RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo aprofundar a compreensão sobre a arbitragem nas relações trabalhistas, apresentando aspectos sociais, psicológicos e jurídicos, diante da multidisciplinaridade do tema. Para tanto, o trabalho aborda as profundas mudanças sociais ocasionadas nas relações laborais, de que forma tais mudanças modificaram o tratamento normativo sobre o tema, os critérios que possibilitam a submissão do conflito trabalhista à arbitragem, bem como as vantagens e desvantagens da solução arbitral.
SUMÁRIO: 1. Conceito; 2. A arbitragem trabalhista após a lei nº 13.467/2017; 3. A incapacidade econômica de uma das partes após a celebração da cláusula compromissória; 4. Critério para submissão do conflito à arbitragem; 5. A capacidade das partes para submissão do conflito à arbitragem; 6. O momento para pactuação da arbitragem; 7. Arbitragem trabalhista de direito ou equidade; 8. O montante da remuneração e o art. 507-A da CLT; 9. A negociação coletiva e a arbitragem trabalhista; 10. Conclusão; e 11. Referências.
1.Conceito
A arbitragem no Brasil é um meio facultativo de solução de conflitos, posto que se trata de uma opção proporcionada a pessoas capazes para solucionar litígios relacionados a direitos disponíveis.
A arbitragem pode ser explicada como:
“um processo de solução de conflitos jurídicos pelo qual o terceiro, estranho aos interesses das partes, tenta conciliar e, sucessivamente, decide a controvérsia”[1].
É, portanto, um mecanismo de heterocomposição de solução do conflito, pois o árbitro não pertence ao Estado:
“Essa interferência, em geral, era confiada aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciões, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados”[2].
Nas palavras de Carlos Alberto Carmona:
“Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes. Essa característica impositiva da solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distância da mediação e conciliação, que são meios autocompositivos de solução de litígios, de tal sorte que não existirá decisão a ser imposta às partes pelo mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão (que não vincula as partes)”[3].
Para Scavone Junior, a arbitragem é um:
“meio privado e alternativo de solução de conflitos referente aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral”[4].
Dessa forma, não há qualquer violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88) a instituição da arbitragem nas lides trabalhistas.
O procedimento arbitral é instituído por meio de uma convenção de arbitragem que de acordo com o art. 3º da Lei 9.307/96 compreende tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral.
A cláusula compromissória, prevista no art. 4º da Lei 9.307/96, é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato, vale dizer, antes do conflito surgir, as partes determinam, que uma vez ele ocorrendo, a sua solução, será pela arbitragem.
Já o compromisso arbitral, regulado no art. 9º da Lei 9.307/96, é o negócio jurídico por meio do qual as partes submetem à arbitragem um conflito já existente. Trata-se, pois, de um contrato em que as partes renunciam a possibilidade sujeição do litígio à atividade jurisdicional estatal.
No compromisso arbitral, que pode ocorrer de forma judicial ou extrajudicial, o conflito já existe e as partes formalizam a escolha da arbitragem para a solução do litígio[5].
Assim, a arbitragem se caracteriza por dois elementos essenciais: são as partes da controvérsia que escolhem livremente quem vai decidi-la, os árbitros, e são também as partes que conferem a eles o poder e a autoridade para proferir tal decisão[6].
2.A arbitragem na legislação trabalhista
A Constituição Federal de 1988 trata de forma expressa a possibilidade de solução de litígios coletivos de trabalho por intermédio da arbitragem (art. 114 § 1º e 2º):
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Em relação aos conflitos individuais, foi silente, embora não tenha proibido tal hipótese[7].
Marcio Yoshida alega não haver qualquer proibição, além da contida no art. 1.º da Lei de Arbitragem, para a sua utilização para solução de conflitos individuais do trabalho[8].
Já a Lei de Greve (Lei 7.783/89) dispõe em seu art. 7º que:
“Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.” (grifos nossos)
Já a Lei 10.101, que trata da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados, fruto da Medida Provisória nº 1.487/96[9], traz previsão expressa de uma “Arbitragem de Ofertas Finais”, caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse.
A Lei 9.307/96 restringe a arbitragem a direitos patrimoniais disponíveis. A doutrina e jurisprudência não admitiam a instituição da arbitragem para solução de conflitos individuais do trabalho, de acordo com os seguintes argumentos:
a) irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas;
b) hipossuficiência do trabalhador;
c) o estado de subordinação existente durante o contrato de trabalho impede que o trabalhador manifeste a sua vontade para aderir a uma cláusula compromissória.
Assim, é a posição de Carlos Henrique Bezerra Leite:
“A arbitragem, embora prevista expressamente no artigo 114, § § 1º e 2º, da CF, é raramente utilizada para solução dos conflitos coletivos trabalhistas, sendo certo que o art. 1º da Lei nº 9.307/96 vaticina que a arbitragem só pode resolver conflitos em que estejam envolvidos direitos patrimoniais disponíveis, o que, em linha de princípio, inviabiliza sua aplicação como método de solução dos conflitos individuais trabalhistas. Uma exceção seria a indicação, por consenso entre trabalhadores e empregador, de um árbitro para fixar o valor de um prêmio instituído pelo empregador”.
De igual modo, a jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho não aceitava a arbitragem como meio de resolução do conflito individual trabalhista, conforme se verifica na seguinte ementa:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nos 13.015/2014 E 13.105/2015 E ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 - DESCABIMENTO . 1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 1. A SBDI-1 firmou a compreensão de que , na preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, para fins de atendimento do art. 896, § 1º-A, da CLT a parte deverá indicar, nas razões de revista, os trechos da decisão recorrida (inciso I deste artigo) e da petição dos embargos de declaração (incisos II e III), para o necessário cotejo de tese , que demonstram efetivamente que a parte requereu manifestação do Tribunal Regional sobre as questões que entende omissas . 2. Assim, não é possível o exame da preliminar quando o conjunto probatório revelar que o autor optou pela constituição de empresa de representação comercial e a contestação da possibilidade de existência de comissões faturadas e não pagas. 3. Em relação à eleição do juízo arbitral, com base no disposto no art. 8º da Lei nº 9.307/96, houve manifestação expressa acerca da matéria , pelo que não há que se cogitar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. 2. ARBITRAGEM. INAPLICABILIDADE AO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO. RECURSO ANTERIOR À LEI 13.467/2017. 2.1. Não há dúvidas, diante da expressa dicção constitucional (CF, art. 114, §§ 1º e 2º), de que a arbitragem é aplicável na esfera do Direito Coletivo do Trabalho. O instituto encontra, nesse universo, a atuação das partes em conflito valorizada pelo agregamento sindical. 2.2. Na esfera do Direito Individual do Trabalho, contudo, outro será o ambiente: aqui, os partícipes da relação de emprego, empregados e empregadores, em regra, não dispõem de igual poder para a manifestação da própria vontade, exsurgindo a hipossuficiência do trabalhador (bastante destacada quando se divisam em conjunção a globalização e tempo de crise). 2.3. Esta constatação medra já nos esboços do que viria a ser o Direito do Trabalho e deu gestação aos princípios que orientam o ramo jurídico. O soerguer de desigualdade favorável ao trabalhador compõe a essência dos princípios protetivo e da irrenunciabilidade, aqui se inserindo a indisponibilidade que gravará a maioria dos direitos - inscritos, quase sempre, em normas de ordem pública - que amparam a classe trabalhadora. 2.4. A Lei nº 9.307/96 garante a arbitragem como veículo para se dirimir "litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1º). A essência do instituto está adstrita à composição que envolva direitos patrimoniais disponíveis, já aí se inserindo óbice ao seu manejo no Direito Individual do Trabalho (cabendo rememorar-se que a Constituição Federal a ele reservou apenas o espaço do Direito Coletivo do Trabalho). 2.5. A desigualdade que se insere na etiologia das relações de trabalho subordinado, reguladas pela CLT, condena até mesmo a possibilidade de livre eleição da arbitragem (e, depois, de árbitro), como forma de composição dos litígios trabalhistas, em confronto com o acesso ao Judiciário Trabalhista, garantido pelo art. 5º, XXXV, do Texto Maior. 2.6. A vocação protetiva que dá suporte às normas trabalhistas e ao processo que as instrumentaliza, a imanente indisponibilidade desses direitos e a garantia constitucional de acesso a ramo judiciário especializado erigem sólido anteparo à utilização da arbitragem no Direito Individual do Trabalho. 2.7. Vale ressaltar que o art. 507-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, não possui aplicação retroativa . 3. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO . Escudado unicamente em aresto inservível (art. 896, "a", da CLT), o apelo deixa de respeitar seus pressupostos de aparelhamento. Interposto à deriva dos requisitos traçados no art. 896 da CLT, não merece processamento o recurso de revista. 4. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. Provados os fatos que envolvem a causa, remanesce ociosa a alegação de maltrato às regras de distribuição do ônus da prova (arts. 818 da CLT e 373, I, do CPC). Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-2810-32.2012.5.03.0029, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 09/02/2018).
Dessa forma, antes da Lei 13.467/2017, prevalecia o entendimento de que a arbitragem, quanto ao Direito do Trabalho, ficava restrita ao Direito Coletivo e algumas leis esparsas, sendo que, na prática, essa faculdade de instituir a arbitragem, raramente, foi utilizada, diversamente do que ocorre em outros países[10].
O Código de Processo Civil, por sua vez, estimula os mecanismos extrajudiciais de solução dos litígios, inclusive, por intermédio da arbitragem, conforme se extrai da redação do art.3º:
“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Vejamos que a previsão acima, aplicável de forma subsidiaria e subsidiaria ao direito processual do trabalho incentivou a arbitragem na solução dos conflitos trabalhistas.
3.A Arbitragem Trabalhista após a Lei 13.467/2017.
Com o advento da Lei n. 13.467/2017, passa-se a admitir o seu cabimento, nos termos do art. 507-A introduzido na CLT:
“Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.”
Percebe-se que a redação legal se inspirou em decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre a instituição da arbitragem na seara do Direito do Consumidor.
O STJ sempre foi muito cuidadoso em admitir a possibilidade de arbitragem no Direito do Consumidor, considerando que o consumidor é a parte hipossuficiente, assim como o trabalhador, nota-se semelhança entre o Direto do Consumidor e o Direito do Trabalho.
Nesse sentido, vejamos ementa do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CONTRATO DE ADESÃO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE, RESPEITADOS DETERMINADAS EXCEÇÕES.
1. Um dos nortes a guiar a Política Nacional das Relações de Consumo é exatamente o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (CDC, art. 4°, § 2°), inserido no contexto de facilitação do acesso à Justiça, dando concretude às denominadas "ondas renovatórias do direito" de Mauro Cappelletti.
2. Por outro lado, o art. 51 do CDC assevera serem nulas de pleno direito "as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem". A mens legis é justamente proteger aquele consumidor, parte vulnerável da relação jurídica, a não se ver compelido a consentir com qualquer cláusula arbitral.
3. Portanto, ao que se percebe, em verdade, o CDC não se opõe a utilização da arbitragem na resolução de conflitos de consumo, ao revés, incentiva a criação de meios alternativos de solução dos litígios; ressalva, no entanto, apenas, a forma de imposição da cláusula compromissória, que não poderá ocorrer de forma impositiva.
4. Com a mesma ratio, a Lei n. 9.307/1996 estabeleceu, como regra geral, o respeito à convenção arbitral, tendo criado, no que toca ao contrato de adesão, mecanismos para proteger o aderente vulnerável, nos termos do art. 4°, § 2°, justamente porque nesses contratos prevalece a desigualdade entre as partes contratantes.
5. Não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade. Ademais, há situações em que, apesar de se tratar de consumidor, não há vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção.
6. Dessarte, a instauração da arbitragem pelo consumidor vincula o fornecedor, mas a recíproca não se mostra verdadeira, haja vista que a propositura da arbitragem pelo policitante depende da ratificação expressa do oblato vulnerável, não sendo suficiente a aceitação da cláusula realizada no momento da assinatura do contrato de adesão.
Com isso, evita-se qualquer forma de abuso, na medida em o consumidor detém, caso desejar, o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar eventual lide com o prestador de serviços ou fornecedor. É que a recusa do consumidor não exige qualquer motivação. Propondo ele ação no Judiciário, haverá negativa (ou renúncia) tácita da cláusula compromissória.
7. Assim, é possível a cláusula arbitral em contrato de adesão de consumo quando não se verificar presente a sua imposição pelo fornecedor ou a vulnerabilidade do consumidor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo consumidor ou, no caso de iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição, afastada qualquer possibilidade de abuso.
8. Na hipótese, os autos revelam contrato de adesão de consumo em que fora estipulada cláusula compromissória. Apesar de sua manifestação inicial, a mera propositura da presente ação pelo consumidor é apta a demonstrar o seu desinteresse na adoção da arbitragem - não haveria a exigível ratificação posterior da cláusula -, sendo que o recorrido/fornecedor não aventou em sua defesa qualquer das exceções que afastariam a jurisdição estatal, isto é: que o recorrente/consumidor detinha, no momento da pactuação, condições de equilíbrio com o fornecedor - não haveria vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção; ou ainda, que haveria iniciativa da instauração de arbitragem pelo consumidor ou, em sendo a iniciativa do fornecedor, que o consumidor teria concordado com ela. Portanto, é de se reconhecer a ineficácia da cláusula arbitral.
9. Recurso especial provido.
(REsp 1.189.050/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, DJe 14/3/2016)
O entendimento do STJ é interessante, já que, sendo o fornecedor uma grande empresa, tem condições de instituir cláusulas sem que o consumidor possa discuti-las. A rigor, o consumidor e o fornecedor não estão com as mesmas condições de igualdade, da mesma forma que o empregador e o empregado. Podemos dizer, que em ambas as hipóteses, estamos diante de contratos de adesão.
O STJ tem entendimento no sentido de que pode haver previsão de cláusula compromissória no contrato de consumo, ou seja, antes do conflito existir. Contudo, isso não pode obstar o consumidor de acessar o Poder Judiciário, caso assim entenda.
Conclui-se, portanto, que o uso da arbitragem é opção do consumidor. A cláusula compromissória, embora prevista no contrato de consumo, só terá eficácia caso o aderente consumidor tenha a iniciativa de instituir a arbitragem.
A segunda situação admitida pelo STJ é a de concordância expressa do consumidor quanto à instituição da arbitragem. É o caso, por exemplo, em que o fornecedor leva o conflito ao juízo arbitral e o consumidor, em sua contestação, concorda expressamente com a arbitragem. Importante ressaltar que o silêncio não vale para o STJ.
Ante o exposto, nota-se que o texto legal do art. 507-A da CLT guarda bastante semelhança com o tratamento utilizado pelo STJ em seus acórdãos.
Assim, conclui-se que, embora não esteja explícito no art. 507-A, a jurisprudência caminhará no sentido de que as partes podem instituir a arbitragem no contrato de trabalho, contudo, a cláusula compromissória apenas terá eficácia caso o trabalhador opte, livremente, por levar o conflito trabalhista para o árbitro; ou quando o empregado manifestar expressamente sua concordância com a arbitragem perante o próprio juízo arbitral.
Percebe-se que a inovação legislativa trazida pela Lei 13.467/17 rompe com a jurisprudência até então dominante, fomenta vários questionamentos que serão abordados nesse texto.
4.A incapacidade econômica de uma das partes após a celebração da cláusula compromissória.
Embora celebrada a cláusula arbitral, não há que se negar a possibilidade de solução do litígio por intermédio do Poder Judiciário a parte que não dispõe de meios para suportar os encargos decorrentes da arbitragem.
Assim, em decorrência da insuficiência econômica de uma das partes, ou a outra parte custeará integralmente a arbitragem, o que não está obrigada a fazer ou abre-se a oportunidade de ajuizamento da ação trabalhista perante a Justiça do Trabalho, o que se mostra compatível com a garantia constitucional de acesso à (Constituição, art. 5º, XXXV), como já decidiu o Bundesgerichthof, no célebre processo do encanador[11].
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal retirou a obrigatoriedade de convenção arbitral, em caso de insuficiência econômica de uma das partes, observada após a assinatura da cláusula.
Importante destacar que mão importa apurar os motivos que impossibilitaram a parte de arcar com as despesas da arbitragem. De acordo com o Tribunal Constitucional de Portugal[12], basta o indicativo objetivo dessa incapacidade econômica da parte para que seja possível a solução do litígio pelo Poder Judiciário.
5.Critério para submissão do conflito à arbitragem
No sistema jurídico brasileiro, a arbitragem é admitida no caso de litígio envolvendo “direitos patrimoniais disponíveis”[13], vale dizer, a possibilidade de resolver-se um litígio por intermédio da arbitragem, é determinada a partir de critério ratione materiae[14].
Adotava-se, portanto, o critério da disponibilidade do direito, para a admissão da arbitragem, também utilizado em outros sistemas jurídicos, como em Angola, nos termos da Lei n. 16/03, art. 1º, n. 1.
De igual modo, no direito português, a autora Isabel Gonçalves diz que:
“não é fácil apurar se determinada relação jurídica é ou não indisponível e, por outro lado, mesmo no primeiro caso nem todas as vicissitudes da relação jurídica ou do direito são indisponíveis”[15].
O entendimento majoritário no âmbito trabalhista vai no sentido de que os créditos do empregado são irrenunciáveis – e, portanto, imunes a atos unilaterais dos empregados ou a acordos extrajudiciais não revestidos de formalidades – mas não chegam ao patamar do indisponível – pois, do contrário, nem ao menos poderia haver prescrição trabalhista ou acordo judicial, com ou sem concessões recíprocas.
É como se a irrenunciabilidade, tão estudada pelos tratadistas juslaborais, estivesse num degrau abaixo ou numa dimensão de menor densidade da indisponibilidade, muito cara aos direitos da personalidade, por exemplo.
A diferenciação entre o indisponível e o irrenunciável sempre foi feita sob grande tensão no direito do trabalho em geral e na legislação brasileira em particular, pois esconde algumas inconsistências e contradições.
Por exemplo, não se admite que o empregado seja transferido de localidade, mas se admite ampla liberdade na rescisão contratual. Não se admitem acordos extrajudiciais realizados no âmbito do departamento pessoal de uma empresa, mas se admitem acordos feitos na sala de espera dos fóruns trabalhistas, às vezes sem a presença do empregado, em nome de uma formalidade que aos poucos se esvaiu.
Assim, não se admitia a arbitragem, mas se impunha os efeitos da prescrição e da transação judicial sobre todas as parcelas trabalhistas.
Direito patrimonial disponível, nas palavras de Belizário Antônio de Lacerda, é:
“todo aquele direito que, advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda dos proventos de qualquer natureza, como os acréscimos patrimoniais não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser livremente negociado pela parte, visto que não sofre qualquer impedimento de alienação, quer por força de lei, quer por força de ato de vontade”[16].
Nesta lógica, apenas questões que não envolverem direito que admita transação não são passíveis de arbitragem, como questões penais, referentes ao estado das pessoas, tributárias.
Conforme mencionado, várias normas atinentes ao contrato individual de trabalho admitem a possibilidade de renúncia e transação, o que permite a conclusão, de acordo com grande parte da doutrina, da disponibilidade de direitos que a princípio são considerados indisponíveis[17].
Eduardo F. Ricci, tratando sobre a questão da conexão lógica entre disponibilidade do objeto da lide e admissibilidade de arbitragem, afirma que ela seria verdadeiramente imprescindível se a sentença arbitral, em vez de ser o equivalente da decisão judicial proferida pelo juiz, no que se refere a seus efeitos, fosse o equivalente de contrato privado estipulado pelas partes, a fim de solucionar a lide mediante transação ou conciliação.
Afirma que nesse caso, as partes obteriam, mediante o árbitro, a mesma finalidade que poderiam conseguir diretamente por meio de acordo. Conclui que esse tipo de arbitragem realmente exige a disponibilidade da lide como pressuposto.
Contudo, o mencionado autor alega que é diferente a situação da arbitragem disciplinada pela Lei n.º 9.307/96, pois a convenção de arbitragem não é convenção sobre o objeto da lide, nem ato de disposição do direito controvertido, é convenção sobre a escolha do juiz[18].
Por outro lado, o art. 507-A adotou critério diverso. Não utilizou a natureza do direito em si para definir a aplicação da arbitragem nos direitos individuais trabalhistas. Ao contrário, partiu de um dos elementos do contrato de trabalho, a saber, o valor da remuneração pactuada, sendo que acima de certa remuneração, a arbitragem é admitida na solução dos conflitos individuais do trabalho, abaixo, não.
O legislador pátrio adotou a ideia de que a remuneração mais elevada implica maior capacidade negocial, o que justifica a celebração da cláusula arbitral.
O critério adotado pelo art. 507-A da CLT não é de todo desarrazoado, uma vez que remunerações mais elevadas estão normalmente associadas a uma maior capacidade de negociação contratual.
Contudo, pode-se suscitar questionamento quanto ao valor estabelecido pela norma trabalhista não ser suficientemente adequado a fim de garantir uma verdadeira capacidade negocial do trabalhador.
Denota-se que o valor mencionado pelo art. 507-A da CLT substitui o conceito aberto correspondente à capacidade negocial do trabalhador.
O art. 507-A da CLT tornou disponíveis todos os direitos trabalhistas dos empregados que recebem mais que o teto ali imposto ao autorizar que a eventual lide decorrente desse contrato de emprego possa ser resolvida pela arbitragem.
O legislador partiu da premissa de que os empregados que percebem mais que duas vezes o teto da Previdência são hipersuficientes, pois tanto o empregado precisa do emprego como o patrão de seu serviço.
A intenção foi tornar disponíveis os direitos trabalhistas, podendo a lide ser apreciada pelo árbitro.
Verifica-se, ainda, que o legislador não exigiu a permanência de remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social ao longo de todo o contrato de trabalho como fundamento para a eficácia da cláusula arbitral.
Portanto, caso o benefício previdenciário for elevado posteriormente à cláusula arbitral, sem, contudo, que a remuneração do trabalhador seja majorada, o ajuste entre as partes não fica prejudicado.
Por outro lado, a cláusula compromissória ajustada quando a remuneração do empregado for inferior ao limite legal é inválida, sendo que, posterior majoração da remuneração por si só, não é suficiente para convalidar a cláusula[19]. É necessária, portanto, uma nova pactuação, nos moldes do art. 507-A da CLT.
6.A capacidade das partes para submissão do conflito à arbitragem
A rigor, o art. 507-A da CLT não exige a capacidade das partes como pressuposto de validade da cláusula compromissória de arbitragem, portanto, um trabalhador incapaz com ganhos elevados, como um menor artista poderia ter em seu contrato o ajuste para eventual lide seja submetida à arbitragem.
Contudo, o próprio art. 507-A da CLT faz remissão aos “termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996”, sendo que o art. 1º da Lei 9.307/1996[20] exige a capacidade de contratar para a adoção da arbitragem.
Ainda que assim não fosse, a arbitragem ocorre pela celebração de negócio jurídico – cláusula compromissória ou compromisso arbitral – e estes, como se sabe, tem como pressuposto de validade a capacidade do agente[21].
7.Momento para pactuação da arbitragem
Interessante observar que o art. 507-A da CLT menciona apenas a possibilidade de celebração da clausula compromissória, excluindo-se, a possibilidade de ajuste de compromisso arbitral.
A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato, vale dizer, antes do conflito surgir, as partes determinam, que uma vez ele ocorrendo, a sua solução, será pela arbitragem, nos termos do art. 4º da Lei 9.307/96.
Na fase pré-contratual, se o valor da remuneração avençado pelas partes supera o limite estabelecido pelo art. 507-A da CLT, é lícito às partes celebrarem a cláusula compromissória de arbitragem.
A cláusula compromissória pode ser firmada durante a vigência do contrato de trabalho. Assim, o empregado, que, após uma promoção, passa a ganhar remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá pactuar cláusula compromissória de arbitragem.
O silêncio inicial não obsta negociação posterior durante a execução do contrato de trabalho, inclusive, até a recusa manifestada em um primeiro momento não é definitiva. Em um novo momento, chegando as partes a acordo, pode ser adotada a cláusula.
Uma vez extinto o contrato de trabalho, a subordinação desaparece, com mais razão, pode-se pactuar a cláusula compromissória. A doutrina aponta para a faculdade da arbitragem após a extinção do contrato de trabalho, uma vez que:
“with regard to the consent of an employee…an arbitration agreement made after the termination of the labour contract raises no serious concerns about the employee being manipulated by the employer”[22].
Debate interessante será no sentido de ser possível a arbitragem após a extinção do contrato de trabalho para todos os trabalhadores ou teremos que respeitar os requisitos do art. 507-A da CLT.
Nesse sentido, vale transcrever ementa do Tribunal Superior do Trabalho com entendimento anterior a novel normatização da arbitragem trabalhista no sentido de que sequer após a extinção do contrato de trabalho será possível a submissão do conflito à arbitragem:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CÂMARA DE ARBITRAGEM. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE ARBITRAGEM NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE EMPREGO
1. Controvérsia estabelecida nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, em que se busca impor a pessoa jurídica de direito privado obrigação de abster-se de promover a arbitragem de conflitos no âmbito das relações de emprego.
2. Acórdão proferido por Turma do TST que, a despeito de prover parcialmente recurso de revista interposto pelo Parquet , chancela a atividade de arbitragem em relação ao período posterior à dissolução dos contratos de trabalho, desde que respeitada a livre manifestação de vontade do ex-empregado e garantido o acesso irrestrito ao Poder Judiciário. Adoção de entendimento em que se sustenta a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas, após a extinção do vínculo empregatício.
3. Seja sob a ótica do artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, o instituto da arbitragem não se aplica como forma de solução de conflitos individuais trabalhistas. Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de trabalho passíveis de transação ou renúncia, a manifestação de vontade do empregado, individualmente considerado, há que ser apreciada com naturais reservas, e deve necessariamente submeter-se ao crivo da Justiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva. Inteligência dos artigos 7º, XXVI, e 114, caput , I, da Constituição Federal.
4. Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empregado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais que regem o Direito Individual do Trabalho. Artigo 9º da CLT.
5. O princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Trabalho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996, no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Proteção que se estende, inclusive, ao período pós-contratual, abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho. A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particular fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão afasta a possibilidade de adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento da vontade do trabalhador diante de tal panorama.
6. A intermediação de pessoa jurídica de direito privado - "câmara de arbitragem" - quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas , não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil.
7. Embargos do Ministério Público do Trabalho de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento "
(E-ED-RR-25900-67.2008.5.03.0075, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 22/05/2015).
8.Arbitragem trabalhista de direito ou de equidade
A arbitragem pode ser de direito ou de equidade[23]. A livre pactuação da modalidade de arbitragem será afastada quando envolver a administração pública, impõe-se, no caso a arbitragem de direito em observância ao princípio da legalidade[24].
O grande debate da arbitragem por equidade em conflitos trabalhistas individuais advém do fato de que boa parte das normas de Direito do Trabalho são de ordem pública e não podem ter sua incidência excluída de aplicação pela vontade das partes, dado seu caráter tutelar e norteador das relações laborais[25].
O art. 507-A da CLT é omisso quanto ao assunto. Contudo, a Lei 13.467/2017 não derrogou o art. 9º da CLT de modo que não há espaço para que as partes estipulem arbitragem por equidade em litígio trabalhista individual, o que, se aceito, permitiria a exclusão da incidência das normas legais na solução do conflito arbitral.
Se a cláusula compromissória estipula a arbitragem por equidade, põe-se a questão de saber se a invalidade atinge todo o instituto, deixando aberta a possibilidade judicial, ou se viola apenas o critério previsto, mantida a sentença arbitral, a ser feita, porém, segundo as regras de direito.
A rigor, o problema central está na extensão da nulidade parcial. É importante analisar a intenção prática das partes.
Se pactuaram a cláusula com o escopo de resolver o conflito por equidade, todo o ajuste é inválido. Não há como o decompor o ajuste, pois a invalidade do fim principal buscado – solução por equidade – compromete todo o acordo.
É a solução que resulta também do art. 1.419, do Código Civil italiano:
“La nullità parziale di un contratto o la nullità di singole clausole importa la nullità dell'intero contratto, se risulta che i contraenti non lo avrebbero concluso senza quella parte del suo contenuto che è colpita dalla nullità”.
Zeno Veloso anota:
“ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução, e a invalidade é total”[26].
Se, ao contrário, pretenderam, como fim principal, obter solução arbitral para a controvérsia, elegendo, por desconhecimento do limite legal, o critério da equidade, o resultado pode ser diverso, de modo que se mantenha a cláusula.
Não há qualquer óbice que exista previsão expressa no compromisso sobre a divisibilidade ou não das suas partes[27], o que se revela mesmo recomendável, para evitar as incertezas interpretativas que o silêncio pode resultar.
O art. 292º do Código Civil português estabelece:
“A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.
Nesse sentido, vejamos ementa do Superior Tribunal de Justiça que trata sobre a divisibilidade ou não da cláusula que estipula a solução por equidade:
“Nos termos do art. 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nuli-dade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam ce-lebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fraciona-mento, não se pode cogitar de redução, e a invalidade é total. O princípio da conser-vação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na von-tade das partes quanto à própria existência da transação.” (STJ – 3ª T., REsp n. 981.750/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. em 13.04.2010 in DJe de 23.04.2010).
De qualquer modo, a rigor, de acordo com a previsão do art. 184 do Código Civil, tal como o Código Português, a presunção é a da divisibilidade das disposições.
9.O montante da remuneração e o art. 507-A da CLT
O art. 507-A estipula a remuneração como o elemento principal para a possibilidade de utilização da arbitragem:
“Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”.
A norma, do ponto de vista técnico, apresenta evidente equívoco formal. Isto porque, nele se indica a remuneração, sem estabelecer, contudo, o seu modo de aferição.
A remuneração pode ser estipulada por unidade de tempo ou por unidade de obra[28].
Quando estabelecida por unidade de tempo, pode ser aferida por hora, por dia, por semana ou por mês. Indicar apenas o valor da remuneração, sem normatizar o modo de aferição, deixa incompleta a norma.
A remuneração de que se aponta é por unidade de obra ou por unidade de tempo? Caso seja por unidade de tempo, o período a considerar é o mês, a semana, o dia ou a hora?
Luciano Martinez aponta que “não basta...dizer qual será a dimensão salarial básica; é imperioso definir em função de que o estipêndio será pago”[29].
Foi precisamente o que não ocorreu na redação do art. 507-A.
Além disso, da instituição da remuneração como critério pode até ensejar situação paradoxal, em que direitos idênticos ou da mesma natureza, de titularidade do mesmo empregado, ficam sujeitos a arbitragem em uma situação, mas não em outra.
Vejamos o caso de um médico com dois contratos de trabalho, havendo controvérsia, em ambos, sobre a exigibilidade ou, não, do pagamento de certa gratificação em uma dada situação, que se repete de forma idêntica nos dois casos.
Na primeira situação, a remuneração supera o valor previsto no art. 507-A; no outro, não. É difícil entender que a arbitragem cabível no primeiro caso, não possa também ser utilizada no segundo, a despeito da substancial identidade dos fatos.
O paradoxo decorre do fato de o legislador ter procurado isolar o elemento justificador da diferenciação dos empregados, relacionando-o com a remuneração decorrente do contrato.
10.A negociação coletiva e a arbitragem trabalhista
A negociação coletiva não pode alterar as condições estabelecidas pelo art. 507-A para a adoção de arbitragem no plano individual.
Isto porque, nem a convenção coletiva nem o acordo coletivo suprem o consentimento pessoal do trabalhador, imprescindível à adoção da arbitragem em conflitos individuais.
Não importa que haja previsão de arbitragem nas mencionadas normas coletivas. Sem a manifestação de vontade do próprio empregado, não é válida cláusula compromissória[30].
As normas coletivas nada podem com relação aos requisitos estabelecidos pelo art. 507-A. Não é possível ampliá-los, modificá-los ou restringi-los.
Nota-se, que o art. 611-A, que especifica os temas que podem ser regulados por normas coletivas, ainda que seu rol seja exemplificativo, não menciona a previsão do art. 507-A.
Posto isto, a norma coletiva não pode diminuir o limite mínimo da remuneração exigido para que seja instituída a arbitragem, de igual modo, pode aumenta-lo, nem pode acrescentar outros requisitos, não estabelecidos pelo legislador, a saber: exercício de função de confiança ou diretiva, formação de nível superior do empregado, idade mínima, aprovação ou homologação pela entidade sindical, assistência sindical na subscrição da cláusula, dentre outros.
Além disso, não é permitido ao regulamento de empresa disciplinar a arbitragem, o que contrasta com o teor do art. 507-A, que exige iniciativa do empregado ou sua concordância expressa.
A simples aceitação das normas do regulamento empresarial pelo trabalhador não é suficiente, dela não se extraindo consentimento expresso para com a arbitragem.
Permite-se, a rigor, que a norma coletiva ou o regulamento de empresa prevejam regras favoráveis ao empregado no que diz respeito à arbitragem. Como no caso em que o empregador reduza o seu poder diretivo, expresso no regulamento de empresa, para dizer que a arbitragem, quando aceita com os requisitos do art. 507-A, será realizada sem ônus financeiros para o trabalhador.
11. Conclusão
A arbitragem entendida como meio alternativo de solução de conflitos individuais trabalhistas pode ser altamente vantajosa para as partes. Mas para isso, deve ser constituída de algumas cautelas, pois o Direito do Trabalho possui regras, princípios e valores voltados à proteção do trabalhador, parte hipossuficiente na relação trabalhista.
Dentro deste contexto, não se desconsidera o caráter protetivo do direito laboral, caracterizado por ter normas de ordem pública, intransigíveis e irrenunciáveis.
Contudo, tais características desse ramo especializado do direito não são capazes de excluir, de forma rígida, o cabimento de arbitragem para solução de seus litígios.
Permito-me fazer referência a recente reforma na legislação brasileira trabalhista, que permite a arbitragem apenas para empregados cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, com base na suposição de que trabalhadores com salários inferiores não seriam completamente capazes para contratar livremente a arbitragem.
Acredito ser prematura a adoção de cláusula de barreira instituído pelo art. 507-A da CLT. Ao limitar o uso da arbitragem àqueles empregados com altos salários, o legislador substitui o conceito correspondente à capacidade negocial, por um montante, privando de sua utilização justamente aqueles mais necessitados de uma justiça rápida e especializada.
Verificou-se, no campo jurídico, que o art. 507-A da CLT foi omisso em diversas questões importantes no que tange a arbitragem trabalhista para solução de contratos individuais de trabalho, tais como: se a arbitragem é de direito ou equidade, se norma coletiva pode alterar o patamar estabelecido remuneratório necessário para instituição da arbitragem, dentre outros aspectos tratados no presente trabalho.
Temos, ainda, a omissão normativa que levará a discussão quanto à possibilidade de constituição da arbitragem, após a extinção do contrato de trabalho para todos os trabalhadores ou, ainda, assim, teremos que respeitar os requisitos do art. 507-A da CLT.
Portanto, percebe-se que a nova regra trazida pela Lei nº 13.467/2017 não pacificou toda a problemática que envolve a arbitragem. Nesse sentido, pode-se afirmar que a novel legislação sequer acompanhou o desenvolvimento das relações já conhecidas na seara da arbitragem, o que causará diversos debates judiciais sobre questões que, pela natureza arbitral, deveriam ser solucionadas fora do Poder Judiciário, por intermédio de arbitro escolhido pelas partes.
Assim, para alcançar o almejado efeito de solucionar os conflitos trabalhistas de forma mais justa e célere, é imprescindível que haja instituições arbitrais sérias e previsibilidade sobre qual será o entendimento do Poder Judiciário no que diz respeito ao alcance da arbitragem trabalhista, a fim de tornar o mecanismo arbitral colaborativo para a pacificação social.
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[1] PINTO, José Augusto Rodrigues, Direito Sindical e Coletivo do Trabalho, São Paulo, LTr Editora, 1998, p. 269.
[2] CINTRA, Carlos Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
[3] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 51.
[4] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 21.
[5] FLENIK, Giordani. Arbitragem nos litígios trabalhistas individuais. Florianópolis: Insular, 2009, p. 57.
[6] CHINA apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei n.º 9.307/96. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 8.
[7] RAMOS FILHO, Wilson. O fim do poder normativo e a arbitragem. São Paulo: LTr, 1999, p. 243.
[8] YOSHIDA, Márcio. Arbitragem trabalhista. São Paulo: LTr, 2006, p. 114.
[9] Depois de sucessivas reedições, a Medida Provisória original “mudou de número” para 1.698-51, de 27 de novembro de 1998.
[10] Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a arbitragem é prevista como forma de solução dos conflitos coletivos em mais de 90% das normas coletivas, segundo informação antiga de Paul M. Herzog e Morris Stone (Voluntary Labour Arbitration in the United States, International Labour Review, vol. 82, 1960, p. 301).
[11] A propósito, com a súmula da decisão tomada pelo tribunal alemão no caso do encanador, António Sampaio Caramelo, Obrigatoriedade da convenção de arbitragem e direito de acesso à justiça in Direito da Arbitragem, Coimbra, Almedina, 2017, p. 223e segs.
[12] Acórdão n. 311/2008, Rel. Joaquim de Sousa Ribeiro, decisão de 30.05.2008.
[13] Lei n. 9.307/1996, art. 1º, in fine.
[14] BATISTA MARTINS, Pedro A., FERREIRA LEMES, Selma M. CARMONA, Carlos Alberto, Aspectos fundamentais da Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 144.
[15] ISABEL GONÇALVES. A não arbitrabilidade como fundamento de anulação da sentença arbitral na Lei de Arbitragem Voluntária in Análise de jurisprudência sobre arbitragem, Coimbra, Almedina, 2001, p. 139
[16] LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey,1998.
[17] SOUZA, Zoraide Amaral de. Arbitragem: conciliação: mediação nos conflitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 192.
[18] RICCI, Edoardo F. Desnecessária conexão entre disponibilidade do objeto da lide a admissibilidade de arbitragem: reflexões evolutivas. In: LEMES, Selma Ferreira, CARMONA, Carlos Alberto, MARTINS, Pedro Batista (Coord.). Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007, p. 405-406.
[19] Código Civil, art. 169, princípio.
[20] Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[21] Código Civil, art. 104, inciso I.
[22] Mohammad Hussein Bashayreh, Arbitrating Individual Labour Disputes in Jordan: Has the Policy of Promoting Arbitration Been Misplaced? em Arab Law Quarterly, vol. 23 (2009), p. 450.
[23] Lei n. 9.307/1996, art. 2º, caput.
[24] Constituição, art. 37, caput, e Lei n. 9784/1999, art. 2º.
[25] GOTTSCHALK, Egon Felix. Norma pública e privada no direito do trabalho.São Paulo: LTr, 1995.
[26] VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, p. 95.
[27] VICENTE, Joana Nunes, A invalidade parcial do contrato de trabalho. Coimbra, Gestlegal, 2017, p. 98.
[28] BUENO MAGANO, Octavio. Direito individual do trabalho, São Paulo, LTr, 1992, vol. II, n. 131, p. 222.
[29] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, Saraiva, 2016, p. 458.
Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós graduado em Direito Sindical pela Escola Superior da Advocacia (ESA-SP). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Oficial da Marinha do Brasil - Assessor Jurídico Adjunto.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, IGOR DANIEL LIMA DE. A arbitragem nas relações trabalhistas após a Lei nº 13.467/2017. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 ago 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55128/a-arbitragem-nas-relaes-trabalhistas-aps-a-lei-n-13-467-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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