Resumo: O artigo se propõe a identificar os impactos advindos da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) no que tange as jornadas de trabalho e, consequentemente, quais foram os reflexos destas modificações na saúde, segurança e direitos dos empregados. Será questionado se a Reforma Trabalhista precarizou as flexibilizações dos direitos trabalhistas ou se beneficiou as partes que integram a relação de trabalho.
Palavras-chaves: Reforma Trabalhista. Jornada de Trabalho. Flexibilização. Princípios Constitucionais.
Abstract: The article intends to identify the impacts resulting from Law No. 13.467/2017 (Labor Reform) not involving working days and, consequently, what were the consequences of these changes in health, insurance and two direct employees. It will be questioned whether the Labor Reform is precarious as the flexibilization of two leading workers or of the parties that make up the benefit of the employment relationship.
Keywords: Labor Reform. Work day. Flexibilization. Constitutional principles.
Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos históricos do Direito do Trabalho. 2.1 Aspectos históricos da luta pela limitação da jornada de trabalho. 3 Princípios Constitucionais do Direito do Trabalho que são inerentes à saúde, bem-estar e segurança do trabalhador. 4 Das inconstitucionalidades da Reforma Trabalhista – Lei nº 13. 467/2017 no que tange a jornada de trabalho. 4.1 O artigo 611-B instituído pela Lei nº 13.467/2017 e a desconsideração à saúde, higiene e segurança do trabalhador. 4.2 A nova composição da jornada de Trabalho. 4.2.1 O artigo 58 da CLT e suas alterações em razão do tempo à disposição. 4.2.2 Alteração na duração da jornada de trabalho. 4.2.3 Supressão de direitos trabalhistas no que tange o intervalo intrajornada. 5 Conclusão. 6 Referências Bibliográficas.
Em nosso País, a flexibilização da jornada de trabalho tem amparo constitucional e infraconstitucional, ganhando, recentemente, maior ascensão com os novos dispositivos da CLT advindos da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que possibilitou estabelecer variadas jornadas de trabalho aos empregados.
As modificações advindas da nova legislação trabalhista culminaram em uma maior autonomia do empregador, vez que poderá ajustar a duração do trabalho e intervalo dos seus empregados de acordo com sua conveniência ou necessidade, o que por sua vez, acabou resultando em prejuízos a classe trabalhadora.
Essas novas regras demonstram clara afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, da vedação ao retrocesso social, bem como a diversos artigos da Constituição Federal da República de 1988 que protegem a saúde, o bem-estar e a segurança do trabalhador.
Neste diapasão, o presente artigo tem por objetivo demonstrar como o excesso de tempo de trabalho decorrente das extensas jornadas praticadas pelos trabalhadores é uma das causas do surgimento dos infortúnios laborais.
Além disso, será abordado como a nova legislação trabalhista, Lei nº 13.467/2017, possibilitou a flexibilização das normas que dizem respeito à jornada de trabalho e, por consequência, resultou na supressão de direitos ocasionados por estas modificações. Neste passo, torna-se necessária uma análise sobre a evolução histórica da normatização da jornada de trabalho, para que se possa compreender a relação entre as normas postas e a devida proteção à saúde do trabalhador.
Será, ainda, indagado neste artigo se a jornada de trabalho pode ou não ser realmente flexibilizada através dos acordos coletivos pactuados entre empregado/sindicato e empregador e quais são os seus limites, para que não haja abusos, prejuízo à classe e a violação a dignidade do trabalhador.
De início observa-se que a jornada de trabalho ocupa uma posição de centralidade na normatização do Direito do Trabalho. É possível aferir que o tempo de trabalho ou mais precisamente sua limitação estabelecida na legislação é parte inseparável e intrínseco deste ramo especial do Direito.
Por isso, em pleno século XXI e mesmo após a Reforma Trabalhista, a jornada de trabalho e suas limitações sempre serão temas centrais que viabilizam a ascensão capitalista.
Logo, torna-se necessária a realização de uma abordagem sobre a normatização da jornada de trabalho, para compreender as relações entre a legislação e suas evoluções e a devida proteção à saúde do trabalhador. Ademais, será ponderado o que a Lei nº 13.467/2017 possibilitou face a flexibilização desta jornada de trabalho.
As limitações às jornadas de trabalho surgiram no século XIX. Antes, não havia previsão ou qualquer regulamentação em relação ao tempo gasto para o exercício laboral, mas sim, tão somente, o incontrolável e o excesso de trabalho realizado por homens, mulheres e crianças.
O ápice da Revolução Industrial, embora tenha causado um enorme progresso na econômica mundial, acabou culminando em um aumento intensivo e extensivo da jornada de trabalho nos ambientes industriais.[1]
Neste período houve a incorporação das mulheres e crianças no ambiente de trabalho, sendo que a inexistência de critérios em relação à idade, performance ou condições, as expôs a uma precarização das condições de trabalho com jornadas exaustivas e uma produção a todo custo. Nota-se que esta parte histórica é marcada por dois contrapontos: o primeiro que refletia o progresso do capitalismo e o outro o reflexo da depreciação da condição humana.
Diante deste cenário se iniciaram as revoluções coordenadas pela classe trabalhadora para lutar em prol da diminuição da jornada e por melhores condições de trabalho.
As primeiras revoluções iniciadas pelos trabalhadores se deram a partir das violentas greves, que ocorriam em sua maioria nas indústrias têxteis da Europa. O período e o resultado das reivindicações são bem descritos por José Antônio R. de Oliveira Silva em sua obra:
Com efeito, violentas greves ocorridas na Grã Bretanha, de 1833 a 1847, que resultaram na aprovação, pelo Parlamento, da lei das 10 horas, pela qual se havia lutado tanto tempo. A Lei de 1847 foi a primeira lei geral limitadora da jornada de trabalho, fixada em 10 horas diárias para as industrias têxteis da Grã Bretanha.
Depois dessa conquista, os operários ingleses passaram a lutar pela fixação da jornada em oito horas diárias (...) Essa luta se intensificou a partir de 1866, na Grã Bretanha e nos estados Unidos, com a constituição da “Associação Internacional dos Trabalhadores”- conhecida como a Primeira Internacional. E em 1º de maio de 1886 se realizou uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, com a finalidade de reivindicar a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias, dando início a greve geral dos EUA. (SILVA, 2013, p.183)
Deste modo, percebe-se que o Direito do Trabalho ganhou status como um direito social ligado à dignidade da pessoa humana. E foi justamente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos do século XIX que o Direito do Trabalho começou a ganhar forças. Trata-se do momento em que o homem começou a se preocupar com a dignidade da pessoa humana, surgindo assim, as primeiras ideias de justiça social.
Nota-se que a luta histórica pela redução da jornada tem acompanhado a própria trajetória do Direito do Trabalho. Verifica-se que durante longos períodos não existiram limites específicos e universais para determinar as jornadas de trabalho, sendo necessárias grandes reivindicações, para a busca da preservação dos primeiros direitos dos trabalhadores.
Anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, os sindicatos começaram a se mobilizar para fidelizarem normas de proteção ao trabalhador. Logo, em meados de 1916, organizados por representantes de organizações sindicais, houve a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sendo este o marco na proteção dos direitos dos trabalhadores em nível internacional.
Assim, finalmente, a OIT, na primeira reunião da Conferência Internacional do Trabalho, formulou a Convenção número 1, que delimitou uma jornada máxima de oito horas diárias e quarenta e oito horas semanais, fazendo restrições expressas ao trabalho extraordinário.
Já no Brasil, só é possível começar a se falar em Direito do Trabalho no período após 1888, com a promulgação da Lei Áurea e a extinção da escravatura, eis que antes disso não havia qualquer direito à classe trabalhadora.
No período de 1888 a 1930, houve um movimento operário ainda desorganizado e algumas manifestações autônomas e de negociação privadas esparsas, não centralizadas e de baixa ascensão se comparadas com as reivindicações europeias. Já no período de 1930 a 1945, houve um intervencionismo estatal forte que viabilizou a regulamentação das condições do trabalho.
O Brasil teve sua ascensão com a Revolução de 1930 liderada por Getúlio Vargas que, inspirado na experiência italiana, buscou construir instrumentos de dominação política de forma a organizar as forças econômicas, sociais e políticas em todo o Estado.
O jurista Márcio Túlio Viana pontua que o Brasil demorou para avançar e perpetuar o Direito do Trabalho e suas benesses:
O fato é que o Brasil se libertou da escravidão muito tarde, viveu preso ao campo muito tempo ainda, por isso não viveu as mesmas experiências dos trabalhadores europeus. E o nosso Direito do Trabalho demorou mais tempo para nascer. O parto, de certo modo, começou nos anos 30. (VIANA, 2013, p.49).
Não obstante, em 1988, no Brasil, o Direito do Trabalho adquiriu o status de direito fundamental, constitucionalmente positivado, tomando caráter mais democrático na administração dos conflitos sociais.
Os preceitos constitucionais demonstraram a preocupação com a valorização do trabalho e o seu status de direito fundamental imprescindível à dignificação da pessoa humana.
Nas palavras de Lívia Mendes Moreira Miraglia:
“Nesse contexto, o Direito do Trabalho consolida-se como o principal instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana, ao possibilitar a inclusão efetiva do indivíduo-trabalhador na sociedade capitalista. Cabe lembrar que a atividade estatal deve ser pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o ser humano é o “centro convergente de direitos” de todo o ordenamento jurídico e a dignidade constitui o substrato mínimo a ser assegurado a todos igualmente” (MIRAGLIA, 2009, p.149).
Portanto, esses princípios constitucionais demonstram a preocupação do poder constituinte de 1988 com a humanização do trabalho e o impedimento ao retrocesso, para que a classe trabalhadora jamais voltasse a sofrer as mazelas ocasionadas pelo capitalismo e o liberalismo econômico desenfreado.
Nota-se que o texto constitucional se preocupou com o impacto do labor na saúde e na vida do trabalhador, fazendo com que os novos empregados não fossem submetidos a jornadas exaustivas e colocassem a prova a sua própria dignidade, como ocorreu no passado na sociedade europeia. E foi dentro deste contexto que, em 1943, foi publicada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), reunindo as diversas normas trabalhistas então existentes.
Portanto, ao longo do desenvolvimento das primeiras leis brasileiras sobre a duração do trabalho, apenas com o advento da Constituição de 1988 houve a estipulação da jornada de trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação das jornadas por convenção ou acordo coletivo.
Como restou demonstrado, foram períodos de luta, reivindicações e intervenções contra os sistemas depreciadores da saúde humana do empregado, para que hoje pudéssemos obter uma legislação trabalhista com vasto respaldo à saúde e à proteção do trabalhador.
Deste modo, é questionável a existência de um suposto retrocesso a esta legislação, no que tange a Reforma Trabalhista. A nova legislação acabou por desconstituir todo o contexto histórico/social, bem como o confronto com os princípios e normas constitucionais que são protetoras aos direitos humanos dos trabalhadores.
Como destacado, a Constituição Federal de 1988 traz alguns princípios constitucionais do Direito do Trabalho que foram, inclusive, ignorados pelo legislador quando se instituiu a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, vez que modificou-se expressamente os artigos 58, 59, 71, §4º e 611-B da CLT, que tratavam acerca dos princípios da dignidade da pessoa humana, da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na vida jurídica, da valorização do trabalho e do emprego, do bem-estar individual e social, da igualdade e vedação do retrocesso social.
Nas palavras do ilustre Maurício Godinho Delgado:
“A Constituição da República Federativa do Brasil se caracteriza por uma matriz essencialmente humanística, democrática, social e inclusiva, buscando arquitetar, no País, um verdadeiro Estado Democrático de Direito, caracterizado por três pilares estruturantes: a centralidade da pessoa humana na ordem jurídica, social e econômica, com a sua dignidade; a presença de uma sociedade política efetivamente democrática e inclusiva; a presença também de uma sociedade civil igualmente democrática e inclusiva.” (DELGADO, 2017, p.137)
Em linhas gerais, a Constituição da República de 1988 traz em seu art. 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana. O referido princípio está atrelado ao Direito do Trabalho, pois garante ao empregado o direito à saúde e segurança, evitando que abusos possam ser ocasionados pela extenuante jornada de trabalho, pela falta de intervalo intrajornada, pela eventual supressão de direito, pelo rigor excessivo ou até mesmo por maus tratos e/ou circunstâncias que o trabalhador esteja sujeito a passar no ambiente de trabalho.
O princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na vida jurídica está implícito na Constituição Federal de 1988. Este princípio tem como pilar o direito a proteção do homem, pois visa a valorização da pessoa humana em detrimento ao desenvolvimento econômico. Portanto, com essa base, o legislador não poderia priorizar o desenvolvimento econômico do Brasil, suprimindo qualquer direito trabalhista. Todavia, não foi o que ocorreu quando da criação da nova CLT.
A Reforma Trabalhista acabou por desvalorizar este princípio constitucional e descartou a centralidade da pessoa humana e sua proteção. Isso porque, quando a nova legislação trabalhista proporcionou a flexibilização dos direitos com o objetivo de desenvolver a economia do país, houve uma inversão de valores, inserindo assim, o desenvolvimento econômico no centro das relações empregatícias.
Já o princípio da valorização do trabalho e do emprego está estampado na Constituição de 1988, no art. 1º, inciso VI. Com este princípio o legislador concede ao Estado o poder de intervir no mercado a fim de garantir a efetiva valorização do trabalho.
O doutrinador Alessandro da Silva retrata a essência deste princípio:
O trabalho sempre foi um elemento importante de definição das civilizações, já que determina a organização social das comunidades, sua cultura, seus costumes e suas ideias, de modo a criar instrumentos materiais de usos característicos. Em todas as investidas humanas faz-se presente a capacidade do trabalho humano, o que pode ser notado considerando-se desde o esforço pela conquista da terra e da civilização até a busca de melhores condições de vida. Não é por outra razão que, no prólogo da sua obra intitulada “A condição humana”, Hannah Arendt relata que o homem encheu seu coração quando olhou para os céus para contemplar uma de suas obras. Mas, o aspecto mais interessante dessa observação é a interpretação deste evento feita por Arendt, que o considerou como o primeiro passo dado pelo homem para a libertação humana de sua prisão na terra. A autora, assim, mostra o quanto os homens estão à frente da técnica, afirmando que a ciência apenas realizou aquilo que os humanos já haviam antecipado em sonhos. (SILVA, 2007, p.141)
O princípio do bem-estar individual e social consiste na proteção oferecida pelo Estado, na forma de padrões mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação e educação assegurados a todos os cidadãos. O princípio não traduz mero assistencialismo, mas traduz a participação ativa do Estado nos problemas e questões sociais, bem como intervenções econômicas, a fim de combater desemprego, inflação e promover a melhora na qualidade de vida de modo geral.
Ademais, a Constituição Federal de 1988, no art. 5º, caput, assegura o direito à igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza, sendo que, por exemplo, o inciso XXX do art. 7º da Carta Magna assegura proteção de salário igual, afirmando que é proibida a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil. Assim, o direito de qualquer trabalhador de ser tratado sem discriminação é irrenunciável, tendo em vista a finalidade objetivada pelo Constituinte de preservar a igualdade de tratamento dos cidadãos, sem preconceitos injustificados.
Por fim, em relação ao princípio da vedação do retrocesso social, nota-se a preocupação do constituinte em valorizar o trabalhador, ou seja, o princípio garante que o legislador infraconstitucional não crie normas que possam retroceder os direitos trabalhistas já conquistados. Tal preceito dispõe que os direitos fundamentais, uma vez garantidos, não podem ser alterados para piorar a situação ou para deixar de proteger e promover.
Além do mais, tal comando está relacionado com o princípio da segurança jurídica, pois as leis não podem ser retrocessivas, isto é, retroceder a uma situação anterior que é socialmente desfavorável à dignidade da pessoa humana.
Entretanto, mais uma vez, verifica-se que a nova legislação trabalhista também fere este respectivo princípio, pois trouxe mudanças que maculam os direitos do trabalhador em face dos direitos já conquistado ao longo de anos.
Destaca-se, por sua vez, que a Reforma Trabalhista, embora tenha sido justificada como sendo a única alternativa plausível diante da crise econômica do Brasil, a fim de viabilizar novos empregos e agitar a economia do país, acabou impulsionando a precarização e flexibilização dos direitos trabalhistas fundamentais, tais como os princípios destacados acima.
Deste modo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe de direitos fundamentais e sociais do trabalhador, que possuem força vinculante e normativa e que deverão ser prevalecidas. Estas normas e princípios não poderão ser simplesmente desconstituídas, face a existência de uma legislação infraconstitucional, que sequer considerou as premissas básicas das relações de emprego estipuladas no ordenamento jurídico máximo. Se isso permanecer e prevalecer, resultará sérios prejuízos e reflexos à saúde, bem-estar e segurança da classe trabalhadora.
Diante dos apontamentos trazidos acima, referentes à história do Direito do Trabalho e dos princípios constitucionais que o regem, passamos agora pela nova interpretação dada à legislação trabalhista, em razão dos dispositivos da Lei nº 13.467/2017, intitulada como Reforma Trabalhista.
Como já destacado, esta legislação ocasionou a supressão de alguns direitos trabalhistas que possuíam respaldo constitucional, o que por sua vez acarreta na discussão da constitucionalidade ou não da lei infraconstitucional.
Antes de se adentrar à análise das inconstitucionalidades da Reforma Trabalhista, é preciso entender o contexto que levou a sua criação. A Lei nº 13.467/2017, de 13 de julho de 2017, foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro com a falácia dos governantes de ser uma proposta para melhoria das condições de empregabilidade e controle da crise financeira do país.
A Reforma Trabalhista apresenta viés claramente flexibilizador e supressor de direitos trabalhistas. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:
No plano do Direito Individual do Trabalho, as inovações eliminaram, desregulamentaram ou flexibilizaram diversas parcelas trabalhistas, de maneira a diminuir, significativamente o valor do trabalho na economia e na sociedade e, em decorrência, o custo trabalhista para o poder econômico. Embora se fale, eufemisticamente, em simplificação, desburocratização, racionalização e modernização, além da busca de maior segurança jurídica no contexto da relação empregatícia, o fato é: as inovações, em sua vasta maioria, debilitam, direta ou indiretamente, os direitos e garantias trabalhistas, exacerbam os poderes contratuais do empregador na relação de emprego e diminuem, acentuadamente, os custos da contratação do trabalho humano pelo poder econômico. (DELGADO; 2017, p. 120-121)
Assim, nos tópicos abaixo será possível fazer uma análise de alguns dispositivos da Reforma Trabalhista que confrontam as normas e princípios garantidores de direitos humanos do trabalhador, principalmente no que tange aos artigos que alteraram, expressivamente, a jornada de trabalho dos empregados.
Ademais, é necessário ressaltar acerca dos reflexos e os resultados dessas alterações na legislação trabalhista face ao dia-a-dia do trabalhador.
Como já apontado, concluiu-se que um dos direitos trabalhistas fundamentais ao homem são: garantia da igualdade, liberdade, dignidade e vida. Diante deste cenário, um dos dispositivos que é alvo do questionamento de constitucionalidade é o parágrafo único do artigo 611-B da CLT que traduz:
“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
(...)
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. ”
O artigo 611-B, caput, aponta, taxativamente, as matérias cuja negociação coletiva não pode dispor, caso contrário, o negócio jurídico coletivo que infringir a regra será considerado nulo. Entretanto, há outros direitos que também são considerados indisponíveis ou que são considerados ilícitos e que não constam nos incisos. Por isso, a expressão “exclusivamente” do caput foi empregada de forma equivocada, pois o rol estabelecido no artigo, deveria ser meramente exemplificativo.
O grande abuso do artigo está no parágrafo único, pois ele exclui regras sobre duração do trabalho e intervalos, da classificação de normas inerentes à saúde, higiene e segurança do trabalhador. Desta forma, qualquer norma que trate de duração de trabalho ou descanso do trabalhador não terá o condão protetivo, conforme estipulado na Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, o trabalhador está agora, a mercê da boa vontade dos sindicatos e de seu empregador, pois qualquer regra que venha aumentar sua carga horária e diminuir seus intervalos, não poderão ser questionados por força do parágrafo único do art. 611-B da CLT.
O posicionamento de Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado é:
Entretanto, na direção antiética ao padrão constitucional prevalecente e ao princípio da adequação setorial negociada, apresenta-se o parágrafo único do art. 611-B. De fato, esse preceito normativo intenta autorizar ampla margem de negociação coletiva no tocante a regras sobre duração do trabalho e também sobre os intervalos trabalhistas, ao fundamento de não as identificar como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Ora, o parágrafo único do art. 611-B promove alargamento extremado dos poderes da negociação coletiva trabalhista, em particular no que toca à sua nova prerrogativa de deteriorar as condições contratuais e ambientais de trabalho. Se prevalecer a interpretação meramente gramatical e literalista desse dispositivo - ao invés de ser ele decantado pelos métodos científicos de interpretação do Direito -, a nova regra legal irá se apresentar como inusitado veículo de desconstrução direta e/ou indireta do arcabouço normativo constitucional e infraconstitucional de proteção à saúde e segurança do trabalhador no âmbito das relações trabalhistas (DELGADO; DELGADO, 2017, p.135).
Logo, não há dúvida de que a aprovação desse dispositivo implicará imediato reconhecimento de sua inconstitucionalidade, pois a doutrina constitucional reconhece a necessidade de que a legislação derivada respeite seus limites mínimos. Deste modo, verifica-se que o dispositivo fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na vida jurídica, da valorização do trabalho e do emprego, do bem-estar individual e social, da igualdade e da vedação do retrocesso social, eis que confronta toda a estrutura constitucional de proteção ao trabalhador, sendo, essas novas regras, uma afronta aos direitos trabalhistas já conquistados.
4.2 A nova composição da jornada de trabalho
Garantindo a aplicabilidade do parágrafo único do art. 611-B conforme mencionado acima, o legislador inseriu na Reforma Trabalhista alguns dispositivos responsáveis por diminuir ou até aniquilar direitos trabalhistas concernentes à jornada de trabalho.
Tais dispositivos alteraram as regras contidas nos arts. 58, 59, e 71, § 4º da CLT para a jornada de trabalho contratual no que tangem o tempo à disposição do empregador, o regime de horas e os períodos de descanso. Para melhor elucidação, necessário que se trace algumas considerações sobre os artigos supramencionados e as inconstitucionalidades da referida lei.
O artigo 58 da antiga CLT (Decreto lei n.º 5.452/1943) foi alterado em seu § 2º e foi revogado o § 3º do respectivo artigo, por força da Lei 13.467/2017. O dispositivo se refere as denominadas horas in itinere.
Vejamos o que retrata o novo artigo:
“Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
(...)
§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. ”
Nota-se que a atual redação do referido artigo foi inspirada pela jurisprudência que interpretava extensivamente o art. 4º da CLT e que estava retratada nas súmulas 90 e 320 do TST.
A nova legislação trabalhista desconsidera o tempo gasto pelo empregado no transporte casa/trabalho/casa, independente do fornecimento de condução pelo empregador e do local que se situa a empresa.
Ora, ao excluir da legislação a previsão expressa de pagamento ao empregado em razão do seu deslocamento, é nítido que o legislador buscou tornar menos dispendiosa a iniciativa da empresa de fornecer transporte seguro e de qualidade para os seus empregados.
Todavia, é importante ressaltar que o risco da atividade econômica é do empregador, conforme prevê o artigo 2º, caput, da CLT e, assim, é pertinente tal despesa para que os empregados tenham acesso ao local de trabalho escolhido exclusivamente pela empresa, com segurança e dignidade.
Para Sílvio Beltramelli Neto a exclusão do pagamento das horas in itinere representa um prejuízo para os trabalhadores. Senão vejamos:
A partir da aprovação de tais disposições, trabalhadores urbanos e rurais que se deslocarem por longas distâncias para acessarem ao local de trabalho não terão direito à consideração como jornada o tempo despendido com esse deslocamento (muitas vezes, de horas, como é o caso dos canavieiros), ao passo em que, de fato terão parte de seu dia comprometido exclusivamente em razão da atividade laboral, com inequívoco favorecimento à estafa do trabalhador (BELTRAMELLI NETO, 2017, p.187-188).
Assim, é notório que o texto legal traz a percepção de que se não houver a concessão do transporte pelo empregador, não haverá a obrigação ao pagamento de horas in itinere, o que culminará no expressivo aumento da jornada do trabalhador e isso implicaria no retrocesso social e supressão de direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores.
Em contrapartida, se houver a concessão deste transporte pelo empregador, sem acarretar dispêndio econômico, nota-se que corresponderá em uma “falsa vantagem”, pois a desobrigação do pagamento já é uma forma de economia para o empregador, que está prorrogando as horas de trabalho do seu empregado, até que o funcionário efetivamente chegue ao posto de trabalho, para iniciar e computar as horas de labor.[2]
Indaga-se: qual seria a vantagem ao empregador em relação ao fornecimento desse transporte? Garantir apenas o conforto ou simplesmente não fornecer o transporte aos seus empregados e apenas minimizar mais custos operacionais?
Em tempos de crises econômicas, as quais o país sofre, o intuito das grandes empresas será sempre de minimizar gastos e ter a sua base operacional funcionando ativamente e a todo custo. Este é o reflexo do capitalismo.
Ademais, critica-se a nova legislação trabalhista, pois o Estado, como interlocutor desta norma, não poderia desestimular o empregador em fornecer melhores condições de trabalho aos seus empregados, uma vez que existem princípios que regem as relações de emprego e que deverão ser pelo menos observados.
A supressão das horas in itinere, por exemplo, tem por objetivo a retirada de um benefício que não pode ser mensurado pelo empregador. Ora, muitos empregados têm esta benesse como uma alternativa e forma de viabilizar uma melhor qualidade e segurança no deslocamento até o trabalho, em função da ausência de condições de infraestrutura que são provocadas pelas próprias dificuldades do Estado.
Portanto, pelo exposto, é necessário refletir se a redução de direitos trabalhistas, se resume: em não conceder transporte privado e digno ao trabalhador, suprimindo as horas in itinere ou manter válidos os princípios trabalhistas da proteção, do não retrocesso social e do trabalho.
É inequívoco que o lucro empresarial não poderá ser a qualquer custo, sob pena de se retornar a um sistema social de escravidão da classe operária. É importante haver e prevalecer as contrapartidas e garantias mínimas aos trabalhadores.
Dito isso, complementando sobre as alterações da lei nº 13.467/2017, o art. 4º, caput, também traz situações em que a atividade do empregado não será mais contabilizada como tempo à disposição do empregador.
Senão vejamos o dispositivo abaixo:
“Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
(...)
2º Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:
VI - atividades de relacionamento social;
VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.”
Sobre esta nova proposta trazida pela legislação trabalhista, alertam Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:
Ou seja, a eliminação das horas in itinere do ordenamento jurídico não afeta, entretanto, o conceito de tempo à disposição no meio ambiente de trabalho do empregador, e, por consequência, de duração do trabalho. Embora a má redação do novo texto do 2º do art. 58 da CLT eventualmente induza à compreensão de que a jornada de trabalho somente se inicia no instante em que o trabalhador concretiza a efetiva ocupação do posto de trabalho dentro do estabelecimento empresarial, tal interpretação gramatical e literal conduziria ao absurdo – não podendo, desse modo, prevalecer (DELGADO; DELGADO, 2017, p.138).
Desta forma, o art. 4º da referida lei, delimita a interpretação do art. 58, § 2º, mas não exclui a possibilidade de aplicação, tendo em vista a análise do caso concreto e a discricionariedade do magistrado.
Ademais, no que concerne ao tema é irrelevante a alegação de que inexistiu a prestação de serviço neste período que antecede ou sucede a jornada de trabalho, pois o entendimento majoritário dos desembargadores e juristas é que o empregado, a partir do momento em que ingressa nas dependências da empresa, já passa a se submeter ao poder hierárquico e diretivo do seu empregador, bem como de sofrer os efeitos do regulamento empresário.
É de se observar que esta norma corresponde a uma proteção ao empregador contra eventuais condutas do empregado quando este não estiver, de fato, à disposição do patrão.
Logo, pontua-se que tal mudança também acarreta insegurança jurídica e abre possibilidades de violação direta aos direitos e garantias do trabalhador.
Analisa-se agora as alterações ao artigo 59, §§ 2º, 5º e 6º inseridos pela Reforma Trabalhista, no que tange as alterações da duração da jornada de trabalho.
Tais dispositivos descrevem que:
Art. 59 A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
(...)
§2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
(...)
§ 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.
§ 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.
Primeiramente, a jornada de trabalho tem natureza estritamente individual e deve compor o campo dos direitos individuais disponíveis, naquilo que ela estabelece como forma de preservação de duração máxima do horário de trabalho, respeitando o disposto no artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal.
Observa-se que a mudança na legislação trouxe a possibilidade de pactuação do regime de banco de horas e compensação da jornada por acordo individual, inclusive permitindo o acordo tácito ou escrito, para a compensação da jornada no mesmo mês em que o trabalhador tiver excedido sua jornada contratual.
O que chama atenção nestes dispositivos trazidos pela Reforma Trabalhista é o abandono ao trabalhador. Isso porque, é sabido que um trabalhador nunca terá condições de negociar livremente com seu empregador, tendo em vista a sua hipossuficiência face a força econômica do patrão. Portanto, o empregado sempre ficará à mercê do que for imposto pelo seu empregador.
É absurdo, ainda, o texto do § 2º do citado artigo, ao dizer que o acréscimo de salário poderá ser dispensado quando o excesso de horas em um dia, for compensado pela diminuição em outro dia, se houver previsão em convenção coletiva.
Essa previsão não afasta a insegurança jurídica face a força econômica do empregador. O dispositivo abre margem para que uma certa classe de empresários pactue com seus empregados que em um mês que ele precise aumentar sua produção os trabalhadores terão sua jornada de trabalho aumentada e não receberão pelas horas extras prestadas, quando em um outro mês, quando a produção não precise ser acrescida, o empregado será “compensado” pela diminuição de sua jornada de trabalho.
Essas mudanças são inconstitucionais na medida que a Constituição da República de 1988 estabelece que a jornada de trabalho contratual não poderá ultrapassar as 44 horas semanais (art. 7º, XII da CF/88), sendo facultada a compensação de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo que o que ultrapassar será pago ao empregado como hora extraordinária, acrescida de, no mínimo, 50% da hora normal (art.7º, XVI, da CF/88).
Ora, o §2º prevê a necessidade de convenção coletiva para que ocorra a compensação de horas naqueles termos, o que não exclui a insegurança jurídica e a validade deste acordo coletivo pactuado.
Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado discorrem sobre o assunto:
A interpretação literalista desse novo preceito, entretanto, conduziria à deflagração de profunda insegurança jurídica para o trabalhador no contexto da relação de emprego, pois além de exacerbar o poder unilateral do empregador nessa relação já fortemente assimétrica. A interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do referido dispositivo da CLT, a par da incidência, na hipótese, do fundamental princípio constitucional da proporcionalidade e da razoabilidade, deve conduzir, equilibradamente, à compreensão no sentido da necessidade, pelo menos, da pactuação bilateral escrita para a validade do mencionado regime compensatório clássico. O art. 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o art. 7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho (DELGADO; DELGADO, 2017, p.149).
Desta forma, conclui-se que, mesmo com a previsão de Convenção Coletiva para a utilização dos novos dispositivos da CLT, não é garantida a proteção aos direitos trabalhistas. Como destacado neste tópico, a pactuação face a jornada de trabalho, cria condições para prevalência do mercado na determinação da relação de emprego, submetendo os indivíduos ao minimalismo, vez que o mercado é promotor de desigualdades e não de igualdade, como supostamente propõem a Reforma Trabalhista.
Deste modo, na ausência de proteção social como imputado pela nova lei, consagra-se a prevalência do mais forte, o que expõe os trabalhadores a uma série de riscos e inseguranças.
Complementando ainda as alterações da Reforma Trabalhista, nota-se que o §4º do art. 71 da CLT, passou a ter a seguinte redação:
§4º A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.
Estamos diante de mais um dos absurdos da nova legislação trabalhista, que fez o legislador retirar o caráter salarial da verba paga a título de compensação de intervalo intrajornada.
No texto anterior à Reforma, o intervalo não concedido ao empregado deveria ser pago integralmente. Agora, o empregador só terá que pagar o período suprimido, em clara afronta à preceito constitucional.
Nesse sentido, Sílvio Beltramelli Neto, dispõem sobre a supressão de um dos direitos que regulamentavam e garantia o direito à saúde e segurança do trabalhador:
O §4º do art. 71 também foi alvo da reforma, mediante alteração que mitiga os efeitos sancionatórios da não fruição integral do intervalo intrajornada, antes estabelecidos com a remuneração do período correspondente com um acréscimo de no mínimo cinquenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, padrão sensivelmente reduzido para “o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de cinquenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho”, facilitando a burla do direito constitucional de intervalo para alimentação e descanso do trabalhador (BELTRAMELLI NETO, 2017, p. 190)
Nota-se que essa alteração da Reforma Trabalhista trouxe átona uma discussão que já estava sumulada pelo Tribunal Superior do Trabalho. A súmula 437 do TST trazia o entendimento dominante de que a cláusula de negociação coletiva que suprimisse ou reduzisse o intervalo intrajornada seria inválida, pois tratava-se de uma medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública e, portanto, impossível ser regulamentado por negociação coletiva.
Inclusive, esse posicionamento era partilhado por grande parte da doutrina, já que as normas que regulamentam segurança e medicina do trabalho constituem-se imperativos de proteção do hipossuficiente, sendo incabível a sua disposição pela vontade das partes, competindo ao próprio “legislador tutelar o trabalhador, impedindo-o de concordar com redução desse intervalo, em detrimento de sua própria segurança e saúde[3]
As novas regras que disciplinam o intervalo intrajornada são “bastante extremadas, parecendo enfocar, essencialmente, um único aspecto do assunto: o custo trabalhista para o empregador relativamente ao desrespeito ao intervalo intrajornada legalmente estipulado.”[4] Nota-se, portanto, que o empregador conseguirá suprimir ou até extinguir o intervalo intrajornada de seus empregados sem que tal exclusão lhe acarrete maiores danos, pois ele terá que pagar somente o valor da hora trabalhada à título de indenização, sem ser necessário o pagamento de qualquer reflexo em verba trabalhista e rescisória.
Contrariando a preocupação com a saúde do trabalhador prevista na Constituição Federal de 1988, a Reforma Trabalhista desrespeita expressamente o princípio da dignidade humana, quando altera a proposta do artigo 71 da CLT, que rompe com o caráter uno do instituto das horas extraordinárias, tornando possível a concessão parcial dos intervalos intrajornadas.
O retrocesso é evidente, com notório desrespeito aos princípios constitucionais da vedação de retrocesso e ao da aplicação da regra mais favorável. O fundamento usado para justificar a alteração destacada acima é meramente quantitativo, subtraindo o direito à saúde e desrespeitando à condição humana do trabalhador.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo buscou demonstrar a inconstitucionalidade dos novos dispositivos da CLT, inseridos pela Reforma Trabalhista, que flexibilizam as regras sobre a jornada de trabalho contratual, pois ferem princípios e normas constitucionalmente protegidos, ocasionando enorme prejuízo à classe trabalhadora.
Diante desta análise, foi possível demonstrar que os artigos da CLT, trazidos pela Reforma Trabalhista, estão na contramão dos ditames constitucionais e principiológicos. Tais normativas precisam ser analisadas de forma completa e controlada pelos magistrados, para que não sejam aplicados desordenadamente sob pena de inconstitucionalidade e prejuízos ao trabalhador.
Além disto, viu-se que a falácia do atual governo sobre a flexibilização de direitos trabalhistas em prol do desenvolvimento econômico do país só prejudicou a classe trabalhadora, que vem sofrendo com as medidas tomadas pelos legisladores.
Portanto, a atual proposta de desmonte de direitos trabalhistas imputado pela Reforma, Lei nº 13.467/2017 é uma forma de desestruturar a vida social e de promover condições que favorecem somente um ator na sociedade, qual seja, os empregadores.
Desta forma, os trabalhadores estarão submetidos às inseguranças do mercado e à precarização do trabalho, além de serem inibidos de perspectivas futuras, tais como aposentadoria e o desenvolvimento na trajetória profissional.
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[1] SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. A flexibilização da jornada de trabalho e a violação do direito à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, fev. 2013. p.183
[2] BATISTA, Geovane de Assis. Hora extraordinária noturna in itinere. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho. Ano VI, Nº 8, jan. 2017.
[3] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. ed. 7. São Paulo: LTr, 2011. p. 539.
[4] DELGADO, Maurício Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 134.
Cursando Direito na Faculdade Una. Gestor de Relações do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Leonardo Andrade. As flexibilizações da jornada de trabalho na Reforma Trabalhista e seus desdobramentos para o trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2020, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55441/as-flexibilizaes-da-jornada-de-trabalho-na-reforma-trabalhista-e-seus-desdobramentos-para-o-trabalhador. Acesso em: 23 dez 2024.
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