RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: Identificado, inicialmente, em dezembro de 2019, o novo coronavírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, recebeu a classificação de pandemia no dia 11 de março de 2020, pela Organização Mundial de Saúde. Por se tratar de um vírus de alto nível de contágio, cuja transmissibilidade pode ocorrer mesmo a partir de indivíduos assintomáticos, detentor, ainda, da capacidade de provocar consequências letais, especialmente, para idosos e portadores de doenças crônicas preexistentes, a OMS declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização. Com isso, foram criadas medidas de proteção coordenadas, a serem adotadas internamente pelos países, com vistas à interrupção da disseminação do vírus ao redor do globo. Dentre as principais medidas de contenção da propagação do coronavírus, está o isolamento social, cuja imposição vem suscitando uma série de debates, em virtude das restrições provocadas no âmbito dos direitos e garantas fundamentais, previstos constitucionalmente. Diante deste cenário, o presente estudo teve por objetivo analisar a relativização das liberdades individuais, no Brasil, durante os dias de pandemia, sem descuidar do que se passa nos demais países, na esfera do direito internacional dos direitos humanos.
Palavras-chave: Direitos e Garantias Fundamentais. COVID-19.
ABSTRACT: Initially identified in December 2019, the new coronavirus SARS-CoV-2, which causes COVID-19 disease, received the pandemic classification on March 11, 2020, by the World Health Organization. As it is a virus with a high level of contagion, whose transmissibility can occur even from asymptomatic individuals, still possessing the ability to cause lethal consequences, especially for the elderly and those with pre-existing chronic diseases, the WHO declared a Public Health Emergency of International Importance - the highest level of alert in the Organization. With that, coordinated protection measures were created, to be adopted internally by the countries, with a view to stop the spread of the virus around the globe. Among the main measures to contain the spread of the coronavirus, there is social isolation, the imposition of which has sparked a series of debates, due to the restrictions caused within the scope of fundamental rights and guarantees, constitutionally provided for. Given this scenario, the present study aimed to analyze the relativization of individual freedoms in Brazil, during the days of the pandemic, without neglecting what is happening in other countries, in the sphere of international human rights law.
Keywords: Fundamental Rights and Guarantees. COVID-19.
Sumário: Introdução. 1. Dimensões Epidemiológicas da Covid-19 no Brasil. 1.1. Características do Vírus. 1.2. Características da Doença Covid-19. 2. Medidas de Enfretamento ao Coronarírus no Brasil. 2.1. Lei Nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. 2.2. Portaria Nº 356 – Regulamentação da Lei Nacional da Quarentena. 2.3. Portaria Nº 428 – Regulamentação do Teletrabalho. 3. Estado Democrático de Direito e Direitos Fundamentais. 4. Direitos e Garantias Fundamentais em Tempos de Covid-19. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O avanço desenfreado de casos confirmados de contágio pelo coronavírus, seguido pelo alto índice de letalidade, tem levado à criação de implantação de uma série de medidas restritivas de direitos, especialmente, por parte de decretos estaduais e municipais, em evidente desacordo com a Lei Nº13.979/20 e com a Portaria Interministerial Nº 05/20, legislação federal aplicável à matéria.
As medidas excessivas de restrição de direitos impostas, no âmbito das jurisdições estaduais e municipais, vêm chamando a atenção no cenário nacional, porquanto manifesto abuso de autoridade. Consideráveis têm sido as notícias veiculadas na mídia, da prisão em flagrante de cidadãos livres e saudáveis, em decorrência da sua permanência em ambientes vetados ao público, através de decretos internos.
Mais frequentes, ainda, têm sido o enquadramento de simples infrações administrativas nos mais variados tipos penais, relacionados principalmente, ao crime de desobediência, previsto no art. 330 Código Penal.
Dessa forma, sob o argumento de tutelar a saúde coletiva e proteger o interesse comum, certas autoridades têm invadido o âmbito dos direitos e garantias individuais constitucionalmente garantidos, mediante a ameaça implícita, ou não tão implícita assim, da possibilidade de prisão, para aqueles que optarem por, deliberadamente, desobedecer às determinações locais e circular, livremente, em espaços públicos.
Verifica-se, assim, a imposição velada de um Estado de Sítio arbitrário e inconstitucional, fundamentado nas imposições contidas nos decretos e portarias municipais e estaduais, contrariando-se a norma jurídica contida no artigo 5º, XV da Constituição da República, cuja qual determina ser vetado, aos Estados e Municípios, limitar a circulação de pessoas em território nacional.
Nesse sentido, cabe destacar que, apesar de a tutela ao direito à saúde e a expedição de atos normativos inerentes ao seu cumprimento, serem de competência comum à União, Estados e Municípios, há de se lembrar que seu exercício não pode ser feito de maneira indistinta e contrária à legislação federal e à própria Constituição Federal.
Diante do presente exposto, faz-se necessária uma análise dos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente assegurados, e a legalidade das medidas restritivas impostas aos cidadãos, durante o período de contenção da propagação do coronavírus, enfatizando-se o isolamento social e a quarentena, por serem as formas mais restritivas de liberdade associadas.
1 DIMENSÕES EPIDEMIOLÓGICAS DA COVID-19 NO BRASIL
Os primeiros casos relacionados ao coronavírus foram relatados na China, no fim de dezembro de 2019, se espalhando, rapidamente, pelo território chinês, em poucos dias, e, evoluindo, rapidamente, para a constatação de centenas de mortes, ao redor do mundo, em questão de semanas, tendo como epicentro a Itália e a Espanha.
No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus se constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional, cujo status requer a coordenação, a cooperação e a solidariedade global para interromper a propagação do vírus. (WHO, 2020)
Entretanto, com a rápida disseminação do vírus em vários países, gerando surtos desenfreados, especialmente, na Itália, na Espanha, na Coréia do Sul e no Irã, fez com que a Organização Mundial de Saúde – OMS, caracterizasse o fenômeno como pandemia, no dia 11 de março de 2020.
O termo pandemia refere-se a uma situação em que a ocorrência de uma determinada doença infecciosa não ocorre apenas em uma determinada localidade, sendo transmitida, concomitantemente, em diversos países, e em mais de um continente, com transmissão sustentada entre pessoas, caracterizada pela contaminação de um indivíduo infectado que não esteve nos países com registro da doença por outro indivíduo que também não esteve em tais países e, assim, sucessivamente.
O primeiro caso de COVID-19 no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro em São Paulo e, trinta dias depois, o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) Nacional já havia capturado 148.950 rumores, dos quais 270, foram confirmados como Infecção Humana causada pelo COVID-19. (COE-COVID-19, 2020a)
Em 20 de março de 2020 a Portaria GM/MS N.º 454, declarou, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do novo coronavírus, recomendando que todos os estabelecimentos de saúde estabeleçam diagnóstico sindrômico para o atendimento de casos suspeitos de COVID-19 independentemente do fator etiológico da doença.
Segundo o relatório da Anvisa, o Brasil, atualmente, aparece no ranking mundial dos países com os maiores números de contaminados pelo Coronavírus, na 11ª posição, no que se refere ao número de casos confirmados e, também, na 11ª, em relação ao número de óbitos. (COE-COVID-19, 2020b)
No que se refere à região das Américas, segundo o relatório situacional do Ministério da Saúde, de 16 de abril de 2020, no Brasil, existiam 30.425 casos confirmados de COVID-19 e 1.924 óbitos pela doença, dados que colocavam o país na terceira posição do ranking da Região das Américas com maior número de casos e de óbitos pela doença, atrás dos Estados Unidos e do Canadá, tendo o estado de São Paulo como epicentro. (Ministério da Saúde, 2020d)
O último Boletim Epidemiológico, da Secretaria em Vigilância em Saúde, relatou, até o dia 17 de abril de 2020, 33.682 casos confirmados de COVID-19 e 2.141 óbitos. No entanto, apenas, uma semana depois, a ANVISA disponibilizou, em seu painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19), no Brasil, o total de 52.995 contaminados e 3.670 óbitos, ao longo do território nacional, numa taxa de natalidade de 6,9%. (COE-COVID-19, 2020b)
1.1 Características do vírus
Os coronavírus são um grupo de vírus da família Coronaviridae, responsáveis por causar infecções respiratórias e intestinais em humanos e animais, em sua maioria, de baixa patogenicidade, cujos sintomas consistem em sintomas similares aos do resfriado comum.
No entanto, dentre as sete variações estabelecidas como patógenos em humanos, três são particularmente perigosos para a saúde humana, o vírus causador da forma de pneumonia atípica grave conhecida por SARS (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome), o vírus causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e o novo coronavírus (Sars-Cov-2), causador da COVID-19 e responsável pela pandemia iniciada entre o final de 2019 e o início de 2020.
A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 causas a COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019), cujos principais sintomas são: febre, fadiga e tosse seca, podendo evoluir para dispneia ou, em casos mais graves, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020)
O vírus identificado como Sars-Cov-2 (do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), tem causado grande preocupação em virtude de seu elevado índice de transmissibilidade e das graves complicações que, eventualmente, pode levar à mortalidade de idosos e pessoas com doenças crônicas pré-existentes, como cardiopatias, diabetes, hipertensão e pneumopatias.
O vírus é transmitido de pessoa para pessoa por meio de pequenas gotículas do nariz ou da boca que se espalham quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Essas gotículas podem pousar em objetos e superfícies ao redor da pessoa – como mesas ou celulares, e serem levadas ao organismo humano, através do contato dessas superfícies com as mãos ou outra parte do corpo e, em seguida, aos olhos, nariz ou boca. (Ministério da Saúde, 2020d)
Trata-se, assim, de um vírus facilmente transmissível e, por isso, extremamente, difícil de conter, cujos efeitos podem variar de acordo com o organismo, podendo ser totalmente assintomático, para uns, e uma fatalidade, para outros, sem que haja um tratamento específico ou uma vacina.
Destarte, considerando a impossibilidade de predeterminar a gravidade dos efeitos nos infectados, aliada à impossibilidade de detecção a olho nu e ao fato de que indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves também podem transmitir o vírus, o manejo do coronavírus tem contado com a criação de medidas de cooperação universais, voltadas para a sua contenção.
1.2 Características da doença COVID-19
A gravidade dos sintomas associados à COVID-19 varia caso a caso, podendo apresentar desde sintomas ligeiros semelhantes a um simples resfriado ou chegar a uma pneumonia viral grave, com insuficiência respiratória potencialmente fatal.
O reconhecimento precoce e o diagnóstico rápido são essenciais para impedir a transmissão e fornecer cuidados de suporte em tempo hábil. O quadro clínico inicial da doença é caracterizado como Síndrome Gripal, na qual o paciente pode apresentar febre e/ou sintomas respiratórios.
Em geral o período de incubação da COVID-19, que é o tempo entre a exposição ao vírus ou infecção e o início dos sintomas, é em média de 5 a 6 dias, no entanto, pode chegar até 14 dias. (WHO, 2020, p. 73)
O diagnóstico sindrômico depende da investigação clínico-epidemiológica e do exame físico. A avaliação deve ser realizada de acordo com os índices de gravidade da pneumonia e as diretrizes de sepse (se houver suspeita de sepse) em todos os pacientes com doença crítica. (Ministério da Saúde, 2020d, p. 30)
A apresentação clínica se assemelha a sintomas leves de pneumonia viral e a gravidade da doença varia de leve a grave. Aproximadamente 80% dos pacientes apresentam doença leve, 14% apresentam doença grave e 5% apresentam doença crítica. Relatórios iniciais sugerem que a gravidade da doença está associada à idade avançada e à presença de condições de saúde subjacentes. (Ministério da Saúde, 2020d, p. 31)
Conforme previsto no Protocolo de Manejo Clínico da COVID-19 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020), com base em uma análise precoce de séries de casos, os sintomas mais comuns são febre (>=37,8ºc), tosse, dispneia, mialgia e fadiga; e os menos comuns são: anorexia, produção de escarro, dor de garganta, mialgia, confusão, tonturas, dor de cabeça, dor no peito, hemoptise, diarreia, náusea/vômito, dor abdominal, congestão conjuntival, anosmia súbita ou hiposmia.
A maioria das crianças apresenta sintomas leves, sem febre ou pneumonia. No entanto, podem manifestar sinais de pneumonia na imagem do tórax, apesar de apresentarem sintomas mínimos ou inexistentes (YANG C, 2020, p. 1-2)
No entanto, algumas séries de caso mostraram que a presença de fatores e comorbidades como diabetes mellitus, hipertensão arterial e doença coronariana estão relacionados ao maior risco de morte por COVID-19 (99,100).
Sendo assim, recomenda-se uma estratificação de risco de acordo com a presença dos seguintes agravantes: idade ≥ 65 anos. presença de comorbidades (hipertensão, diabetes, doença pulmonar prévia, doença cardiovascular, doença cerebrovascular, imunossupressão, câncer), uso de corticoide ou imunossupressores. (Ministério da Saúde, 2020d, p. 33)
A OMS atribui morte de COVID-19, para fins de vigilância, a morte resultante de uma doença clinicamente compatível com provável ou confirmado caso COVID-19, a menos que haja uma causa alternativa clara de morte que não possa estar relacionada a Doença de COVID (por exemplo, trauma), não devendo haver período de recuperação completa entre a doença e a morte. (WHO, 2020, p. 12)
2 MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO AO CORONAVÍRUS NO BRASIL
A declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), promoveu uma série de medidas e protocolos a serem adotados, em cooperação, por todos os países, tendo como objetivo principal a contenção da transmissão do coronavírus, incluindo a Declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme previsto no Decreto Nº 7.616 de 17 de novembro de 2011:
Artigo 4º A declaração de ESPIN será efetuada pelo Poder Executivo federal, por meio de ato do Ministro de Estado da Saúde, após análise de recomendação da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, nos casos de situações epidemiológicas.
(BRASIL, 2011)
Assim, ESPIN foi decretado por meio da Portaria MS N° 188, de 3 de fevereiro de 2020:
Considerando que a situação demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, resolve:
Art. 1º Declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011;
Art. 2º Estabelecer o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à emergência no âmbito nacional.
(Ministério da Saúde, 2020a)
A referida portaria, portanto, além de declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, estabeleceu, também, o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-COVID-19) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à emergência no âmbito nacional, ficando sob responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) a gestão do COE-COVID-19.
Conforme o parágrafo único do artigo segundo, a gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), cujas atribuições consistem, essencialmente em planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas durante a ESPIN, nos termos das diretrizes fixadas pelo Ministro de Estado da Saúde.
2.1 Lei Nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020
A Lei Nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, foi editada para dispor sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, em consonância comas recomendações previstas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Assim, o referido dispositivo, trata das medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, com vistas à proteção da coletividade (art. 1º, §1º), cujos prazos não poderão ser superiores aos declarados pela Organização Mundial de Saúde.
Logo em seu artigo segundo, a aludida lei, trouxe as definições acerca dos termos isolamento e quarentena:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
(BRASIL, 2020b, grifo meu)
Esclarece-se, dessa forma, que o isolamento está relacionado à separação de pessoas comprovadamente doentes ou contaminadas dos demais indivíduos, e a quarentena refere-se à restrição de atividades ou separação de pessoas que não estejam doentes, para reduzir a propagação do vírus.
O artigo terceiro, da chamada Lei Nacional da Quarentena, concede, aos estados e municípios, no âmbito de suas competências, autonomia para adotares as medidas, contidas em seu texto?
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:
I - isolamento;
III - determinação de realização compulsória de:
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
IV - estudo ou investigação epidemiológica;
(...)
(BRASIL, 2020b, grifo meu)
A supracitada lei, trouxe, assim, a possibilidade de os estados e municípios, instituírem suas próprias medidas de isolamento social e quarentena, além de permitir a determinação de realização obrigatória, de exames médicos e laboratoriais, porquanto estratégias de combate à disseminação do vírus.
Em contrapartida, dentre os parágrafos do respectivo artigo, foram estabelecidos os critérios para fundamentar o estabelecimento do isolamento e da quarentena:
Art. 3º (...)
§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
§ 2º Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo:
I - o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família conforme regulamento;
II - o direito de receberem tratamento gratuito;
III - o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020.
(BRASIL, 2020a, grifo meu)
Isso significa que restam assegurados os direitos à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, conforme o artigo terceiro, do Regulamento Sanitário Internacional, acordado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde, em 23 de maio de 2005, revisado e promulgado por meio do Decreto Nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020:
Artigo 3 Princípios
1. A implementação deste Regulamento será feita com pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.
2. A implementação deste Regulamento obedecerá à Carta das Nações Unidas e a Constituição da Organização Mundial da Saúde.
3. A implementação deste Regulamento obedecerá a meta de sua aplicação universal, para a proteção de todos os povos do mundo contra a propagação internacional de doenças.
4. Os Estados possuem, segundo a Carta das Nações Unidas e os princípios de direito internacional, o direito soberano de legislar e implementar a legislação a fim de cumprir suas próprias políticas de saúde. No exercício desse direito, deverão observar o propósito do presente Regulamento.
(BRASIL, 2020b, grifo meu)
Dessa forma, reconhecendo a importância do papel da OMS no alerta mundial de surtos e na resposta a eventos de saúde pública, as medidas a serem implantadas referentes ao fortalecimento do desenvolvimento de capacidades no campo da saúde pública mundial, deverão obedecer ao propósito de proteger, controlar e dar uma resposta de saúde pública contra a propagação internacional de doenças, de maneiras proporcionais e restritas aos riscos para a coletividade.
2.2 Portaria Nº 356 – Regulamentação da Lei Nacional da Quarentena
A Portaria Nº 356, de 11 de março de 2020, foi instituída com a finalidade de dispor sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).
Trata-se do dispositivo federal responsável pela regulamentação do isolamento social, enquanto medida de enfrentamento ao novo coronavírus:
Art. 3º A medida de isolamento objetiva a separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local.
§ 1º A medida de isolamento somente poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 (quatorze) dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão.
§ 2º A medida de isolamento prescrita por ato médico deverá ser efetuada, preferencialmente, em domicílio, podendo ser feito em hospitais públicos ou privados, conforme recomendação médica, a depender do estado clínico do paciente.
§ 3º Não será indicada medida de isolamento quando o diagnóstico laboratorial for negativo para o SARSCOV-2.
(Ministério da Saúde, 2020b, grifo meu)
Dessa forma, o isolamento social encontra-se previsto como uma medida de contenção da propagação do coronavírus, voltada para separar pessoas assintomáticas ou sintomáticas, desde que recomendado por prescrição médica ou através de recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 dias, prorrogável por igual período, mediante resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão.
O parágrafo terceiro, por sua vez, estabelece que o isolamento social não será utilizado com medida de contenção quando o resultado laboratorial for negativo para o coronavírus.
Mais adiante, o artigo quarto, da Portaria MS Nº 356/2020, traz as definições acerca da imposição de quarenta:
Art. 4º A medida de quarentena tem como objetivo garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado.
§ 1º A medida de quarentena será determinada mediante ato administrativo formal e devidamente motivado e deverá ser editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação.
§ 2º A medida de quarentena será adotada pelo prazo de até 40 (quarenta) dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território.
(BRASIL, 2020b, grifo meu)
Dessarte, a quarentena prescinde de ato administrativo formal e devidamente motivado, a ser editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação.
2.3 Portaria Nº 428 – Regulamentação do Teletrabalho
A Portaria MS Nº 428, de 19 de março de 2020, por seu turno, versa acerca das atividades remotas de teletrabalho, para componentes do grupo de risco, em seu artigo segundo:
Art. 2º Deverão executar suas atividades remotamente os servidores e empregados públicos:
I - enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19):
a) com sessenta anos ou mais;
b) imunodeficientes;
c) com doenças preexistentes crônicas ou graves, como cardiovasculares, respiratórias e metabólicas; e
d) gestantes e lactantes;
(Ministério da Saúde, 2020c)
O artigo terceiro vem trazendo, mais à frente, a adoção de jornadas de trabalho alternativas, como forma de contenção da transmissão do vírus:
Art. 3º Além do disposto no art. 2º, a chefia imediata poderá adotar, no âmbito de cada unidade do Ministério da Saúde, uma ou mais das seguintes medidas de prevenção, cautela e redução da transmissibilidade:
I - adoção de regime de jornada em:
a) turnos alternados de revezamento; e
b) trabalho remoto, que abranja a totalidade ou percentual das atividades desenvolvidas pelos servidores ou empregados públicos da unidade;
II - melhor distribuição física da força de trabalho presencial, com o objetivo de evitar a concentração e a proximidade de pessoas no ambiente de trabalho; e
III - flexibilização dos horários de início e término da jornada de trabalho, inclusive dos intervalos intrajornada, mantida a carga horária diária e semanal prevista em Lei para cada caso.
(BRASIL, 2020c)
Assim, ficou autorizado a adoção de regime de trabalho em turnos alternados de revezamento, trabalho remoto e a flexibilização de horários de início e término da jornada de trabalho, sem prejuízo à remuneração (§4º).
Também foram suspensos os eventos e reuniões, no âmbito das unidades do Ministério da Saúde, com mais de 10 (dez) de participantes, enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (art. 6º, caput) e a participação de servidores ou empregados públicos em eventos com aglomeração de pessoas, como treinamentos presenciais, cursos, congressos e conferências, no período de que trata o caput (art. 6º, §4º).
O mesmo dispositivo suspendeu, ainda, as viagens internacionais a serviço enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (art. 7º), e o atendimento presencial e a realização de perícia por todas as unidades administrativas do Ministério da Saúde no Distrito Federal e nos Estados, devendo as demandas serem encaminhadas por sistema próprio, se houver, telefone ou e-mail (art. 8º).
Também foi vetado o acesso do público externo a bibliotecas, museus, memorais, auditórios, restaurantes, lanchonetes e outros locais de uso coletivo nas dependências das unidades do Ministério da Saúde no Distrito Federal e nos Estados (parágrafo único, do artigo oitavo).
3 ESTADOS DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A base de um estado democrático de direito está fundamentada no respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica.
Nesses termos, a atuação do Estado é definida e limitada pela Constituição do país, e a atuação dos governantes e a soberania estatal emanam do poder popular, através da escolha direta dos seus governantes através de eleições, conforme previsto no artigo primeiro da Carta Política de 1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
(BRASIL, 1988)
O mesmo dispositivo, traz, ainda em seu preâmbulo, as características de um Estado Democrático de Direito, em função dos direitos sociais fundamentais:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL:
(...)
(BRASIL, 1988)
Nesta senda, se verifica uma tendência pelo Estado Democrático de Direito Social, como atributo da forma-Estado definida pela Carta Política de 1988, em razão de seu potencial de realização da cidadania, do sentimento republicano e também pelo seu notável respeito aos valores da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais: individuais e sociais.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
(BRASIL, 1988)
Percebe-se, assim, que, para o constituinte brasileiro, as finalidades do Estado coincidem com seus objetivos, considerando que o teor do artigo 3º da CF/88 confirma as chamadas “proclamações emblemáticas”, com evidente valor literário (libertário) e simbólico, no mesmo sentido que já vinha expresso no preâmbulo.
Isso significa que o Estado de direito é caracterizado por ser um Estado mínimo, objetivando acautelar tão somente a ordem social e a segurança pública, conforme leciona Canotilho:
(...) o Estado de direito é um Estado liberal no seu verdadeiro sentido. Limita-se à defesa da ordem e segurança públicas (“Estado polícia”, “Estado gendarme”, “Estado guarda nocturno”), remetendo-se os domínios económicos e sociais para os mecanismos da liberdade individual e da liberdade de concorrência. Neste contexto, os direitos fundamentais liberais decorriam não tanto de uma declaração revolucionária de direitos, mas do respeito de uma esfera de liberdade individual (CANOTILHO, 2002, p. 97).
Deve o Estado, por meio do direito posto, garantir a certeza nas relações sociais, através da compatibilização dos interesses privados de cada um com o interesse de todos. (MOTA, 2017, p. 12)
Os direitos e garantias fundamentais encontram-se elencados, especialmente, no artigo quinto da CF/88, destacando-se, para os efeitos deste estudo, os listados a seguir:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente
(...)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
(BRASIL, 1988)
O caput do artigo quinto traz, dessa maneira, a garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, a todos os cidadãos, independentemente de qualquer distinção, sob o princípio implícito da igualdade, conforme preceitua o professor Alexandre de Moraes:
A igualdade assegurada pela Constituição de 1988 atua em duas faces: em relação ao poder legislativo ou executivo, este quando edita leis em sentido amplo, na medida em que obsta a criação de normas que violem a isonomia entre indivíduos que se encontram na mesma situação; E, também, em relação ao intérprete da lei, ao impor que este a aplique de forma igualitária, sem quaisquer diferenciações.
(MORAES, 2002, p. 65)
Outro importante direito assegurado constitucionalmente, é o direito à liberdade de locomoção, ou seja, seu direito de ir e vir, ou de permanecer no local em que se encontra, porquanto desdobramento do direito de liberdade e não pode ser restringido de forma arbitrária pelo Estado, de forma que se deve respeitar o devido processo legal para que haja esta privação.
No entanto, apesar de fundamental, este não é um direito absoluto e pode ser restringido em determinados casos, como, por exemplo, durante o Estado de Sítio, conforme previsto no Art. 139:
Art. 139 Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens..
(BRASIL, 1988)
Outro exemplo de relativização do direito de ir e vir encontra respaldo na supremacia do interesse público, na preservação de outros direitos como o direito à vida, à segurança e à saúde. Com efeito, o art. 196 prevê que o direito à saúde tem duas dimensões: (I) como direito subjetivo de todos e (II) como dever do Estado de desenvolver uma política pública, abrangendo regramentos, organização pessoal e previsão orçamentária específica.
Nesse contexto, interesse público é objeto buscado por quem compõe um Estado (pessoa privada ou pública) para o benefício daqueles que precisam desse objeto, para, nesse sentido, proporcionar condições de vida digna nesse Estado, inclusive para si próprios. (FRANÇA, 2016, p. 3)
Segundo o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem” (BANDEIRA DE MELLO, 2018, p. 51).
O interesse público, nos Estados Democráticos de Direito, há de se revelar através da observância, pelos poderes públicos, dos direitos e princípios consagrados na Constituição e nas leis do sistema jurídico, normas jurídicas emanadas do parlamento, órgão de representação do povo, titular do poder político ou soberano, como ensina Charles de Secondat, o Barão de Montequieu (2005, p. 19).
É fundamental, portanto, que a supremacia do interesse público detenha previsão legal, de modo que o Estado precisa adequar o seu aparato instrumental para concretizar a determinação legal de realização do interesse público, para assim cumprir com o seu dever constitucional. Do contrário, nada mais seria que discurso vazio e sem aderência à realidade que justifica, inclusive, a própria existência de um Estado idealizado como promotor do interesse público concreto – ou concretizável – para a legitimação de sua atuação como gestor da coisa pública em nome de seus titulares.
4 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS EM TEMPOS DE COVID-19
Em virtude da pandemia instaurada, nos últimos meses, por conta do coronavírus, diversas medidas têm sido adotadas com vistas à contenção da transmissibilidade do vírus, incluindo-se as medidas restritivas de livre circulação de pessoa, editadas mediante a aprovação de normas infraconstitucionais.
Seguindo as recomendações da OMS, diversos países do mundo, inclusive o Brasil, determinaram medidas de isolamento social, como a quarentena, o isolamento social propriamente dito, a realização compulsória de exames e tratamentos médicos, a proibição do funcionamento de estabelecimentos comerciais e de circulação de pessoas em espaços públicos, restrições ao funcionamento de transportes públicos e privados. (BRASIL, 2020)
Diante desta situação de pandemia, o Poder o Legislativo se apressou em editar medidas preventivas para conter a disseminação da COVID-19, como a Lei Nacional da Quarentena, Decretos Federais que definem os serviços públicos e as atividades essenciais (10.282/20 e 10.292/20), decretos estaduais com as restrições de atividades e determinando suspensão de serviços.
No entanto, a adoção das medidas acima mencionadas, implicam em sérias restrições aos direitos fundamentais de ir e vir, à autodeterminação sobre o próprio corpo e à livre iniciativa. Embora justificáveis no presente momento – um desequilíbrio na intensidade e, sobretudo, na duração dessas medidas pode deflagrar uma crise constitucional.
A obediência a essas leis é obrigatória e o descumprimento delas acarretará responsabilização nos âmbitos administrativo, civil e criminal, conforme definido pela portaria editada pelos Ministérios da Justiça e Saúde, que determina sobre a compulsoriedade das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei Nacional da Quarentena.
No entanto, têm sido relatados diversos casos de abuso de poder e extrapolação de competências, especialmente, a nível municipal, mediante a expedição de decretos com normas arbitrárias, culminando, inclusive, em toques de recolher e na prisão de cidadãos que forem flagrados transitando pelas ruas.
Vale destacar que a Lei Nº 13.979/2020, permitiu o isolamento e quarentena no Brasil, com o intuito de separar as pessoas contaminadas das pessoas saudáveis e de conter a transmissão do vírus entre os demais indivíduos. Não há, portanto, qualquer impedimento legal para a liberdade ambulatorial das pessoas, a limitação ao direito de reunião ou a intervenção da propriedade e interrupção de atividades econômicas, que são assuntos de competência da União (artigo 22, I à III, da Constituição), que podem ser delegadas aos Estados, em questões específicas, mediante leis complementares sobre o assunto.
A autonomia concedida pela Lei da Quarentena, aos Estados e Municípios, de formularem suas próprias medidas de contenção do coronavírus, tem sido observada mediante a expedição decretos locais e portarias, refletindo a vontade política de determinado governador ou prefeito.
Cita-se como exemplo, o Decreto 46.973/2020, do Rio de Janeiro, cujo qual, em seu artigo 5º, inciso VI, recomendou, restrições de “frequentar praia, lagoa, rio e piscina pública”, bem como, no inciso V do mesmo artigo, restringiu o “funcionamento de bares, restaurantes, lanchonetes e estabelecimentos congêneres no interior de ‘shopping center’, centro comercial e estabelecimentos congêneres, com redução em 30% (trinta) do horário do funcionamento”. (ALMEIDA, 2020, p. 04)
No entanto, mesmo apenas recomendando uma conduta por decreto, a polícia militar fluminense prendeu duas mulheres que passeavam pela praia, apenas por não se retirarem na faixa de areia, o que elas não estavam obrigadas a fazer. Ou seja, a recomendação de um governador de Estado, quanto à conduta de se não se frequentar um bem federal, no caso, uma praia, resultou na prisão de duas cidadãs brasileiras. (ALMEIDA, 2020, p. 04)
No Estado de São Paulo, por sua vez, o governo fechou acordo com as operadoras de celular para monitorar o cumprimento do isolamento, que, segundo a lei, permite apenas a separação de pessoas doentes ou contaminadas, de outros meios, de modo a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus.
Percebe-se, assim, a interferência desmedida, do Estado, na intimidade privada do cidadão, extrapolando as esferas constitucionais e civis, sem suporte legal nenhum, baseando-se, apenas, em meros decretos e portarias regionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das medidas de contenção do cenário estabelecido de pandemia causado pelo coronavírus, a relativização dos direitos e garantias têm chamado a atenção, principalmente, no que se refere ao desrespeito à liberdade de locomoção.
A Lei da Quarentena, regulamentada pelo decreto 10.282/20 e portaria 356/20 do Ministério da Saúde, previu que o isolamento consiste na “separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local”, a ser determinada por médico ou agente sanitário local, além de conceder às unidades federativas e aos municípios, a autonomia de formular seus próprios decretos, com vistas à redução da disseminação do coronavírus.
No entanto, vários têm sido os exemplos de abuso de poder, por parte das prefeituras e governos estaduais, cerceando a liberdade de ir e vir do cidadão, mediante a imposição de simples decretos e portarias. Não são raras as ocasiões em que foram noticiadas as prisões de indivíduos localizados em ambientes públicos.
Ao mesmo tempo que não podem ser menosprezadas as recomendações da Organização Mundial da Saúde, a segurança jurídica e a pacificação social devem ter amparo na Constituição e não no pânico causado pela doença, ou na decisão pessoal de agentes públicos.
Na atual situação de calamidade pública, em que o número de vítimas cresce com o passar dos dias, não há dúvidas de que, numa ponderação entre os direitos fundamentais em conflito, a solução não pode ser outra daquela em que se prestigia o direito à vida e à saúde em detrimento do tão clamado direito de ir e vir.
Apesar de as medidas de isolamento social serem cientificamente comprovadas como as mais recomendadas para evitar o alastramento da pandemia e os riscos à vida humana e à saúde pública, é preciso o estabelecimento de critérios técnicos bem sucedidos como direitos e obrigações, no intuito de evitar medidas descabidas e desproporcionais.
A veiculação, na mídia, de restrições desastrosas ao direito de locomoção, sem a devida lógica jurídica, tem contribuído para fomentar insegurança à população, uma vez que afronta princípios e garantias fundamentais constitucionalmente instituídos.
Não se deve permitir, portanto, que a situação excepcional atual permita a adoção de medidas inconstitucionais, devendo, as ações adotadas, serem baseadas na legalidade e na transparência, tecnicamente motivadas, proporcionais e voltada à eficiência na proteção da vida de todos.
REFERÊNCIAS
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[1] Autor de livros e advogado. Mestre em Direito pelo o Instituto Nacional de Ensino Superior e Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM/MG, Pós-Graduação em Processo Judiciário pela FIC/SERGIPE, Pós-Graduação em Docência e Gestão em Ensino Superior pela Universidade Estácio do Amazonas, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus -CEULM/ULBRA. Contato: [email protected]
Graduando do Curso Superior de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Herbert de Vasconcelos. A relativização dos direitos e garantias fundamentais frente às medidas de contenção da Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55207/a-relativizao-dos-direitos-e-garantias-fundamentais-frente-s-medidas-de-conteno-da-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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