Resumo: O artigo busca identificar a constitucionalidade do famigerado inquérito das “Fake News” e a fundamentação de sua existência, sem anular o valor fundamental para a democracia que é a liberdade de expressão. Portanto, a hipótese que aqui se enuncia é da constitucionalidade do inquérito instaurado de ofício pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de investigar possíveis atos gravíssimos cometidos contra seus membros. A pesquisa aqui apresentada é movida pela necessidade de se aclarar os limites da liberdade de expressão dentro de uma democracia. Importa mencionar que esse trabalho ganha relevo pela importância da segurança jurídica, principalmente pelos discursos de inconstitucionalidade do inquérito presidido por um dos Ministros do STF, que colocam em dúvida a sua constitucionalidade. Sob o aspecto metodológico, a pesquisa se valeu de uma abordagem hipotética e dedutiva, com cunho analítico.
Palavras-chave: Inquérito – liberdade de expressão.
Abstract: The article seeks to identify the constitutionality of the infamous “Fake News” inquiry and the basis for its existence, without nullifying the fundamental value for democracy, which is freedom of expression. Therefore, the hypothesis stated here is that of the constitutionality of the official investigation initiated by the Supreme Federal Court, in order to investigate possible very serious acts committed against its members. The research presented here is driven by the need to clarify the limits of freedom of expression within a democracy. It is important to mention that this work is highlighted by the importance of legal certainty, mainly due to the unconstitutionality of the inquiry chaired by one of the Ministers of the Supreme Court, that question its constitutionality. Under the methodological aspect, the research used a hypothetical and deductive approach, with an analytical nature.
Keywords: Inquiry - freedom of expression.
SUMÁRIO: 1. Das Considerações Iniciais – 2. Da Liberdade de Expressão na Democracia – 3. Da fase do Inquérito – 4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572 - 5. Conclusão – Referências.
1.DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O debate recente em torno dos limites do exercício da liberdade de expressão em uma democracia ganhou cenário expressivo na mídia na atualidade, muito fomentado por causa da existência da Portaria 69/2019 da Presidência do Supremo Tribunal Federal, pelo qual se determinou a instauração de inquérito para a apuração de ameaças e ofensas a membros (inclusive, a seus familiares) do mais alto escalão do Poder Judiciário.
Nesse sentido, o artigo busca identificar a constitucionalidade do famigerado inquérito das “Fake News” e a fundamentação de sua existência, sem anular com isso o valor fundamental para a democracia que é a liberdade de expressão. Portanto, a hipótese que aqui se enuncia é da constitucionalidade do inquérito instaurado de ofício pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de investigar possíveis atos gravíssimos cometidos contra seus membros.
Assim, para que, ao final, se possa confirmar essa hipótese, será analisada a liberdade de expressão, a sua importância para o controle e preservação da própria democracia, com o respeito aos pensamentos distintos daqueles que hoje possam ser concebidos como os majoritários. Não se buscará, portanto, esmiuçar seus contornos, até porque isso fugiria da proposta deste artigo.
Perpassado, assim, a investigação da origem e importância da liberdade de expressão, o presente artigo introduziu elementos estruturais do inquérito policial, sua natureza e características. Com bases nessas características, foi possível identificar que a autoridade que o preside é ancorada por normas que não podem ser afastadas, entre elas a do caráter preliminar à ação penal e da repetitividade das provas colhidas em fase processual, passando pelo crivo do contraditório.
Faz-se necessária, ainda, a análise da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 572, na qual a Portaria 69/2019 da Presidência do Supremo Tribunal Federal abriu e delegou a presidência do inquérito ao Ministro Alexandre de Moraes, o qual, na posição do presidente do inquérito, determinou várias medidas em prol da investigação.
A pesquisa aqui apresentada é movida pela necessidade de se aclarar os limites da liberdade de expressão dentro de uma democracia e que sua invocação não pode servir de escudo para violentar outros valores que a Constituição Federal prima por eles. Outrossim, preocupou-se a pesquisa em apresentar a aplicação da liberdade de expressão dentro do cenário nacional. Dessa forma, a análise, na sua completude, foi baseada no âmbito jurídico interno, não se buscou angariar comparações com o modelo constitucional internacional, pois a realidade brasileira possui pontos diferentes das europeias e americana.
Importa mencionar que esse trabalho ganha relevo pela importância da segurança jurídica no direito, principalmente pelos discursos de inconstitucionalidade do inquérito presidido por um dos Ministros do STF, com discursos que colocam em dúvida a sua constitucionalidade.
Sob o aspecto metodológico, a pesquisa se valeu de uma abordagem hipotética e dedutiva, com cunho analítico, compromissada com a finalidade de demonstrar por meio de uma base doutrinária que a liberdade de expressão encontra seus limites no próprio texto constitucional.
2.Da Liberdade de Expressão na Democracia
A democracia é um valor de elevada importância para a sobrevivência dos direitos fundamentais, não os sufocando. Um exemplo de Estado Democrático é o Brasil, essa forma de poder estatal está insculpida no artigo primeiro, caput, do texto da Constituição Federal de 1988. Nota-se, com isso, que o adjetivo democrático é carregado de sentido, traduzindo-se na supremacia do poder do povo, o qual terá uma participação crítica e efetiva na coisa pública, do processo político com isonomia. (TENÓRIO, 2014, p. 04).
Nesse contexto, o Estado de Direito é originariamente extraído da doutrina liberal, cujas balizas importavam na submissão ao comando da lei, sendo essa um ato emanado da autoridade competente – legislativo -, composto por representantes do povo, com a presença marcante da divisão dos poderes e enunciado de direitos e garantias individuais. Como é cediço, há outras concepções do que seja um Estado de Direito que variam conforme o conceito de direito que o autor tenha adotado para construir a sua definição (SILVA, 2013, p. 115).
Para Kelsen, por exemplo, o Estado e o Direito são a mesma coisa, não diferenciando o Estado de um conjunto de normas positivas que regem aquele, uma ideia formalista, enxergando as normas desvinculadas de conteúdo econômico, social, político, ideológico entre outros. Essa ideia, capitaneada por Kelsen, transforma o Estado de Direito em um Estado Legal, na qual abrange o Estado na sua totalidade. Em verdade, ao reduzir o Direito a um mero veículo enunciador de leis formais, sem qualquer compromisso com o que seu conteúdo expressado, tornou a possibilidade de quaisquer Estados serem Estado de Direito, ainda que sejam autoritários. Da mesma forma errônea, igualmente a de Kelsen, se há uma redução do conceito de Estado de Direito a um conjunto de normas editadas pelos Poder Legislativo, o Estado de Direito é reduzido para um Estado de Legalidade (SILVA, 2013, p. 116).
O Estado Social de Direito é uma consequência da neutralidade do Estado de Direito no tocante à realização da justiça social, principalmente nos Estados que explicitam em suas constituições capítulos de direitos sociais e/ou econômicos (SILVA, 2013, p. 117). Assim, o Estado Social de Direto busca fazer uma correção no individualismo clássico, atendendo aos objetivos da igualdade material, com prestações positivas por parte do Estado. Contudo, incapaz de preencher a necessidade de uma verdadeira participação popular no processo político.
Diante de tudo isso, desembarga-se no conceito de Estado Democrático de Direito, o qual é assentado no princípio da soberania popular. A bem da verdade, não se compara ao Estado de Direito, no qual a lei geral e abstrata é insuficiente para a realização da igualdade. O Estado Democrático de Direito, de tal sorte, é uma garantia de proteção aos direitos fundamentais e demais garantias constitucionais (SILVA, 2013, p. 119).
Importa mencionar, ainda, que as principais características do Estado Democrático de Direito é o convívio social de forma livre e justa, com igualdade. Para uma sociedade permeada pelo convívio de opiniões distintas, com a garantia do pluralismo político, não basta sua mera existência ou previsão, assim mecanismo devem ser criados para o seu efetivo exercício. Nesse contexto, o princípio da legalidade ganha destaque e notoriedade, despindo-se de seu conceito clássico, indo além da simples previsão legal. O princípio da legalidade paira sobre o Estado com a função de se adequar a realidade, preocupado com a igualdade e justiça social, com condições de intervir nas desigualdades dos socialmente desiguais, indo, dessa feita, além de um preceito normativo geral, abstrato, modificador da ordem jurídica atual (SILVA, 2013, p. 122,123).
Em outro giro, é sabido que o Estado Democrático de Direito comporta alguns princípios, entre os quais se encontra o do sistema de direitos fundamentais (silva, 2013, p. 124). A Constituição Federal de 1988 não traz um rol exaustivo de direitos fundamentais, assim o artigo 5º não os esgotou, atendendo uma necessidade basilar do Estado Democrático de Direito, que é a permanência de um sistema aberto de direitos fundamentais.
Após ter galgado por esses conceitos propedêuticos, no tocante ao Estado Democrático de Direito, cabe analisar o direito fundamental que interessa para a presente pesquisa: a liberdade de expressão, que é uma égide dos principais direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, correspondendo uma das primordiais reivindicações dos homens de todos os anos já passados (MENDES; BRANCO; COELHO, p. 402).
Como é cediço, a Constituição a prevê expressamente no artigo 5º, inciso IV, nos seguintes termos “é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato”. A Lei Maior vai mais do que essa mera previsão, insculpiu em outros incisos e artigos do texto constitucional direitos diversos que estão incluídos no conceito da liberdade de expressão, como a liberdade de comunicação, acesso à informação, artística e científica (MENDES; BRANCO; COELHO, 2009, p. 402,403). Frisa-se, nesse embalo, que a liberdade de expressão é de suma importância para o controle e preservação da própria democracia, com o respeito aos pensamentos distintos daqueles que hoje são os majoritários, buscando tutelar toda e qualquer opinião, avaliação e comentário sobre coisas e pessoas, do interesse privado ao público, garantida pela característica essencial do ser humano que é a convivência social, comunicando-se com liberdade (MENDES; BRANCO; COELHO, 2009, p. 403).
Dessarte, como um direito fundamental e de elevada importância para a sobrevivência da democracia, a Constituição Federal prevê a vedação da censura à liberdade de expressão em seu artigo 220, devendo o Estado se abster de censurar as manifestações de pensamentos e as criações intelectuais por mero dissabor do conteúdo vinculado. Cita-se, ainda, que a liberdade de expressão comporta o direito do seu titular de nada expressar ou de não querer se informar, eliminando a obrigação de seu uso (MENDES; BRANCO; COELHO, 2009, p. 404). Logicamente, nenhum direito fundamental é de gozo obrigatório, caso contrário não seria direito, e sim um dever jurídico, esvaziando por completo o sentido e natureza da liberdade de escolha do próprio cidadão quanto aos aspectos de sua vida.
Outrossim, a liberdade de expressão contempla uma forma estrita, na qual pode ser entendida como puramente o direito de exprimir ideias, opiniões, convicções, sem compromisso com a verdade, não se restringindo a fatos; e concebe uma outra espécie do direito de liberdade de expressão em sentido amplo, que seria do direito de informação, tendo aqui o compromisso de transmitir informações verídicas, fatos com veracidade (SIMÃO; RODOVALHO, 2017, p. 7).
Com base nisso, percebe-se que as manifestações em redes sociais são resultados da liberdade de expressão em sentido amplo, exprimida por seus titulares, que não se submetem ao prévio controle estatal. Todavia, o seu mero exercício não é suficiente para extrair a necessidade de compreender quais os seus limites. Isso porque não há direito absoluto, e o exercício de direitos fundamentais possibilita, pela própria natureza deles, o seu “conflito” com outros direitos de importância semelhante.
Nessa mesma linha, a liberdade de expressão encontra os contornos de seu limite na própria Lei Maior, quando há ou não colisão de direitos fundamentais. Seja pela vedação ao anonimato, consagração do direito de resposta, indenização pela violação da intimidade, vida privada, honra e a imagem das pessoas. Contudo, não é só nos casos expressos na constituição que se extrai os limites de sua efetivação prática, havendo uma vedação ao uso da liberdade de expressão para a quebra violenta da ordem, como os discursos de ódio, que não signifiquem palavras duras ou desagradáveis (MENDES; BRANCO; COELHO, 2009, p. 412). Frisa-se, por sua vez, que a Constituição Federal não abordar apenas um valor fundamental, ela coloca como importantes para o crescimento social diversos valores que não podem ser exterminados pelas pessoas com a justificativa que estão exercendo a liberdade de expressão. Com uma mão o Estado consagra liberdade de expressão, e com a outra ele a limita, com interesse supremo de proteção aos direitos fundamentais como um todo, não singularmente analisados.
Diante disso, cabe citar que o Supremo Tribunal Federal já assentou que o discurso de ódio não é tolerado, não cabe o fomento ao racismo, intolerância racial, numa interpretação prol dignidade da pessoa humana. Admitir, portanto, atentados a valores importantes e fundamentais da democracia ao arrepio da Constituição seria contraditório, é o mesmo que permitir discursos contra os pilares do Estado Democrático de Direito, podendo ocasionar uma intimidação da plena participação social de grupos, corroendo o próprio espírito democrático.
A liberdade de expressão é conflituosa para aqueles que não entendem o seu significado e limites. Diante da falta da tolerância com opiniões contrárias, com o pluralismo de ideias, algumas pessoas se rebelam contra a democracia, indo de encontro com aqueles que exercem o seu direito. Para ilustrar essas palavras, é bom rememorar-se um caso de violência e ódio a esse direito fundamental, que ganhou manchetes pelo mundo afora, o emblemático caso do jornal Charlie Habdo, alvo de fanáticos religiosos que atacaram a sede do jornal francês e perpetraram contra a vida de seus jornalistas (SIMÃO, RODOVALHO, 2017, p. 03).
Não se nega que examinar os limites do direito de exprimir seu pensamento requer uma ponderação bem apurada, agindo com proporcionalidade para não causar um mal maior com a intenção de garantir um bem a outro valor constitucional. Assim, os limites ao direito de expressar opiniões devem ser a regra, como a própria Constituição estabelece ao prever a ilegalidade da censura prévia. Assim, o juízo de proporcionalidade requer analisar cada caso em concreto, sob pena de subverter o próprio texto constitucional.
Por fim, cita-se que a comunicação digital ganho cenário atualmente, sendo um instrumento importante e presente na vida diária de muitas pessoas. O seu crescimento não é o mesmo em todos os países, no tocante aos países Arábia Saudita, Belarus, Burma, Cuba, Egito, Etiópia, Irã, Coreia do Norte, Síria, Tunísia, Turcomenistão, Uzbequistão, Vietnã, Zimbábue, China, Israel, Turquia e Rússia o Estado promoveu uma limitação ao uso das redes sócias pelas pessoas (SIMÃO; RODOVALHO, 2017, p. 3), cada qual num certo nível.
Com isso, fica evidente a conflituosa relação da liberdade de expressão em sociedade, porém é necessário registrar que sua importância promove o progresso humano, sendo o dever do Estado proteger e fomentar esse direito, em que pese algumas pessoas insistam em extrapolá-lo, devendo a partir desse ponto o Estado agir repressivamente e com cautela, em busca de não cometer censura.
3. Da fase do Inquérito
O inquérito policial constitui um conjunto de atos concatenados com a finalidade de apurar a autoria e a materialidade de eventuais infrações penais, sendo o supedâneo para a postulação da ação penal em juízo. Esses atos, portanto, não são exercidos com base na função jurisdicional, e sim de atribuição executiva do Estado com escopo de investigar a existência, circunstâncias, autoria e materialidade de um crime ou contravenção penal (RANGEL, 2013, p. 71).
Diante dos ataques aos membros do Supremo Tribunal Federal (e a própria Corte em si), faz-se necessária a busca de lastro probatórios que possam servir para a formação do opinio delicti, isso porque não é o Supremo Tribunal Federal que irá oferecer denúncia, e sim o Ministério Público Federal. Diante de postagens nas redes sociais, pessoas usam a liberdade de expressão como camuflagem para cometer abusos, violentando direitos fundamentais e a própria ordem constitucional.
Dessa forma, as diligências investigatórias não podem ser obstadas por mera alegação do exercício da liberdade de expressão, pois não são se trata de censura, mas sim averiguar até que ponto determinadas manifestações ofensivas a uma Instituição Democrática é acobertada pela liberdade de expressão.
Frisa-se, ainda, que a polícia judiciária é reconhecida na Constituição Federal em seu artigo 144, cabendo à Polícia Federal, órgão atuante dentro do âmbito da União, apurar os crimes cometidos contra a União ou a seus interesses ou serviços, contra a ordem social e política (NUCCI, 2018, p. 207). Assim, não há irregularidades nas apurações a serem - ou que foram - ordenadas pelo STF à Polícia Federal.
Nesse mesmo contexto, cabe destacar que o inquérito pode iniciar de ofício, a requerimento e a requisição. As requisições, que são exigências, não meros pedidos, são dirigidas ás autoridades policiais, de tal sorte que as requisições não podem ser ignoradas, salvo aquelas que são genéricas, sem dados suficientes para que o delegado possa se enveredar numa providência ou rumo investigatório (NUCCI, 2018, p. 227).
Em que pese não tenha importância significativa para a fundamentação da tese proposta, interessante registrar que a legislação trouxe uma hipótese de substituição do inquérito policial por um termo circunstanciado, efetuado pela polícia, nos casos de práticas infrações de menor potencial lesivo, assim consideradas aquelas que a pena máxima não ultrapasse 2 anos de prisão, cumulada ou não com multa, consoante o disposto no artigo 77, §1º, da lei 9.099/95 (NUCCI, 2018, p. 250).
O indiciamento é um ato próprio e privativo do Delegado de Polícia, pelo qual aponta determinado sujeito como o autor da infração penal, dentro do âmbito de suas investigações. Uma vez convicto do lastro probatório de autoria e materialidade delitiva, não resta alternativa à autoridade policial, possuindo o dever legal de realizar o indiciamento do investigado (NUCCI, 2013, 2018, P. 234). Sendo o indiciamento um ato privativo do delegado, não cabe ao juiz, promotor ou qualquer outra autoridade exigir o indiciamento de quem quer que seja, sob pena de cometimento de infração penal ou administrativa. Em termos mais diretos, a lei 12.830 de 2013 estabeleceu a prerrogativa privativa do Delegado de Polícia para o ato de indiciamento, não dando azo para que outro agente público o faça.
Cita-se, em complementação, que o inquérito tem prazo próprio de 15 dias para sua conclusão, desde que se trate de crime perante a justiça federal, com o réu preso, prorrogáveis por mais 15 dias. É sabido, ainda, que, na justiça estadual, crimes comuns leva o inquérito possuir o prazo de conclusão de 10 ou 30 dias, conforme esteja preso ou solto o acusado. No tocante aos crimes previstos na lei de drogas, o prazo é de 30 dias ou 90, de acordo com a liberdade ou prisão do acusado. Por fim, nos crimes contra a Economia Popular, o prazo para conclusão do inquérito é de 10 dias, mantenha-se o acusado solto ou preso, tendo o Ministério Público até 2 dias para oferecer denúncia pertinente. Em arremate, no que toca aos crimes federais e comuns, estando o acusado solto, o prazo é impróprio, não gerando ilegalidade sua prolongação.
Como é cediço, o inquérito é inquisitivo, não cabe falar de ampla defesa e contraditório da forma que há na fase processual. Tanto é assim que o magistrado não pode se valer do inquérito exclusivamente para condenar o acusado, devendo renovar as provas, em regra, pelo crivo do contraditório e da ampla defesa na fase judicial. Importar mencionar que o inquérito é sigiloso, mutatis mutandis, sendo peça preliminar para a acusação. Esse sigilo possui a finalidade de preservar as investigações em andamento, respeitada as prerrogativas dos advogados.
Dito isso, importa dizer que a presidência do inquérito pode ter uma autoridade distinta da policial, haja vista a existência de algumas disposições normativas esparsas que autorizam essa excepcionalidade. Em caráter de exemplo, cita-se o caso de procedimento que tenha magistrado por investigado, pelo qual os autos da investigação devem necessariamente ser remetidos para o Tribunal competente para o julgamento, conforme o artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar 35/79 (NUCCI, 2018, 209). Enfim, há outros casos que a doutrina aponta, como as comissões de inquérito parlamentar.
Gizadas essas informações antecedentes, faz-se necessário arrematar o raciocínio constatando que o inquérito policial não é de presidência exclusiva da autoridade policial, mesmo que essa seja a regra. Conforme visto acima, há lei autorizando essa função aos tribunais ou, até mesmo, aos parlamentares no caso de inquérito parlamentar. Contudo, a transferência da presidência não retira os atributos que o inquérito possui, seja o sigilo ou seu caráter preliminar a uma ação penal, devendo suas provas colhidas serem submetidas ao contraditório e ampla defesa.
4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572
A ADPF 572 recaiu em face da Portaria GP n.º 69, de 14 de março de 2019, que permitiu a abertura do Inquérito nº 4781, de presidência do Supremo Tribunal Federal. Importa mencionar, assim, que o motivo para a abertura desse inquérito perpassou pela necessidade de investigação de informações falsas e caluniosas, notícias fraudulentas, ameaças e atos que podem configurar crimes contra a honra e ferir a honorabilidade e a segurança do STF, numa tentativa de impedir o livre exercício das funções jurisdicionais e da própria estabilidade democrática (STF, 2020, on-line).
Uma vez julgado, o resultado foi de dez votos favoráveis pela constitucionalidade do inquérito das Fake News contra apenas um. Acompanharam, portanto, o voto do Relator Ministro Edson Fachin, o qual indicou em seu voto que os atos de incitação ao fechamento do STF, ameaças de prisão aos seus membros e, inclusive, de morte não estariam abarcadas pelo princípio da liberdade de expressão, estabelecendo que o inquérito não corre à revelia do controle do Ministério Público, devendo respeitar as garantias constitucionais no tocante aos investigados. Em sentido contrário, o único a divergir, Ministro Marco Aurélio, indicou a não recepção do dispositivo 43 do regimento interno do STF, o qual permitiu ao Presidente da Suprema Corte Federal instalar o inquérito, em seu sentir a norma não teria compatibilidade com a Constituição Federal.
Antes de tudo, cabe citar que a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental é utilizada como mecanismo constitucional de controle de constitucionalidade de questões controvérsias relevantes ou da compatibilidade de atos normativos anteriores ao ano de 1988 com a Lei Maior, sendo concebida como subsidiárias as demais ações constitucionais (MENDES; BRANCO; COELHO, 2009, p. 1195). Assim, atos normativos anteriores ao texto constitucional submetem-se ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF, que permitirá analisar a controvérsia via controle concentrado, sendo uma ação subsidiária das outras ações objetivas constitucionais.
Nesse mesmo arremate, cabe esclarecer que o instituto que Ministro Marco Aurélio alegou, ou seja, a não recepcionalidade do dispositivo do regimento interno do STF supramencionado. A não recepção é o afastamento de norma anterior ao texto constitucional, negando-se compatibilidade com a Constituição Federal vigente. Dessa forma, não há nulidade, pois o parâmetro de validade não é a Constituição, mas sim se o ato está de acordo com os valores adotados pela Lei Maior.
Segundo narrou o Ministro Relator da ADPF 572, há registro de práticas de ameaças, ofensas e pedidos de fechamento do Supremo Tribunal Federal. Logo, há elementos que comprovem a necessidade de no mínimo se apurar em que situação essas atos estão inseridos. Tendo autorização em seu regimento interno, sendo algo excepcional, não cabe exigir a delegação desse pedido ao PGR – Procurador Geral da República. Contudo, não torna esse inquérito numa panaceia, pois o Ministério Público exercerá o controle dos atos praticados pela Polícia Federal, inclusive cabendo aos investigados recorrer ao próprio Supremo Tribunal Federal em caso de ilegalidade ou de sua ameaça.
Conforme visto acima, a liberdade de expressão é um preceito fundamental de uma democracia, não tendo condão de ser um valor absoluto. Aliás, a busca da sua preservação não pode ser feita permitindo atentados contra a Democracia e suas Instituições, não permitindo que “pervertidos” destruam ou promovam a destruição do equilíbrio democrático se valendo de prerrogativas que são para prover a democracia. Vale dizer, ainda, que não se trata de perseguir aqueles que possuam opiniões distintas, ideologias diferentes, e sim garantir que discursos antidemocráticos instituam uma sociedade da intolerância ao próximo.
5.Conclusão
Galgado tudo isso, a conclusão a ser tratada aqui percorreu três fundamentos específicos, já estudados acima. Neste ponto, far-se-á uma fundamentação, pelo prisma da liberdade de expressão, da constitucionalidade do inquérito da famigerada “fake news” aberto de ofício pela Augusta Corte, a fim de apurar eventuais práticas delituosas contra o Supremo Tribunal Federal.
Em primeiro lugar, a Constituição Federal não consagrou apenas um valor fundamental, mas sim estabeleceu como importantes para o crescimento social diversos valores que não podem ser exterminados pelas pessoas com a justificativa que estão exercendo a liberdade de expressão. A esse respeito, com uma mão o Estado consagra liberdade de expressão, e com a outra ele a limita. Conquanto seja inegável que a liberdade de expressão não é uma salvaguarda para práticas delituosas, sua preservação e respeito são condições para a manutenção da democracia, cabendo um outro trabalho para analisar os mínimos detalhes desse valor fundamental para o Estado Democrático de Direito e de seus limites.
Em segundo lugar, o inquérito policial não é de presidência exclusiva da autoridade policial, mesmo que essa seja a regra. Nesse quadro, frisa-se que não significa que o inquérito fugirá da participação do Ministério Público, pelo contrário. Até porque a titularidade oferecer denúncia continua pertencendo ao Parquet.
Por fim, analisando-se a ADPF 572, conclui-se que há elementos que comprovem a necessidade de se apurar com seriedade em que situação essas atos estão inseridos. Aqui, portanto, não se propõe torna esse inquérito numa panaceia, pois o Ministério Público exercerá o controle dos atos praticados pela Polícia Federal em cumprimento de ordem do STF em sede do inquérito, inclusive cabendo aos investigados recorrer ao próprio Supremo Tribunal Federal em caso de ilegalidade ou de sua ameaça. Contudo, atos que visam a instabilidade democrática são passíveis de, no mínimo, investigações sérias, serenas e probas.
Referências
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inogêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4º edição. São Paulo, editora Saraiva, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 15º Edição. Editora Forense. São Paulo. 2018.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 21º edição. Editora Atlas, 2013.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37º edição. São Paulo. Editora Método, 2013.
SIMAO, José Luiz de Almeida; RODOVALHO, Thiago. A Fundamentalidade do Direito à Liberdade de Expressão: As Justificativas Instrumental e Constitutiva para a Inclusão no Catálogo dos Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Porto Alegre, v. 12, n. 1, set. 2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/ppgdir. Acesso em: 19.06.2020.
STF. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental: 572. Relator: Ministro EdsonFachin.DJ:http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/informativoSTF/anexo/Informativo_PDF/981.pdf. Acesso em: 18.07.2020.
TENÓRIO, Rodrigo. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Tem experiência na área jurídica, ex-estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo - Intervenção/difusos - área de Direito de Família e Sucessões; ex- Aluno Monitor de Direito Constitucional da PUCCAMPINAS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, RELIVALDO JOSE DA. Uma Análise do Chamado “Inquérito das Fake News” pelo Prisma da Liberdade de Expressão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2020, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55043/uma-anlise-do-chamado-inqurito-das-fake-news-pelo-prisma-da-liberdade-de-expresso. Acesso em: 23 dez 2024.
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