RESUMO: O controle de constitucionalidade é o mecanismo por meio qual se assegura a supremacia da Constituição na escala hierárquica normativa. O referido controle pode ser exercido por diversos órgãos e em diferentes momentos. O Poder Judiciário tem como tarefa própria o controle de constitucionalidade repressivo, quando a norma já está pronta e devidamente promulgada. Ocorre, entretanto, que em hipóteses excepcionais o Supremo Tribunal Federal exerce o controle de constitucionalidade de forma preventiva, analisando projetos de lei e de emendas constitucionais que ainda estão em trâmite no Congresso Nacional. A jurisprudência parece mostrar uma possível expansão desse controle preventivo, que teria como parâmetro toda a Constituição, e não apenas as cláusulas pétreas, conforme ocorre atualmente. Essa atuação preventiva do Poder Judiciário pode conflitar com a separação dos poderes. Assim, o objetivo do presente trabalho está na análise das consequências do controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo, tendo como lastro as normas da Constituição Federal de 1988, a jurisprudência do STF e a doutrina da separação dos poderes.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade Preventivo; Poder Judiciário; Separação de Poderes.
ABSTRACT: The control of constitutionality is the mechanism by which assures the supremacy of the constitution in the hierarchical scale normative. Such control can be exercised by different organs and at different times. The Judiciary, on its turn, has its own task of controlling repressive constitutionality, when the norm is already ready and duly promulgated. It happens, however, that in exceptional cases the Federal Supreme Court exercises the constitutionality control in a preventive way, analyzing draft laws and constitutional amendments that are still in progress in the national congress. Jurisprudence seems to show a possible expansion of this preventive control, which would have as a parameter the whole constitution, not just the stony clauses, as it currently occurs. This preventive action of the Judiciary intends the separation of powers. Thus, the objective of this paper is to analyze the consequences of the control of preventive judicial constitutionality, based on the norms of the Federal Constitution of 1988, the jurisprudence of the STF and the doctrine of separation of powers.
Keywords: Preventive Constitutionality Control; Judicial Branch; Separation of Powers.
Sumário: 1. Introdução. 2. O controle de constitucionalidade na Constituição Federal de 1988. 3. O controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo no STF. 3.1. A jurisprudência dominante no STF – controle restrito. 3.2. A jurisprudência minoritária – controle amplo. 4. A teoria da separação dos poderes e a atuação do STF. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade é o mecanismo hábil a garantir a supremacia das normas constitucionais. Por meio deste os órgãos competentes realizam o cotejo das normas infraconstitucionais com a Constituição paradigma e, caso haja uma incompatibilidade, decidem pela retirada da norma inconstitucional do mundo jurídico.
Interessante mencionar que as emendas à Constituição também podem ser objeto de controle de constitucionalidade, não sendo este restrito à análise das leis ordinárias e complementares, haja vista a existência de limites ao constituinte reformador, que deve respeitar o núcleo duro da Constituição, não sendo possível, na reforma constitucional, a supressão ou o enfraquecimento de direitos reconhecidos como cláusulas pétreas.
O controle de constitucionalidade pode ser exercido de diversas formas: pode ser revestido de caráter político ou jurídico; o órgão competente para exercê-lo pode ser único ou variado; a questão constitucional pode ser tratada como causa principal da demanda ou como questão incidental; pode ser prévio, durante a tramitação do processo legislativo, ou repressivo, após a promulgação da norma.
Conforme restará demonstrado ao longo do presente trabalho, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu um sistema misto de controle de constitucionalidade, prevendo a possibilidade de atuação política e jurídica. A título de exemplo, durante o processo legislativo, tanto as Casas Legislativas quanto o chefe do Poder Executivo têm a oportunidade de apreciar a constitucionalidade das normas que estão sendo formadas. Por outro lado, uma vez promulgada a lei, a competência para o exercício do controle passa a ser função própria do Poder Judiciário.
Como se verá, a regra é o exercício preventivo do controle político e o exercício repressivo do controle jurisdicional.
A referida distribuição de “competências”, prevista na Constituição Federal, está intimamente relacionada com a tripartição de poderes. Uma vez que é função própria do parlamento o debate institucional acerca dos projetos de leis e das demandas sociais, bem como a análise da constitucionalidade dos projetos em trâmite, não haveria espaço para o Poder Judiciário intervir e impedir o exercício dessa função constitucional. Da mesma forma, uma vez que a CF/88 atribui ao chefe do Poder Executivo a competência para analisar a constitucionalidade dos projetos de lei no momento em que decide pela sanção ou pelo veto, não haveria oportunidade para a atuação preventiva do Poder Judiciário.
Assim, o controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade poderia ser visualizado como uma afronta ao dogma da separação dos poderes, uma vez que, ao assim agir, os magistrados estariam exercendo funções próprias dos parlamentares e do chefe do Executivo.
A realidade, no entanto, mostra que, no âmbito nacional, o Supremo Tribunal Federal tem admitido e exercido o controle preventivo. É bem verdade que por decisão majoritária esse controle tem sido realizado de forma restrita: apenas por meio do mandado de segurança impetrado por parlamentar, que tem por finalidade assegurar o devido processo legislativo para impedir o trâmite de propostas que atentem contra as cláusulas pétreas.
Não se desconhece, entretanto, a existência de corrente dentro do próprio Tribunal que defende a possibilidade de um controle preventivo mais amplo, sendo possível a análise de aspectos formais dos projetos de lei sem se ater à excepcional hipótese de violação às cláusulas pétreas, conforme já defendido por membros da Corte de forma monocrática em algumas oportunidades.
Desse modo, o objeto deste trabalho está na análise do atual cenário jurisprudencial acerca da possibilidade do exercício do controle preventivo de constitucionalidade pelo STF, tomando-se como parâmetro as normas da Constituição Federal de 1988 e a teoria da tripartição dos poderes, para que assim possam ser analisas as consequências resultantes dessa atividade.
Visando a uma abordagem mais prática do tema do controle de constitucionalidade, serão apresentadas as características básicas necessárias para a compreensão do assunto, adentrando-se, logo em seguida, na análise principal desse estudo: o controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo.
2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Inicialmente, cumpre esclarecer que o controle de constitucionalidade é o mecanismo por meio do qual um órgão competente realiza o exame de normas infraconstitucionais tendo como parâmetro a Constituição vigente em um país. Isto é, por meio do referido controle, a norma infraconstitucional pode ser considerada contrária à Constituição e, consequentemente, extirpada do mundo jurídico.
O controle de constitucionalidade é um mecanismo próprio dos países que adotam constituições rígidas, as quais demandam um processo de alteração mais dificultoso e solene do que o aplicado às alterações das normas infraconstitucionais. Trata-se de corolário do princípio da supremacia da Constituição, de acordo com o qual a Constituição está no vértice da pirâmide normativa e todas as demais normas deve com ela guardar consonância.
Nesse sentido, leciona Pedro Lenza[1]:
A ideia de controle, então, emana da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema.
Nessa esteira, cria-se o mecanismo em que o órgão competente pode declarar a inconstitucionalidade da norma editada em descompasso com a constituição. Trata-se da manutenção da ordem constitucional. Conforme pontua o Ministro Gilmar Mendes, caso não houvesse esse “controle”, não haveria conteúdo obrigatório nas normas constitucionais, não havendo que se falar em hierarquia normativa. É o que se infere do seguinte excerto:
É inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.
Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.[2]
É necessário esclarecer, ainda, que o vício de inconstitucionalidade pode ser de ordem formal ou material. Será formal quando contrário ao procedimento legislativo previsto na Constituição, onde se inclui o vício de competência e o vício de tramitação. Por outro lado, será material quando a vício de inconstitucionalidade estiver no conteúdo do ato normativo. O Ministro Luís Roberto Barroso[3] sintetiza a matéria da seguinte forma:
A Constituição disciplina o modo de produção das leis e demais espécies normativas primárias, definindo competências e procedimentos a serem observados em sua criação. De parte isso, em sua dimensão substantiva, determina condutas a serem seguidas, enuncia valores a serem preservados e fins a serem buscados. Ocorrerá inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico. A inconstitucionalidade será material quando o conteúdo do ato infraconstitucional estiver em contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra ou um princípio.
Diante desse contexto, tem-se que o controle de constitucionalidade pode se dar sob vários enfoques, seja com relação ao órgão que o exerce, ao modo como é exercido ou ao momento em que é exercido.
No que toca ao órgão competente para aferir a constitucionalidade dos atos normativos, a doutrina reconhece o controle político, o controle jurisdicional e o controle misto. Ainda com relação ao órgão, e no âmbito do controle jurisdicional, esse pode ser difuso ou concentrado. Por sua vez, no que se refere ao modo como é exercido, o controle pode ser realizado de forma incidental ou principal. Por fim, quanto ao momento em que ocorre, o controle pode ser preventivo ou repressivo.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 adotou o controle de constitucionalidade misto (político e jurisdicional), difuso e concentrado, preventivo e/ou repressivo, a depender do caso.
No âmbito do controle político, a aferição da conformidade constitucional dos atos normativos está a cargo das Casas Legislativas, em especial das Comissões de Constituição e Justiça (art. 32, IV, “a”, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – Resolução nº 19, de 1989; art. 101, I, do Regimento Interno do Senado Federal – Resolução nº 93, de 1970) e do Chefe do Poder Executivo, por meio da análise prévia ao exercício do poder de veto previsto no art. 66 da CF/88.
O controle político é, assim, em regra, exercido de forma preventiva, já que realizado antes da promulgação do ato normativo, constituindo uma etapa do processo de formação do próprio ato.
O controle jurisdicional, por sua vez, foi previsto em sua forma difusa e concentrada. O controle é difuso quando pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras ordinárias de competência de cada órgão, e concentrado quando a competência recai sobre órgãos específicos.
No Brasil, a Constituição de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a função de guardião da Constituição (art. 102), sendo do referido órgão a competência exclusiva do exercício do controle concentrado de constitucionalidade. O controle difuso, por sua vez, pode ser exercido por todos os tribunais e juízes que compõem o sistema judicial brasileiro, incluindo-se aqui o STF.
Além das referidas classificações, importa destacar que o controle jurisdicional pode ser exercido pela via incidental (concreto) ou pela via principal (abstrata). No controle incidental a questão constitucional é analisada como questão prejudicial ao pedido principal, enquanto na via principal a (in)constitucionalidade do ato normativo é o objeto autônomo e exclusivo da causa, não se tratando, assim, de meio para obter o objeto desejado.
Embora o sistema jurídico brasileiro tenha estabelecido, como regra, o controle jurisdicional em momento posterior à edição do ato normativo (controle repressivo), há uma hipótese em que se admite o controle jurisdicional preventivo. Conforme assentado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cabe à referida corte analisar a constitucionalidade de um ato normativo, durante o trâmite da sua formação, de forma incidental no bojo de Mandado de Segurança, quando a proposta legislativa atentar contra cláusulas pétreas.
Conforme restará demonstrado ao longo do presente trabalho, a questão do controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade deve ser tratada com cautela. Isso porque a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como regra o controle jurisdicional repressivo, sendo o controle prévio uma função própria dos órgãos políticos.
A razão de ser da referida regra repousa na doutrina da tripartição dos poderes, que, conforme difundido por Montesquieu, consiste na divisão das funções estatais entre três diferentes Poderes, independentes e autônomos entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário. Nessa medida, a CF/88 estampa as funções que são próprias a cada um desses poderes, assegurando, no art. 60, §4º, na condição de cláusula pétrea, a separação dos poderes.
Portanto, cumpre estudar os impactos do controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade na separação dos poderes, tendo como pano de fundo as normas estampadas na CF/88, a teoria da tripartição dos poderes e a jurisprudência do STF.
3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE JURISDICIONAL PREVENTIVO NO STF
Desde a década de 1980, sob a égide da Constituição de 1967, o Supremo Tribunal Federal iniciou o debate acerca da possibilidade do exercício do controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade. Conforme já apontado neste trabalho, o tema é sensível na medida em que envolve o limite de atuação de cada um dos Poderes da República.
Nessa esteira, formou-se na Corte uma jurisprudência que permite o controle preventivo de forma bastante excepcional, apenas de forma incidental, no âmbito de Mandado de Segurança interposto por parlamentar na defesa do direito a um processo legislativo hígido, com o fim de “barrar” o trâmite de um projeto que atenta contra as cláusulas pétreas. Essa é a jurisprudência dominante até os dias atuais.
Cumpre ressaltar, entretanto, a existência de corrente dissonante que apregoa a ampliação desse controle preventivo, facultado ao STF o exame amplo de constitucionalidade das propostas legislativas sem se ater aos casos específicos de afronta às cláusulas pétreas, que a jurisprudência dominante limita.
É necessário, assim, esmiuçar os fundamentos que embasam ambas as correntes, para então sopesar as consequências advindas das diferentes formas do controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo.
3.1 A jurisprudência dominante no STF – controle restrito
A atual jurisprudência do STF, que admite o controle preventivo de constitucionalidade nos casos em que parlamentares impetram mandados de seguranças buscando impedir o trâmite de projetos legislativos contrários às cláusulas pétreas estampadas no art. 60, §4º, da CF, encontra precedentes em julgamentos realizados entre os anos de 1980 e 1985, ainda sob a vigência da Constituição de 1967.
É o que se verifica do acórdão proferido no bojo do Mandado de Segurança nº 20257/DF[4], julgado em 08/10/1980, cuja transcrição da ementa é salutar:
Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente a abolição da republica. - Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer - em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas - que sequer se chegue a deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a constituição. Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da Federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fato. Mandado de segurança indeferido.
(MS 20257, Relator(a): Min. DÉCIO MIRANDA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/1980, DJ 27-02-1981 PP-01304 EMENT VOL-01201-02 PP-00312 RTJ VOL-00099-03 PP-01031)
(grifou-se)
No caso, embora o writ tenha sido denegado, restou assentada a possibilidade de controle preventivo com o fim de obstar o trâmite de projetos legislativos quando a própria Constituição vedar o processamento da lei. Conforme se percebe da leitura da ementa, o pressuposto para a controle preventivo estava na expressa vedação constitucional de deliberação sobre o projeto de lei. Não bastava, assim, a configuração de uma inconstitucionalidade formal/material; era necessário que, especificamente, no caso concreto, o trâmite legislativo sobre a matéria fosse vedado.
A título de exemplo, tomando-se como parâmetro a Constituição de 1967, pode-se citar a regra do art. 50, §1º, que estabelecia “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.”. A mesma regra foi estampada no art. 47, §1º, da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Como se percebe, as regras vedavam de forma expressa a mera deliberação acerca do tema.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o rol de cláusulas pétreas foi ampliado, de forma que, atualmente, o constituinte veda a deliberação tendente a abolir as seguintes matérias:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Esse é, então, o parâmetro utilizado atualmente para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade. Defende-se, da mesma forma, que, se a Constituição é clara ao proibir a deliberação da proposta, é um direito líquido e certo do parlamentar pleitear a interrupção de um processo legislativo que vai de encontro a essa regra.
Na atualidade, a decisão paradigma sobre o tema foi proferida no julgamento do Mandado de Segurança nº 32033[5], cujo relator para o Acórdão foi o saudoso Ministro Teori Zavascki, que instaurou a divergência em relação ao voto do Relator originário, Ministro Gilmar Mendes, quando reafirmou a limitação ao controle preventivo, que deve ser restrito às violações às cláusulas pétreas, sob pena de afronta à tripartição dos poderes. Nesse sentido, constou da Ementa:
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DE PROJETO DE LEI. INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o controle jurisdicional de constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em curso de formação). O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final aprovação ou não. 2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação, não cabe atribuir a parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob todos os aspectos mais abrangente e mais eficiente, de provocar esse mesmo controle antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4. Mandado de segurança indeferido.
(MS 32033, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2014 PUBLIC 18-02-2014 RTJ VOL-00227-01 PP-00330) (grifou-se)
Como se percebe, o controle preventivo de constitucionalidade do STF deve se limitar aos casos de vícios de inconstitucionalidade formais, apontados de forma incidental, no âmbito do Mandado de Segurança interposto por parlamentar. Nesse caso, a inconstitucionalidade formal já estaria devidamente concretizada com a admissão do trâmite do projeto de lei. Se a Constituição, no art. 60, §4º, estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda que tende a abolir as cláusulas pétreas, a partir do momento que um projeto de emenda é proposto com esse conteúdo, resta configurada a inconstitucionalidade.
Assim, apenas nesse caso, poderia o parlamentar se valer do mandado de segurança. Cumpre observar, contudo, que o pedido principal do parlamentar deve ser a participação em um processo legislativo constitucional. A medida judicial não tem por objeto único e direto a declaração de inconstitucionalidade da proposta, mas sim impedir o trâmite desta, para que o parlamentar não participe de um procedimento inconstitucional.
Tal situação se diferencia sobremaneira da análise do mérito do projeto de emenda/lei, tendo como paradigma todas as normas constitucionais, quando restaria caracterizado um verdadeiro controle abstrato de constitucionalidade. O mérito do projeto, conforme essa jurisprudência, deve ter a sua constitucionalidade avaliada pelos membros do Poder Legislativo e pelo chefe do Poder Executivo, em claro exercício de múnus constitucional.
É interessante destacar, ainda, que o fundamento que limita a atuação do Poder Judiciário no exame amplo da constitucionalidade dos projetos de emenda/lei é, não só a ausência de legitimidade dos membros do Poder Legislativo para a propositura das ações de controle abstrato de inconstitucionalidade, como também o reconhecimento de que, ao desempenhar o controle preventivo amplo, o Poder Judiciário estaria “invadindo” área de atuação dos demais Poderes da República.
Essa violação à separação dos poderes será melhor examinada em tópico próprio do presente trabalho. Por ora, importa fixar a jurisprudência dominante no âmbito do STF: o controle preventivo é possível no caso de violação às cláusulas pétreas, sendo praticado através de mandado de segurança interposto por parlamentar.
3.2 A jurisprudência minoritária no STF – controle amplo
Embora a maioria dos ministros da Suprema Corte defenda o controle prévio restrito, não se pode deixar de dar relevância às vozes dissidentes, que defendem a ampliação da área de atuação do STF no exame de constitucionalidade dos projetos de lei e de emendas.
Nesse sentido, é esclarecedor o voto do Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 33.353-DF[6], que teve por objeto impugnar ato do Presidente do Congresso Nacional, que teria inobservado regras constitucionais na apreciação dos vetos presidenciais nºs 47 a 57, de 2013, e nºs 1 a 27, de 2014. No caso, embora a ordem tenha sido denegada, constou do voto do Ministro relator a seguinte fundamentação:
A possibilidade extraordinária dessa intervenção jurisdicional, ainda que no próprio momento de produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por finalidade assegurar aos parlamentares (e a estes, apenas) o direito público subjetivo – que lhes é inerente (RTJ 139/783) – de verem elaborados, pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo (mas sempre no âmbito da Casa legislativa a que pertence o congressista impetrante) a certeza de observância da efetiva supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos “interna corporis” (RTJ 102/27 – RTJ 112/598 – RTJ 112/1023, v.g.).
(...)
De outro lado, e embora excepcional, o controle jurisdicional do processo de formação das espécies normativas não configura, quando instaurado, ofensa ao postulado básico da separação de poderes.
Isso significa reconhecer que a prática do “judicial review”, sempre que se alegue suposta ofensa ao texto da Constituição, não pode ser considerada um gesto de indevida interferência jurisdicional na esfera orgânica do Poder Legislativo.
(...)
Não custa destacar, por relevante, que tal entendimento – plenamente legitimado pelos princípios que informam o Estado Democrático de Direito e que regem, em nosso sistema institucional, as relações entre os Poderes da República – nada mais representa senão um expressivo reflexo da prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (RTJ 142/88-89 – RTJ 167/792-793 – RTJ 175/253 – RTJ 176/178, v.g.).
Como se percebe da leitura do voto, o parâmetro para o controle preventivo deixa de ser as cláusulas pétreas e passa a abranger toda a Constituição. Assim, não é mais necessário que a Carta Magna disponha de forma expressa que o trâmite do projeto é vedado. Basta que reste configurado um vício formal de constitucionalidade, tendo como parâmetro todas as normas constitucionais.
A referida linha de jurisprudência consta da decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, no julgamento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 34530-DF,[7] que, ao realizar controle preventivo de constitucionalidade, deferiu a liminar pleiteada para sustar a tramitação do projeto legislativo oriundo de iniciativa popular, nacionalmente conhecido como “as 10 medidas contra a corrupção”, sob o fundamento de que esse seria formalmente inconstitucional por afronta aos artigos 14, III, e 61, §2º, ambos da CF/88.
Observa-se que na mencionada decisão, embora tenha se mantido o limite do controle de constitucionalidade formal, o dispositivo tido por violado não foi uma cláusula pétrea, mas sim outros artigos constitucionais sobre os quais não há o impedimento taxativo de trâmite de projetos de lei.
Assim, não se pode negar que essa decisão representa um alargamento da jurisprudência do STF. Conforme anteriormente transcrito, o fundamento inicial para o controle preventivo estava na previsão expressa da Constituição no sentido de que não poderá haver deliberação sobre projetos que ameacem as cláusulas pétreas. Esse controle se justifica, portanto, no fato de a própria Constituição vedar a deliberação sobre o tema.
Nesses outros casos, em que não há uma violação direta às cláusulas pétreas, não há impedimento constitucional direto para o trâmite do projeto legislativo. Nessa situação resta ainda mais claro o ativismo judicial do Poder Judiciário, que passa a interferir na atividade parlamentar, trazendo com isso diversas consequências.
É interessante observar que em todos os julgados transcritos no presente trabalho o tema da separação dos poderes foi abordado. E em todos se defendeu que o controle preventivo de constitucionalidade por parte do STF não caracterizaria uma violação ao postulado. Cumpre, assim, verificar em que consiste o princípio da separação dos poderes.
4 A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A ATUAÇÃO DO STF
Foi Montesquieu quem difundiu a teoria da tripartição dos poderes. Embora não seja correto atribuir a este a criação da teoria, não se pode negar que foi Montesquieu quem melhor sistematizou a doutrina já existente, difundindo a ideia e a importância da separação das funções estatais entre três poderes distintos e independentes, como condição para uma sociedade justa.
De acordo com Montesquieu, todo o homem que detém o poder tende a dele abusar, de forma que é necessário que o poder seja limitado pelo próprio poder. Assim, tem-se a ideia de três poderes independentes que, no desempenho de suas funções, limitam-se entre si. Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Paulo Bonavides[8]:
Depois de referir a liberdade política aos governos moderados, afirma Montesquieu que uma experiência eterna atesta que todo homem que detém o poder tende a abusar do mesmo.
Vai o abuso até onde lhe deparem os limites. E para que não se possa abusar desse poder, faz-se mister organizar a sociedade política de tal forma que o poder seja um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder.
O Estado possui as funções administrativa, legislativa e jurisdicional, as quais são repartidas entre os três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao Poder Executivo compete o desempenho da função administrativa, que consiste na execução das leis, mediante atos infralegais, sem inovar na ordem jurídica de forma primária. Ao Legislativo cabe a função legislativa, por meio da criação de normas gerais, em regra abstratas, que inovam na ordem jurídica tendo como fundamento direto a Constituição. Também cabe ao Legislativo o exercício do poder constituinte reformador, que por meio de maioria qualificada tem a competência de reformar a Constituição. Ao Judiciário, por fim, cabe a função jurisdicional, que consiste na resolução de controvérsias por meio de decisão com força de coisa julgada.
Cumpre esclarecer, contudo, que essas são as funções típicas desempenhadas por cada um dos Poderes, sendo possível que estes desempenhem funções que não lhe são próprias, de forma atípica. A título de exemplo, o Poder Executivo desempenha função legislativa quando edita medida provisória. O Judiciário, por sua vez, desempenha função administrativa quando realiza uma licitação para a aquisição de bens móveis.
Pois bem, considerando, então, a tripartição de poderes, por meio do qual cada um dos poderes estatais tem função própria, pode-se analisar as funções que foram atribuídas a cada um dos Poderes no que toca ao exercício do controle de constitucionalidade pela Constituição Federal de 1988.
Conforme já demonstrado no presente estudo, é função própria das Casas Legislativa o processo legislativo, cabendo aos membros do parlamento e às comissões de Constituição e justiça a vigilância quanto à constitucionalidade dos projetos de lei em trâmite. A análise da constitucionalidade dos projetos de lei é, portanto, função própria do Poder Legislativo.
O Chefe do Poder Executivo, por sua vez, foi dotado da competência de exercer o controle de constitucionalidade preventivo no momento em que a Casa Legislativa, na qual a votação for concluída, envia o projeto para a sanção presidencial. Nessa oportunidade, pode o Presidente da República vetar o projeto por considerar esse inconstitucional. Nesses termos, dispõe o art. 66, §1º, da CF/88:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
Caso o Presidente decida por vetar o projeto de lei, a Constituição abre a possibilidade de o Congresso Nacional rejeitar o veto, desde que haja decisão da maioria absoluta dos Deputados e dos Senadores nesse sentido (art. 66, §4º, da CF/88) .
Verifica-se, assim, o claro desempenho das funções constitucionais dos Poderes Legislativo e Executivo no desempenho do papel democrático que lhe cabe. É o diálogo institucional para a criação das normas, que está sendo exercido pelos representantes da sociedade eleitos para esse fim.
Ao Poder Judiciário, por outro lado, a Constituição Federal não atribuiu competência para participar desse processo legislativo. Conforme se verifica do art. 102, que disciplina a competência do Supremo Tribunal Federal, cabe à referida Corte o exercício do controle de constitucionalidade abstrato de “lei ou ato normativo federal ou estadual” (art. 102, I, a) e o controle difuso, mediante o recurso extraordinário (art. 102, III).
A competência de que o STF tem se valido para o exercício do controle preventivo está no art. 102, I, “d”, da CF/88, que prevê a possibilidade de que seja processado e julgado pela Corte o mandado de segurança contra ato das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O mandado de segurança, conforme regulamentado no art. 5º, LXIX, da CF/88, é cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou pelo abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Com isso, sob o fundamento de que o parlamentar tem o direito líquido e certo a um processo legislativo de acordo com a Constituição, é que se tem admitido o uso do Mandado de Segurança para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade.
Trata-se, portanto, de uma criação jurisprudencial, haja vista a ausência de previsão expressa dessa possibilidade na Constituição Federal.
Na garantia desse processo legislativo constitucional, o Supremo Tribunal Federal termina por exercer o controle de constitucionalidade em um momento em que o controle é mais político do que jurídico. Tanto o é que a Constituição previu de forma expressa apenas o controle político para a fase do trâmite legislativo, a ser desempenhando pelo Legislativo e pelo Executivo.
Não se pode fechar os olhos para a possibilidade de a Suprema Corte, no exercício do controle preventivo de constitucionalidade, vir a intervir no processo legislativo, assumindo uma postura ativista e política. Pode-se citar como exemplo a possibilidade de parlamentar que pertence à base minoritária no congresso impetrar mandado de segurança apontando a inconstitucionalidade formal de um projeto de lei com o mero fim de barrar o trâmite de uma proposta que lhe é desfavorável. Nesse caso, antevendo uma derrota na votação legislativa, o parlamentar recorreria ao Poder Judiciário para barrar o trâmite legislativo e assim impedir a votação legislativa.
Conforme já ressaltado, o processo legislativo é próprio do parlamento, é função dos parlamentares e das comissões parlamentares realizar um exaustivo debate em torno do projeto de lei para aperfeiçoa-lo às demandas sociais, tendo sempre por base as normais constitucionais.
Ao se franquear ao Judiciário essa participação preventiva, pode estar havendo uma perda de prestígio dos parlamentares, que estariam sendo considerados “incapazes” de aperfeiçoar e aprovar projetos de lei de acordo com a Constituição Federal.
No mesmo sentido, considerar a necessidade de participação preventiva do Poder Judiciário seria desacreditar a capacidade do Presidente da República de declarar a inconstitucionalidade dos projetos de lei postos ao seu exame no momento que antecede o veto ou a sanção.
Portanto, tendo em vista o cenário constitucional, que estabelece de forma clara a área de atuação de cada um dos Poderes no controle de constitucionalidade dos projetos de lei e das respectivas leis, depois de promulgadas, parece ser necessária parcimônia do Supremo Tribunal Federal no exercício do controle preventivo de constitucionalidade, sob pena de adentrar no exercício de competência que não lhe é própria, esvaziando, assim, a competência constitucional do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
5 CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988, em consonância com a teoria da separação dos poderes, atribuiu a cada um dos Poderes da República uma função própria no controle de constitucionalidade. Como visto, durante o trâmite legislativo a regra é que o controle de constitucionalidade seja exercido por órgãos políticos, sendo desempenhado pelo Legislativo e pelo Executivo, uma vez que estes têm papel fundamental no debate democrático que cerca a criação das leis. Isso porque os membros do Poder Legislativo e o Chefe do Poder Executivo são eleitos por meio do voto popular para, em nome do povo, representa-los nas tomadas de decisões que guiam a sociedade.
O Poder Judiciário, por sua vez, tem por finalidade precípua o exame de controvérsias que são postas sob o seu exame, com a criação de decisões com força de coisa julgada. Não cabe aos membros do Judiciário, portanto, a participação no processo legislativo, de forma que a Constituição Federal atribuiu ao referido Poder o exercício do controle repressivo de constitucionalidade, quando a norma já está devidamente elaborada e promulgada.
Embora a Constituição Federal vede no art. 60, §4º, o trâmite dos projetos de emendas constitucionais que tendam a abolir os temas resguardados como cláusulas pétreas, não foi prevista de forma expressa a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário nesse caso.
O que se tem é que os membros do Supremo Tribunal Federal, em interpretação constitucional, passaram a permitir a impetração de Mandado de Segurança por parlamentares, a fim de assegurar a participação destes em um processo legislativo constitucional. Inicialmente, apenas nos casos em que o projeto de fato atentasse contra cláusulas pétreas. Atualmente, entretanto, nos casos em que haja apenas uma inconstitucionalidade formal.
Observa-se, conforme exposto, que essa atividade preventiva do Poder Judiciário pode cruzar a fronteira estabelecida pela Constituição Federal no que toca à separação dos poderes, uma vez que a decisão judicial estaria impedindo o Parlamento de debater sobre a proposta posta ao seu exame. Também a atividade do Chefe do Poder Executivo estaria sendo prejudicada, já que o STF estaria desempenhando a análise de constitucionalidade que necessariamente seria realizada quando da decisão de sanção ou veto do projeto de lei.
Nesse cenário, é possível que o Poder Judiciário seja utilizado como meio para impedir o trâmite de projetos legislativos que sejam desfavoráveis a parcela minoritária de parlamentares que não conseguiriam votos necessário para barrar a aprovação de uma determinada matéria. O que configura clara violação ao princípio democrático.
Desse modo, considerando esses fatores, é imprescindível a cautela do Poder Judiciário nesse exame de constitucionalidade preventivo, sob pena de se esvaziar funções próprias dos outros Poderes, enfraquecendo o debate representativo que é próprio a um Estado Democrático de Direito.
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[3] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 48
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 20257. Relator: Décio Miranda, Relator p/ Acórdão: Moreira Alves. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85046
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 32033. Relator: Gilmar Mendes, Relator p/ Acórdão: Teori Zavascki. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5290006
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 33.353 MC-DF. Relator: Celso de Mello. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%2833353%2ENUME%2E+OU+33353%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/ybqegm7f
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 34.530 MC-DF. Relator: Luiz Fux. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%2834530%2ENUME%2E+OU+34530%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/y93lo9dx
Pós-graduada em direito público, Procuradora da Fazenda Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINS, Mariana Sá Leitão de Meira. O controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo no STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55248/o-controle-de-constitucionalidade-jurisdicional-preventivo-no-stf. Acesso em: 26 dez 2024.
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