GONÇALVES SELLERA[1]
(orientadora)
RESUMO: A imagem reflete a forma em que o ser humano é visto e reconhecido na atual sociedade; observando que sua exposição não se limita a aspectos físicos, podendo englobar por exemplo, voz, gestos, entre outros. Tendo em vista possuir aspectos essenciais que individualizam o ser humano, houve a necessidade de conferir proteção legal ao seu uso; Assim, conforme dispõe a Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Dessa forma, extrai-se que em regra, o direito à imagem é garantido a todos os indivíduos e, portanto, o seu uso não pode ocorrer de forma arbitrária, sendo para tanto necessário o consentimento da pessoa. Ocorre que os Superiores Tribunais Federais vêm mitigando a possibilidade de condenações à título de danos morais presentes no artigo supracitado, em algumas situações excepcionais. Neste artigo será apresentado uma recente hipótese, em que o uso da imagem, embora sem o consentimento do indivíduo não é capaz de gerar indenização, qual seja, torcedor de futebol; quando este aparece em multidão e sequer ocorre o destaque de sua imagem, ainda que utilizada para fins comerciais.
PALAVRAS-CHAVE: direito de imagem; direito da personalidade; indenização por danos morais;
ABSTRACT: The image reflects the way in which the human being is seen and recognized in today's society; noting that their exposure is not limited to physical aspects, and may include, for example, voice, gestures, among others. Taking into consideration that there are essential aspects that individualize the human being, there was a need to provide legal protection for its use; Thus, according to the Federal Constitution, "intimacy, private life, honor and image of people are inviolable, and the right to compensation for material or moral damage resulting from its violation is ensured." In this way, it is extracted that, as a rule, image right is guaranteed to all those obliged and, therefore, its use cannot occur arbitrarily, requiring the individual's consent. It occurs that the Superiors Federal Courts have been mitigating the possibility of convictions for moral damages present in the aforementioned article, in some exceptional situations. In this article, a recent hypothesis will be presented, in which the use of the image, although without the individual's consent, is not able to generate compensation, that is, a soccer fan; when he appears in a crowd and his image is not highlighted.
KEYWORDS: image right; personality right; indemnity for pain and suffering;
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito de imagem: Conceito e Indenização Regra Geral. 3. STJ: Análise de julgado. 4. Mitigação de condenação de danos morais no âmbito de uso de imagem em multidão. 5.Do acerto da decisão do STJ no Recurso Especial. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade fazer uma suscinta análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão tratou de uma campanha publicitaria de automóvel veiculada, na qual foi realizada em um estádio de futebol, e que foi utilizada a imagem de torcedores, sem prévio consentimento.
Para isso, inicialmente será abordado o conceito do direito de imagem, incluindo a necessidade da sua proteção, de acordo com a doutrina e legislação, em seguida, será apresentado o caso decidido pelo STJ, com a devida explicação acerca do acordão proferido.
Em linhas finais, será avaliado a compatibilidade do julgado com o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo por se tratar de uma exceção à regra geral.
2. DIREITO DE IMAGEM: CONEITO E INDENIZAÇÃO REGRA GERAL
A imagem é um direito concedido a todos os indivíduos, reflete a forma em que o ser humano é visto e reconhecido na atual sociedade; observando que sua exposição não se limita a aspectos físicos, podendo englobar por exemplo, vozes, fama, gestos, entre outros.
Nas linhas dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel de Melo (2018):
O direito à imagem, enquanto direito personalíssimo autônomo e reconhecido pela lei, a doutrina e a jurisprudência, pode ser dividido em duas acepções básicas:
a) Imagem subjetiva: é a proteção da pessoa no mesmo contexto social em que se insere, donde resultam, em última análise, predicados com a boa fama, o crédito, a respeitabilidade e tudo que diga respeito à forma com que a pessoa é reconhecida nesse contexto social. Daí porque se pode dizer que uma inscrição indevida do nome da pessoa em órgão de restrição de crédito macula a sua imagem subjetiva.
b) Imagem objetiva ou imagem-retrato: é o direito da pessoa ao controle sobre a sua figura, fazendo com que reproduções de sua imagem sejam restringidas à sua vontade, enquanto detentor desse direito personalíssimo. nesse contexto social. Daí porque se pode dizer que uma inscrição indevida do nome da pessoa em órgão de restrição de crédito macula a sua imagem subjetiva.
Tendo em vista se tratar de importante aspecto para individualizar o ser humano, não apenas na apresentação física, mas também no campo social, fez-se necessário à sua proteção, de forma a resguardar sua honra.
Nesse sentido, dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, X:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A ênfase nesse artigo gira em torno da imagem-retrato, ou seja, a utilização da imagem da pessoa para fins de veiculação.
Têm-se que, em regra, o uso arbitrário do uso de imagem é capaz de ensejar aplicação de danos morais, tendo em vista que para a sua utilização, é necessário o consentimento expresso do indivíduo.
Ademais, o STJ vai além, conforme entendimento sumulado, nos casos em que ocorrer utilização de imagem de pessoa não autorizada com fins econômicos ou comerciais, sequer é necessário a prova do prejuízo: “Súmula 403 - Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.” (BRASIL, 2014).
3. STJ: ANÁLISE DE JULGADO
Embora, exista uma regra geral, em que resta claro que o uso arbitrário do uso de imagem é capaz de ensejar aplicação de danos morais; Os Superiores Tribunais Federais vêm mitigando essa possibilidade em alguns casos.
Dito isso, passo para a análise do recente julgado do STJ, sobre a relatoria da ministra Nancy Andrighi, realizado no dia 16/06/2020, acerca de um pleito realizado com base em violação do direito de imagem.
O julgado, em tese trata de um torcedor de futebol que ajuizou uma ação de compensação de danos morais, em face de uma automobilística, alegando uso indevido de imagem para fins comerciais.
A empresa, utilizou a imagem de um jogo de futebol em televisão e redes sociais, com a finalidade de promover um novo veículo de sua marca. Ocorre, que na veiculação, apareceu imagens do requerente, sem o seu expresso consentimento.
Em sua petição inicial, alegou que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos”; que “a matéria foi sumulada por intermédio do verbete 403 desta Corte”; que “se tratava de propaganda de automóvel, marca, e para fins comerciais, e, não houve (...) anuência ou concordância do autor” (fls. 178-179, e-STJ); que “os danos morais em virtude de violação do direito à imagem decorrem de seu simples uso indevido, sendo prescindível, em casos tais, a comprovação da existência de prejuízo efetivo à honra ou ao bom nome do titular daquele direito, pois o dano é in re ipsa” (fl. 181, e-STJ)”.
Ocorre que o Juízo de primeiro grau julgou improcedente, sob a fundamentação de que a imagem do autor no evento foi muito rápida, apenas vinculada a um evento futebolístico, e que a alegação de que não avisou a sua companheira foi um mero pretexto para convencimento de que teve problemas em face da veiculação.
Em seguida, o Tribunal local, manteve a decisão do MM. Juiz, e reiterou que o demandante apareceu nas filmagens de forma discreta e rápida, por uma fração de segundo extremamente reduzida, não chegando sequer a três segundos.
Inconformado com a decisão supracitada, o torcedor, resolveu interpor recurso especial ao STJ, reiterando o uso indevido de sua imagem, uma vez que não houve expressa autorização, além de solicitar a aplicação da súmula 403, do STJ. (já citada anteriormente)
No julgamento do caso, o STJ ponderou que de um lado o uso da imagem de torcedores é ato esperado pelos torcedores, quando relacionada à partida, porque é de costume nesse tipo de evento, e por outro lado, não é de se esperar que quem comparece em um jogo esportivo tenha sua imagem explorada comercialmente à propaganda de produtos com fins totalmente diverso, no caso de um automóvel.
Contudo, negou provimento ao recurso especial, tendo em vista que mesmo que não houve o consentimento expresso do torcedor, não houve exposição abusiva, capaz de configurar ofensa ao seu direito à imagem. Não houve destaque na sua imagem, que por sua vez foi transmitida em fração de segundos em uma coletividade.
Frisou que não houve violação ao direito de imagem, por estar o torcedor em um ambiente aberto, de multidão. Não houve foco em sua imagem, capaz de gerar enriquecimento pela utilização desta.
Nas palavras do jurista Sérgio Cavaliere Filho:
Não haverá, igualmente, violação à imagem se esta não for distinguível, como, por exemplo, fotografias ou imagens de multidão nas quais não há destaque de alguma pessoa ou de alguma característica marcante. (...) Em suma, se a imagem for capturada no contexto do ambiente, aberto ao público, de forma que a imagem adira ao local (praia, apresentação esportiva, movimento de rua), ou a algum acontecimento (acidente, manifestação pública), nenhuma lesão haverá à imagem.
Dessa forma, em apertada síntese, conclui-se que o uso de imagem de torcedor de futebol não induz automaticamente a reparação por uso indevido de imagem capaz de gerar danos morais.
4. MITIGAÇÃO DE CONDENAÇÃO DE DANOS MORAIS NO ÂMBITO DE USO DE IMAGEM EM MULTIDÃO
Ainda não existe na doutrina um conceito unificado acerca do dano moral. Alguns doutrinadores tentaram chegar a uma definição; Maria Helena Diniz, apresentou um conceito sintético: “O dano moral vem a ser a lesão de interesse não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art.52; Súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo.”
Já para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho :
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Embora não se haja convenção, tem-se que os conceitos apresentam se completam, e possuem como ponto em comum crucial é o entendimento de que os danos morais não podem ser utilizados como sinônimo de dor ou tristeza. Não é possível configurar danos morais apenas com sentimentos e amarguras do solicitante.
Realizado essas considerações, no caso em análise julgado pelo STJ, não é possível configurar automática necessidade de ressarcimento à título de danos morais ao torcedor, tendo em vista que o simples fato de apresentar a sua imagem em um contexto de multidão, qual seja estádio, em questão de menos de três segundos, não parece razoável consequência imediata de grave lesão, e ademais, o requerente não logrou êxito em comprovar prejuízo legitimo.
Ademais, mesmo que em regra seja necessário o consentimento expresso do indivíduo para uso de sua imagem, neste caso tendo em vista que a imagem não foi individualizada, e que na verdade o indivíduo estava fazendo parte de uma coletividade, um todo, é compreensível que essa autorização possa ser dispensada.
5. DO ACERTO DA DECISÃO DO STJ NO RECURSO ESPECIAL
A decisão do STJ mencionada acima está plenamente de acordo com o ordenamento jurídico. O Direito não é matemático, os julgados devem ser interpretados de forma individualizada.
No caso concreto trazido acima, o arbitramento de indenização à título de danos morais seria completamente desproporcional. Ressaltando que o torcedor sequer conseguiu provar efeito prejuízo em sua vida por uma publicidade. Ademais, a automobilística não teve qualquer lucro adicional, pela veiculação em menos de três segundos por um cidadão que não exerce atividade profissional de notório conhecimento popular, como seria o caso, por exemplo de um jogador de futebol.
Diante desse cenário, é necessário que os aplicadores do Direito Penal se atentem as características do caso em contento, como realizou acertadamente o STJ, negando provimento ao pleito do torcedor em face ao requerimento de condenação de danos morais.
6. CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, conclui-se que o STJ entende que o uso de imagem de torcedor de futebol não induz automaticamente a reparação por uso indevido de imagem capaz de gerar danos morais; ainda que a veiculação ocorra sem o expresso consentimento do torcedor.
Com acerto, o Tribunal, no Recurso Especial, de forma individualizada, compreendeu que no caso apresentado, não possuía elementos suficientes para se concluir que houve violação de danos morais. Concluindo que não houve exposição abusiva, a configurar ofensa ao seu direito de imagem, e, portanto, descaracterizou o seu alegado dano moral.
Assim, considerando a necessidade de individualização dos processos, necessário que os aplicadores do Direito Civil analisem com cautela os requerimentos realizados em face de direito de imagem, caso a caso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Acesso em 10 set. 2020
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Acesso em: 9 de set. de 2020
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 403. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2014]. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula403.pdf
Acesso em: 09 de set. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (3. Turma). Recurso Especial. Relatora: Nancy Andrighi, 16 jun. 2020 Brasília: STF. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp
Acesso em: 10 set. 2020.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 153
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 32ª ed – Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2017
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Volume III – Responsabilidade Civil. 20ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2019
NETO, Sebastião de Assis, DE JESUS, Marcelo, MELO, Maria Izabel. Manual de direito civil: Volume Único – Imprensa: Salvador, JusPODIVM, 2018
[1] Pós graduanda em Direitos Humanos pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Direito Civil e
Consumidor pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Processo Civil pela faculdade UniAmérica, graduada em Direito pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, advogada.
Pós graduanda em Direitos Humanos pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Direito Civil e Consumidor pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Processo Civil pela faculdade UniAmérica, graduada em Direito pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SELLERA, Nayene Ludmila Gonçalves. Direito de imagem de torcedor de futebol e danos morais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55313/direito-de-imagem-de-torcedor-de-futebol-e-danos-morais. Acesso em: 23 dez 2024.
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