Professor Orientador: Rubens Alves da Silva
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise da multiparentalidade no sistema sucessório. Para tal propósito foram utilizados o conceito da multiparentalidade, explicação sobre o sistema sucessório no Brasil, e apontando os fundamentos para a mudança que a multiparentalidade provoca na sucessão no país. O tema é abordado de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, incluindo um estudo sobre a natureza civil, o preconceito histórico sobre a parentalidade, e a abrangência sobre os dispositivos legais sobre o tema. Este tema é de grande relevância, visando impedir o retrocesso social. Focando na interação da criança e do adolescente, pluralismo familiar e o reconhecimento jurídico da multiparentalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Afetividade. Multiparentalidade. Pensão alimentícia. Sucessão.
ABSTRACT: The present work aims to make an analysis of multiparenting in the succession system. For this purpose, the concept of multiparenting was used, explaining the succession system in Brazil, and pointing out the fundamentals for the change that multiparientality causes in succession in the country. The theme is approached according to the Brazilian legal system, including a study on the civil nature, the historical prejudice on parenting, and the comprehensiveness on the legal provisions on the theme. This topic is of great relevance, aiming to prevent social regression. Focusing on the interaction of children and adolescents, family pluralism and the legal recognition of multi-parenting.
KEYWORDS: Affectivity. Multiparenting. Alimony. Succession.
1.INTRODUÇÃO
Desde o Código Civil de 1916 o direito ao reconhecimento da filiação vem recebendo proteção do ordenamento jurídico, entretanto, certas restrições foram impostas no mesmo. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreu a inovação de princípios, e esses vieram para ajudar nas diretrizes com o intuito que o legislador infraconstitucional melhor adequasse o Direito às tendências sociais. Por meio dessas modificações que o afeto começou a ser valorizado como fundamento das relações familiares.
Tendo os novos vínculos afetivos que são formados perante os grupos familiares, com a proliferação da família, fora crescendo um novo fenômeno jurídico que vem reconhecer uma paternidade socioafetiva, não necessitando de laços sanguíneos entre os pais e os filhos.
Com a ocorrência dessas modificações, houve uma amplificação no que se entende por país, abrindo portas para além da definição biológica da questão. Sendo assim, cabe o questionamento: quais os reflexos no direito sucessório e de família, quando ocorre o prevalecimento do vínculo afetivo sobre os laços biológicos, ou quando há o reconhecimento da multiparentalidade?
É de conhecimento que, no ordenamento jurídico brasileiro, não prevalece mais no a ideia de que as relações paterno-filiais sejam baseadas apenas por conta do fator biológico. O direito a busca das origens biológicas, não pode culminar com a desconsideração da paternidade afetiva já constituída, visto que a afetividade se tornou um princípio fundamental no ordenamento jurídico brasileiro.
Desse modo, com o reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos sucessórios no ordenamento jurídico e também na sociedade injustiças irão de ser evitadas, por mais que ainda não haja uma atenção digna da Legislação Brasileira sobre essa questão a temática tem que ser debatida.
Visando exterminar o tratamento desigual entre os filhos, independo de sua origem, com amparo na boa jurisprudência, é necessário o reconhecimento dos efeitos sucessórios, adquiridos com a declaração da paternidade socioafetiva; fazendo que seja possível o reconhecimento da dupla paternidade (biológica e sociológica), inclusive no que se refere aos direitos sucessórios.
Cabe ressaltar que a escolha do presente tema se deu por conta relevância para as questões de relações sociais, econômicas; e, ainda, uma problemática não pacificada por nossos julgadores. Dessa maneira, é notório que há omissão legislativa no que se refere à regulamentação da paternidade socioafetiva. Sendo assim, cabe ao sistema legislativo segregar de vez de nosso ordenamento a desigualdade de tratamento entre os filhos, independente de se tratar de parentesco natural, civil ou socioafetivo.
No aspecto social esse tema entra em questão pois, já se entende que não prevalece mais no ordenamento jurídico a ideia de que as relações paterno-filiais sejam baseadas apenas na averiguação do vínculo consanguíneo. Sendo assim, uma vez perfectibilizada a posse de estado de filho, deve-se considerar os pais como sendo aquelas pessoas que participam da vida do filho cotidianamente. Desse modo, sendo socialmente apresentado essa abordagem, ocorrerá uma aceitação melhor do tema.
Diante de tais mudanças, no campo das famílias, o presente trabalho realiza uma identificação de tal mutação, analisando seus reflexos na sociedade e no ordenamento jurídico, bem como a relação paterno-filial; e, por consequência, a relevância da possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva com seus efeitos no Direito Sucessório.
Quando analisamos o entendimento de Marconi e Lakatos (2014, p. 116) se percebe que o método de abordagem do presente trabalho adotado será o dedutivo, que tem como definição clássica ser aquele que parte do geral para alcançar o particular.
Seguindo ainda a linha de raciocínio dos autores, o artigo aqui redigido seguiu técnica de pesquisa como: abrangência a pesquisa bibliográfica, levando em consideração teses, artigos, tcc, entre outros, e também documentação oficial (leis, sumulas, decisões de tribunais, decretos, e etc.…)
2 A FILIAÇÃO NO DIREITO CIVIL.
O Direito de Família brasileiro possui o conflito entre a filiação biológica e a socioafetiva. Apenas recentemente que a segunda passou a possuir uma força para que começasse a ser seriamente discutida pelos juristas como uma categoria autônoma, ganhando uma construção adequada.
No art. 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988 no qual o nosso Estado Democrático de Direito prevê como fundamento a dignidade da pessoa humana. É inquestionável afirmar que, não há ramo do Direito Privado em que a dignidade da pessoa humana tenha mais ingerência ou atuação do que o Direito de Família.
Reconhecendo a supremacia da dignidade da pessoa humanas sobre outros conceitos constitucionais, Ingo Wolfgang Sarlet (2005) dissertou o princípio em questão como “o reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana”.
Atualmente, a família vive um processo de transição paradigmática, pelo qual se percebe um processo de influências externas (da religião, do Estado, dos interesses do grupo social). Durante a modernidade (SARMENTO; 2005) e o espaço conferido à subjetividade e à afetividade fora crescendo cada vez mais e verticalizou-se a tal ponto que no final do século XX, já era possível sustentar a afetividade como vetor das relações pessoais.
Na Constituição Federal, acha-se no art. 227, § 6º, que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Em acréscimo a esse texto, no Código Civil, artigo 1.596 possui a mesma redação, fazendo com que ambos consagrem o chamado princípio da igualdade entre filhos.
O contexto atual de família, a qual se encontra influenciada diretamente pelos preceitos constitucionais, novos conceitos se insurgiram (filiação sócio afetiva/posse do estado de filho), os quais visivelmente refletem nas novas tendências sobre relações de parentesco.
A igualdade diz respeito também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação heteróloga, ou seja, material genético derivado de terceiro. Decorrente disso, não é mais viável a utilização das expressões filho adulterino ou filho incestuoso, as quais são discriminatórias. (NOGUEIRA: 2001)
Indo encontra com a sociologia da filiação, há o entendimento que não apenas na descendência, mas no comportamento de quem expende cuidados, carinho e tratamento, quem em público, quer na intimidade do lar, com afeto verdadeiramente paternal, construindo vínculo que extrapola o laço biológico, compondo a base da paternidade. (FACHIN, 2003, p. 25).
Outro conceito que vale relatar é a posse do estado de filho. Ela se configura sempre que alguém age como se fosse o filho e outrem como se fosse o pai. Aqui, não há a importância da existência de laço biológico entre eles. É a confirmação do parentesco/filiação sócio afetiva, pois não há nada mais significativo do que ser tratado como filho no seio do núcleo familiar e ser reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que exerce a função de pai.
Diz LUMIA (2003, p. 99) que "(...) o papel do direito como estrutura da ação social é o de regular as relações intrasubjetivas. (...). Relações jurídicas são somente as relações intrasubjetivas (ou seja, as relações que se travam entre dois ou mais sujeitos) regulados por normas pertencentes ao ordenamento jurídico."
No artigo 1.593 do CC, achamos a seguinte redação: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade. Parágrafo único: As relações sócio afetivas, quando devidamente comprovadas, geram vínculos de parentesco.
Não se possui duvidas ao respeito do estado de filiação, que é inerente ao ser humano e de cunho afetivo, nascendo no seio da família, ainda que seja pelo laço de sangue. Porém, a filiação biológica não exerce mais uma prevalência sobre a filiação afetiva, também configurada pela adoção, inseminação artificial e, claro, a posse do estado de filho (GAMA;2003). Essa situação já é uma realidade para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como depreendemos de recentes julgados:
FILHO DE CRIAÇÃO. ADOÇÃO. SOCIOAFETIVIDADE. No que tange à filiação, para que uma situação de fato seja considerada como realidade social (socioafetividade), é necessário que esteja efetivamente consolidada. A posse do estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou não de posse de estado, revelando quem efetivamente são os pais. A apelada fez questão de excluir o apelante de sua herança. A condição de "filho de criação" não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabilidade de reconhecimento de adoção de fato. APELO DESPROVIDO. (TJRS; AC 70007016710; Bagé; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Rui Portanova; Julg. 13/11/2003)
O direito à identidade de filiação é indisponível, portanto imprescritível, a teor, inclusive, do artigo 1.606 do Código Civil. Não há como destoaremos os princípios que norteiam nossa Nação e servem de fundamento para nossa Carta Política do atual contexto social e jurídico de nosso país
3. A SOCIOAFETIVIDADE E SEUS EFEITOS.
As Constituições Brasileiras de 1937, 1946, 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 apresentavam no decorrer do seu texto, a mesma linha de raciocino de que o casamento indissolúvel era a única forma de se constituir uma família. Entretanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, nos Artigos 226 e 230, a ideia de família passou a sofrer modificações.
Vale ressaltar que, além da dignidade humana, também há princípio da afetividade a multiparentalidade. Com o reconhecimento do afeto como um princípio do direito de família e como direito fundamental, houve um rompimento de paradigmas. Por conta disso que diz que as relações de consanguinidade são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e convivência familiar;
PEREIRA (2002, p. 17) destaca que:
A partir do momento em que o texto constitucional passou a mencionar a família e dizer que ela se constitui pelo casamento civil, é sinal de que o contexto talvez apontasse outras direções [...]. Podemos verificar, portanto, que a lei, ao dizer que a forma de constituir família é o casamento civil e que este é indissolúvel, estaria querendo cercear algo que se lhe contrapõe. Ou seja, se havia necessidade de se impor o casamento civil é porque deveria haver outras formas de constituir família que iriam, ou queriam, surgir a partir do Brasil República.
A atual Constituição Federal estabeleceu a total igualdade entre todos os filhos, sem quaisquer distinções; tornando inadmissível que ocorresse qualquer meio de discriminação por questão de consanguinidade ou afetividade.
Com a vigência do atual Código Civil de 2002, todos são apenas filhos, mesmo que havidos fora do casamento ou em sua constância, mas iguais direitos e qualificações. Sendo dessa maneira, respeitado o princípio da igualdade dos filhos, que tem a previsão no Art. 1596, do Código Civil vigente: “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Uma das fundamentações da filiação socioafetiva ocorre pelo conceito de “posse de estado de filho”, o qual apresenta três requisitos essenciais para a sua configuração: nome, trato e fama. No que diz respeito a esses elementos, vale frisar que a grande parte da doutrina, dispensa o requisito do nome, sendo suficientes para a caracterização da posse de estado de filho, os requisitos do tratamento e da reputação. Nesse viés, preconiza o jurista GOMES (1994, p. 311), como se percebe a seguir:
O fato de o filho nunca ter usado o nome do pai não descaracteriza a posse de estado, se concorrerem os demais elementos citados. Cabe esclarecer que não há hierarquia entre eles, pois ainda se consideram outras qualidades que devem revestir a aparência de filho. Busca-se a publicidade, a continuidade e a ausência de equívoco na relação entre pai e filho. Ainda que não seja imprescindível o fator nome, posto que outros elementos também revelam a base da paternidade, o chamamento sim, pois dificilmente se encontrará expressão mais eloquente de tratamento do que o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.
Em julgamento de um caso em que se discutia posse de estado de filho, assim decidiu o colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. FILHA DE CRIAÇÃO. EXISTÊNCIA DE PAI E MÃE REGISTRAL/BIOLÓGICO. POSSE DO ESTADO DE FILHO. EXISTÊNCIA. NATURAL TRATAMENTO DA AUTORA COMO FILHA. APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA (Processo: APC 20150510068078; Órgão Julgador; 1ª Turma Cível; Publicado no DJE: 11/09/2015. Página 103; Julgamento: 2 de setembro de 2015; Relator: Romulo de Araújo Mendes).
Ademais, a utilização do patronímico paterno é um direito da personalidade do filho, ou seja, um direito inalienável de ordem pessoal o qual se baseia no vínculo de parentesco que se estabelece pela filiação biológica ou socioafetiva, sendo, pois, um efeito de seu reconhecimento. (DIAS; 2009)
Cabe dizer que, mesmo nos casos de reconhecimento socioafetivo, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, implicitamente, no Artigo 227, §6º da Constituição Federal, e, ao disposto no Parágrafo 4º, do Artigo 47, da Lei nº 8.069/90 e o Artigo 5º, da Lei nº 8.560/92, não é permitido fazer anotações nos registros e certidões, acerca da origem da filiação.
Nessa linha de entendimento, percebe-se que o filho socioafetivo possui o direito ao nome patronímico, desde que não conste em sua certidão de nascimento a expressão “filho socioafetivo”. Cumpre ressaltar, ainda, que não é o nome que tutela os direitos; e, sim, o reconhecimento da filiação, pois o nome além de comprovar o meio familiar em que o indivíduo está inserido, o vincula a determinada família. (GOMES; 2013)
A parentalidade, sendo biológica ou proveniente de adoção, socioafetividade ou reprodução biológica, produz efeitos jurídicos: (i) existenciais, como a criação de impedimentos matrimoniais e o direito à guarda e visitação; e (ii) patrimoniais, como os direitos e deveres a alimentos e à sucessão (BARBOZA, 2009, p. 33).
Tento em vista a isonomia constitucional entre filhos, se entende que qualquer origem impõe que, uma vez reconhecido o vínculo parental, todos os efeitos jurídicos que emanam da relação parental venham a ser reproduzidos em sua plenitude. (POVOAS; 2012)
Desse modo, se entende que independentemente da origem do vínculo, o filho será herdeiro necessário e terá direito à legítima. Ter direitos sucessórios em relação aos pais biológicos e, ao mesmo tempo, em relação aos pais socioafetivos faz com que a plena igualdade entre os filhos assegurada pela Constituição possua efeito.
Quando ocorre o reconhecimento da multiplicidade de laços parentais, se entra na questão no que se refere ao quinhão dos herdeiros na hipótese em que o filho morre deixando cônjuge e três pais. O legislador do Código Civil de 2002, elaborado na década de 1970, não preveniu regra específica para a concorrência entre cônjuge e múltiplos ascendentes. A respeito disso, cabe a aplicação da hipótese aventada a ratio do art. 1.837 do Código, de maneira que a solução consiste em repartir a herança em partes iguais, ficando o cônjuge, e com os três ascendentes em primeiro grau.
De acordo com Farias e Rosenvald (2012, p. 604), no momento no qual é reconhecida a afetividade como critério definidor de parentesco, o parentesco socioafetivo entra no ambiente legal como direito inerente a todos que preencham os requisitos, até direitos sucessórios. Assim é deixado de fora qualquer preconceito e primazia de relações biológicas de parentesco, tendo em vista que pode acontecer de até a guarda de menor sendo conferida a parentes socioafetivos, sendo, claro, analisado o caso concreto.
O Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu em seu artigo 48 que a adoção é irrevogável. Levando em consideração o melhor interesse da criança, essa regra jurídica procurou evitar que, uma vez constituída a filiação, ela não pudesse ser revogada, tornando a adoção de caráter irrevogável, salvo os casos em que ocorrer a perda do poder familiar.
“Suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular de um direito”. (VENOSA; 2010). Assim, fica claro o instituto da sucessão, e como ocorrera os efeitos de parentesco socioafetivo.
Sendo assim, ficara claro que no que diz respeito à questão previdenciária, o filho será beneficiário de ambos os pais e estes beneficiários daqueles, havendo, inclusive, a possibilidade dos irmãos, independentemente da origem, receberem a condição de dependente do segurado.
Nesse contexto, ficou claro que a filiação também garante direito à herança, abrangendo ascendentes, descendentes e os colaterais até o quarto grau. Pelo que foi trabalhado nesse ponto, se entende que uma nova relação parental deve ser dar para todos os fins e efeitos. Caso ocorresse a negação dos direitos decorrentes da multiparentalidade seria claramente inconstitucional.
4 O DIREITO ALIMENTAR EM FRENTE A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.
Após o reconhecimento da multiparentalidade, um de o dos efeitos é o dever de alimentos. Por mais que a experiência jurisprudencial em sua maioria reconheça a filiação socioafetiva como forma de proteger os filhos, também os filhos têm o dever de ampararem os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229, CRFB), incluindo o dever de alimentos.
Pode ser entendido por alimentos as importâncias em dinheiro ou quotas in natura, com a qual a pessoa possa se garantir de maneira completa e sadia. DINIZ (2012, p. 1.240), conceitua alimentos como:
Os alimentos são prestações que visam atender às necessidades vitais, atuais ou futuras, de quem não pode provê-las por si. Os alimentos são, portanto, apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Com isso, exigir-se-á, na ação de alimentos, averiguação da culpabilidade do alimentando, que causou com seu ato comissivo (p. ex., gasto excessivo com viagens) ou omissivo (p. ex., vadiagem), a situação difícil em que se encontra.
Fora o que foi citado, os alimentos também englobam a manutenção das suas condições sociais e morais, como a criação, a habitação, o vestuário, a educação, saúde, recreação e transporte do beneficiado, sendo obrigação, não somente à subsistência material, mas também, à intelectual. Desse modo, pode-se perceber que a prestação de alimentos está ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme prevê o Art. 227, da Constituição Federal de 1.988.
Fora decidido pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 2011, que “nos termos da mais recente jurisprudência do STJ, à luz do Novo Código Civil, há litisconsórcio necessário entre os avós paternos e maternos na ação de alimentos complementares. ’’ Além de que, mais recentemente a Corte vem admitindo a propositura de ação apenas contra alguns dos avós, trazendo à tona polêmicas que dizem respeito a natureza solidária ou divisível da obrigação alimentar, assim como da figura do chamamento dos codevedores prevista no art. 1.698 do Código Civil.
O artigo 1.696 do Código Civil, atendendo o determinado no artigo 229 da Constituição, discorre sobre a obrigação da reciprocidade do direito de perceber a prestação alimentícia entre os pais e filhos, mostrando que ela serve para ascendentes, recaindo aos mais próximos na ausência de outros. Sendo assim, vale expor que, o art. 1.697 do diploma civilista estabelece a ordem de obrigação alimentar dos descendentes na ausência dos parentes ascendentes.
Como já falado que há a previsão de reciprocidade da pensão alimentícia, é claro a preocupação do Estado em relação aos filhos, obrigando aos pais o dever de sustento e guarda da criança. No art. 22 do Estatuto da Criança do Adolescente pode-se ver mais claramente esse dever.
Cabe discorrer que por conta caráter imperativo das normas sobre alimentos tem como consequência serem irrenunciáveis, como o próprio direito à vida. Ademais, pode ocorrer de o necessitado deixar de exercer o direito de exigir alimentos, mas a eles não pode renunciar, de acordo com o artigo 1707 do novo Código Civil. No mesmo artigo há a explicação de que esse direito é impenhorável, atendendo a sua própria finalidade, ou seja, que equivale assegurar a manutenção do alimentando, e são indisponíveis, pela sua natureza personalíssima. O direito a eles é também imprescritível e intransmissível.
Um dos principais argumentos da doutrina e da jurisprudência para permitir a transposição da obrigação alimentar para o campo da socioafetividade, é por conta do princípio da igualdade da filiação, consagrado no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, a qual proíbe qualquer diferença em relação aos filhos, independentemente de sua origem. O posicionamento dos Tribunais é favorável a tal direito, vejamos decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
A G R AV O D E I N S T R U M E N TO. A Ç Ã O D E A L I M E N TO S. INTEMPESTIVIDADE. REQUISITO DO ART. 526 DO CPC. NEGATIVA DA PATERNIDADE. [...] Negativa da paternidade. A obrigação alimentar se fundamenta no parentesco, que é comprovado pela certidão de nascimento. O agravante alega não ser o pai biológico do menor. Enquanto não comprovar, não se pode afastar seu dever de sustento. A rigor, mesmo esta prova não será suficiente, pois a paternidade sócio-afetiva também pode dar ensejo à obrigação alimentícia. (TJRS, AI nº 70004965356; Rel. Des. Rui Portanova; Órgão Julgador: 8ª Câmara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2002)
Por fim, ficara evidente o reconhecimento jurisprudencial dos fundamentos e das disposições apontados, ocorrendo o prevalecimento, nas decisões proferidas, o caráter socioafetivo das relações, que condiz com os preceitos constitucionais abordados, dos quais decorrem efeitos jurídicos.
5. CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou entender a multiparientalidade e analisar os efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade pelo Poder Judiciário brasileiro.
A partir do presente trabalho, ficou explicado que famílias multiparentais sempre existiram e continuarão existindo. Entretanto, no passado as mesmas nem sequer eram reconhecidas como família, fazendo com que seus direitos não existissem, que os mesmos fossem excluídos do ambiente de jurisdição do legislador.
Por mais que por diversos anos o mesmo não fora acolhido por nosso ordenamento, a necessidade de defesa dessa minoria é realidade. A proteção do Estado através do reconhecimento dentro do ordenamento jurídico é necessária e assim fazendo com que a legislação infraconstitucional seja alterada para abranger essa minoria.
Uma das discussões que vieram ocorrendo nos últimos anos no âmbito jurídico foi a possibilidade do reconhecimento da multiparientalidade, e lhes garantindo todos os direitos sucessórios, pessoais e de patrimônio.
Quando falamos do direito à herança, vale ressaltar que a não distinção entre os filhos está presente, fazendo que o mesmo (filho pelo meio multiparental) seja herdeiro necessário, e sua sucessão é equiparada aos demais, entendendo que os regras que darão norte para essa relação sejam aqueles presentes no Código Civil de 2002.
Esse trabalho foi baseado em princípios constitucionais, como por exemplo o do livre planejamento familiar e da isonomia filial, provando como a proteção das famílias multiparentais deve ocorrer rapidamente. A estrutura familiar multiparental procura os efeitos jurídicos decorrentes que se encaixem em suas peculiaridades e diferenças sociais.
Em conclusão, se faz necessário que o Ordenamento Jurídico, doutrinadores e legisladores positivem um posicionamento sobre a multiparentalidade a qual já é uma realidade social do Brasil.
6. REFERÊNCIAS
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BRASIL. Estatuto da Criança e Adolescente. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L8069.htm.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.003.628 - DF (2007/0260174- 9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. RECORRIDO: J N DA S N. ADVOGADO: ANTÔNIO JUSTINO DA SILVA. INTERES. : F L E DE S N (MENOR). REPR. POR : I C E DE S. ADVOGADO: MARIA DE FÁTIMA DA SILVA MELO. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200702601749&dt_publicacao=10 /12/2008
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ap. Cív. 70007016710 – 8ª Câm. Cív. – Rel. Des. Rui Portanova, - Julg. em 13-11-2003. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/site/.>
Estudante, cursando o 10º Período de Direito no CEULM/ ULBRA- Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Ramona Queiroz dos. A multiparentalidade e o sistema sucessório. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55349/a-multiparentalidade-e-o-sistema-sucessrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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