AIRTON ALOISIO SCHUTZ
(orientador) [1]
Resumo: A isonomia e igualdade entre homem e mulher é alicerce do Estado Democrático Direito angariado pela Carta Magna de 1988 do Brasil. A legislação aplicável ao casamento e união estável é fruto da escalada do direito em positivar as relações sociais implicando na manutenção da justiça. Todavia, a previsão de alguns termos como a culpa, infere diferentes efeitos no comportamento social e na operação do direito material e processual. Delimitando-a à responsabilidade alimentar e contextualizando as suas diferentes interpretações entre os caminhos da separação e do divórcio, será concretizado em pesquisa documental, exploratória e bibliográfica, por meio da abordagem qualitativa, as bases teóricas dos critérios estabelecidos para equilibrar ou não as condições de vida pós dissolução conjugal em razão da culpa, haja visto que, como ver-se-á, esta continua sendo objeto perquirido pelo legislador e jurisprudência.
Palavras chave: Alimentos. Responsabilidade alimentar. Pensão alimentícia. Divórcio. Separação. Direito de família. Culpa.
Abstract: The equality and equality between men and women is the foundation of the Right Democratic State raised by the 1988 Constitution of Brazil. The legislation applicable to marriage and a stable union is the result of the escalation of the right to make social relations positive, implying the maintenance of justice. However, the prediction of some terms such as guilt, infers different effects on social behavior and the operation of material and procedural law. Limiting it to food responsibility and contextualizing its different interpretations between the paths of separation and divorce, documentary, exploratory and bibliographic research will be materialized, through the qualitative approach, the theoretical bases of the criteria established to balance or not the conditions of life after marital dissolution due to guilt, since, as will be seen, this continues to be the object of inquiry by the legislator and jurisprudence.
Keywords: Food Food responsibility. Alimony. Divorce. Separation. Family right. Fault.
Sumário: 1. Introdução. 2. Saltos Normativos, Persistência da Punição Através dos Alimentos Naturais e Relevância. 3. Separação e Divórcio 4. Culpa Anterior e Posterior à Dissolução Conjugal. 5. Deveres, Moral, Ética e Mínima Intervenção Estatal no Direito de Família. 6. A Mulher e a Relação de Poder Sobre o Patrimônio. 7. Da Possibilidade e Importância dos Alimentos Frente à Previsão da Culpa e Vantagem da União Estável. 8. Alimentos Compensatórios, Pensão Alimentícia Comum e Responsabilidade Civil. 9. A Jurisprudência e a Manutenção da Culpa. 10. Conclusão. 11. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O instituto do casamento, sem desconsiderar a relação equiparada da união estável, revela um fenômeno social complexo capaz de gerar diversas responsabilidades antes, durante ou após a criação de uma sociedade conjugal, incluindo. Historicamente, a família no direito brasileiro desenvolve-se sobre fortes laços de poder dado à autoridade do chefe do lar, o qual influencia o cônjuge parceiro a se dispor apenas do ambiente doméstico, criando assim, na hipótese de rompimento do vínculo matrimonial arcaico, dificuldades de inserção ou reinserção no mercado de trabalho.
Apesar da cultura da culpabilidade no casamento não ser recente, ainda existe grande dificuldade do Estado em expurgar as possibilidades de culpa em situações práticas de fim da sociedade conjugal. Para tanto, basta considerarmos que as ações desonrosas como o abandono do lar, a infidelidade e agressões partidas do cônjuge culpado podem ser reflexos de uma tentativa de fuga ao par inocente, muitas vezes, tão culpado quanto, ou apenas fruto de desvio moral previamente estabelecido pela sociedade.
Neste sentido, no contexto atual, em pura análise ao ordenamento comum, existe uma grande lacuna em prognosticar análise detalhada para aplicação da integralidade de direitos (§ 2ª, art. 1.694 ou 1.704/1.708, parágrafo único, do Código Civil de 2002), alimentos alcançáveis, mas limitados ao subjetivo mínimo existencial ou, simplesmente, subsistência, quando sobrepostos à pensão alimentícia que, via de regra, deveria garantir alçada suficiente para manter determinada condição social, ou, padrão de vida (caput do art. 1.694 do Código Civil de 2002).
Assim, nota-se que a legislação pátria brasileira promoveu a manutenção de um método utilizado em encontrar o culpado pelo fim de um matrimônio, seja para estabelecer restrições ou salvaguardar o cônjuge inocente, o que vem sendo mitigado, ainda com timidez e difusões midiáticas conturbadas, por parte da doutrina e jurisprudência.
Dessa forma, revela-se que o Direito ainda detém legítima a culpa como pressuposto para restrição aos alimentos, não adequando ferramentas capazes de prever e diferenciar casos concretos. Desse modo, provoca-se o questionamento: quais as mudanças da culpa no processo de fixação de alimentos aos conjugues ou companheiros no ordenamento jurídico brasileiro?
Para um desenvolvimento completo do cenário, objetivamente, através da investigação geral da problemática, busca-se identificar qual prejuízo a definição da culpa acarreta na fixação de alimentos, demonstrar os caminhos entre a separação e divórcio, descrever os elementos que condicionam a relação de poder no ambiente doméstico objetivando a necessidade da fixação de alimentos; e apontar divergências entre a culpa anterior e posterior à dissolução conjugal na responsabilidade alimentar e as facetas da imposição moral e ética no ordenamento jurídico.
Por último, esclarece-se que a análise dos fundamentos jurídicos que angariaram o método de pesquisa, o instrumento de coleta de dados e as informações escolhidas, foi conquistada através do rigor científico da pesquisa bibliográfica e exploratória em sintonia com o estudo documental e abordagem qualitativa.
2. SALTOS NORMATIVOS, PERSISTÊNCIA DA PUNIÇÃO ATRAVÉS DOS ALIMENTOS NATURAIS E RELEVÂNCIA
Com a entrada do Diploma Civil de 2002 em sintonia com as interpretações constitucionais trazidas pela Emenda Constitucional n° 66, passou-se a tutelar de maneira mais eloquente à obrigação alimentar em razão do dever da assistência mútua recepcionada pelo casamento. Conforme Dias (2010) no Código Civil de 1916, revogado, e Lei de Divórcio de 1977, o ônus da assistência voltava-se, respectivamente, apenas entre o marido a mulher inocente e, mais tarde, apesar da previsão de assistência mútua, imputável apenas ao responsável pela dissolução.
A novidade, segundo a ilustre doutrinadora Dias (2010), está o art. 1.694 do Código Civil de 2002 que passou a prever a possibilidade de companheiros e consortes assumirem a responsabilidade recíproca de subsidiar alimentos para manter-se o modelo de vida padrão quando do divórcio ou da dissolução conjugal. Contudo, ainda existe, com o objetivo da punição, no § 2º do mesmo dispositivo, a previsão de que o culpado deverá pleitear alimentos, seja provisionais ou não apenas para subsistência persistindo a dicotomia entre alimentos naturais e civis.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Em consonância, Oliveira (2020), esclarece que os alimentos aos necessitados são subdivididos entre naturais e civis, envolvendo, respectivamente, divergência entre pleitear um mínimo razoável necessário à dignidade e indispensável à vida e ao homo medius digno, ou o suficiente para manter um padrão de vida muito próximo ao do alimentante, com previsão em duas hipóteses: culpa do alimentado pelo status de necessidade do art. 1694, § 2º, ou culpabilidade de ex-consorte ao desencadear o fim do casamento previsto no art. 1.704, parágrafo único, ambos do Código Civil de 2002.
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
Na comunidade acadêmica e no meio social, a discussão tornou-se extremamente importante, uma vez que o senso crítico às mudanças normativas constantes no direito de família é construído pelo investimento às ciências sociais, na qual, tratando-se de estudo a comportamentos variáveis, devem, muitas vezes, propor aprimoramento ou mitigação ao legislador perante uma realidade.
É indene de dúvida que com as mudanças sociais, o legislador sentiu-se fortemente pressionado a abolir qualquer meio dispendioso para dissolução do vínculo conjugal. Contudo, sobre a ótica de uma das doutrinadoras com maior autoridade no assunto, nem sempre o divórcio foi um caminho a seguir de imediato, sendo a separação uma das formas em que:
O legislador sempre tentou impedir a dissolução dos vínculos conjugais, tanto que não previa a possibilidade de um dos cônjuges buscar a separação se não conseguisse provar um dos motivos elencados na lei que pudesse imputar ao outro. Nítida a postura punitiva do Estado e a intenção de manter, a qualquer preço, o laço matrimonial. Quem nada tinha contra o par e não conseguia identificar uma causa culposa atribuível ao cônjuge não podia buscar a separação. Ou seja, aquele que havia praticado qualquer ato que importava grave violação dos deveres do casamento, de modo a tornar insuportável a vida em comum, não podia pedir a separação. Somente o "inocente" tinha legitimidade para a ação. (DIAS 2016, p. 149)
Desse modo, a estudiosa, Dias (2016) assevera que aquele em que se atribuía responsabilidade ao término do casamento ficava refém da autonomia da vontade apenas do outro par. Observe, a imputabilidade da culpa já foi fator determinante para hoje decadente separação judicial, que por sua natureza já exigia um enorme desgaste quanto a provar uma das hipóteses cabíveis de culpa ou respeitar os prazos de um ano ao fim da vida em comum e dois anos para instrumentalização seguinte, o divórcio. Entreveja a previsão legal do Código Civil (2002):
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.
§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
III - sevícia ou injúria grave;
IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
V - condenação por crime infamante;
VI - conduta desonrosa.
Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.
§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
O fato é que a Emenda Constitucional 66/10 derrogou grande parte do instituto da separação entre os artigos 1.571 a 1.582 do Código Civil de 2002, tendo a justiça se adaptado e admitido a dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio, excluindo qualquer cumprimento a prazo e acossamento de culpa (DIAS, 2016).
Conciliando este entendimento com as inovações trazidas pela Lei Federal nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, entende-se que até mesmo no mundo extrajudicial houve grandes impactos, posto que a possibilidade do divórcio consensual por via administrativa em cartório tornou-se realidade.
No entanto, vale lembrar que, contrário à posição de parte da doutrina, a separação judicial ainda seria uma faculdade, ou seja, uma opção para os cônjuges incertos da sua tomada de decisão que culminaria no divórcio. Este entendimento foi tomado pela quarta turma do STJ quando da análise de recurso especial em segredo de justiça.
Em síntese a ministra relatora Galotti (2017), entendeu que na atualidade, a constituição pressagia a dissolução do casamento do Código Civil pelo divórcio, instigando a faculdade aos cônjuges, diferentemente do que seria considerar a extinção da separação judicial na qual continuaria sendo possibilidade. A principal lógica seguida pela ministra estaria na máxima jurídica de que quem pode o mais, também pode o menos.
Ademais, segundo a mesma magistrada Galotti (2017), a faculdade de escolha entre um e outro não passam de processo vantajoso de escolha que convergem ao mesmo caminho, uma vez que a separação traduziria opção de natureza temporária, podendo os cônjuges, observado os requisitos, peticionarem pela restauração da sociedade conjugal ou conversão, definitiva, em divórcio.
Em continuidade, o ilustre arranjo proposto por Galotti (2017) acordado por unanimidade naquele momento, não deixou de diferenciar os efeitos práticos, quais sejam na separação a exclusão da coabitação, fidelidade e regimes de bens, e no divórcio a ficção jurídica que põe fim ao estado civil dos cidadãos.
Pós Emenda Constitucional 66/10 e Código Civil de 2002, nota-se a intenção clara do legislador em consolidar dois caminhos. Observe a previsão e a continuidade nos procedimentos especiais da separação no Código de Processo Civil de 2015:
Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.
Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e
Destarte, apesar de uma corrente doutrinária entender que o instituto da separação foi abolido pela facilidade do simples pedido de divórcio judicial ou extrajudicial, conclui-se que a separação e o divórcio são caminhos a serem seguidos tanto em previsão de letra fria da legislação material quanto processual.
4. CULPA ANTERIOR E POSTERIOR À DISSOLUÇÃO CONJUGAL
Antes de qualquer aprofundamento no tema, esclarece-se que há uma incongruência existente entre a culpa anterior e posterior à fixação de alimentos em decorrência da dissolução conjugal, seja por razão da infidelidade ou indignidade. ALMEIDA (2014, p. 2), traz o seguinte exemplo:
Autor ingressa com ação de separação litigiosa alegando ser vítima de tentativa de morte pelo cônjuge, dando prova satisfatória do fato, o que caracteriza um ato indigno e uma ofensa ao dever de respeito e consideração imposto pelo matrimônio (CC, art. 1.566, V, e 1.573, II). No curso do processo a mulher faz prova de necessitar dos alimentos do marido ante a ausência de parente para sustentá-la e a impossibilidade de obter emprego. A final, por sentença é decretada a separação por culpa da mulher, sendo-lhe fixada, pelo juiz, entretanto, uma pensão alimentícia a cargo do varão, com base no disposto no art. 1.702, in fine, e § 2º do art. 1.694, do CC. Alguns meses após a separação, a mulher tenta novamente matar o ex-marido, não se consumando o delito. Com a prova da tentativa de homicídio, que é um evidente procedimento indigno (Enunciado 264 do CEJ) contra o devedor de alimentos, este consegue se exonerar da obrigação alimentar em juízo, invocando em prol de sua tese o disposto nos arts. 1.708, parágrafo único, e 1.814, I, ambos do CC.
O que se observa, é que o atual Código Civil de 2002, admite que a indignidade caracterizada pelo homicídio tentado não impediria a fixação de alimentos em decorrência dos artigos. 1.702 e §2º do art. 1.694 (Diploma Civil de 2002), no entanto tem o condão de cessar a obrigação alimentar na forma do art. 1.708 do Código Civil de 2002. A mesma linha de raciocínio pode ser observada quando da constatação de culpa consubstanciada em suposto concubinato causador da dissolução conjugal. Observe a segunda ilustração de ALMEIDA (2014, p.2):
Marido ajuíza ação de separação litigiosa alegando adultério da mulher, dando prova satisfatória do fato. A sentença julga a mulher culpada por grave violação do dever de fidelidade imposto pelo casamento, tornando insuportável a vida em comum (CC, arts. 1.566, I, e 1.573, I), decretando a separação. No curso do processo a ré faz prova de ter sido abandonada pelo concubino e de necessitar dos alimentos do marido ante a ausência de parente para sustentá-la e a impossibilidade de conseguir emprego. Aqui também o juiz, na sentença de procedência da separação litigiosa, fixa uma pensão a cargo do varão, cônjuge inocente, sob o permissivo dos arts. 1.702, n fine, e § 2º do art. 1.694, do CC. Alguns meses após a separação, todavia, a mulher ingressa em concubinato com o mesmo homem com quem já se relacionava e, com essa prova, o ex-marido consegue se exonerar da obrigação, com base no art. 1.708, parágrafo único, do CC.
Posto isso, é visível a divergência de tratamento no Código Civil de 2002 em relação a culpa (fuga dos deveres estabelecidos no art. 1.566), de um lado a humanidade e solidariedade justificaria a pensão alimentícia mesmo na hipótese de culpa e de outro há um extremo corte desta possibilidade, sendo o acerto do legislador ainda questionável em análise fria dos casos concretos acima.
5. DEVERES, MORAL, ÉTICA E MÍNIMA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DIREITO DE FAMÍLIA
Segundo Oliveira (2020), o juiz de direito, não pode dirimir conflitos ditos pequenos, assim, a relevância e potencial lesivo da culpabilidade deve ser sopesada entre os deveres conjugais previstos no art. 1.566 e 1.724 do Código Civil de 2002 e o caso concreto a depender da violência doméstica por exemplo.
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Cunha (2004, p. 130) complementa com o critério de que a vida conjugal somente se “justifica enquanto proporcionar a comunhão afetiva da vida do casal, não justificando sua mantença se a vida em comum deteriorou-se. Tal fato corrobora, também, a abolição do princípio da culpa na dissolução do casamento, cujos efeitos já foram minorados.”
Interrompendo este ciclo, Ferreira (2018) além de acreditar que os mandamentos principiológico da Carta Cidadã interrompe qualquer análise culpa, tornando-a inconstitucional, ainda que viável, dificilmente o Estado conseguiria deferir a acusação de culpa, posto que o próprio direito do contraditório e ampla defesa instituiria a culpa recíproca ou, alternativamente, a inversão da culpabilidade, sendo necessária a mínima intervenção estatal em razão da privacidade, intimidade e liberdade no seio familiar.
A dificuldade está, conforme Cunha (2014, p. 65) na discussão moral e da ética no Direito de Família:
A discussão dos princípios gerais do direito, como observou Perelmann (ver item 3.4), vincula-se à discussão da moral e da ética. O princípio da dignidade humana, por exemplo, é uma concepção ética do que é a pessoa em seu sentido mais profundo, em sua essência, isto é, é o sujeito de direito em sua racionalidade e com o seu conteúdo de ser-de-desejo. Se tratarmos a dignidade no campo da moral, continuaremos a repetir a história de exclusões feitas pelo Direito de Família. Uma concepção moral da dignidade da pessoa humana certamente retiraria a guarda de uma criança do cônjuge culpado, contrariando o princípio do melhor interesse da criança/adolescente; um juízo moralista negaria pensão alimentícia a um cônjuge culpado ao passo que o juízo ético destitui a ideia de culpa; um juízo moral proibiria ou restringiria a convivência familiar dos filhos com uma mãe prostituta, enquanto o juízo ético desvincula a conduta moral sexual do exercício das funções maternas e paternas; um juízo moral dará preponderância aos laços biológicos e desconsiderará o que é a verdadeira paternidade/maternidade; um juízo moralista tratará as parceiras homossexuais como sociedade de fato para não considerá-la uma entidade familiar, ainda que isto 66 custe não distribuir um direito justo. Enfim, o juízo moral não duvida entre o justo e o legal e escolheremos sempre a letra fria da lei, ao passo que o juízo ético não duvida em escolher o justo.
Voltando-se à problemática da responsabilidade alimentar e aos deveres pré-estabelecidos pelo legislador, entende-se que o moralismo é o principal retentor às raízes da letra fria da norma, nem sempre justa, necessitando a ética, ser manipulada pela justiça, a fim de obter-se decisões ponderadas, quando dos elementos fundamentais das relações familiares.
6. A MULHER E A RELAÇÃO DE PODER SOBRE O PATRIMÔNIO
De início é notório que a diferença entre os cônjuges vai muito além de suas representações biológicas. A história, a cultura, a ética e as relações sociais de um modo geral trataram de reconhecer as definições de cada um em cada período.
A descontinuidade na igualdade inicia-se na forma em que são distribuídas as tarefas, por exemplo, segundo Szymanski (2014) a família está constrita em uma fonte que inclui o mito do "dom" materno para educar crianças, destinando assim, às mulheres, a grande carga de responsabilidade desta missão.
Ademais, além deste papel vinculado à educação dos filhos no âmbito doméstico, Poeschl (2016) em um dos estudos abordados em sua pesquisa, levou-se em consideração que a tomada de decisão se dividia entre posições específicas de domínio. As decisões relacionadas à manutenção de atividades domésticas como cuidados com a educação dos filhos ficavam a cargo das mulheres, já os maridos assumiam o domínio inerentes ao lazer e finanças. Estas representações, segundo o autor, são exposições e recortes do poder de decisão entre casais inseridos em uma mesma geração.
Assim, Poeschl (2016), segundo esta compreensão, nota-se que os recursos em suas variadas formas, seja patrimônio, reconhecimento profissional ou formação acadêmica, são diretamente ligados à capacidade na tomada de decisão. Dessa forma, o poderio da classe feminina para igualdade na autoridade das decisões entre gêneros, inicia apenas a partir da década de 70 com a crescente caminhada das mulheres ao mercado profissional.
Isto posto, historicamente, preceitua o advogado especialista em Direito de Família, Rodrigo Cunha Pereira, a justificativa do pensionamento do ex-cônjuge ou companheiro do sexo feminino, está no enredo de que a mulher foi, e muitas vezes continua sendo, a parte economicamente mais frágil, vez que ela muitas vezes pautou a vida no suporte doméstico para educação e criação dos filhos, impossibilitando qualquer aprimoramento no ramo trabalhista competitivo, sendo até mesmo uma das formas de denegrir o trabalho doméstico (PEREIRA, 2018).
Em uma sociedade robustamente patriarcal, o valor é diretamente ligado à força de trabalhos que possa produzir bens e consequentemente auferir renda. Ou seja, na dicotomia família e economia, este último sai ganhando. Assim, o valor atribuído ao trabalho doméstico sempre foi deficiente. Todavia, mesmo que se delegue este trabalho à empregados domésticos, a gestão, zelo e energia ali despendida em pró de filhos com saúde depende da dedicação maior de um dos pais, mesmo que esta função tenha posição de inferioridade ao que trabalha fora do lar (PEREIRA, 2018).
Concomitante, em um mundo multidisciplinar, o ilustre criador da técnica de Comunicação Não Violenta, a fim de demonstrar os pesadelos de não expressar sentimentos e necessidades, consegue internalizar essa relação de poder quando as mulheres negam seu direito legítimo de cuidar de interesses que vão além do ambiente doméstico, buscando explicar que:
Num mundo onde somos frequentemente julgados severamente por identificarmos e revelarmos nossas necessidades, fazer isso pode ser bastante assustador. As mulheres, em especial, estão sujeitas a críticas. Durante séculos, a imagem da mulher amorosa tem sido associada ao sacrifício e à negação de suas próprias necessidades, com o objetivo de cuidar dos outros. Devido ao fato de as mulheres serem socialmente ensinadas a considerar o cuidado com os outros como sua maior obrigação, elas muitas vezes aprenderam a ignorar as próprias necessidades. (ROSENBERG, 2006, p. 88)
Neste passo, entende-se que a sociedade impõe uma divisão de tarefas que durante muito tempo, com resquícios, foi responsável pelo mantimento da mulher no meio doméstico impossibilitando-a de criar condições de vida adequadas à independência fora da relação de poder estabelecida antes da dissolução conjugal.
7. DA POSSIBILIDADE E IMPORTÂNCIA DOS ALIMENTOS FRENTE À PREVISÃO DA CULPA E VANTAGEM DA UNIÃO ESTÁVEL
Inicialmente, vale destacar como funciona as engrenagens da fixação de alimentos. Silva Pereira (2018) consolidou além dos requisitos fortalecidos pelo biônimo possibilidade e necessidade, a proporcionalidade, reciprocidade, caracteres, impenhorabilidade, imprescindibilidade, inacessibilidade e irrepetibilidade.
Tratando-se dos dois primeiros, devido sua importância prática no mundo jurídico exteriorizado, tem-se que a necessidade está voltada à incapacidade, não importando qual seja ela, como o desemprego e a dificuldade de subsistência, salvo quando não enxergado alicerce na lei diante evidente imoderação de gastos.
Já a possibilidade está na situação em que se ampare determinado ente sem eminente desfalque ou prejuízo à própria subsistência, descartando o sacrifício para se manter uma posição social de outrem.
Salienta-se, conforme proeminente no enunciado 573 da VI Jornada de Direito Civil, além de realizar prova do binômio necessidade e capacidade (possibilidade) prevista no §1º do art. 1694 do Código Civil de 2002, a prova não está condicionada a simples demonstração de rendimentos, mas à riqueza avaliada ao modo público de vida do alimentante.
Destaca-se o Enunciado 573 da VI Jornada de Direito Civil do STJ, que determina que devem ser observados os sinais exteriores de riqueza na apuração da possibilidade do alimentante, nas hipóteses de ausência ou insuficiência de prova específica dos rendimentos reais do alimentante. A lógica é: os sinais exteriorizados do padrão de vida do devedor de alimentos revelam seu real poder aquisitivo, muitas vezes diverso da renda declarada. (Op. Cit. 2016, p. 502):
Ademais, antes de se realizar qualquer distinção ou cair na tentação de estigmar quem demanda alimentos, imprescindível interpretar que a Constituição não só estabeleceu que todos são iguais perante a lei, mas também que as obrigações e direitos dos homens e mulheres são equiparados (BRASIL, 1988. Art. 5.º, I). Em aliança, reafirmando a isonomia até mesmo no Direito de Família, a Carta Magna não deixou de reafirmar os direitos e deveres da sociedade conjugal previstos na legislação pátria (BRASIL, 1988. Art. 226 § 5.º)
Nesse seguimento, ao gerar deveres recíprocos aos membros da família, a solidariedade familiar é um dos principais alicerces de proteção social. Explica a doutrinadora da área que toda essa proteção voltada à família pode estar associada à possibilidade do Estado se safar:
Do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (BRASIL, 1988. Art. 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do princípio da solidariedade (BRASIL, 1988. Art. 229). O mesmo ocorre com o dever de amparo às pessoas idosas (BRASIL, 1988. Art. 230) – DIAS, 2016, p. 79.
SILVA PEREIRA (2018), concordando com a afirmação, discorre que o indivíduo com deficiência em se manter não é deixado à própria sorte, tendo a sociedade, órgãos públicos e o Poder Público em geral o dever de promover a assistência social, no entanto o direito não afastaria a vinculação do próprio organismo familiar como principal fonte de ajuda a parente, pessoa civilmente ligada e necessitados, dependendo não somente da generosidade, mas do interesse processual.
No âmbito do casamento, esta mesma tentativa está consagrada no princípio da comunhão e obrigação alimentar dos artigos 1.511 e 1.694 do Código Civil de 2002.
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Assim, Dias (2016), conclui que os integrantes da família são, em regra, reciprocamente credores e devedores de alimentos. A imposição de tal obrigação entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar.
Ocorre que, a partir da fenda que divide a paz e a felicidade conjugal, na dissolução, em algumas situações, homem e mulher travam embate prejudicial que tende ao desamparo e a busca de um culpado, tendo o judiciário em determinadas oportunidades, com resquícios da ação de perquirir culpa, em parte abolido pela já citada Emenda Constitucional nº 66, aceitado restringir os alimentos à subsistência conforme regra de exceção do parágrafo único do art. 1.704 ou §2º do art. 1.694 do Código Civil de 2002, sendo a diferença substancial e quantitativa.
Assim, segundo Dias (2016), em referência a obra de Maria Antonieta Pisano Motta, além dos fatos e dos relatos, as separações acarretam perdas emocionais, lutos afetivos pela morte de um projeto a dois, pelo fim dos sonhos acalentados e não realizados.
Apesar do incólume no ordenamento jurídico estar apenas na definição da culpa quanto à fixação de alimentos, existe ainda uma diferenciação do tratamento entre cônjuge casado e união estável, amplamente denunciada pela doutrina:
Em vez de os alimentos garantirem a mantença da condição de vida do ex-cônjuge, podem ser fixados em montante a permitir-lhe exclusivamente o atendimento do mínimo vital. Porém, quando a origem do encargo alimentar decorre de um relacionamento estável, não há dita limitação. O convivente, ao acionar o ex-companheiro, não está sujeito a questionamentos sobre sua eventual culpa pelo fim da união. Exclusivamente o cônjuge estaria sujeito ao risco de sofrer o achatamento do valor dos alimentos e os ver limitados a assegurar somente sua sobrevivência. Na união estável, como nada é perquirido a respeito da postura dos conviventes, os alimentos sempre seriam fixados de forma a permitir que o ex-parceiro viva de modo compatível com a condição social que usufruía durante a vida em comum. (DIAS, 2010, p. 4).
No mesmo sentido, independentemente de reconhecer os deveres explícitos e implícitos na lei civil da união estável, retroagindo a culpa apenas aos conjugues, há doutrinador que estabelece uma vantagem entre ex-companheiro(a), não enxergando nenhum óbice quanto à petição de alimentos entre companheiros da união estável independente do ato de constrangimento por dar causa ao fim do relacionamento:
[...] não deve ser considerada a culpa na união estável, porque o art. 1.704 do Código Civil de 2002 só cogita de sua repercussão entre os cônjuges, não sendo lícito, portanto, restringir direitos quando a culpa do § 2º do art. 1.694 do Código Civil não corresponde à causa da ruptura. (SILVA PEREIRA, 2018, p. 542)
Desse modo, sopesado os interesses econômicos com as necessidades e capacidades trazidas pelo §1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002, e outros requisitos calcados, verifica-se que a doutrina delata o afastamento da eficiência excetuada art. 1.704 e §2º do art. 1.694 do Código Civil de 2002 para os companheiros em desvinculação à união estável, sendo na visão moderna, uma imperfeição a ser superada.
8. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS, PENSÃO ALIMENTÍCIA COMUM E RESPONSABILIDADE CIVIL
Considerando que na dissolução conjugal emerge-se desequilíbrios, há de se considerar o tempo de duração de cada convivência conjugal antes da fixação de alimentos, em maior parte, provisórios, especialmente voltada à aplicação ou não do art. 1704 do Código Civil de 2002 sob preceitos constitucionais mais relevantes.
O desfazimento de um casamento ou união estável, especialmente aqueles que se prolongaram no tempo, e tiveram uma história de cumplicidade e cooperação, não pode significar desequilíbrio no modo e padrão de vida pós-divórcio e pós-dissolução da união estável. As normas jurídicas que dão suporte e autorizam a pensão compensatória advêm dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, responsabilidade e dignidade humana. (PEREIRA, 2018).
Em síntese, os alimentos compensatórios são diferentes do alimento comum, uma vez que esses devem fidelidade a sua natureza reparatória e compensatória, diferente desta que é eminentemente assistencial. O art. 924 do Código Civil de 2002, designa que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo assim, o fundamento dos alimentos compensatórios objetivam reequilibrar desvantagens e desigualdades socioeconômicas instaladas em razão do fim da conjugalidade.
A pensão alimentícia compensatória se difere da pensão alimentícia comum, em razão da sua natureza reparatória e compensatória de diferenças que vão além da natureza assistencial da pensão alimentícia comum. O seu fundamento e a sua natureza é a de reparar o desequilíbrio econômico entre os ex-cônjuges, ou ex-companheiros, para que se dissolvam as desvantagens e desigualdades socioeconômicas instaladas em razão do fim da conjugalidade, não podendo nesta espécie prever a subjetividade da culpa, mas tão somente a responsabilidade civil contratual proveniente do casamento ou união estável, extinguindo-se apenas com a morte ou queda relevante da possibilidade ou fato superveniente à análise da necessidade que influem em realidades isonômicas, ou (PEREIRA, 2018).
A ideia dos alimentos compensatórias é progressivamente criada pela doutrina instituindo que o ex-cônjuge ou ex-companheiro, face a sua capacidade econômica, é apontado para manter o equilíbrio da condição social do outro. Pode perdurar até que o impacto do divórcio seja superado. Na prática, pode ocorrer quando um dos pares não mear bens, por característica inerente ao regime de bens, ou acordo, bem como na conjetura em que os rendimentos dos bens continuam a ser administrados apenas por um deles (PEREIRA, 2018).
Em contrapartida, a advogada e também especialista, Silva (2018), adota o pensamento de que, em verdade, a culpa garantiria apenas o indispensável à sobrevivência estipulada por uma cesta básica, com fundamento nos descumprimentos dos deveres conjugais, tendo diferentes formas de sanções civil, como a própria reparação por danos morais do art. 186 e a perda do sobrenome conjugal do art. 1.578, ambos do Código Civil de 2002.
Assim, a advogada, Silva (2018) considera que a sociedade conjugal não passa de uma relação jurídica que em sua constituição gerador de deveres e condutas a serem seguidas, o descumprimento, independentemente da motivação subjetiva, acarreta sanções civis, como, pertinente ao objeto, à perda da pensão alimentícia previamente fixadas.
Em síntese, a posição tradicional de Silva (2018), é incapaz de negar a eventualidade da decretação de culpa na dissolução do casamento, posto que teria projeções diretas a eficácia das normas de conduta, passando a serem meras recomendações, seja por meio dos então deveres de fidelidade, respeito à integridade física e moral do cônjuge bem como a mútua assistência imaterial e material inscrita no art. 1.566 do Código Civil de 2002.
Demonstrado o impacto no mundo jurídico que a definição da culpa causa, Monteiro e Silva (2018), consideram que há entendimentos jurisprudências e doutrinários diuturnamente tentando eliminar a culpa do ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, estes fundamentos seriam equivocados pois contaminam a sua finalidade no direito pelo entrave da responsabilidade civil recepcionada pela culpa e inobservância ao livre arbítrio de uma norma de conduta da ciência do direito.
Com isso, o instituto dos alimentos compensatórios visa tão somente um reequilíbrio da condição social frente ao que se perdera com a previsão da culpa e limites à subsistência já tratados, não podendo restar prejudicada a visão de que, por outro lado, existe a responsabilidade civil diante os infringimentos dos deveres conjugais na forma de possível compensação por danos morais.
9. A JURISPRUDÊNCIA E A MANUTENÇÃO DA CULPA
Em recente julgamento da apelação 0303856-50.2014.8.24.0005 pela 4ª Câmara de Direito Civil do TJSC, julgamento em 18/05/2018, restou clara a intenção do juízo através do voto do relator em dificultar e superar a culpa no conhecimento da obrigação alimentar.
Em consulta pública ao TJSC, motivada pela divulgação do acordão pelo banco de jurisprudências do Jusbrasil, no caso concreto da lide processual citada no parágrafo anterior, o apelante, esposo, insurgiu-se contra decisão de 1ª instância afim de combater as verbas alimentícias fixadas à esposa, alegando descumprimento dos arts. 1.702 e 1.704 do Código Civil de 2002. Nesta feita, em análise de mérito, o voto do relator Rodolfo Tridapalli no qual negou acolhimento do recurso de apelação de nº 0303856-50.2014.8.24.0005, acordado por unanimidade em acordão proferido pela 4ª Câmara de Direito Civil, com julgamento em 18/05/2018, fez a seguinte ressalva:
Independentemente das teses infirmadas, uma vez que não houve revogação dos arts 1702 e 1704 do Código Civil, os quais permanecem vigentes, aprecio a tese de culpa pelo rompimento da união conjugal, formulada pelo Apelante, e delimito a análise de tal matéria no que concerne a fixação de verba alimentícia entre cônjuges, uma vez que o caso não envolve insurgência contra a declaração judicial de divórcio, mas sim, sobre a obrigação alimentar.
Pois bem. Alega, o Apelante, culpa do cônjuge virago, ora Apelada pela separação e divórcio das partes, tudo com fito de buscar a exoneração dos alimentos judicialmente fixados na sentença a ser revisada. Razão não lhe assiste. Sem delongas, o conjunto probatório evidencia, de forma satisfatória que o fim do matrimônio realizado entre as partes se deu em razão de sérias agressões físicas e verbais perpetuadas pelo Requerido, ora Recorrente, contra a requerente, ora Recorrida.
Diante tal cenário, conclui-se pela existência de grandes evidências de que, na realidade, a culpa pelo término do matrimônio recai sobre o cônjuge varão, ora Recorrente, o qual não poderá valer-se da previsão contida no art. 1704 do Código Civil de 20002, para eximir-se da obrigação alimentar determinada na sentença. Assim, superada a discussão acerca da culpa pelo divórcio, tem-se que os fundamentos para a extinção ou minoração da pensão alimentícia em análise devem pautar-se no deve familiar de mútua assistência, bem como na conhecida proporcionalidade do binômio necessidade/possibilidade, de acordo com os recursos da pessoa obrigada.
Em que pesem os argumentos lançados pelo Apelante, tenho que não há condições de, no contexto dos autos, reverter-se o decisório. Isso ocorre porque as partes constituíram matrimônio no ano de 1976 (fl. 44), vindo a separar-se no ano de 2014, de modo que o cônjuge virago possui atualmente 61 anos de idade, tendo convivido maritalmente por 38 anos sem exercer atividade remunerada, dedicando-se totalmente À família, de modo que sequer realizou contribuição social para aposentadoria. Somado a isso adquiriu problemas de saúde, mas especificamente na coluna (fls. 1417). Dessa forma, é notório que diante da idade avançada e da saúde debilitada, a Apelada não detém condições de adentrar no mercado de trabalho. (TJSC, 2018, on-line).
Observa-se que, apesar de excluir a análise da culpa na decretação do divórcio, o que já é de comum acordo pela doutrina e pelos tribunais, e de não ter conhecido a culpa da esposa, mas sim o contrário, do marido, ora apelante, que tentou afastar a obrigação alimentar, a culpa foi analisada e não simplesmente afastada de plano como se esperava por progressistas doutrinários.
De toda forma, conforme, verifica-se que a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e outros efeitos práticos da dedicação exclusiva ao lar, mostrou-se principal base investigação do Direito impendentemente da análise da culpa expressamente atribuída ao parágrafo único do art. 1.704 ou §2º do art. 1.694 do Código Civil de 2002. Vertendo essa realidade, averigue o acordão proferido na apelação Cível nº. 0307322-50.2014.8.24.0038, de Joinville, com relatoria do Desembargador Raulino Jacó Bruning da 1ª Câmara de Direito Civil, com julgamento em 25 de janeiro de 2018:
Apelação cível. Ação de divórcio e alimentos. Sentença de procedência que fixou em 11,25% dos rendimentos do obrigado do encargo alimentar devido pelo réu à virago. 1. Recurso da demandante. 1.1 verba alimentar entre ex-cônjuges. Dever de mútua assistência. Exegese dos artigos 1.694 e 1.695 do código civil. 1.2 partes idosas que contam 62 e 63 anos de idade e foram casadas pelo período de 28 anos. Requerente que, durante o relacionamento dedicou-se aos cuidados do lar e da família composta por marido, esposa e 4 filhas. 1.3 réu revel aposentado e que exerce atividade de caminhoneiro. 1.4 autora que atualmente faz serviços informas de costura e vendas de balas e obtêm rendimento mensal médio de R$ 400,00. Estado de necessidade da pretendente ao encargo comprovado. 1.5 valor equivalente a 15% dos ganhos percebidos pelo varão que melhor se adequa às peculiaridades dos casos. 2. Recurso conhecido e parcialmente provido. "É fato incontroverso que os alimentos entre os esposos é direito cada vez mais escasso nas demandas judiciais especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos conjugues e gêneros sexuais, reservada a pensão alimentícia para casos pontuais de real necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco de oportunidades de trabalho [...]" (ROSA, Corado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 4194020. (TJSC, 2018, on-line).
Em continuidade, permeou na imprensa nacional, no ano de 2019, que o STJ teria criado tese oposta à manutenção da pensão alimentícia ao cônjuge infiel no Agravo em Recurso Especial n. 1.269.166 – SP, corrigindo o silêncio da lei em definir as hipóteses de indignidade do art. 1708, parágrafo único, do Código Civil, fazendo constar a infidelidade.
Ocorre que, com um olhar apurado, a Corte Superior sequer analisou o mérito do caso concreto, proferindo decisão monocrática, por meio da Ministra Relatora, apenas no sentido de vetar processamento do Recurso Especial com fundamento na incongruência da possibilidade de reexame de provas (Súmula 7 do STJ) e pela ausência do dissídio jurisprudencial, mantendo incólume o acórdão originário do TJSP. Perceba a decisão proferida pela relatora e ministra Maria Isabel Gallotti:
Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso especial interposto em face de acórdão assim ementado:
‘Indignidade. Cônjuge. Infidelidade Virtual. Comprovação. Cessação da Obrigação Alimentar. Procedência do Pedido. Litispendência. Pressuposto Processual Negativo. Correlação com ação de separação judicial. Impossibilidade. Ausência de identidade entre os elementos identificadores da ação. Efeitos diversos. Extinção afastada. Julgamento do mérito, nos termos do art. 515, § 3°, do CPC. Indignidade. Cônjuge. Reconhecimento. Infidelidade virtual comprovada nos autos. A ré manteve relacionamento afetivo com outro homem durante o casamento. Troca de mensagens eletrônicas de cunho amoroso e sentimental. Caracterização de infidelidade, ainda que virtual. Ofensa à dignidade do autor. A infidelidade ofende a dignidade do outro cônjuge porquanto o comportamento do infiel provoca a ruptura do elo firmado entre o casal ao tempo do início do compromisso, rompendo o vínculo de confiança e de segurança estabelecido pela relação afetiva. A infidelidade ofende diretamente a honra subjetiva do cônjuge e as consequências se perpetuam no tempo, porquanto os sentimentos negativos que povoam a mente do inocente não desaparecem com o término da relação conjugal. Tampouco se pode olvidar que a infidelidade conjugal causa ofensa à honra objetiva do inocente, que passa a ter sua vida social marcada pela mácula que lhe foi imposta pelo outro consorte. Mesmo que não se entenda que houve infidelidade, a grave conduta indevida da ré em relação ao seu cônjuge demonstrou inequívoca ofensa aos deveres do casamento e à indignidade marital do autor. Indignidade reconhecida. Cessação da obrigação alimentar declarada. Procedência do pedido. Recurso provido.’
(...)
O dissídio jurisprudencial, a seu turno, não foi comprovado. A agravante junta ementa do julgado colacionado como paradigma, mas não indica nenhuma circunstância a fim de demonstrar a semelhança do caso com o acórdão recorrido. Ausente o necessário cotejo analítico, não há que se falar em divergência. Em face do exposto, nego provimento ao agravo. (STJ, 2019, on-line).
Destaca-se que muitos doutrinadores são completamente contrários ao conceito de traduzir a infidelidade como procedimento indigno. Segundo parte da doutrina o conceito de indignidade que o legislador buscou punir o credor de alimentos no art. 1.708, parágrafo único:
deve ser buscado nas causas que dão ensejo ou à revogação da doação (CC 557) ou à declaração de indignidade do herdeiro para afastar o direito à herança (CC 1.814). A postura indigna tanto impede a concessão dos alimentos como serve de justificativa para pleitear a exoneração. (DIAS, (2016, p. 1019).
Assim, como a indignidade previstas nos institutos da doação e da herança são relacionadas à violência, calúnia e homicídio, bem como o STJ não analisou o mérito da matéria, não resta pacífica a cessação da pensão alimentícia pela infidelidade tomada como causadora da dissolução.
Por conseguinte, nota-se que o embate jurídico está distante de uma conclusão segura, uma vez que o achatamento da pensão ou, em outras palavras, perda de parte do que seria devido pela decretação da culpa, continua sendo eminente. De toda forma, com alguns dos julgados em questão, acredita-se que a magistratura tenta ao máximo se aproximar do que se denomina por justiça, uma vez que casos pontuais de necessidade não são desassistidos por completo.
10. CONCLUSÃO
Grosso modo, ao perdurar na legislação ordinária a possibilidade de imputação de culpa atrelada à limitação ou cessação de alimentos a ex-cônjuges, nota-se um verdadeiro arcabouço de possibilidades e angústias, ainda com técnica de resolução timidamente criada pela jurisprudência ou doutrina.
Concluiu-se que apesar da aparência da Emenda Constitucional nº. 66/2010, facilitar o divórcio sem análise da culpa, rigorosamente, percebe-se a cumulatividade do pleito da dissolução com a opção da discussão da culpa nas ações envolvendo obrigação alimentar, martelando assim o martírio, em maior parte, carregado pela mulher, à finalidade da divisão entre alimentos civis e naturais, sendo esse a regra e este condição de exclusão aos padrões convencionais e justos.
Dessa forma, é indispensável que haja uma consolidação das ideias que expurguem a análise da culpa também na obrigação de alimentos, fortalecendo a doutrina do Estado Mínimo e garantindo a segurança jurídica da regra geral, ou que se crie dispositivos claros, sem lacunas, para evitar punição em casos concretos em que haja outros elementos a serem analisados, como a própria culpa recíproca, a inversão, responsabilidade pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, simples desvencilho morais de deveres matrimoniais e indignidade com os rígidos critérios da doação e outros.
11. REFERÊNCIAS
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[1] Doutor em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins, atuante nas disciplinas de Direito de Família, Direito de Sucessões, Orientação de TCC I e II, Direito de Contratos, Direito das Coisas e Responsabilidade Civil. Advogado militante no Estado do Tocantins desde 1997. E-mail: [email protected].
Técnico em Administração pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Estudante de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins. Auxiliar jurídico no escritório Ohofugi, Azevedo, Venâncio, Bonilha e Advogados Associados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, GUSTAVO FRANCO ANDRADE. Os efeitos da culpa na responsabilidade alimentar em face da dissolução do vínculo conjugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2020, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55425/os-efeitos-da-culpa-na-responsabilidade-alimentar-em-face-da-dissoluo-do-vnculo-conjugal. Acesso em: 23 dez 2024.
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