EDA LECI HONORATO SEIKE
(Orientador temático)
ÉRICA CRISTINA MOLINA DOS SANTOS
(Orientador metodológico)
RESUMO: Esta pesquisa apresenta como tema principal, o estudo da Lei nº 13.827/2019, que permite a concessão de medida protetiva de urgência pelo Delegado de Polícia. Inicialmente, exibe uma análise da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, onde traz informações relevantes de como surgiu a Lei, o âmbito de incidência desta, bem como a aplicação das medidas protetivas de urgência abrangidas pela norma em comento. Posteriormente, procura destacar que, devido a alteração, foi permitido à autoridade policial, nos Municípios em que não for sede de comarca e, assim que verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher, decretar o afastamento do agressor do lar de convívio com a ofendida, no prazo de 24 horas. Procura ainda esclarecer que, não retirou do juiz a apreciação da medida, podendo este mantê-la ou revogá-la. Por fim, foi possível concluir que, a alteração na Lei tornou mais célere esse procedimento, uma vez que a vítima já sai protegida na Delegacia.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Medidas Protetivas de Urgência; Delegado de Polícia.
ABSTRACT: This research has as its main theme, the study of Law No. 13.827/2019, which allows the granting of an emergency protective measure by the Police Chief. Initially, it displays an analysis of Law 11.340/2006, better known as “Maria da Penha Law”, where it brings relevant information on how the Law came about, its scope, as well as the application of emergency protective measures covered by the standard in comment. Subsequently, it seeks to highligth that, due to the alteration, the police authority was allowed, in the Municipalities where it is not the seat of the district and, as soon as the existence of current or imminent risk to the life or physical integrity of the woman was verified, to decree the removal of the aggressor of the home with the victim, within 24 hours. It also seeks to clarify that it did not withdraw the jusge’s assessment of the measure, whitch the judge may maintain or revoke. Finally, it was possible to conclude that the change in the Law made this procedure faster, since the victim is already protected at the police station.
Keywords: Maria da Penha Law; Emergency Protective Measures; Police Chief.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Lei Maria da Penha: 2.1. Histórico e Visão Geral; 2.2. Aplicabilidade. 3. Das Medidas Protetivas de Urgência. 4. Lei 13.827/19. 5. Considerações finais. 6.Referências
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher tem ocupado um espaço significativo na sociedade, dentre elas, a mais preocupante é a violência doméstica e familiar, aquela entendida por qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e até mesmo dano moral ou patrimonial. Diante da necessidade de criar medidas para proteger as mulheres contra práticas abusivas, foi criada a lei nº 11.340 de 07 de Agosto de 2006, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, com o intuito de coibir e prevenir essa violência.
Dessa maneira, este trabalho tem como objetivo analisar a lei nº 13.827/19, que alterou a lei 11.340/06 e permitiu o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida por autoridades policiais, desde que verificada a existência de risco iminente à vida ou à integridade física da mulher. Nesse viés, a escolha do tema deu-se em virtude da demora que a mulher encontra na busca por tal direito, que em muitos casos podem trazer circunstâncias que tornem o prazo legal muito extenso, fazendo com que a vítima continue sendo submetida à violência mesmo depois de comunicada a infração penal, ou seja, na prática, ela não deixa a delegacia já protegida por uma medida protetiva.
A pesquisa será fundamentada em diferentes bibliografias, tendo como base doutrinas, legislações e jurisprudências, com o intuito de demonstrar que anteriormente só o juiz que podia decretar o afastamento do agressor e a pedido da própria vítima ou do Ministério Público, e que diante da alteração na lei, há uma maior celeridade na concessão dessa medida de urgência pelo delegado de polícia, por exemplo.
O artigo divide-se em três seções. A primeira, com título “LEI MARIA DA PENHA” e subseção “Histórico”, procura-se destacar sobre a evolução histórica da referida lei, bem como estabelecer uma visão geral, que são informações iniciais. Na subseção seguinte, “Aplicabilidade”, traz sobre o âmbito de incidência da lei. Na segunda seção, “DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA”, propõe uma abordagem geral, para entender que tais medidas visam garantir a proteção às vítimas. Na terceira e última seção, “LEI Nº 13.827/19”, aborda a recente alteração trazida pela lei em comento, com ênfase sobre a concessão da medida protetiva de urgência pela autoridade policial, assim que verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher.
Por fim, procura-se exibir os reflexos que a lei em comento pretende-se alcançar, principalmente no que diz respeito à celeridade da aplicação da medida de urgência em questão, visto que o delegado de polícia tem o primeiro contato com a vítima, tendo este capacidade de conceder a medida de afastamento do agressor, a qual a lei confere. Por último, apresenta-se os benefícios que a mudança pode ter trazido e do mesmo modo, quais as possíveis críticas a respeito do tema em discussão.
2. LEI MARIA DA PENHA
2.1. Histórico e Visão Geral
Inicialmente, há vários instrumentos destinados à proteção das mulheres para coibir a violência doméstica e familiar. No art. 226, § 8º, da Constituição Federal, dispõe: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Ademais, no cenário internacional, o Brasil é consignatário de vários instrumentos destinados à proteção das mulheres, como por exemplo, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher, adotada pela ONU, em 1979, de que trata:
Art. 3º. Os Estados-Partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.
Nesse contexto, também na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, Erradicar a Violência contra a Mulher, do Pará, em 1974, conclui em seu art. 7º que: “Os Estados-Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convém em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência”.
Para Garcia (2019), tanto no âmbito doméstico como no cenário internacional e regional de proteção dos direitos humanos buscou-se garantir amplamente o bem-estar feminino, através de ações afirmativas e mandados de criminalização. Nesse viés, tão somente em 22 de setembro de 2006, que entrou em vigor a Lei nº 11.340, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”.
Por sua vez, é necessário entender os fatos que deu origem a essa lei e faz saber que, Maria da Penha Maia Fernandes conheceu Marco Antônio Heredia Viveros no ano de 1974 e, dois anos depois, em 1976, casaram-se. No início do casamento, o marido demonstrava ser muito amável, porém, com o passar dos anos, a história começou a mudar e vieram então as agressões. Em 1983, houve uma tentativa de homicídio – simulação de assalto com uso de espingarda - por parte de seu marido. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia, o que fez com que ela ficasse paraplégica. Após cirurgias, internações e tratamentos, ela voltou pra casa e por conseguinte, foi mantida em cárcere privado durante 15 dias e foi vítima mais uma vez pelo mesmo agressor, que tentou eletrocutá-la durante o seu banho, sem lograr êxito.
Diante dessa situação, o caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos, responsável pela promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano, que em 2001, reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro na omissão relacionada à violência doméstica, sendo-lhe aplicadas recomendações para cumprir o compromisso previstos nos tratados e convenções.
Somente no ano de 2002, Marco Antônio foi preso, cumprindo apenas dois anos de prisão, após a anulação do julgamento e interposição de recursos. Como se vê, foi após a pressão internacional que o Brasil criou uma lei específica com mais rigor para tratar do assunto.
Oportuno destacar que, no art. 5º, caput, da Lei Maria da Penha, conceitua que: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” e assim assevera que ela pode ocorrer no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive de agregados; no âmbito da família, assim entendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou até por vontade expressa; e por fim, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
As formas de violência são trazidas em um rol exemplificativo, no art. 7º, da Lei nº 11.349/2006, que assim estabelece:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I) violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II) violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III) violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza à comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade; que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV) violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetivos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V) violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
(BRASIL, LMP, 2006)
Para extrair um melhor conceito de violência doméstica, pode-se afirmar que é necessária uma interpretação conjunta dos arts. 5º e 7º da referida lei, pois seria muito vago atentar-se a um ou a outro apenas. (DIAS, 2019)
Todavia, é imprescindível dizer que essas condutas reconhecidas como violência doméstica, não necessariamente são delitos que podem ensejar uma ação penal, mas sim, na concessão de medidas protetivas, onde a palavra da vítima deve-se ser dotada de credibilidade.
2.2. Aplicabilidade
Importante destacar que, a Lei Maria da Penha não criou nenhum tipo penal novo, sendo assim, a lei incide sobre as situações que se adequam ao seu art. 5º, que então esclarece que é necessária a existência de uma ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher, no âmbito da unidade doméstica, da família ou nas relações íntimas de afeto.
No que diz respeito ao âmbito doméstico, entende-se que é aquele ambiente do lar, em que as pessoas tenham convivência umas com as outras, se relacionando constantemente, tendo ou não vínculo familiar. Também abrange as pessoas que encontram-se esporadicamente agregadas no lar, como nos casos de cuidadoras de idosos, enfermeiras particulares e babás.
Quanto ao âmbito da família, compreende-se aqueles que possuem vínculo familiar, seja ele conjugal, parentesco ou ainda por vontade expressa. Aqui cabe ressaltar que, a incidência da lei se caracteriza no caso do filho adotivo que coabita na mesma residência que a mãe de criação, pois as agressões ocorrem em razão de aspectos familiares.
Por último, tratando-se dos casos de relações íntimas de afeto, faz-se necessário saber que não há necessidade de coabitação entre as partes, ou seja, ambos não precisam residir debaixo do mesmo teto, basta que tenham tido uma convivência ou que ainda tenha. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), diante da Súmula nº 600 expõe: “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.
Sobre a vulnerabilidade e hipossuficiência, o autor Thiago Garcia expõe:
De fato, analisando os dispositivos legais do seu bojo, não é possível encontrar a vulnerabilidade ou a hipossuficiência na condição de pressupostos de aplicabilidade. Na verdade, bem como já decidiu o Tribunal da Cidadania, elas são alguns dos fundamentos da Lei nº 11.340/2006, motivo pelo qual é cabível a interpretação no sentido de que são presumidas nas situações elencadas no art. 5º. (GARCIA, 2019, p. 56)
Nesse raciocínio, a desproporcionalidade física e existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente, é indiscutível, sendo assim, desnecessária seria essa comprovação.
3. DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Inicialmente, é de suma importância entender o que é uma medida protetiva de urgência, e assim, esta pode ser entendida como uma determinação do juiz para proteger a mulher em situação de violência doméstica e familiar ou na relação de afeto, tendo o magistrado o prazo de até 48 horas para conceder, conforme estabelece o art. 18, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.
(BRASIL, LMP, 2006)
Nos arts. 18 e 19 da Lei Maria da Penha, encontram-se previstas as disposições gerais sobre as medidas protetivas. Por sua vez, no art. 22, das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e, nos arts. 23 e 24, à ofendida.
Cumpre salientar que essas medidas protetivas são concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, podendo ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como ser substituídas por outras de maior de eficácia.
Nas lições de Dias (2019), tratam-se medidas cautelares inominadas, onde visam garantir direitos fundamentais da mulher, tendo como finalidade impedir atos ilícitos e, ainda esclarece que não são acessórias de um processo principal e tão pouco vinculadas a estes.
Por oportuno, é necessário destacar que, é possível também pleitear as medidas protetivas na esfera cível, pois há a necessidade de buscar a tutela jurisdicional prevista na lei processual civil, como a tutela inibitória e a tutela reintegratória, assim, com o intuito de inibir a prática da violência e respectivamente impedir a sua continuação.
No que diz respeito às medidas que obrigam o agressor, estas estão elencadas no art. 22, da Lei Maria da Penha e o inciso I prevê a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, o que implica dizer que é uma providência assertiva por parte do legislador, pois, a restrição é valida para evitar algo pior, uma vez que se o homem agride fisicamente, no futuro é possível que ele pratica um homicídio.
Sobre o assunto em debate, é necessário fazer uma distinção entre dois termos utilizados no inciso I, do art. 22. Suspender caracteriza-se em uma privação temporária da utilização da arma; quanto ao termo restringir, subentende-se uma limitação. Desse modo, por exemplo, o juiz pode determinar que um policial porte sua arma apenas no serviço, evitando-se que a carregue para o seu lar. (CUNHA, 2015, p. 146, apud DIAS, 2019, p. 168)
Nesse viés, cabe destacar que dispondo o agressor da posse regular e regularização de uso, essa medida de desarmar o agressor, só pode ocorrer mediante solicitação da vítima como medida protetiva. Outrossim, considerada a situação em que a vítima teme à sua vida e denuncia este agressor à autoridade policial e justificando a necessidade de desarmá-lo, é instalado expediente que será remetido a juízo, que então no caso de deferimento, a decisão deverá ser comunicada ao órgão competente que procedeu o registro e concedeu a licença. Incumbe ao juiz assegurar a execução da medida, podendo solicitar auxílio da força policial a qualquer momento. (LMP, art. 22, §3º)
De acordo com o inciso II, do mesmo dispositivo, o agressor poderá ser afastado do ambiente familiar do qual mantinha a convivência com a ofendida, a fim de resguardar a vida desta e de seus familiares. Por sua vez, o inciso subsequente impõe algumas proibições, onde proíbe o agressor de se aproximar até determinada distância ou de manter contato com a vítima, seus familiares e testemunhas, com intuito de fazer cessar as agressões ou até de evitar possíveis coações.
Quanto à proibição de frequentar determinados lugares, tem como escopo resguardar ainda mais a integridade física e psicológica da ofendida. Também são previstas a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, sendo a equipe de atendimento multidisciplinar ouvida; da mesma forma, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios se for o caso; assim como o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação- essa é uma medida nova, que tem como finalidade fazer o agressor refletir sobre seus atos e não mais praticá-los; por fim, o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
No tocante às medidas protetivas de urgência à ofendida, estas encontram-se previstas no art. 23, da referida Lei. Cabe à autoridade policial providenciar o deslocamento quando é determinado o encaminhamento da vítima e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento e assim está claro na própria Lei. Em relação aos incisos II e III do artigo citado acima, é imperioso destacar que a vítima tanto pode ser reconduzida ao seu lar, após o afastamento do agressor, como ser afastada deste mesmo lar mantendo seus direitos, o que é justificável. Outro ponto relevante para o debate, é sobre a obrigação alimentar que têm o homem que sustenta a casa, o que ocorre em muitos casos. Ora, não se pode desonerar deste a obrigação de sustentar a mulher e os filhos, mesmo que afastado do lar.
O legislador também se preocupou em assegurar a proteção patrimonial da ofendida, assim instituiu o art. 24, da Lei 11.340/2006, que prevê liminarmente medidas para a restituição de bens subtraídos pelo agressor; a proibição temporária de compra, venda ou locação de bens em comum; a suspensão de procuração outorgada pela vítima e a prestação de caução provisória, por perdas e danos materiais decorrentes de violência doméstica e familiar.
Nesse entendimento, menciona Dias (2019, p. 176):
No momento em que é assegurado à vítima o direito à restituição de seus bens, a referência é tanto aos bens particulares como aos que integram o acervo comum, pois metade lhe pertence. Assim, se um bem comum é subtraído pelo varão que passa a deter sua posse com exclusividade, significa que houve a subtração da metade que pertence à mulher.
Desse modo, faz-se necessário saber que não só a alienação do bem pode ser vedada, a mulher tem o direito de insurgir contra a compra de bens, ainda que estes integrem o patrimônio em comum dos cônjuges, do contrário, seria prejudicial aos interesses da mulher e da família. A possibilidade do juiz suspender procurações outorgadas pela ofendida ao agressor, é de suma importância, pois é possível que o homem possa desviar tais patrimônios, utilizando-se dessas procurações.
No que tange à caução provisória, estabelecida no artigo em tela, garante uma satisfação de um direito que posteriormente venha a ser reconhecido em demanda judicial, contudo, trata-se de uma medida acautelatória. Por fim, todas essas medidas dispostas no art. 24, da Lei Maria da Penha, são de natureza extrapenal, que podem ser formuladas perante a autoridade policial.
4. LEI 13.827/19
É oportuno destacar que a “Lei Maria da Penha” não surgiu apenas com a pretensão de reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, sobretudo, veio com a finalidade de atuar como um verdadeiro instrumento de prevenção e assistência às mulheres vítimas dessa barbárie e, diante desse pressuposto, as medidas protetivas de urgência previstas na norma legal, garantiram essa proteção. No entanto, na prática, o procedimento para a sua concessão depende de um rito burocrático e, considerando o seu teor de urgência, surge então a Lei 13.827/2019, que visa uma maior celeridade. Eis o teor da Lei em comento:
Art. 1o Esta Lei altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Art. 2º O Capítulo III do Título III da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 12-C:
“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”
Art. 3º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 38-A:
“Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.”
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
A inovação finalmente permitiu ao Delegado de Polícia conceder medida protetiva à ofendida, não sendo tal incumbência exclusivamente do Poder Judiciário, mas não tirou deste a sua apreciação final. Cumpre salientar que apenas uma medida protetiva pode a autoridade policial conceder: o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, ou seja, aquela prevista no art. 22, II, da Lei Maria da Penha. As demais protetivas ainda continuam sendo exclusivas do juiz.
De acordo com a exigência de dois pressupostos no dispositivo, risco atual ou iminente deve ser interpretado como aquele que deve estar presente ou prestes a acontecer, o que significa dizer que o risco ocorrido no passado não atrai essa norma. Outro ponto interessante que a atualização trouxe, foi que o legislador protegeu apenas a vida e a integridade física da vítima (ou de seus dependentes), excluindo a integridade psicológica e moral por não mencionar estas no texto.
Assim que verificado todos os pressupostos exigidos, como o periculum in mora (risco atual ou iminente), fumus boni iuris (aparência do bom direito) e se o Município não for sede de comarca, é que então o Delegado concederá a medida protetiva de afastamento, devendo comunicar o juiz no prazo máximo de 24 horas, e este no mesmo prazo, decidirá se manterá ou revogará e ainda deverá dar ciência ao Ministério Público.
Diante da situação em que o Município não for sede de Comarca e não havendo Delegado disponível no momento da denúncia, a Lei menciona que o policial pode decretar a medida de afastamento, deixando portanto ampla essa interpretação. Nessa perspectiva, o autor Thiago Garcia nos ensina:
O Direito não é um fim em si mesmo! É apenas um meio para alcançar os interesses da sociedade, e a proteção da vida é um deles. Logo, se o afastamento do homem tem condição de evitar fatos graves, como a morte da vítima, ainda que seja decretado por agente público que não é autoridade, as circunstâncias especiais já apontadas legitimam esse procedimento. (GARCIA, 2019, p. 117)
Em referência à constitucionalidade da Lei nova, Garcia (2019), sustenta que apresenta uma inconstitucionalidade material, por ferir o princípio da igualdade, uma vez que mulheres em situações iguais podem receber tratamento diferente, pois aquela que for vítima de violência e seu Município for sede de comarca, sairá da Delegacia apenas com um boletim de ocorrência em mãos, sem a almejada proteção imediata, além de aguardar o prazo de 48 horas para ser remetido ao juiz o pedido, mais o mesmo prazo para este apreciar, o que somando totaliza 96 horas- tempo demais para quem está correndo perigo. Em contrapartida, a mulher que residir em Município que não seja sede de comarca, será imediatamente protegida já na Delegacia. Por fim, esclarece que na prática, apenas um pequeno grupo de mulheres será beneficiado, porque há cidades pequenas que também são sedes de comarca.
Em consonância, é o raciocínio de Neto (2019), por defender que a Lei em discussão dá tratamento distinto entre as vítimas nas mesmas situações. Nas lições de Rodrigo Foureaux, pode-se extrair:
A finalidade da lei é proteger qualquer mulher de agressões e, consequentemente, resguardar a sua vida e integridade física, razão pela qual incide manifesta inconstitucionalidade ao dar tratamento diferenciado que faça incidir grupos de mulheres em proteção deficiente. (FOUREAUX, 2019)
Nesse diapasão, é imperioso destacar que foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6138 contra o art. 12-C, requerida pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, em maio de 2019. A Ação questiona a competência do Delegado ou o policial para determinar a medida de afastamento do agressor, sustentando que viola a liberdade do indivíduo sem o devido processo legal, bem como pode mitigar a inviolabilidade de domicílio sem observância das hipóteses constitucionais autorizadas, em dissonância com a reserva de jurisdição. Contudo, cumpre salientar que a Suprema Corte não julgou essa Ação.
Todos esses argumentos não devem prosperar, haja vista que trata apenas de uma concessão subsidiária, sem retirar do juiz a palavra final. Na lição de Guilherme de Souza Nucci, pode-se entender:
Construiu-se, por meio de lei, uma hipótese administrativa de concessão de medida protetiva – tal como se faz com a lavratura do auto de prisão em flagrante (e quanto ao relaxamento do flagrante pelo delegado). Não se retirado do juiz a palavra final. Antecipa-se medida provisória de urgência (como se faz no caso de flagrante: qualquer um pode prender quem esteja cometendo um crime). (NUCCI, 2019)
Em sentido semelhante, manifesta Rogério Sanches, ao afirmar que agentes policiais praticam rotineiramente atos que restringem direitos fundamentais de cidadãos e que nem por isso deve-se cogitar arguir a inconstitucionalidade desta prática, ademais, a decisão tomada pela autoridade policial não é soberana, sendo submetido ao juiz no prazo de 24 horas para dar o aval. (CUNHA, 2019)
Nota-se portanto, que a dignidade da pessoa humana é o que se quis privilegiar, sendo a mais importante e está acima de todos os demais princípios. Outrossim, o Delegado de Polícia é um operador do Direito, dotado de conhecimento necessário para avaliar a medida protetiva.
Destaca-se, que o §2º do art. 12-C, não prevê a liberdade provisória ao preso nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, o que na verdade é desnecessário estabelecer isso no texto da lei, pois é óbvio que a soltura é um risco, sendo assim, não justificaria o caso de lhe conceder a liberdade provisória segundo o que dispõe as regras para a decretação da prisão preventiva no Código de Processo Penal.
Por fim, a nova alteração determina ao juiz que providencie o registro da medida protetiva de urgência, o qual deverá ser feito no banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantindo o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, permitindo um maior controle das decisões tomadas em prol da mulher agredida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a existência da violência doméstica e familiar contra a mulher seja um assunto de extrema importância e que merece uma atenção especial do Estado, criou-se em Agosto de 2006, a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como a “Lei Maria da Penha”, considerada hoje uma das leis de maior eficácia no Brasil. Nesse contexto, a lei em comento tem como objetivo coibir, prevenir, punir e erradicar essa violência, bem como, adotar medidas protetivas de urgência, para que então essas vítimas possam ter seus direitos garantidos, de forma eficaz e mais célere.
Nessa perspectiva, a referida lei sofreu uma alteração em maio de 2019, onde facilitou a aplicação de medidas protetivas de urgência a mulheres, em casos de violência doméstica ou familiar. Logo, a Lei nº 13.827, de 13 de Maio de 2019, trouxe uma maior agilidade na concessão dessas medidas pela autoridade judicial e pela autoridade policial, quando o Município não for sede de comarca, ou pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia; contando com um prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
É indubitável que essa alteração representa um avanço no combate à violência contra a mulher, pois permite que o Delegado de Polícia conceda a medida protetiva, o que antes só o juiz poderia decretar. Dessa maneira, é muito mais eficaz o Delegado decretar já na delegacia, haja visto que este é dotado de conhecimento jurídico e que tem o primeiro contato com a vítima, assim como, não dá para esperar o agressor matar a ofendida, enquanto o juiz analisa o pedido.
Destarte, a lei dispõe sobre a protetiva relacionada apenas ao afastamento do agressor do lar ou local em que se conviva com a mulher, o que se pode afirmar que é muito limitada essa lei. Por outro lado, a nova mudança ampliou o poder do Delegado em ajudar as mulheres, porém, imperioso destacar que, poucos poderão fazer valer esse afastamento, uma vez que as capitais, as cidades grandes e algumas cidades pequenas, são sede de comarca, o que restará à vítima aguardar o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para encaminhamento do pedido ao juiz, mais o mesmo prazo para apreciação deste.
Infere-se, portanto que, a Lei nº 13.827/19 carece de ajustes, sendo necessário que a medida protetiva de urgência, concedida pelo Delegado, seja possível a todas às mulheres, sem essa limitação geográfica que o dispositivo trouxe. Contudo, tratando-se da existência do risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher, é urgente o preenchimento dessa lacuna.
REFERÊNCIAS
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Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Brasil - Campus de Fernandópolis/SP e Servidora Pública Municipal de Aspásia/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BONFIM, Katia Silveira. Lei 13.827/2019 altera a Lei Maria da Penha para permitir ao Delegado de Polícia a concessão de medida protetiva de urgência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55222/lei-13-827-2019-altera-a-lei-maria-da-penha-para-permitir-ao-delegado-de-polcia-a-concesso-de-medida-protetiva-de-urgncia. Acesso em: 23 dez 2024.
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