Resumo: Esse artigo tem como objetivo analisar os argumentos apresentados pelo Poder Público para justificar o insucesso nas garantias dos direitos fundamentais a saúde e mostrar o quão nocivo é a Judicialização da Saúde quando praticada em excesso. Analisar a atual interação entre Poder Judiciário e Poder Público em prol da saúde, comparar os argumentos apresentados para a atuação do Poder Judiciário na saúde e o notório descaso do Poder Público e por fim analisar as consequências negativas na execução orçamentária impostas a administração pública mediante decisão judicial e para esse propósito foi utilizado o método hipotético-dedutivo, sendo a área delimitada para o estudo a cidade de Manaus. A pesquisa foi exploratória envolvendo: levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão. A investigação foi realizada com pesquisa do tipo documental, restrita a documentos escritos contemporâneos e primários. As fontes documentais utilizadas: documentos oficiais de arquivos públicos.
Palavra-chave: Judicialização da saúde- poder judiciário- direitos fundamentais- poder público
Abstract: This article aims to analyze the arguments presented by the Public Power to justify the failure to guarantee fundamental health rights and show how harmful the Judicialization of Health is when practiced in excess. Analyzing the current interaction between the Judiciary and Public Authorities in favor of health, compare the arguments presented for the Judiciary's performance in health and the notorious neglect of the Public Authorities and finally analyze the negative consequences in budget execution imposed on public administration through decision judicial. For this purpose, the method used for this project will be the hypothetical-deductive method. The area defined for the study was the city of Manaus. The research was exploratory involving: bibliographic survey; interviews with people who had practical experiences with the researched problem and analysis of examples that stimulate understanding. The investigation was carried out with documentary type research, restricted to contemporary and primary written documents. The documentary sources used: official documents from public archives.
Keyword: Judicialization of health - judiciary - fundamental rights - public power
Sumário: 1. Introdução. 2. O alto índice de judicializações. 3. O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. 4. A insuficiência do Estado em garantir os direitos fundamentais e a legitimidade da atuação do poder judiciário no âmbito das políticas públicas de saúde. 5. Os impactos das judicializações. 6.Considerações finais. 4.Referências.
Em a metamorfose, livro de Franz Kafka, o protagonista Gregor Samsa é subitamente transformado em um inseto monstruoso, o que atrapalha bastante sua vida, visto que é ele quem prover a família trabalhando como cacheiro viajante e por causa de sua doença, passa de provedor a sustentado e começa a se tornar um fardo para família que o coloca em um quarto quase vazio à espera da morte e quando enfim Gregor Samsa morre, o resto da família segue normalmente suas vidas.
Ao contrastar essa narrativa ficcional com a realidade brasileira pode-se traçar paralelos entre o protagonista e o povo brasileiro, e a família e o Poder Público. O povo trabalha e consequentemente gera renda para o Poder Público e enquanto esse sistema funciona tudo permanece bem, todavia, quando esse conjunto depara-se com uma situação inesperada, no caso de Gregor Samsa, uma transformação, no caso do povo uma doença ou desemprego, nota-se um total descaso do Poder Público para com o povo, deixando esse último em total abandono.
Essa constatação ficou notória na recente pandemia de coronavírus cujo o alto índice de contaminação mais a alta taxa de mortalidade entre as pessoas do grupo de risco, assustaram o mundo. No Brasil, houve um evidente colapso do sistema de saúde acarretando na morte de milhares de pessoas, essas ficaram sem atendimento e em completo abandono.
Esse colapso precoce foi um reflexo do desleixo do poder público com a área da saúde, para a qual é reservada uma pequena parcela de orçamento para servir a uma grande demanda. E desse pequeno orçamento muito é desviado seja por meios ilícitos, como a lavagem de dinheiro ou por meios lícitos como as liminares judiciais.
E essas liminares acontecem devido o descaso do poder público para com a população, esta se vê obrigada a solicitar auxílio do Poder Judicial, este por sua vez determina por meio de liminar o medicamento ou o atendimento solicitado. Tal fenômeno é inegavelmente um marco para a conquista dos direitos fundamentais, todavia deveria ser a exceção contudo, tornou-se a regra. Essa disfunção gera inúmeros impactos orçamentários, desvio nas verbas dos programas governamentais e ineficácia prática pois muito é gasto para beneficiar poucas pessoas e essas não são plenamente satisfeitas.
Nesse sentido o Instituto Insper afirma:
Em 2016, o gasto com demandas judiciais na saúde consumiu R$ 1,3 bilhões. A lista com os dez medicamentos mais caros é responsável por 90% desse valor.
O dinheiro está saindo de outros programas da saúde e de outros segmentos do orçamento federal, embora haja pouca clareza e avaliação sobre os impactos mais gerais desse fenômeno. (INSPER, 2019)
Esse debate é necessário para levantar o questionamento e buscar soluções a fim de libertar o Poder Público do excesso de demanda judicial, melhorar o atendimento do SUS, colocar na pratica todos os seus fundamentos além de levantar outros fatores prejudicais envolvendo a judicialização. Nesse sentido Cirico, Resner e Rached (2019, pg.63) levantam a tese de que até os advogados nas judicializações são um problema, eles afirmam:
Além disso, é de conhecimento geral, a quantidade de advogados que se especializaram nas causas da saúde, mas que não levam em consideração todas as questões que envolvem a judicialização e todo mal que podem causar ao sistema de saúde como um todo e até ao seu próprio cliente. (CIRICO, RESNER E RACHED, 2019, pg.63)
E sobre os advogados, os autores revelam um esquema realizado por eles:
Esses advogados, geralmente pedem mais do que aquilo que o paciente necessita, sempre incluem danos morais nos processos e já possuem as petições previamente prontas, apenas alterando a causa, conforme o pedido do cliente. Este é um dos agentes que está envolvido na judicialização e lógico, fazendo o seu trabalho, mas sem considerar nenhum outro fato que envolva a saúde como um todo, e assim prejudicando o sistema. Com isso, dá para enxergar o grande jogo de interesses que envolve a saúde no Brasil. (CIRICO, RESNER E RACHED, 2019, pg.63)
Ademais, há também a questão do interesse farmacêutico, os laboratórios e os hospitais privados que se beneficiam dessa disfunção.
A judicialização da saúde revela-se um assunto atual e relevante no cenário brasileiro gerando debates entre doutrinadores, centros de pesquisa e ministros do supremo tribunal. Esse trabalho busca colaborar nesses debates e incentivar as pessoas a buscarem seus direitos e a entenderem o funcionamento de certas engrenagens do sistema político. Pois de fato o povo brasileiro é privilegiado por ter a constituição de 1988, o sistema único de saúde e os direitos fundamentais, porém ter os direitos sem a efetividade de nada serve. As liminares concedidas pela justiça são métodos paliativos, uma forma de estancar uma ferida aberta, porém a saúde pública, o orçamento deficitário e o sucateamento do SUS precisam de ações para um tratamento eficaz e completo para o benefício de todos.
2. O alto índice de judicializações
O Direito à Saúde dilatou-se consideravelmente nos últimos anos, talvez mais do que os outros Direitos Fundamentais. E a Judicialização é um dos grandes fundamentos que apresentaram tal situação.
Esse fenômeno ocorre, entre muitos fatores, devido à má gestão e gerência dos recursos e verbas destinados a área da saúde, sendo esses mal aproveitados, muitas pessoas voltam-se para o poder Judiciário a fim de fazer valer seus direitos expressos na Constituição Federal;
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL,1988)
O Brasil localiza-se nos últimos lugares, desde de 2008, no ranking anual de eficiência de sistemas nacionais de saúde, editado pela agência de negócios Bloomberg. No ano de 2015, o Brasil passou a ocupar a última posição do ranking, demonstrando que o gasto com saúde no País não se converte numa entrega efetiva de um serviço público de qualidade para a população, conforme fora supracitado.
Em razão disso, aumentam as demandas judiciais em prol da concessão de tratamentos médicos e da entrega de medicamentos para pessoas que não obtiveram a prestação voluntária do Estado, o que gera consequências negativas na execução orçamentária, porquanto os provimentos jurisdicionais afetam sensivelmente a efetivação de políticas públicas nesta área, em que os recursos são extremamente escassos.
Tal situação é preocupante em termos do elevado número de ações judiciais que tratam sobre saúde, conforme ilustrado em estudo elaborado pela Advocacia -Geral da União – Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde (2013), a União foi demandada no polo passivo: no ano de 2009, em 10.486 novas ações; no ano de 2010, 11.203 novas ações; no ano de 2011, 12.436 novas ações e por fim no ano de 2012 13.051.
Essas ações transmutam-se em um montante considerável quando avaliadas em questão monetária. Segundo o Ministério da Saúde, em oito anos, o órgão desembolsou R$ 5 bilhões para atender a determinações judiciais para a compra de medicamentos, insumos e suplementos alimentares, um incremento de 912% entre 2010 e 2017. Em 2016, esse ministério despendeu R$ 1.157.375.425,35 para atender apenas 1.262 pacientes. Em 2017, o Ministério da Saúde destinou R$ 1,02 bilhão para aquisição de medicamentos e tratamentos exigidos por demandas judiciais. Estima-se que, em 2018, ele tenha gasto R$ 1,3 bilhão para cumprir as decisões judiciais.
Em suma, o Poder Público gasta enormes montantes financeiros, em uma área onde os recursos são escassos, a fim de cumprir as decisões judiciais, todavia, toda essa verba é destinada para o auxílio de poucas pessoas e no geral o atendimento continua deficitário e a população desfavorecida de seus direitos constitucionais. Como pode confirmar a Professora Tania de Oliveira Pereira, uma das entrevistadas para esse trabalho, com uma mãe acamada e necessitando de vários cuidados, Tania necessita de muitos auxílios inclusive de fraudas geriátricas, necessidade essa que não foi suprida pelo Estado, logo ela se viu buscando auxílio do Poder Judiciário e o resultou no Estado sendo obrigado a oferecer um pacote de fraudas por mês, algo inferior ás suas necessidades. Esse é apenas um dos muitos casos onde o Estado é obrigado a fornecer um material ou atendimento, porém o serviço é deficiente.
Sem dúvida a judicialização da saúde é um marco para a conquista dos direitos fundamentais, porém quando o descaso do Poder Público obriga o Judiciário a tomar o protagonismo e a demanda de liminares se torna notória, o resultado é, entre outras, um orçamento estatal prejudicado e população insatisfeita.
3. O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil
Outrora o acesso a saúde era associada a produtividade, ou seja, mediante um contrato entre empregado e empregador, o empregado tinha acesso a ramos da área da saúde, posteriormente Getúlio Vargas desenvolve os Institutos de Aposentadoria e Pensão aumentando o acesso a saúde a outros ramos profissionais, todavia é notório o monopólio do acesso a saúde apenas àqueles ligados à força de trabalho. Quem tinha emprego e servia ao Estado, recebia os tratamentos adequados.
Somente com o advento da Constituição Federal de 1988, houve a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme artigos 196 a 198 da Lei Maior, com as seguintes regras: regionalização; hierarquização; descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade. A sua regulamentação veio à tona com a Lei n. 8.080/1990, a qual operacionalizou o atendimento público da saúde.
Porém, somente a criação de regras jurídicas que estabeleçam uma obrigação não necessariamente traduz-se em efetividade. O SUS passou, em seus primeiros anos, por crises sistemáticas e estruturais, advindas da falta de recursos suficientes para a construção de hospitais, aquisição de aparelhos e pagamento de despesas correntes imprescindíveis para o funcionamento do sistema como um todo.
Assim o SUS se tornou um sistema defasado e ineficiente, apesar do crescimento observado na arrecadação de contribuições sociais, a participação da saúde no montante destes recursos caiu progressivamente. Ou seja, ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 universalizava o direito à saúde e responsabilizava o Poder Público por garanti-lo, a participação proporcional do Ministério da Saúde no orçamento da seguridade social e o percentual do PIB destinado ao setor diminuíram nos anos seguintes a 1989. Esse quadro apenas foi regularizado com a promulgação da Emenda Constitucional n. 29/2000, que estabeleceu a vinculação de receitas de impostos para o setor da saúde e incluiu um segundo parágrafo ao artigo 198 da Constituição Federal de 1988, determinando que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde, nos seguintes termos:
Art. 198. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços
públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (BRASIL,1988)
Essa norma conferiu regularidade ao financiamento do SUS pois a partir dela houve uma estipulação de gastos mínimos e obrigatórios com saúde, em conformidade com o crescimento econômico experimentado pelo país, tendo em vista que a vinculação referida oscilaria de acordo com o maior ou o menor volume de impostos arrecadados pelos estados.
4. A insuficiência do Estado em garantir os direitos fundamentais e a legitimidade da atuação do poder judiciário no âmbito das políticas públicas de saúde
A partir da constituição de 1988 o direito da saúde foi expandido para a população em geral e normas foram estabelecidas na tentativa de fazer valer a letra da lei. De acordo com o princípio da força normativa da Constituição, deve ser conferida a suas normas máxima efetividade. Trata-se, portanto, de preceito intimamente ligado a própria soberania da Carta Magna, como Lei Fundamental de um Estado que confere legitimidade para o resto do ordenamento jurídico.
Tal princípio foi vislumbrado por Hesse (1991), que afirmava que toda norma Constitucional deve ser revestida de um mínimo de eficácia, sob pena de figurar “letra morta em papel”. Hesse afirma que a Constituição não configura apenas o “ser” (os princípios basilares que determinam a formação do Estado), mas um dever ser, ou seja, a Constituição deve incorporar em seu bojo a realidade jurídica do Estado, estando conexa com a realidade social.
Além disso, vale lembrar o princípio dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, cuja finalidade, na qualidade de princípio fundamental, é assegurar ao homem o mínimo de direitos que devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano. Nesse sentido, Piovesan diz que:
A dignidade da pessoa humana, (…) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. (PIOVESAN,2000)
Apesar disso, o Estado usa o princípio da Reserva do Possível para argumentar sobre a sua escassa condição orçamentária a fim de se isentar de prestar assistência à saúde de forma efetiva e igualitária. Todavia, vale lembrar que o direito à saúde, assim como os integrantes do artigo 6º, fazem parte do mínimo existencial, mínimo este que o Estado é obrigado a prestar, não podendo se isentar de suas obrigações mínimas, desta forma, todas as pessoas, embora não possuam o mesmo nível de saúde tutelado, possuem o direito ao mínimo de proteção ao seu direito à saúde.
Diante desse fato, o Poder Judiciário atua para corrigir o tratamento desigual na concessão do serviço público de saúde e para concretizar o próprio direito individual à saúde, com o intuito de implementar políticas públicas nesta área, com determinação, entre outras medidas, de fornecimento de medicamentos e suplementos alimentares, de imposição de vagas em unidades de tratamento intensivo (UTI) e de compra de materiais médicos, laboratoriais e cirúrgicos.
E como afirma o ministro Gilmar Mendes a interferência do Poder Judiciário na área da saúde pública conserva a sua legitimidade constitucional:
Na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas(..)(MENDES,2010)
Comprova-se que as políticas públicas aprovadas no legislativo e no executivo não estão sendo cumpridas na prática, não atendendo a população de modo geral, como ressalta o próprio ministro Gilmar Mendes:
Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. (MENDES,2010)
Conclui-se que a atuação do poder Judiciário é legitimado e dentro dos limites constitucionais não fere a independência dos três poderes bem como é vital para garantir o exercício do direito à saúde na esfera individual. Com efeito, tal prática, se exercida a larga escala acaba por trazer malefícios que se sobrepõem aos benéficos.
5. Os impactos das judicializações
Se existe uma lei aprovada no congresso e incluída nos programas do governo, há um orçamento pré-estabelecido conforme rege os artigos art. 167, I e II, da Constituição Federal de 1988 e art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto a ação do Poder Judiciário ao cobrar o seu pleno exercício é completamente válido, todavia, conforme apontaram Buísa, Bevilacgua e Moreira (2018, p.35) os provimentos jurídicos poderão gerar dois resultados. Primeiro um aumento dos gastos totais na área da saúde, o que deverá advir do remanejamento de recursos de outras áreas ou da criação de créditos adicionais, com prévia edição de lei (art. 167, V e VI da CF/88); Segundo uma a alteração do destino dos recursos alocados para o setor da saúde, retirando-se dinheiro de certos programas sociais para o atendimento de causas judiciais específicas.
No Estado do Amazonas por exemplo de acordo com a Esmam (Escola Superior da Magistratura do Amazonas), entre janeiro e agosto de 2018, a DPE-AM (Defensoria Pública Estadual do Amazonas) ingressou com 270 ações na Justiça Estadual para assegurar o acesso de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) a serviços ofertados pelo Estado. Na época o estado sofria com a falta de insumos hospitalares e medicamentos e para resolver essa crise o governo do Estado anunciou medidas para aquisição emergencial de medicamentos cujo o valor especulava-se chegar a 3 milhões apenas para adquirir 300 mil unidades de soro.
Quais medidas foram tomadas diante desse cenário?
Nesse sentido Buísa, Bevilacgua e Moreira (2018, p.39) afirmam:
Sabe-se que, na prática, a maior parte dos entes públicos destina somente o mínimo estabelecido constitucionalmente para a área da saúde (art. 198, § 2º, da CF), fazendo vistas grossas em relação à problemática da judicialidade. Assim, se há determinação judicial que demande gasto público, efetuam-se cortes de recursos que seriam utilizados no atendimento de programas de saúde para o atendimento do provimento jurisdicional. Ou seja, o que se dá a um, de outro se tira. (BUÍSA, BEVILACGUA E MOREIRA, 2018, p.39)
Como mencionado anteriormente o Estado faz uso da teoria alemã da “reserva do possível”. De acordo com Barcellos citado por Falsarella, Christiane (2012, p. 5) “a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”.
Conforme observado o Poder Público retira de uma pasta ou de um programa para destinar as demandas judiciais, o que acarreta em dívidas exorbitantes e a priorização nas despesas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas – SUSAM, a dívida recebida pela gestão de 2019 (Carlos Almeida) na saúde é de R$ 1,100 bilhão. São R$ 600 milhões de despesas não pagas em 2018 e R$ 500 milhões de 2017 para trás. Nesse sentido, afirmou Carlos Almeida:
Os números mostram ainda que as necessidades da pasta da saúde para 2019 serão de R$ 3,5 bilhões, mas o orçamento previsto na Lei Orçamentária (LOA) para o ano é de R$ 2,4 bi, ou seja, há um déficit natural de R$ 1 bilhão. “Com um R$ 1,1 bilhão de dívida e mais de R$ 1 bilhão de déficit, é necessário orçamento de R$ 4,4 bi para o cumprimento das obrigações. Isso representa um déficit de R$ 2 bi frente ao orçamento de R$ 2,4 bilhões”. (ALMEIDA, 2019)
O resultado desse déficit no orçamento mais o alto índice de demanda judicial, resultou no atraso de pagamento para fornecedores, atraso nos salários dos funcionários públicos e atrasos na execução de concursos públicos, e isso apenas no estado do Amazonas. Isso demostra a ineficiência do Estado para manter os direitos básicos da população e quando obrigado pelo poder judiciário a prestar serviços para os quais ele não tem preparo, retira de outras pessoas que precisam.
Constata-se um notório descaso com a saúde por parte do Poder Público. A população sustenta o governo através dos altos impostos, financia um dos sistemas de arrecadação mais pesados do mundo e quando precisa usufruir os frutos desse financiamento, padece com longas demoras, ou mesmo falta de atendimento no SUS, recorre para a saúde privada ou enceta uma ação judicial. O Processo de judicialização da saúde é uma conquista para os direitos humanos, porém foi criado para ser uma exceção e quando a exceção se torna a regra, aquilo outrora criado para ajudar torna-se outro problema.
O poder Público alega o princípio da Reserva do Possível para argumentar sobre a sua escassa condição orçamentária a fim de se isentar de prestar assistência à saúde de forma efetiva e igualitária. Porém conforme supracitado a arrecadação é alta, isso mostra que a saúde pública está deteriorada não pela condição dos cofres públicos, e sim por decisão governamental que estipula o mínimo possível de verbas para a saúde.
Esse cenário é perfeito para o protagonismo do Poder Judiciário, todavia não soluciona. Uma alternativa possível é observar os gastos registrados no ano anterior com liminares judiciais e acrescentar o valor no orçamento da saúde para dessa forma custear as compras de insumos hospitalares de uma forma mais saudável para os cofres públicos, remunerar em dia os funcionários da área e atender com qualidade a população em geral, ao invés de exaurir os recursos para atender apenas um indivíduo e de modo insatisfatório.
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Acadêmico do Centro de ensino Luterano do Brasil(UlBRA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Albert Lucas Sousa Egas. Judicialização da saúde, a insuficiência nos atendimentos, na distribuição de medicamentos e o insucesso na garantia dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2020, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55421/judicializao-da-sade-a-insuficincia-nos-atendimentos-na-distribuio-de-medicamentos-e-o-insucesso-na-garantia-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
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