Antônio Aparecido Moro Júnior[1]
(coautor)
RESUMO: Quem fiscaliza o fiscal? O presente artigo tem o objetivo de demonstrar que os Tribunais de Contas, assim como qualquer outro órgão da administração pública, têm o dever de ser fiscalizado, sendo o Poder Legislativo o detentor da prerrogativa constitucional de exercer esta atribuição sobre a Corte de Contas. Na prática esta fiscalização não é efetiva e o grande efeito disso é o mau uso do dinheiro público pelos órgãos de Contas. Os problemas começam com a forma de nomeação dos conselheiros, porém, não se resumem a isto, sendo a subsunção à uma efetiva fiscalização o principal problema. Nesse sentido, a aprovação dos projetos de Proposta de Emenda à Constituição n° 329/2013 e 22/2017, que tratam justamente da nomeação dos conselheiros e também da submissão da corte de contas ao Conselho Nacional de Justiça ou a um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, aliadas a uma efetiva tomada de contas dos Tribunais de Contas são condições benéficas à sociedade, na medida que conferem uma espécie de validação à sua atuação. A pesquisa é resultado de revisão bibliográfica e se fundamenta em reportagens, legislações e projetos que versam sobre o tema.
Palavras-chave: Tribunal de Contas. Fiscalização. Poder Legislativo. Dinheiro Público.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. TRIBUNAL DE CONTAS E SUAS ATRIBUIÇÕES; 1.1. Nomeação dos Ministros (Conselheiros); 2. QUEM TEM O PAPEL DE FISCALIZAR O TRIBUNAL DE CONTAS?; 2.1. A fiscalização dos Tribunais de Contas pelo Parlamento é efetiva?; 2.2. A responsabilidade da boa fiscalização e a necessidade de ser exemplo; 3. QUEM FISCALIZA O FISCAL?; 3.1. Comentário as Proposta de Emenda à Constituição n° 329/2013 e 22/2017; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Os Tribunal de Contas são instituições autônomas que detém independência financeira e administrativa e detém a responsável de auxiliar os órgãos legislativos, Congresso Nacional e Assembleia Legislativa, no controle externo dos órgãos e entidades administrativas de todas as esferas de poder. Surgiu com a intenção de ser um órgão inteiramente técnico que julga e emite pareceres administrativos, acerca do uso de recursos públicos dos órgãos e entidades mencionadas. .
Sendo também integrante da organização administrativa do Estado, o Tribunal de Contas utiliza recursos públicos e diante deste contexto, temos o tema do presente artigo: Tribunal de Contas: quem fiscaliza o fiscal?. Assim, o objetivo deste trabalho é demonstrar que o Poder Legislativo tem o dever de fiscalizar e acompanhar as prestações de contas feitas pelos Tribunais de Contas, porém, na prática isso não temos uma fiscalização efetiva e nos mesmos moldes daquelas realizadas pelas Cortes de Contas.
Assim, temos uma situação em que o órgão de contas tem livre domínio de seus gastos, partindo então da premissa de que na prática o fiscal não tem fiscalizador. Podemos destacar também que a Legislação abriu brechas para que as formas de indicação dos conselheiros se dessem na maioria das vezes por interesses políticos, indo totalmente contra o que preconiza os princípios da administração pública.
Os Tribunais de Contas deveriam ser em tese blindados de qualquer influência de cunho particular e político, porém, isso não têm acontecido e há notícias que vinculam as Cortes de Contas ao mau uso do dinheiro público e inúmeros casos de corrupção por parte dos Conselheiros.
Há a necessidade de demonstrar de forma elucidativa os elementos constitutivos dos Tribunais de Contas, bem como sua natureza, composição e competência para rever seus atos e a necessária obrigação de ser exemplo, inclusive submetendo-se à fiscalização. A questão central está pautada em expor o dever legal atribuído ao o Parlamento de fiscalizar e acompanhar os gastos realizados pelos Tribunais de Contas.
Para tanto, pretendemos destacar como é constituído o Tribunal de Contas e delimitar seu papel na sociedade, demonstrar a forma de ingresso dos Conselheiros, evidenciar o dever que o Tribunal tem de ser exemplo em gestão pública, comprovar o papel legal atribuído ao Poder Legislativo de fiscalizar as Cortes de Contas e apontar soluções para que os Tribunais de Contas possam ser efetivamente modelo em governança pública, para ao final responder ao questionamento acerca de quem fiscaliza o fiscal.
1. TRIBUNAL DE CONTAS E SUAS ATRIBUIÇÕES
Tribunais de Contas são instituições autônomas, detém independência financeira e administrativa e é uma espécie de órgão administrativo técnico, responsável por auxiliar o controle externo dos órgãos e entidades administrativas de todas as esferas de poder. Em termos gerais, sua competência foi fixada no Art. 71 da Constituição Federal de 1988 que, embora se refira ao Tribunal de Contas da União, em analogia podemos aplicar à todos os demais órgãos congêneres, cujas competências estão elencadas nas Constituições Estaduais e/ou Leis Orgânicas Municipais.
O Tribunal de Contas é uma das garantias institucionais da liberdade no Estado Liberal. Juntamente com outros órgãos, como o Banco Central, garante os direitos fundamentais mercê de sua posição singular no quadro institucional do País. O rígido esquema da separação de poderes já não serve para lhe explicar a independência e a responsabilidade. Mesmo sem se aderir ao extremismo das doutrinas que o consideram como 4º Poder, o certo é que desborda ele os limites estreitos da separação de poderes, para se situar simultaneamente como órgão auxiliar do Legislativo, da Administração e do Judiciário (TORRES, 1993, p.41).
Embora alguns doutrinadores entendam que os Tribunais de Contas estão subordinados de forma direta ao Poder Legislativo isso não ocorre na prática, pois diante do controle externo eles têm o papel de auxiliar e orientar o Legislativo na fiscalização do Poder Executivo, sendo assim o entendimento majoritário é que o Tribunal de Contas é autônomo e independente diante dos outros poderes (TCU, [2020?]). É o que sustenta Ramos, Clemente e Rocha, ao discorrer sobre o Tribunal de Contas da União, órgão
Criado para auxiliar o Congresso Nacional na fiscalização dos gastos do governo e na conduta administrativa de autoridades, o Tribunal de Contas da União (TCU) é um poderoso guardião do dinheiro público. Diariamente seus auditores examinam contratos de grande valor firmados pela União. Os procedimentos podem levar a processos, julgados por uma corte de nove ministros titulares e quatro substitutos. As decisões dessa corte podem paralisar grandes obras, suspender contratos e punir autoridades. Graças a esse trabalho conjunto todos os anos o TCU evita a perda de bilhões de reais de dinheiro público [...] (RAMOS; CLEMENTE; ROCHA, 2011, n.p.).
Sendo uma espécie de “órgão auxiliar” do Poder Legislativo, os Tribunais de Contas detêm competência técnicas inexistentes naquele poder e exercem seu múnus visando a prover informações suficientes ao parlamento para que este possa exercer sua característica fiscalizatória. Nesse sentido, Carlos Ayres Britto informa que.
[...] é de todo óbvio que o Parlamento Federal, agindo por si ou por qualquer de suas Casas ou ainda por Comissão específica, é de todo óbvio que ele não fica impedido de sindicar sobre as unidades administrativas, agentes públicos e até pessoas privadas que atuem externamente ao Poder Executivo. Só que, nestas suposições, têm que recorrer aos préstimos do TCU para saber: a) da legalidade de despesas e receitas públicas; b) da regularidade de contas, sob os aspectos orçamentário, financeiro, patrimonial, contábil e operacional [...] (BRITTO, 2001, p. 4).
A principal atribuição dos Tribunais de Contas é o controle externo, que será exercido por meio de fiscalizações, monitoramentos e verificações de eventuais irregularidades nas contas do poder público. Depois dessa análise cabe aos Tribunais emitirem pareceres técnicos ou orientar a administração para que faça correções e em último caso deverá aplicar sanções aos responsáveis pelo mau uso do dinheiro público.
No plano constitucional, estão previstas, dentre outras, o exercício das atividades (1) consultiva, ao emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Executivo, que serão julgadas pelo Poder Legislativo (arts. 71, I; 49, IX; e 31, § 2º, da CR/88); (2) de aprovação, podendo sustar a execução de atos dissonantes da ordem jurídica, ainda que a despesa pública não tenha sido realizada (art. 71, X e parágrafos); (3) de julgamento, ao apreciar as contas dos gestores da coisa pública, que não o Chefe do Poder Executivo, podendo aprová-las ou rejeitá-las (art. 71, II, da CR/88); e (4) sancionadora, ao impor, aos agentes que tiveram suas contas rejeitadas, multa proporcional ao dano causado ao erário, bem como a obrigação de repará-lo (art. 71, VIII, da CR/88) (GARCIA, [entre 2017 e 2018], p. 27).
Delineada as principais competências, é importante tratarmos da forma com que são nomeados os Conselheiros dos Tribunais, haja vista ser fator determinante na resolução da condição de quem fiscaliza os tribunais de contas.
1.1. Nomeação dos Ministros (Conselheiros)
O exercício da função de Ministro/Conselheiro do Tribunal de Contas da União exige idade superior a 35 anos de idade, idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública e mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional. A eles serão aplicadas as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Tais exigências estão contidas no Artigo 73 da Constituição Federal que em seu §2º esclarece sobre a forma de acesso à função pública:
Art. 73.
§ 2° Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
I. um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;
II. dois terços pelo Congresso Nacional.
O Artigo 75 da Carta Magna estabelece um paralelo entre esta organização e a organização dos tribunais de contas do Estados, ao dispor que:
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.
A Súmula 653 do STF, por sua vez, esclareceu que:
No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembleia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha.
Logo, temos uma condição que, embora preveja a nomeação de pessoas que detêm um vínculo anterior com instituição pública, não impede a nomeação daqueles que estejam mais alinhados à autoridade nomeante. Tal situação fica ainda mais em evidência quando abre a possibilidade de nomeação de um terceiro à livre escolha.
De acordo com reportagem do Globo, em virtude da nomeação para o cargo de conselheiro dos TCs se dar por indicação política, praticamente todos os ocupantes acabam por ser ex-políticos ou parentes de políticos. Esses cargos, assim como os de Ministro do STF, são vitalícios, o que cria uma casta dentro do Tribunal e a falta de renovação. Em última análise, acaba sendo apenas mais um grupo acastelado no poder a quem os governantes de ocasião precisam conceder cargos e benesses para ter suas contas aprovadas (SANTORO, 2013, n.p, grifo do autor).
A forma de nomeação acaba por criar vícios. Segundo Maciel, os Tribunais de Contas do Brasil são ocupados por ex-políticos locais, e muitas vezes os membros nomeados estão longe de possuírem uma reputação ilibada, como determina a Constituição Federal, exemplo disso são várias denúncias de corrupção e de atos de improbidade administrativa que são praticadas pelos Conselheiros.
A ONG Transparência Brasil revelou, em estudo publicado no ano passado, que oito em cada dez conselheiros de contas do país exerceram mandatos eletivos ou altas funções em governos. A pesquisa, realizada em 2014 e atualizada em 2016, incluiu membros do Tribunal de Contas da União (TCU), dos 27 tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, e dos tribunais municipais. Existem quatro tribunais de contas do conjunto de municípios dos estados de Pará, Goiás, Ceará e Bahia, e Tribunais Municipais de contas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e ministros respondem a processos ou já foram punidos na Justiça e até mesmo nos próprios tribunais de contas. Os supostos guardiões do dinheiro público são acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e enriquecer ilicitamente. A mais comum acusação que recai sobre eles: improbidade administrativa (MACIEL, 2018, n.p.).
A forma de nomeação dos Conselheiros, portanto, é o início de um precedente para uma tomada de contas não tão rigorosa e mais além para a prática de atos ilícitos. Condição reforçada pela falta de clareza e efetividade acerca da tomada de contas do próprio tribunal. Quem fiscaliza o fiscal, portanto, é uma questão retórica que também permeia a condição da nomeação dos Ministros/Conselheiros, pois dá ensejo a uma espécie de “toma lá dá cá”, fazendo com o que o sistema de investigação das contas públicas não seja feito com a lisura que mereça.
2. QUEM TEM O PAPEL DE FISCALIZAR O TRIBUNAL DE CONTAS?
Muitas pessoas não sabem, mas na teoria os Tribunais de Contas têm que prestar contas de suas atividades para o Poder Legislativo, ou seja, para o Congresso Nacional ou as Assembleias Legislativas, tudo a depender em qual jurisdição este tribunal se encontra.
Por força do artigo 70, parágrafo único da Constituição Federal, todo e qualquer órgão que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responde deverá prestar contas (BRASIL, 1988).
Visando cumprir esta obrigação é que o TCU tem disponibilizado em seus canais de comunicação todos os relatórios de atividades enviados ao Congresso Nacional, sendo atualizados todos os anos.
A Secretaria-Geral de Administração do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou, no dia 30 de maio, por meio do sistema e-Contas, o Relatório de Gestão de 2018 do Tribunal, elaborado pela primeira vez na forma de Relato Integrado – em cumprimento à obrigação de prestar contas prevista no art. 70 da Constituição Federal.
[...]
O relatório está conciso e abrangente, pois se concentra apenas nas informações que afetam a capacidade do Tribunal de alcançar seus objetivos e gerar valor público (Secretaria de Comunicação do TCU, 2019, n.p.).
No intuito de promover uma maior aproximação entre o TCU e as Comissão que analisam as suas atividades, representantes do órgão visitam periodicamente os presidentes das comissões com o objetivo de divulgar os principais trabalhos do TCU. Exemplo disso é que no ano de 2019 foram realizados 59 eventos dispostos entre reuniões técnicas com parlamentares e atendimentos a consulta solicitada por órgãos do parlamento (TCU, 2020, p.77).
O TCU tem o dever de prestar contas de seus produtos a quem, de fato, quer beneficiar, ou seja, a sociedade, mas quem analisará eventuais irregularidades é o Congresso Nacional. A Constituição Federal dispõe no seu artigo 71, § 4° que o Tribunal de Contas encaminhará ao Congresso Nacional, trimestralmente e anualmente relatório de suas atividades, sendo assim fica evidente o dever de fiscalização atribuído ao Congresso Nacional. Vale ressaltar que o dever de prestar contas e fiscalizar são independentes e harmônicos entre si.
Tais relatórios, porém, não podem ser comparados aos processos de contas anuais a que os órgãos fiscalizados estão submetidos, o que nos submete à questão central deste trabalho e dá azo a abusos que constantemente são noticiados.
A comissão responsável por analisar tais relatórios é a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização formada conforme o regimento interno da Câmara dos Deputados em seu artigo 32:
Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade: (Artigo com redação dada pela Resolução nº 20, de 2004)
[...]
XI - Comissão de Fiscalização Financeira e Controle:
[...]
e) exame dos relatórios de atividades do Tribunal de Contas da União (Constituição Federal, art. 71, § 4º);
E o regimento interno do Senado Federal em seu volume II no artigo 90, §§1° e 2°, também trataram o tema da seguinte forma:
Art. 90. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Tribunal de Contas da União será exercida pelo Congresso Nacional, na forma definida no seu regimento comum.
§ 1o O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.
§ 2o No relatório anual, o Tribunal apresentará análise da evolução dos custos de controle e de sua eficiência, eficácia e economicidade.
Portanto, podemos concluir que os Tribunais de Contas são, em tese, um órgão técnico e não político. Mobilizando recursos materiais e pessoais para fazer seu trabalho de fiscalização, seus pronunciamentos e pareceres. Não deve, portanto, ser excluído de uma condição de fiscalização na mesma medida de todos os demais órgãos da Administração Pública.
2.1. A fiscalização dos Tribunais de Contas pelo Parlamento é efetiva?
Como elencado no tópico acima o Poder Legislativo tem o papel legal de fiscalizar as contas do Tribunal de Contas, porém não realiza uma fiscalização extensiva, como é realizado pelos próprios Tribunais de Contas para com os órgãos e entidades fiscalizadas.
Diante desta condição, podemos afirmar, antes de qualquer debate, que essa fiscalização não é efetiva, já que a maioria dos Tribunais vem na contramão da boa prática de gastos do dinheiro público. Exemplo disso são os supersalários que os conselheiros ganham, extrapolando o teto constitucional.
Podemos citar aqui alguns dos casos em que pagamentos feitos a conselheiros dos Tribunais de Contas têm sido questionados por sua legalidade ou por estarem descumprindo regras previstas na Constituição, como é o caso do TCDF (Tribunal de Contas do Distrito Federal). Conforme Pires, neste há uma regra que premia o conselheiro que exerceu a presidência da corte, em qualquer período, mesmo sendo um dia ou uma semana, passará a ter direito a um adicional de 25% (vinte e cinco por cento), que será incorporado em seus proventos.
Segundo o autor, também; no TCMRJ (Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro) os conselheiros ganham um adicional de 10 a 15% sem nenhuma justificativa, enquanto que no Estado do Mato Grosso, no TCMT os conselheiros além do pagamento do salário ainda ganham auxílio livro de 70 mil reais (o equivalente a dois salários de conselheiro) e também ganham uma espécie de cota, igual à que os parlamentares recebem (PIRES, 2019).
No mesmo sentido, temos matéria publicada na página de notícias “G1” em 2019 com o seguinte tema:
Integrantes do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul lideram lista de gastos com diárias, entre as carreiras públicas do RS, conselheiros e assessores foram os que mais gastaram, aponta o Portal de Transparência. Só neste ano, foram quase R$ 2 milhões gastos com viagens (GRIZOTTI, 2019, n.p.).
Diante de todos esses descumprimentos ao teto constitucional a PGR (Procuradoria Geral da República) tem ingressado com ações no STF pedindo a suspensão desses pagamentos por se tratar de vantagens manifestamente inconstitucionais e que afrontam a moralidade administrativa (PIRES, 2019).
Diante de todo o exposto, temos que a fiscalização exercida sobre os Tribunais de Contas pelo Parlamento, não se mostra efetiva, o que enseja ação para que os Tribunais sejam além de órgãos fiscalizadores, órgãos de exemplo de gestão.
2.2. A responsabilidade da boa fiscalização e a necessidade de ser exemplo
Os Tribunais de Contas foram criados para serem um órgão técnico e de representatividade no cenário nacional, haja vista seu importante papel de defensor do regular uso do dinheiro público.
O Tribunal de Contas é órgão de controle eminentemente técnico, infenso, ao menos teoricamente, a injunções políticas. Tangencia a política no processo de recrutamento de seus membros, na interpretação da Constituição e na valoração de atos originariamente políticos, mas não é e não pode ser político ao avaliar o cumprimento de normas técnicas afetas à receita e à despesa pública. Mesmo quando invoca razões de conveniência (v.g.: a paralisação, ou não, de obra pública), o faz a partir de uma base técnica e com os olhos voltados ao interesse público, não sendo motivado por razões puramente políticas. A ele compete fiscalizar o cumprimento das regras e princípios jurídicos que disciplinam a utilização dos recursos públicos, estando sua competência disciplinada nos incisos do art. 71 da Constituição da República e na legislação infraconstitucional (GARCIA, [entre 2017 e 2018], p. 27, grifo nosso).
Os Tribunal de Contas têm autonomia para se evidente e comprovado o irregular gasto do dinheiro público, suspender uma licitação ou um contrato firmado com a administração. Além disso, emitem recomendações, solicitam esclarecimentos e apontam todo o tipo de inconsistências.
Diante destas especiais características, é de se esperar que este seja órgão exemplo de gestão e cumprimento dos princípios elencados no Art. 37 da Constituição, porém, infelizmente essa não é uma condição absoluta:
[...] caso com potencial conflito de interesses está nas mãos do ministro Augusto Sherman. Ele examina um processo em que a empresa FSB Comunicações é acusada de ter sido favorecida em uma licitação no Ministério do Esporte. Em fevereiro do ano passado, a FSB ganhou um contrato de R$ 260 mil com o Instituto Serzedello Corrêa, ligado ao TCU, para dar um treinamento para “identificação de fatores de risco, contenção de dinâmicas adversas e gerenciamento de crise impactantes para a imagem institucional”. Na ocasião da contratação, o TCU era alvo de críticas do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, insatisfeito com a paralisação de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo Tribunal. Uma das orientações recorrentes do Tribunal é para que os órgãos públicos contratem serviços por meio de licitação. Por analogia, o TCU deveria fazer o mesmo, pois existem várias empresas que prestam o mesmo tipo de serviço feito pela FSB. Em seu caso, o TCU não seguiu o procedimento recomendado por ele próprio e fez a contratação sem licitação (RAMOS; CLEMENTE; ROCHA, 2011, n.p.).
Por analogia ao artigo 71 da Constituição Federal, os Tribunais de Contas devem analisar até mesmo as contas prestadas pela mesa da Assembleia Legislativa, em tese as contas dos três Poderes devem ser objeto de parecer prévio do Tribunal de Contas, esses pareceres podem até não ser julgamentos, mas dão força para que os gastos praticados ilegalmente possam ser considerados legítimos.
Meditando sobre a competência do Tribunal de Contas para apreciação, e aqui fala-se novamente em avaliar e não em julgar, vemos no inciso III do artigo 71 da Carta Magna que exceto nomeação para cargos de confiança a vigilância constitucional outorgada ao Tribunal é para apreciação das admissões ao serviço público em geral, observando todas as previsões legais para investidura em cargos públicos efetivos consoante a lei específica vigente, com exemplo a lei nº 8.112/90. E, ainda nesta mesma linha deve apreciação pelo Tribunal de Contas os atos de reformas, aposentadorias dos servidores, assim como pensões também. Tudo isso com finalidade de impedir e caso não sendo possível mais impedir, responsabilizar os gestores que descumprirem com o objetivo da Administração Pública a respeito da gestão de gastos dos recursos públicos. Caso haja ocorrência de responsabilidade por irregularidade das contas, o Tribunal de Contas é o órgão competente para aplicar as penalidades, sendo estas e as sanções hipóteses legalmente previstas, inclusive a pena de multa, na CF/88, observando-se essas penalidades conforme e de igual medida ao dano causado ao erário público (GONÇALVES; VERAS; SILVA, 2016, n. p.).
As pessoas são costumeiramente lembradas pelos exemplos que transmitem aos demais. Já que esses exemplos bons ou ruins, certamente servirão de referência para alguém em determinado momento. Sendo assim, como pode-se cobrar do administrador e até mesmo dos administrados a boa prática com os gastos públicos se os próprios fiscais dos gastos não dão o exemplo necessário a ser seguido (LIMA, 2014).
Como já ponderado neste artigo o órgão responsável por tal fiscalização é o Poder Legislativo, mas na prática podemos dizer que à uma falsa impressão de que os Tribunais de Contas são fiscalizados, haja vista as notícias e constatações apresentadas e a natureza dos relatórios que são enviados pelos Tribunais de Contas às Comissões do Parlamento.
O dever de fiscalização conferido ao Poder Legislativo é perfeitamente legítimo devido ao próprio sistema de freios e contrapesos, que serve para que um poder possa fiscalizar o outro, no sentido de coibir abusos e exageros para se manter o equilíbrio dentro de uma democracia (MATOS, 2016).
Em uma democracia, todo poder tem de ter seu fiscal. O Executivo, em tese, é fiscalizado pelo Legislativo, que por sua vez tem controle do Judiciário. Pesos e contrapesos. Mas há um "poder" que no Brasil sempre tende a escapar de qualquer controle: os tribunais de contas. Tudo o que ali acontece tende a morrer ali mesmo. E se um conselheiro quiser barbarizar, dificilmente será julgado fora do próprio TC (GALINDO, 2013, n.p.).
A fiscalização de modo igualitário entre todos os órgãos e entidades é uma medida de equalização social e também uma medida de controle cruzado, garantindo a certeza de melhor eficiência do gasto público e garantia dos princípios que regem a Administração. Mais que isso, representa o próprio Estado Democrático de Direito. Neste sentido, Torres sustenta que.
A legitimidade do Estado Democrático depende do controle da legitimidade da sua ordem financeira. Só o controle rápido, eficiente, seguro, transparente e valorativo dos gastos públicos legitima o tributo, que é o preço da liberdade. O aperfeiçoamento do controle é que pode derrotar a moral tributária cínica, que prega a sonegação e desobediência civil a pretexto da ilegitimidade da despesa pública. O controle, como garantia da liberdade individual e dos princípios jurídicos, na exata observação de K. Vogel, SI não sofre limitações constitucionais, mas estímulos para a sua plena realização (TORRES, 1993, p. 44).
Evidencia-se assim que sobre o Tribunal de Contas não recai fiscalização e controle acerca de seus atos administrativos e uso de recursos públicos, sendo o controle realizado pelo Parlamento apenas um controle finalístico. Há, portanto, uma necessidade de se adentrar mais a fundo nesta seara de modo a prover os métodos de controle dos Tribunais de Contas. Por hora, temos a tramitação das propostas de Emenda à Constituição que serão objeto do próximo subcapítulo.
3.1. Comentário as Proposta de Emenda à Constituição n° 329/2013 e 22/2017
Uma possível solução para pôr em prática uma fiscalização efetiva nos Tribunais de Contas e evitar as situações de descumprimento dos princípios da Administração elencadas neste artigo, tornando o órgão exemplo de conduta e gestão pública, são as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) n° 329/2013 e 22/2017 que estão em tramitação no Congresso Nacional. Estes dois projetos em tramitação preveem a criação de um órgão de controle externo destinado a fiscalizar os Tribunais de Contas no país.
[...] criam uma instância com funções semelhantes às exercidas no Poder Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com poder de investigar desvios de conduta dos integrantes desses Tribunais. Apesar de o TCU estar vinculado ao Congresso Nacional e ter uma corregedoria interna, os atos de seus ministros, na prática, estão submetidos a uma fiscalização praticamente inexistente. Se um conselho nacional dos Tribunais de Contas existisse, possivelmente os ministros do TCU se tornariam mais zelosos em suas condutas. Esse é um aprimoramento institucional que deve ser estimulado para preservar a autoridade do TCU e sua capacidade de resguardar o dinheiro público (RAMOS; CLEMENTE; ROCHA, 2011, n.p.).
Pela PEC 329/2013 serão alterados os requisitos para a composição do Tribunal de Contas da União e a forma de escolha dos membros dos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal, e de Município, que ocorrerá da seguinte forma:
1 (um) eleito pela classe dentre os auditores de controle externo do Tribunal que tenham sido nomeados em decorrência de concurso público há pelo menos 10 anos; 1 (um) eleito pela classe dentre os membros vitalícios do Ministério Público de Contas; 1 (um) eleito, alternadamente, pelos Conselhos Profissionais da área jurídica, de administração, economia e contabilidade; 4 (quatro) eleitos pela classe dentre os auditores substitutos de conselheiros vitalícios (MOLON, 2017, n.p.).
E insere restrições para o ingresso dos Conselheiros nos Tribunais, ao prever que a
[...] escolha de Ministros e Conselheiros de Tribunais de Contas que tenham sido condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado pelos crimes e atos que tornem o cidadão inelegível para cargos públicos. Exige, ainda, que Ministros e Conselheiros de contas tenham mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija formação em nível superior nas áreas de direito, administração, contabilidade ou economia (MOLON, 2017, n.p.).
O Deputado Alessandro Molon relator da PEC em seu relatório inicial extraiu as seguintes premissas da proposta:
A proposta pretende, ainda, submeter ao controle externo do CNJ os Ministros do TCU e os Conselheiros Estaduais de Contas, e do Distrito Federal, bem como os Ministros e Conselheiros substitutos de contas. Já os membros do Ministério Público de Contas (procuradores de contas) serão submetidos a controle externo pelo CNMP. Determina, ainda, que uma lei complementar, a ser proposta pelo TCU, estabelecerá as normas gerais pertinentes à organização, fiscalização, competências, funcionamento e processo dos tribunais de contas. A PEC também cria procedimento extraordinário de uniformização da jurisdição de contas, para tornar padrão o entendimento sobre normas nacionais. Este procedimento será processado autonomamente e em abstrato pelo Tribunal de Contas da União, em casos de repercussão geral, diante de decisão exarada por tribunal de contas que, aparentemente, contrarie dispositivo da Constituição Federal ou de lei federal. Ademais, determina que caberá ao TCU o planejamento, o estabelecimento de políticas e a organização do “sistema nacional dos tribunais de contas”, com prioridade para o combate à corrupção, a transparência e o estímulo ao controle social. Por derradeiro, concede autonomia financeira às unidades do Ministério público de Contas, determinando que “a previsão orçamentária para o Ministério Público de Contas será fixada no primeiro exercício subsequente ao da promulgação desta emenda e, não o sendo, corresponderá à média das despesas efetivamente realizadas pelo órgão nos últimos 5 (cinco) anos”.
A outra Proposta de emenda citada foi idealizada pela ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) e com autoria do Senador Cássio Cunha Lima a PEC n° 22/2017 começou a tramitar no Senado Federal.
A PEC n° 22/2017 prevê a criação do CNTC (Conselho Nacional dos Tribunais de Contas) que tem por finalidade processar e responsabilizar os membros dos Tribunais de Contas por irregularidades e desvios éticos, dentre outros.
[...] fiscalizar os atos de gestão administrativa e financeira dos Tribunais; estabelecer metas nacionais de desempenho e dar transparência máxima, via Portal na Internet, a todos os atos de gestão e de fiscalização dos Tribunais. Por meio de uma Câmara específica, o CNTC também poderá uniformizar a jurisprudência sobre temas que envolvam questões de repercussão nacional, a exemplo da interpretação da LRF. Além disso, o Conselho terá baixo impacto sobre as contas públicas, já que não terá sede própria (funcionará no TCU), os seus integrantes não serão remunerados, o custeio de eventuais deslocamentos e de assessorias será rateado entre as entidades nele representadas, e as sessões acontecerão preferencialmente em ambiente virtual (ATRICON, 2017, n.p.).
O Texto ainda assegura novos critérios para ingresso dos conselheiros, com a maior parte das cadeiras ocupadas por membros das carreiras técnicas, pela proposta as carreiras ocuparão cinco vagas no TCU e quatro vagas nos demais Tribunais (ATRICON, 2017).
A PEC também inclui, entre as matérias de competência legislativa privativa da União, a edição de um diploma processual de controle externo, uma espécie de “Código Processual Civil” de Contas, de iniciativa do Tribunal de Contas da União. Esse diploma fixa tipologias e questões “ainda não pacificadas”, como os conceitos de Contas de Gestão e Contas de Governo. O objetivo da padronização é reduzir as assimetrias que existem no sistema e garantir mais segurança a todo o processo de contas (ATRICON, 2017, n.p.).
A aprovação de ambos os projetos terá por consequência, melhorar a equidade nas obrigações entre os órgãos e entidades fiscalizadas e os Tribunais de Contas, condição benéfica às Cortes de Contas haja vista que elimina a desconfiança que paira sobre este órgão e dando mais efetividade à sua fiscalização.
É ainda uma medida que privilegia o Estado Democrático de Direito, uma vez que coloca o cidadão em primeiro plano e sujeita todos os órgãos e entidades públicas, sem distinção, a regras e princípios que visem exclusivamente o interesse público.
CONCLUSÃO
Sendo uma espécie de “órgão auxiliar” do Poder Legislativo, os Tribunais de Contas detêm competência técnicas inexistentes naquele poder e exercem seu múnus visando a prover informações suficientes ao parlamento para que este possa exercer sua característica fiscalizatória. Na prática, os Tribunais de Contas exercem o poder fiscalizatório e emitem apenas relatórios aos poderes legislativos ao qual estão vinculados acerca de sua atuação.
Sendo ainda um ente integrante da organização administrativa do Estado, deveria se submeter a uma análise de contas de suas atividades e uso dos recursos públicos na mesma medida daqueles ao qual fiscaliza, porém, não é necessariamente isso que acontece. Há ainda outros problemas, como a forma de nomeação de seus Conselheiros, cuja condição é o ínicio de um precedente para uma tomada de contas não tão rigorosa em determinados órgãos e entidades e a possibilidade de dar mau uso ao dinheiro público disponibilizado às Cortes de Contas. Quem fiscaliza o fiscal, portanto, é uma questão retórica que permeia a necessidade deste órgão ser exemplo de rigor na gestão de recursos públicos, a começar pelos recursos disponibilizados a si.
Evidencia-se que sobre o Tribunal de Contas não recai fiscalização e controle acerca de seus atos administrativos e uso de recursos públicos, sendo o controle realizado pelo Parlamento apenas um controle finalístico. Há, portanto, uma necessidade de se adentrar mais a fundo nesta seara de modo a prover os métodos de controle dos Tribunais de Contas.
Nesse sentido, a aprovação dos projetos de Proposta de Emenda à Constituição de números 329/2013 e 22/2017, que tratam justamente da nomeação dos conselheiros e também da submissão da corte de contas ao Conselho Nacional de Justiça ou a um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, aliadas a uma efetiva tomada de contas dos Tribunais de Contas são condições benéficas à sociedade e também às Cortes de Contas, na medida que conferem uma espécie de validação à sua atuação.
É ainda uma medida que privilegia o Estado Democrático de Direito, uma vez que coloca o cidadão em primeiro plano e sujeita todos os órgãos e entidades públicas, sem distinção, a regras e princípios que visem exclusivamente o interesse público.
REFERÊNCIAS
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[1]Mestre em Direito pelo Centro Universitário Toledo. Diretor Técnico Administrativo na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - UNESP Campus de Ilha Solteira. Coordenador do Curso de Direito das Faculdades
Integradas de Paranaíba - FIPAR. [email protected].
Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Paranaíba/MS - FIPAR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Alexandre Silvério Martins de. Tribunal de Contas: quem fiscaliza o fiscal? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2020, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55366/tribunal-de-contas-quem-fiscaliza-o-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
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