decisões.
5.EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
O legislador federal, dispondo sobre o regime funcional dos servidores públicos federais, conceituou cargo público (art. 3º, caput da Lei 8.112/90) como “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”.
No que atine ao emprego público, Carvalho Filho (2014, p.633) aduz que a expressão denota a relação funcional trabalhista. Com efeito, cargo e emprego não se confundem. Assim, embora exerçam funções públicas, os empregados públicos não ocupam cargo propriamente dito nem gozam da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
É necessário atentar, ainda, que o art. 61, §1º, II, “a” da CF/88 [10] reservou ao Chefe do Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica. Trata-se de manifestação do princípio da reserva legal, aplicável por simetria aos demais entes políticos.[11]
Considerando as distinções terminológicas e por meio de uma interpretação restritiva do texto constitucional, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, nos autos do processo nº 0000425-53.2019.5.10.0003, possui precedente no sentido de que o texto constitucional não autoriza o emprego público em comissão. Vejamos:
EMPRESA PÚBLICA. EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO. A interpretação do artigo 37, inciso II, da CF, deve ser no sentido de que apenas na hipótese do exercício de cargo em comissão, por servidor, na Administração Direta, a regra do concurso cede espaço a esse modo de ingresso no poder público, lateral e excepcional. Em síntese, cargo não é sinônimo de emprego, sendo que o legislador reservou a natureza de confiança ou em comissão aos cargos públicos, os quais estão circunscritos ao âmbito da Administração Direta. Recurso conhecido e parcialmente provido.
Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região possui decisão que reconhece a figura dos empregados públicos comissionados:
Ementa: SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO: DISPENSA. EFEITOS. A peculiaridade do emprego público comissionado, de livre nomeação e exoneração, atrai as regras do artigo 37 da Constituição à incidência da CLT, para assim considerar que a demissão ad nutum não pode surtir efeitos iguais àquela operada quanto aos empregos públicos providos após prévia aprovação em concurso público.
Processo 000077673.2016.5.05.0034, Origem PJE, Relator(a)Desembargador(a) HUMBERTO JORGE LIMA MACHADO, Terceira Turma, DJ 26/09/2019
É pertinente atentar que, contrariando o argumentos daqueles que sustentam a inexistência de empregos públicos em comissão em razão da ausência de previsão constitucional no art. 37, II da CF/88, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) menciona a expressão “empregos de confiança ou em comissão” ao tratar da estabilização prevista no art. 19:
Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
Em que pese a transitoriedade de alguns dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não se nega a natureza jurídica de norma constitucional. Sob essa perspectiva, a 1ª Turma da Suprema Corte já expressou a inexistência de desigualdade quanto à intensidade da eficácia entre as normas do ADCT e os dispositivos contidos no corpo do texto constitucional.[12]
Avançando sobre o tema, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, em recente julgado, não apenas entendeu ser possível a admissão de empregados em comissão, como também destacou que as empresas públicas e as sociedades de economia mista prescindem de expressa autorização legal para tanto:
Empresa pública e sociedade de economia mista. Contratação de pessoal para emprego em comissão regido pela CLT. Expressa autorização de lei. Desnecessidade. As empresas públicas e as sociedades de economia mista prescindem de expressa autorização de lei para admitir trabalhadores em empregos em comissão (chefia, assessoramento e direção), sob o regime da CLT. Tais entidades submetem-se a um regime jurídico híbrido, caracterizado pela dinamicidade que necessitam para o desenvolvimento de suas atividades (regime próprio das empresas privadas) e pela observância das normas de Direito Público naquilo em que a Constituição expressamente determine. Assim, a própria Carta Magna, ao dispor sobre a investidura em cargo ou emprego público mediante prévia aprovação em concurso, ressalvou as nomeações para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, da CF), além de limitar a exigência de necessidade de lei para a criação de cargos, funções e empregos públicos à Administração direta e autárquica (art. 61, § 1º, II, “a”, da CF), não alcançando, portanto, os entes empresariais estatais. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, o acórdão turmário que conhecera do recurso de revista da União, por violação do art. 173, § 1º, II, da CF, e no mérito, dera-lhe provimento para afastar a ilegalidade reconhecida pelo TRT quanto à criação de empregos em comissão no âmbito da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM, sem amparo em lei. (TST-E-RR-567-67.2013.5.10.0003,SBDI-I, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 7.11.2019)
No caso em tela, a Corte trabalhista considerou que, por estarem submetidas a um regime jurídico híbrido, pautado pela dinamicidade das atividades concorrenciais e por influxos de normas publicistas, não há falar em necessidade de previsão legal para a ocupação de empregos em comissão, sob risco de comprometer a celeridade nas tomadas de decisões frente às necessidades das empresas estatais que atuam concorrencialmente no mercado.
Ademais, restou consignado que o art. 37, II da CF/88 apenas limita a exigência de necessidade de lei para a criação de cargos, funções e empregos públicos à Administração direta e autárquica (art. 61, § 1º, II, “a”, da CF), comando não direcionado às empresas públicas e sociedades de economia mista.
É oportuno apontar a ressalva acerca da necessidade de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, prevista no inciso II do §1º art. 169 da CF/88, no caso de criação de cargos, empregos e funções no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Tal posicionamento possui amparo em decisão do Tribunal de Contas da União, conforme excerto colacionado abaixo:
[...] seria um contra-senso imaginar que o legislador decidiu que a criação de cargos em comissão em Sociedades de Economia Mista que desempenham atividades econômicas só é cabível por meio de lei e, ao mesmo tempo, nestas mesmas Sociedades, houve por bem não submeter à lei a criação de empregos públicos - obviamente bem mais numerosos que os cargos em comissão. [...] (Processo nº 017.446/2000-7, Rel. Min. Benjamim Zymler, 2ª Secretaria de Controle Externo, Sessão de 6/3/2002)
No mesmo sentido, Ilmar Galvão (2009, p. 511) destaca que os referidos contratos devem possuir cláusula de fidúcia de forma expressa, sob pena de nulidade do ato. Trata-se, portanto, de elemento que o distingue dos contratos permanentes precedidos de concurso. Em arremate, aduz:
O emprego de confiança, de previsão constitucional, está para as empresas estatais, assim como o cargo em comissão está para a Administração direta, as autarquias e as fundações de direito público, destinando-se ao recrutamento de servidores tecnicamente qualificados e que gozem de confiança específica dos dirigentes a que estarão subordinados.
Com efeito, deve-se ter em vista que o permissivo não autoriza contratações de forma arbitrária, devendo haver congruência com os princípios da moralidade, proporcionalidade, razoabilidade e eficiência. Com arrimo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Corte trabalhista pontuou:
[...] se a criação de cargos em comissão na Administração direta deve restringir-se ao percentual mínimo necessário para a movimentação eficiente da máquina administrativa, como inclusive já decidido pelo Excelso STF (RE 365368 AgR/SC, 1ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 29.06.2007), a mesma lógica deve pautar a criação de empregos públicos comissionados nas empresas estatais [...](TST-E-RR-567-67.2013.5.10.0003,SBDI-I, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 7.11.2019)
Essa interseção dos empregos em comissão com o julgado da Suprema Corte que estabeleceu condicionantes à criação de cargos em comissão, mutatis mutandis, parece ser consentâneo ao interesse público primário e secundário, uma vez que, sem desfigurar as peculiaridades do regime jurídico conferido às estatais, impõe limites para conter eventuais abusos do instituto.
Logo, ainda que dispensada a autorização legiferante, a investidura deve ser restrita aos postos de trabalho nos quais a relação de fidúcia com a administração da empresa estatal seja extremamente necessária, rechaçando a desvirtuação para o exercício de funções meramente burocráticas ou operacionais.
Nessa ótica, em consonância com a decisão da Seção I de Dissídio Individuais do TST, parece ser o juízo mais razoável a admissão de empregados em comissão com base em atos internos das empresas estatais. Resta aguardar a manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal acerca do tema proposto, com o fito de estabilizar a controvérsia e conferir segurança jurídica ao tema.
6.CONCLUSÃO
Diante dos pontos expostos no presente trabalho, à luz da jurisprudência pátria, conclui-se pela possibilidade de admissão de empregados públicos em comissão no âmbito das empresas estatais, sendo prescindível a expressa autorização legal.
Com efeito, ainda que louvável a expressa previsão na própria lei autorizadora das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, entende-se ser suficiente a disposição da matéria em regulamento ou demais atos de caráter interno.
No entanto, tais contratações devem ser restritas ao desempenho de funções que exijam uma relação de confiança entre a autoridade nomeante e o nomeado, proporcionando a dinamicidade das atividades exercidas pelas empresas estatais, sob pena de nulidade do ato.
7.REFERÊNCIAS
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____. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.229. Relator: Min. Carlos Velloso. Plenário. Brasília, DF, 09 de junho de 2004. Dje.25 jun. 2004. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp> Acesso em: 22 de maio de 2020
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____. Supremo Tribunal Federal. RE 160.486, Relator: Min Celso de Mello.1ª Turma. Brasília, DF, 11 de outubro de 1994. DJE. 09 jun.1995. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>. Acesso em: 22 de maio de 2020
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____. Tribunal Regional do Trabalho - 5ª Região. Acórdão. RO nº 0000776-73.2016.5.05.0034, Terceira Turma. Relator: HUMBERTO JORGE LIMA MACHADO. Salvador, 26 set. 2019. Disponível em: <https://www.trt5.jus.br/jurisprudencia> Acesso em: 20 de maio de 2020
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO: revista, ampliada e atualizada até 31.12.2014. 28. ed. São Paulo: Atlas S.a., 2015
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NEIVA, Rogério; PITON, Wendel; SOUTINHO, Bruno; SOUZA, Caio. Direito e Processo do Trabalho: aplicados à administração e fazenda pública. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
[1] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: [...]
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...] V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
[3] Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
[4] Art.37, IX da CF/88 - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
[5] Art. 3º, caput da CLT - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
[6] Art. 37, XIX da CF/88 - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
[7] Art. 37, § 9º da CF/88 - O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.
[8] Art. 37, XVII da CF/88 - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;
[9] Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
[10] Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:[...] II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
[11] Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria.[ADI 2.029, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 4-6-2007, P, DJ de 24-8-2007.]
[12] RE 160.486, Rel. Min. Celso de Mello, j.11.10.1994, 1ª Turma, DJ de 09.06.1995.
Graduado em Direito pela UFERSA. Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Damásio Educacional. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATOS, Italo Goncalves. Empregado público em comissão no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista: uma análise à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2020, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54985/empregado-pblico-em-comisso-no-mbito-das-empresas-pblicas-e-sociedades-de-economia-mista-uma-anlise-luz-da-jurisprudncia-do-tribunal-superior-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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