RESUMO: Esse trabalho pretende analisar os aspectos constitucionais a respeito da prova ilícita derivada da interceptação telefônica, uma vez que esse meio probatório tem sido utilizado amplamente nos processos investigatórios, e esta ferramenta de obtenção de prova entra no limite das garantias individuais de privacidade e sigilo não devendo ser banalizada ou tratada como qualquer outro tipo de meio de prova. Fazendo com que sejam observados os indícios para que seja autorizada a Interceptação em casos necessários, como diz em seu inciso segundo da Lei de Interceptação Telefônica, que se puder ser feita por outros meios disponíveis, que não seja usada a interceptação. O legislador constituinte aprovou a Interceptação Telefônica na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual foi regulamentada posteriormente, com a Lei n. 9.296/1996, o que gerou ao estado maior poder de combate contra o crime organizado, assim tendo maior controle da segurança pública.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptação. Telefônica. Prova.
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca analisar admissibilidade das provas obtidas por meio de interceptação telefônica. A constituição Federal garante a inviolabilidade das comunicações telefônicas, porém, abriu precedentes para a possibilidade da violação nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal; assim veio a lei n. 9.296/96, a fim de regulamentar a matéria. Desse modo surgem divergências em relação a admissibilidade que deferiu tal medida não alcançar essas situações novas.
Esse artigo pretende abordar esses entendimentos divergentes, procurando analisar a medida razoável e adequada a ser tomada e que não invada o direito a inviolabilidade das comunicações.
Será estudada a inviolabilidade das comunicações telefônicas estabelecidas no texto constitucional. Após, serão analisadas as diferenças entre os meios de captação das conversas, regulamentados pela lei n. 9.296/96 e quais não poderão ingressar no processo por constituir um meio de prova ilícito. Além disso, serão abordados quais os requisitos e o procedimento que essa interceptação deve seguir para ter validade enquanto prova lícita.
Desta forma, será abordada os entendimentos diferentes, procurando estabelecer em quais situações a medida deve ser considerada válida e quando não deverá ser admitida por caracterizar prova ilícita.
1 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
A Constituição Federal protege, no artigo 5º, inciso XII, os direitos fundamentais da intimidade e da vida privada. Porém, na parte final do dispositivo, há ressalva no sentido de que as comunicações telefônicas podem ser violadas, mediante ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, na forma estabelecida na legislação infraconstitucional.
O inciso referido foi regulamentado pela Lei n ͦ 9.296/96, que estabeleceu ser cabível a interceptação telefônica para a apuração dos crimes punidos com pena de reclusão, quando houver indícios suficientes de autoria e a prova não puder ser produzida por outros meios (art. 2 ͦ da Lei 9.296/1996).
Távora e Alencar (2018, p. 611-612) aduzem que a interceptação telefônica integra um conjunto de técnicas especiais de investigação, porque é instrumento probatório diferente dos considerados tradicionais, como as provas documental e testemunhal, figurando como uma estratégia probatória que é utilizada para apurar sobretudo crimes de maior gravidade.
Sobre o assunto, os citados juristas lecionam que: [...] caso a técnica especial seja invasiva, ou seja, intrusiva, com risco de afetar direitos fundamentais como a intimidade, haverá necessidade de aquilatar sua legalidade e, se o caso concreto exigir, intervenção por intermédio de decisão judicial, em face de cláusula de reserva jurisdicional que existe quanto a bem relacionado à vida privada do investigado (TÁVORA e ALENCAR, 2018, p. 611)
Importante destacar que a interceptação telefônica isoladamente não pode servir como prova em processo penal, pois não pode materializar a existência do delito capaz de fundamentar uma decisão condenatória. Tanto que o artigo 2° da Lei 9296/96 determina que ela não será admitida quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. A interceptação telefônica é meio para se chegar à prova do fato investigado (PARET A, 2003, artigo na Internet, vide referências bibliográficas).
José Afonso da Silva explica que a Constituição declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5°, X). São valores elevados à condição de direito individual, conexos ao direito à vida. Segundo o autor, é preferível utilizar a expressão direito à privacidade, em sentido genérico e amplo, de modo a englobar todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade. A esfera da inviolabilidade é ampla, abrangendo o modo de vida doméstico, relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos e as origens e planos futuros do indivíduo. Define privacidade como o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito. Define intimidade como a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais. Define vida privada como o direito de o indivíduo viver sua própria vida, pois o segredo da vida privada é condição de expansão da personalidade (SILVA, 2003, pp. 204-208).
Trata-se de garantia constitucional que visa assegurar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, que são meios de comunicação interindividual, formas de manifestação do pensamento de pessoa a pessoa, que entram no conceito mais amplo de liberdade de pensamento em geral (art. 5°, IV). Ao declarar que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, a Constituição está proibindo que se abram cartas e outras formas de correspondência escrita, se interrompa o seu curso e se interceptem telefonemas. Abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição preordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abusos. O objeto de tutela é dúplice: de um lado, a liberdade de manifestação de pensamento; de outro, o segredo como expressão do direito à intimidade (SILVA, J. A.; 2003, p. 436).
Pelo texto da norma comentada, a inviolabilidade da correspondência e dos dados é absoluta. Nem por ordem judicial poderia ser quebrada, já que a parte final do inciso sob comentário só autoriza a quebra judicial do sigilo das comunicações telefônicas. Assim, a contrario sensu, as demais inviolabilidades - incluindo-se a de dados - não podem ser quebradas nem por ordem judicial. (...) Se o Executivo quer quebrar o princípio constitucional da garantia do sigilo dos dados dos cidadãos, deve solicitar essa quebra ao Poder Judiciário, em obediência ao princípio da harmonia entre os poderes do Estado (NERY JÚNIOR. N.; NERY, R.; 2001, p. 19).
Durante anos houve a reivindicação de uma Lei que trouxesse ao ordenamento jurídico a autorização das interceptações telefônicas por quebra de sigilo das comunicações, mas não era aceita por violar aos direitos fundamentais, com a criação do inciso XII, do artigo 5º na Carta Magna, houve apenas a liberdade da quebra de sigilo em correspondências (LIMA, 2015).
Mesmo após autorização e alterações constitucionais para a criação da Lei 9.296, apenas oito anos depois entrou em vigor, ou seja, em 2004 a Lei foi autorizada para fins de investigação criminal, pois foi utilizado apenas como teste, vinculando ao Código Brasileiro das Telecomunicações, que já permitia anteriormente a Constituição, licito violar de ligação telefônica mediante requerimento e autorização judicial. (LIMA, 2015).
Após algumas alterações constitucionais e a criação da Lei específica da interceptação telefônica, foi possível adequar este meio de prova de forma que apesar de restringir a intimidade pessoal, invadisse a intimidade e privacidade do investigado de forma menos abrasiva, visando apenas a colheita de provas e o equilíbrio da justiça. Mesmo com a adaptação da Lei 9.296 de 1996 à Constituição Federal ainda há divergências e críticas com relação às garantias fundamentais e as lacunas na Lei que impossibilitam uma efetivação da garantia do sigilo pessoal. Recentemente nas investigações da operação Lava Jato, foram publicadas algumas conversas entre os investigados, não respeitando o sigilo das gravações, que somente deveriam ser expostos se houvesse a autorização dos investigados, vez que esta é meio exclusivo do poder judiciário e da polícia, ocorrendo um grande equívoco, pois a Lei sempre deve resguardar e privar a violação dos direitos e garantias fundamentais. Diante de tudo o que já foi elucidado fica claro que os meios tecnológicos tem gerado inovações, as novas ferramentas e novos meios de prova tem garantido uma efetivação na busca da verdade real dentro do processo brasileiro, sendo este o motivo de se aprimorar cada vez mais este meio de investigação. (MORAES, 2016).
Como se trata de medida excepcional, o legislador, ao permitir a quebra do sigilo, estabeleceu uma série de exigências. Assim, nessas interceptações, indispensável a observância das seguintes regras:
I) Devem ser realizadas por determinação exclusiva do Juiz da causa
para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, vedadas,
de conseguinte, em causas cíveis;
2) Podem ser determinadas de ofício, ou a requerimento da Autoridade Policial (na fase do inquérito);
3) Serão realizadas sob segredo de justiça;
4) Não serão permitidas quando ocorrer uma das seguintes hipóteses:
a) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
b) a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
c) o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com detenção;
5) Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com indicação e qualificação dos investigados;
6) O pedido deverá conter a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados;
7) Excepcionalmente, o pedido pode ser formulado verbalmente (reduzindo-
se a termo), desde que satisfeitos os pressupostos de admissibilidade;
8) O ato permissivo deverá ser fundamentado, sob pena de nulidade,
indicando também a forma de execução da diligência;
9) Esta deverá ser realizada no prazo de 15 dias, renovável por (qual
período, se comprovada a indispensabilidade desse meio de prova;
10) A diligência fica a cargo da autoridade policial, podendo o Ministério
Público acompanhá-Ia;
11) A autoridade policial poderá requisitar serviços técnicos especializados
às concessionárias de serviços públicos;
12) Realizada a diligência, seu resultado e eventuais transcrições serão
objeto de autos apartados e que serão apensados ao inquérito, antes do
relatório, ou ao processo, quando os autos forem conclusos ao Juiz para o
despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 e 538 do Código de
Processo Penal;
13) Será preservado o sigilo das diligências, gravações e transcrições
respectivas;
14) As gravações que não interessarem à prova serão inutilizadas, presente o órgão do Ministério Público. E para resguardar o direito à privacidade a lei estabeleceu no seu art. 10 constituir crime punido com 2 a 4 anos de reclusão e multa realizar interceptação, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei (TOURINHO FILHO, 1998, p. 233).
Dessa maneira, é importante que se crie consciência da obrigação do Estado de dominar na menor medida possível os direitos individuais da personalidade do investigado.
Afirma Salo de Carvalho que esses direitos da personalidade (dentre os quais destacaremos, a seguir, os relativos à privacidade e à intimidade) constituem verdadeira pedra de toque de um sistema democrático, criando um espaço de não intervenção estatal e estabelecendo importante indicador de legitimação (ou não) de determinado ato do Estado em face ao indivíduo. Mais do que isso: a observância do direito à personalidade nos aponta os graus de justiça e validade da estrutura jurídica infraconstitucional.
Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho advertem para a importância do rito probatório. Esse é um conjunto de regras previamente concebidas com o intuito de se constituir um instrumento de garantia ao indivíduo, um valor em si mesmo a ser observado. Essa forma moral, assim, impede que se busque a verdade a qualquer custo, devendo essa ser uma verdade processualmente válida, restringindo-se o poder de atuação do juiz para que não se avilte os direitos do acusado.
Afirma Antônio Tovo Loureiro que elas devem sempre ter como função principal resguardar as garantias do investigado. Dessa maneira, sua função é proteger o indivíduo e seus direitos e liberdades individuais.
A respeito dos direitos fundamentais do indivíduo, dois que se destacam quando o tema é a quebra de sigilo telefônico: os direitos à privacidade e à intimidade. Além do já mencionado inciso XII do artigo 5º da Constituição da República, que coloca como regra a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, podemos mecionar a outra disposição constitucional, presente no inciso X do mesmo artigo, que explicita esses dois direitos individuais, preceituando que são invioláveis a intimidade e a vida privada.
Geraldo Prado ensina que a Lei 9.296/96 não pode ser compreendida de maneira a suprimir excessivamente os direitos à intimidade, à privacidade e à inviolabilidade do sigilo telefônico. Da mesma forma, expressa Luiz Francisco Torquato Avolio que, bem antes do advento da referida lei, Ada Pellegrini Grinover já professava a necessidade de se regular e cercar a matéria de cautelas a fim de proteger esses direitos.
Nesse sentido, enfatiza Lenio Luiz Streck que a interceptação telefônica deve ser tida como absoluta exceção. Seu deferimento apenas pode se dar quando cumpridos todos os requisitos para tanto, sendo condição sine qua non para o deslinde do feito.
Portanto, é na intenção de proteger os direitos da personalidade e limitar a medida que os restringe que deve ser interpretada a Lei 9.296/96. A interferência na vida privada dos indivíduos apenas pode se dar de acordo com o estritamente previsto em lei, compatibilizando-se a produção de provas com os direitos fundamentais do acusado, tais como a privacidade e a intimidade.
Nesse seguimento, vale ressaltar a importância do devido processo legal, estatuído pela Constituição da República em seu artigo 5º, inciso LIV. Se o sigilo das comunicações telefônicas é a regra, o princípio do devido processo legal se coloca como garantidor de que as exceções a essa regra, bem como o procedimento legal a ser seguido, estejam previstos em lei. Lei essa que deve ser respeitada, legitimando a atuação do Estado na origem da prova, mormente quando relativa privacidade do indivíduo.
Dessa maneira, assentada está a necessidade de se respeitar os limites à medida de quebra de sigilo telefônico colocadas pela lei e pela Constituição da República, respeitando-se as garantias de nosso estado democrático de direito.
Qualquer prova obtida sem a observância dessas limitações à quebra de sigilo, há de ser reputada ilícita.
2 A INTERCEPTAÇÃO COMO ÚLTIMO MECANISMO PROBATÓRIO
O art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96, permite a realização de interceptações telefônicas apenas nas investigações criminais em que a prova não puder ser obtida por outros meios que estejam à disposição da polícia judiciaria. Dessa forma, a interceptação telefônica deve ser o último mecanismo probatório a ser utilizado durante a investigação criminal, ou seja, apenas depois de esgotados os demais procedimentos investigatórios disponíveis ou quando houver uma demonstração concreta no sentido de que outras formas de obtenção de provas são, de antemão, inócuas.
Dizer que a prova não pode ser feita por outros meios disponíveis quer significar, segundo Gomes e Maciel (2018, p. 107), que a interceptação telefônica, para ser deferida pelo magistrado, deve ser indispensável. Isso porque, dentre todas as alternativas probatórias à disposição, “deve o Poder Público escolher a menos gravosa, sobretudo quando diante de insidiosa ingerência na intimidade não só do suspeito, mas também de terceiros que com ele se comunicaram” (LIMA, 2016, p. 156). Destarte, tem-se que a interceptação telefônica deve ser usada como medida de ultimaratio (GOMES e MACIEL, 2018, p. 107).
Tendo em vista o caráter fundamental dos direitos envolvidos em matéria de captura das comunicações telefônicas, tais sejam, os direitos à intimidade e ao sigilo das comunicações, deve o juiz, ao analisar o caso concreto, valorar se realmente não há outros meios disponíveis para a produção da prova, de modo que somente quando a interceptação for conditio sine qua non para a investigação do fato é que deve ser admitida (GOMES e MACIEL, 2018, p. 108).
Vê-se que, mesmo sendo medida excepcional, a Constituição Federal preordenou regras estritas de garantias a serem seguidas no decorrer das investigações, para que a interceptação não seja usada de maneira abusiva ou banalizada. Fora das hipóteses excepcionais autorizadas no dispositivo constitucional, a legislação prevê sanção aplicável ao crime, de acordo com o artigo 10º da Lei n. 9.296/96 (SILVA, 2007, p. 438).
Em razão do dispositivo supracitado, outro aspecto também merece ser apreciado. Se a interceptação telefônica só pode ser autorizada quando for o último mecanismo para obtenção de provas, não pode ser deferido esse procedimento de investigação com base somente em denúncia anônima, ou seja, a polícia judiciária, ao receber uma insinuação apócrifa, não pode iniciar
as investigações com a imediata realização de escutas telefônicas.
3 O SIGILO DO PROCEDIMENTO E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Durante os atos de investigação, o procedimento referente às interceptações telefônicas deverá ser, conforme estabelece o art. 8º da Lei nº 9.296/96, sigiloso, razão pela qual os investigados e seus defensores não poderão tomar ciência acerca do andamento desse método investigativo. E é exatamente em virtude desse caráter sigiloso que o procedimento deve tramitar, segundo prevê expressamente a lei sob análise, em autos apartados, que só serão juntados ao inquérito policial imediatamente antes do relatório final do delegado de polícia (art. 8º, parágrafo único).
Dessa forma, no caso específico de interceptação telefônica, como se trata de diligência sigilosa e para que as investigações sejam exitosas no sentido de demonstrar a ocorrência de infrações penais e de apontar os seus prováveis autores, os advogados, mesmo que sejam constituídos pelos investigados, não poderão ter acesso aos autos do inquérito policial enquanto o procedimento estiver em andamento. A respeito do assunto, a própria Súmula Vinculante 14 do STF, que faculta ao advogado do investigado o acesso aos elementos de provas oriundos de diligências já realizadas pela polícia judiciária e formalizadas no inquérito policial, afasta a possibilidade de o defensor tomar ciência de atos investigativos que estão em andamento, sob pena de a própria investigação se tornar inócua, razão pela qual a Lei nº 9.296/96 assegura o sigilo, característica que é da própria essência da interceptação telefônica (LOPES, 2009).
Assim, nos casos de interceptações telefônicas, o contraditório será realizado posteriormente, na primeira oportunidade possível após a conclusão das investigações, o que normalmente acontece após o recebimento da denúncia, quando inicia o processo penal. Trata-se do chamado contraditório diferido ou postergado, em que se assegura ao imputado, após a gravação e a transcrição dos diálogos, os direitos de informação e de apresentar as suas contrarrazões (GRECO FILHO, 1996; FERNANDES,1996; e PITOMBO, 1996).
4 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A LAVA-JATO
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a ser investigado no ano de 2016 pelos crimes de corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro. A problemática se insere justamente em sua posição e atuação na exposição dos grampos telefônicos que envolvia o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff. No dia 16 de março o Brasil foi surpreendido com a divulgação pública e massivamente repetidas pela imprensa, de conversas realizadas entre Lula e a Presidente Dilma Rousseff, originados de uma medida de interceptação das comunicações telefônicas realizados no âmbito da Operação Lava jato, cujo sigilo foi afastado por decisão proferida pelo juiz Sérgio Moro, nos autos do processo no 5006205-98.2016.4.04.7000/PR.
Dilma Rousseff não era investigada pela operação Lava Jato e não tinha qualquer envolvimento com crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro. Ela exercia o cargo como 36ª Presidenta do Brasil.
Observa-se que Sérgio Moro não possuía competência para levantar o sigilo da gravação envolvendo a então Presidente Dilma, uma vez que ela possuía prerrogativa de foro por função. Dilma só poderia ser processada e julgada pela prática de crimes comuns perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea ‘’b’’, da Constituição Federal. Constando que os diálogos envolviam a então presidente Dilma, a única decisão cabível a Sérgio Moro seria enviar a gravação ao Supremo Tribunal Federal, que possuía competência para decidir o que fazer com essas provas (ConJur, 2016b, p. 1).
Como bem colocou o Ministro Teori Zavascki, há um direito fundamental que deve ser respeitado e foi ignorado pelo juiz: o direito ao sigilo das comunicações previsto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição. A Lei nº 9.296/96, regulamentou a interceptação telefônica na forma prevista na parte final do inciso XII do artigo 5º da Constituição e realizou a ponderação entre a publicidade dos atos processuais, a intimidade e o interesse social, a que se referiu o inciso LX do mesmo artigo. Nos artigos 1º, 8º e 10º da Lei de regência da interceptação telefônica, estão com clareza previstos o sigilo e a sua extensão às diligências, gravações e transcrições, bem como criminalizando sua violação.
Teori Zavascki afirma que Sérgio Moro decidiu ‘’sem nenhuma das cautelas exigidas em lei’’. Isso porque a Lei n. 9.296/1996 (Lei de Interceptações Telefônicas) veda expressamente a divulgação de conversas interceptadas e determina a inutilização das gravações que não interessem a investigação. (ConJur, 2016b, p. 1)
Como alerta Zaffaroni (2013) há um crescente advento do autoritarismo e do poder punitivo e admitir um tratamento diferenciado, como este em objeto, divulgando conversas sigilosas entre presidenta e ex-presidente em rede televisiva nacional, coloca em questão a própria dinâmica de limitações à liberdade de toda a população, dado que se pode fazer isso com uma presidenta, autoridade máxima do executivo, o que será da privacidade e intimidade da população quando se faz necessário a resolução da “[...] eficácia humanitária do poder punitivo que declara perseguir apenas a neutralização do risco da emergência do momento” (ZAFFARONI, 2007, p. 118).
5 TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA
Como foi dito por Cabral (2009, p. 1), “A teoria dos frutos da árvore envenenada foi criada e aperfeiçoada pela Suprema Corte Norte-Americana com o título the fruit of the poisonous tree, que entendia que as provas derivadas da ilícita também deveriam ser reputadas ilícitas”.
O nome dado para tal teoria pode ser entendido conforme a conceituação apresentada por Dezem, que afirma o seguinte: “as provas ilícitas acabam por contaminar todas as demais provas que dela sejam consequências”. (DEZEM, 2008, p. 134).
A teoria foi criada com o intuito de inibir a atividade policial ilegal e em violação as proteções constitucionais, e segundo ela, "a exemplo do que ocorre com uma árvore doente, que produz frutos também doentes, a prova obtida ilicitamente contamina os seus frutos, ou seja, as demais provas que tenham sido descobertas e produzidas apenas em decorrência das informações obtidas ilicitamente" (SOUZA, 2008, p. 41-42).
Vale lembrar, "a investigação e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de uma certa maneira, de acordo com um rito determinado, na observância de regras preestabelecidas" (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2009, p. 155).
A Constituição Brasileira de 1988 incluiu no artigo 5º, inciso LVI, a vedação da utilização no processo de provas ilícitas em geral: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 1988)
No Brasil, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada foi utilizada pela primeira vez em 18 de dezembro de 1986, quando o Supremo Tribunal Federal, contra o voto do relator, decidiu não apenas pelo desentranhamento das gravações clandestinas, mas também pelo trancamento do inquérito policial, por inexistência nos autos de elementos não viciados pela contaminação das provas obtidas ilicitamente no processo RTJ 122/47 (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2008, p. 167).
Com o advento da Constituição Brasileira de 1988, foi incluída no artigo 5º, inciso LVI, a vedação a utilização no processo de provas ilícitas em geral no processo. Todavia, vale ressaltar, que a Constituição Federal restou silente acerca das provas ilícitas por derivação, nem mesmo existia qualquer vedação a admissibilidade das provas derivadas das ilícitas em lei ordinária.
Apenas no ano de 2008, foi promulgada a Lei nº 11.690 que introduziu no Código de Processo Penal Brasileiro o artigo 157, a Teoria dos Frutos da Arvore Envenenada e suas mitigações:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. §1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado as partes acompanhar o incidente (BRASIL, 2008a).
Aury LOPES JUNIOR considera que toda prova ilícita e dela derivadas devem ser inadmissíveis e desconsideradas: [...] entendemos que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado, literalmente contaminando-os com a mesma intensidade. Dessa forma, devem ser desentranhados o ato originalmente viciado e todos os que dele derivem ou decorram, pois igualmente ilícita é a prova que deles se obteve (LOPES JUNIOR, 2014, p. 615).
No âmbito de um processo penal a atividade probatória exercida deve buscar a realização da justiça, fundada na maior aproximação possível da verdade ao mesmo tempo em que respeita os direitos fundamentais garantidos ao investigado. Neste sentido, não se pode admitir tudo e qualquer coisa em nome da busca da verdade. A sério, no regime jurídico-constitucional brasileiro toda atividade do Estado deve ser realizada em conformidade aos princípios e regras constitucionais que conferem direitos fundamentais aos indivíduos. (FREITAS, 2010)
A Constituição Federal de 1988 traz delimitações expressas à atividade persecutória estatal quando elege à condição de direitos fundamentais em seus artigos a intimidade, a inviolabilidade do domicílio, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações e inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Assim sendo há um limite à busca dos órgãos estatais por elementos que possibilitem a persecução penal, configurando verdadeiros limites éticos à atividade probatória. (FREITAS, 2010)
Portanto, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada declara inadmissíveis os meios probatórios que apesar de produzidos em momento posterior, acham-se afetados pela ilicitude da prova originária, que a eles se transmite por efeito do nexo de causalidade. Circunstância na qual novos dados probatórios são conhecidos pelo Poder Público apenas em razão de transgressão praticada anteriormente pelos agentes da persecução penal, em desrespeito à garantia constitucional a direitos fundamentais. (CARVALHO, 2016)
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto a proteção da vida e das ideias de igualdade, liberdade e justiça, tendo como princípio fundamental a dignidade humana. Anos mais tarde foi regulamentada a Lei n. 9.296/1996, Lei de Interceptação Telefônica, Lei está fundada no artigo 5º da Constituição Federal, explicita que, por ordem de juiz competente, caso haja indícios razoáveis de autoria e participação em infração penal, é permitida a interceptação telefônica, devendo ser observado seus requisitos de necessidade da prova.
A interceptação telefônica, não pode ser realizada se, não apresentar indícios da autoria ou de participação, ou ainda, se as provas não puderem serem obtidas através de outros meios de colheita de provas. Preenchido os requisitos previstos na lei, deve conter também a autorização judicial para a quebra de sigilo telefônico, mesmo quando não se tratar de interceptação telefônica propriamente dita.
Está previsto no texto da Constituição Federal, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem dos indivíduos, sendo estes direitos invioláveis. Sendo também, o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, nos termos do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
A interceptação telefônica é uma medida considerada invasiva e violadora da intimidade e vida privada, essas que são valores constitucionalmente garantidos, por tanto deve ser empregada somente em situações excepcionais, de acordo com as regras legais vigentes no sistema jurídico.
A interceptação tem sido um meio de prova de extrema importância no combate a corrupção e criminalidade, pois trata-se do meio probatório mais eficiente existente nos últimos tempos, em determinados crimes por este meio é comprovado a materialidade e autoria, mas quando utilizado de forma errada e quando não se obedece os requisitos da Constituição Federal e da Lei 9.296 fere direitos individuais a privacidade e o sigilo. A Lei de interceptação telefônica se tornou uma ferramenta de extrema importância como um meio de confirmar evidencias que por outros meios de provas não seriam possíveis.
Qualquer violação de sigilo, mínima que seja, deve obedecer ao que está disposto no texto constitucional. Assim como os demais direitos fundamentais, o direito á intimidade não é absoluto no qual nos deparamos com exceções presentes na respectiva Lei de interceptação telefônica. Em decorrência desta relativização, o magistrado deve sopesar nos casos em concreto se há o preenchimento dos requisitos expressos em lei para que seja deferido o uso da interceptação e analisar se não há outros meios para que seja feita a colheita de provas.
Após a Lei 9.296/96 entrar em vigor, confirmou-se a garantia constitucional a respeito da violação dos direitos fundamentais, levando em consideração o princípio da razoabilidade e da celeridade para que não sejam excedidos os prazos legais na investigação, assim buscando a justiça e a diminuição da criminalidade, sempre valorando a dignidade humana.
Diante do exposto, o artigo 157 do Código de Processo Penal fala sobre as inadmissibilidades, que são as provas ilícitas, as que violam as normas constitucionais ou legais, com isso citamos a Teoria do Fruto da Arvore envenenada, que é a admissibilidade da prova ilícita no processo penal.
A aplicação dessa teoria colabora para a concretização das previsões garantistas da Constituição Federal, mesmo que, ainda haja posicionamentos que se fundamentem na necessidade de equilíbrio entre os direitos individuais e os interesses da sociedade.
Conclui-se que a Teoria do Fruto da Arvore Envenenada é de grande importância para o processo, pois impede abusos que poderiam ser práticos pelos agentes estatais, garantido a liberdade e dignidade do indivíduo.
TELEPHONE INTERCEPTION AS MEANS OF PROOF
ABSTRACT
This work intends to analyze the constitutional aspects regarding the illicit evidence derived from the telephone interception, since this evidential means has been used extensively in the investigative processes, and this tool for obtaining evidence is within the limits of individual guarantees of privacy and secrecy. trivialized or treated like any other type of evidence. Making sure that the signs are observed so that Interception is authorized in necessary cases, as stated in its second paragraph of the Telephone Interception Law, which can be done by other available means, that interception is not used. The constituent legislator authorized Telephone Interception in the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil, which was regulated only years later, with Law no. 9,296 / 1996, which generated greater power to combat organized crime to the state, thus having greater control over public security.
KEYWORDS: Telephone; interception; Test.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduanda do 10º período do Curso de Direito. Centro Universitário CEUNI-FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ESTEVES, Hulda Dib Bastos. Interceptação telefônica como meio de prova Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55694/interceptao-telefnica-como-meio-de-prova. Acesso em: 23 dez 2024.
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