RESUMO: O presente artigo estudará uma das principais bandeiras levantada pela sociedade que está ligada a um dos bens jurídicos fundamentais básicos garantidos pela Constituição Federal de 1988 como: o direito da Dignidade da Pessoa Humana. Nesse sentido, ressalta-se o direito dos transexuais de serem equiparados a condição de mulher, para fins de aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2016) que mesmo sendo uma das melhores legislações do mundo jurídico no que se refere a combate a violência doméstica contra mulher, vem se mostrando imperfeita frente as novas denominações de gênero do ser humano que surgiram na sociedade com o passar dos tempos. O transexual que mesmo sem ter passado por procedimento de redesignação sexual e mudança de sexo no registro civil, e que se apresenta como mulher na sociedade, não deixando quaisquer dúvida sobre o sexo que institivamente seu corpo e mente adotaram para si e dessa forma se expressam, encontram obstáculos que apesar de socialmente já não existiram, nas delegacias e no judiciário ainda e são considerados tabus. Dessa forma, se torna evidente que o transexual encontra-se situação de desamparo jurídico e esquecido a margem da literalidade do termo mulher utilizado pelo legislador. Assim, diante de tal realidade, esse artigo pretende abordar pontos pertinentes sobre o tema, buscar doutrinas, jurisprudência, entendimentos de tribunais e conceitos bibliográficos que possam preencham tal lacuna deixada pelo legislador, como também fazer um alerta ao Estado Democrático de Direito sobre tal classe que vem sendo tão vítima de violência doméstica, familiar, física e moral quando a mulher biologicamente dita.
PALAVRAS-CHAVE: Transexuais; Mulher; Violência doméstica; Desamparo jurídico.
ABSTRACT : This article will study one of the main flags raised by society that is linked to one of the basic fundamental legal rights guaranteed by the Federal Constitution of 1988 as: the human dignity law. In this sense, the right of transsexuals to be treated as a woman is emphasized, for the purposes of applying the Maria da Penha Law (Law 11.340 / 2016), which despite being one of the best laws in the legal world with regard to combating domestic violence against women has been shown to be imperfect in the face of the new gender denominations of human beings that have emerged in society over time. The transsexual who even without having undergone a process of sexual reassignment and sex change in the civil registry, and who presents himself as a woman in society, leaving no doubt about the sex that his body and mind have adopted for himself and in this way express themselves , they encounter obstacles that, although socially no longer existed, in police stations and in the judiciary are still considered taboo. Thus, it becomes evident that the transsexual is in a situation of legal helplessness and forgotten the margin of the literality of the term woman used by the legislator. Thus, in the face of such a reality, this article intends to address pertinent points on the topic, to search for doctrines, jurisprudence, court understandings and bibliographic concepts that can fill this gap left by the legislator, as well as to alert the Democratic State of Law about such class who has been so victim of domestic, family, physical and moral violence when the woman is biologically said
KEYWORDS: Transsexuals. Women. Domestic violence. Legal helplessness.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. BREVE RELATO SOBRE A LEI MARIA DA PENHA. IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADE. Cisgêneros. Transgênero. Não binário. VIOLÊNCIA CONTRA TRANSEXUAIS NO BRASIL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. TRANSEXUAIS E SUA LUTA POR DIREITOS. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA AS TRANSEXUAIS PELOS TRIBUNAIS. PROJETO DE LEI PL Nº 8032/2014. CONCLUSÃO. REFERENCIAS.
O estudo que originou este artigo deu-se através de um debate informal no 6º Distrito Integrado de Polícia do estado do Amazonas, onde se encontrava o Delegado Titular Vinicius de Melo Silveira, que levantou o questionamento após deparar-se com um caso concreto sobre a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha ao transexual feminino que apesar de não ter passado por processo cirúrgico e feito a mudança do seu registro civil recorriam ao autoridades policiais competentes em busca de amparo.
Antes do advento da constituição de 88, as mulheres eram tratadas como objetos, eram consideradas com serem sem autonomia e credibilidade, após a promulgação da Carta Magna, teoricamente a mulher equiparou-se ao homem perante a lei em diversos aspectos, entretanto, biologicamente é impossível a equivalência entre homem e mulher por questões psicológicas e biológicas, o que nos leva a criação da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, recepciona em seu Art. 1° a sua finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, contudo, a Lei 11.340 deixa a merecer a figura do transexual feminino, prevendo em seu Art. 2º somente a possibilidade de aplicação para relação entre mulheres biologicamente ditas, excluindo assim a figura do transexual tornando esse o objeto de uma longas discussão em delegacias, tribunas e principalmente entre doutrinadores que ainda não chegaram a uma conclusão devido a opiniões contraditórias e pessoais que por sua vez prejudicam a vítima transexual que busca socorro mas acabam se frustrando, já que essas vítimas encontram dificuldades burocráticas excessivas e assim acabam desistindo de denunciar seu agressor e acabam se submetendo a uma vida medíocre.
Para tentar solucionar esse problema, o presente trabalho adotou a metodologia de pesquisa doutrinaria, bibliográfica e jurisprudencial voltadas para a Lei Maria da Penha e artigos que tratam de questões inerente a identidade de gênero e sexualidade do indivíduo. No tocante a aplicabilidade da lei 11.340/2006, foi exposto exemplos onde magistrados aplicaram as medidas protetivas a vítima transexual com base no princípio da dignidade da pessoa humana, assim como também exemplos onde o magistrado reconhece na vítima características do sexo feminino suficientes que lhe pudessem lhe levasse a conceder proteção jurídica prevista na lei Maria da Penha, reforçando o fato de a aplicação ou não da Lei Maria da Penha depende unicamente da interpretação do magistrado sobre o caso, evidenciando assim como a classe transexual encontra-se em total desamparo jurídico ficando à mercê da literalidade da lei e interpretação dos tribunais e opiniões pessoais dos magistrados que os julgam.
BREVE RELATO SOBRE A LEI MARIA DA PENHA
A lei 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi criada com a finalidade de proteção a mulher no âmbito de seu lar assim como afirma o art. 1º da referida lei:
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006)
Esta Lei surgiu após o caso da mulher Maria da Penha Maia Fernandes ter repercutido através da publicação do livro Sobrevivi, que foi escrito pela vítima após o seu agressor ter saído em liberdade do primeiro julgamento de seu caso. Na obra bibliográfica, Maria da Penha Maia Fernandes relata todo seu sofrimento em face de seu marido agressor, e foi por meio dessa obra que organizações não governamentais internacionais tomaram conhecimento de seu caso, e que posteriormente, com o consentimento de Maria da Penha Maia Fernandes o Brasil foi denunciado à Comissão Internacional De Direitos Humanos no ano de 2001. Dessa forma o Brasil foi responsabilizado pela forma negligente que tratava os casos de violência doméstica e foi obrigado a modificar suas Leis. Assim surgiu a Lei Maria da Penha no ano de 2006 que representa uma luta histórica onde se busca proteção física, moral e psicológica da mulher em seu âmbito familiar sendo seu agressor de qualquer grau de parentesco que tenha um convívio doméstico e uma relação familiar. (I.M.P, entrevista com Maria da Penha).
IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADE
Devido as mudanças sociais, surgiram várias classes de gênero que estão à margem da literalidade do termo mulher repetido diversas vezes na Lei Maria da Penha e todo os artigos que tratam de crimes cometidos com mulher, assim sendo reconhecida juridicamente por esta e outras Lei somente a mulher biológica. De tal modo, o judiciário se depara com obstáculos para aplicar uma Lei a quem teoricamente não está tutelado por ela, por outro lado, não aplicar essa mesma Lei a quem precisa, é contraditório a sua finalidade, já que a Lei 11.340/2006 surgiu através da negligencia do Brasil nos casos de violência doméstica, finalidade essa que esta bem especificada no próprio Artigo 1º da lei 11.340/2006.
A identidade de gênero, ao contrário do que pensam, não está ligada ao prazer e nem ao sexo biológico do ser, identidade de gênero é como o indivíduo se vê e se apresenta na sociedade onde vive. Partindo dessa informação, percebe-se que atualmente existem três identidade de gênero a qual um indivíduo pode se identificar socialmente, sendo eles: cisgêneros, transgênero e não-binários.
Conceitua a professora Beatriz Pagliarini Baglagi autora do livro “Cisgênero” Nos Discursos Feministas: Uma Palavra “Tão Defendida; Tão Atacada; Tão Pouco Entendida” (2018, p.13) que: ‘Cisgênero é utilizado para designar aquelas pessoas que não são transgêneras, ou seja, aquelas cujo gênero auto identificado está na “posição aquém” daquele atribuído compulsoriamente ao nascimento em virtude da morfologia genital externa.
Em outras palavras, o Cisgênero é aquele que nasce e ao decorrer de sua vida não sente qualquer tipo de inconformidade entre o seu sexo biológico com o seu sexo físico imposto a ele durante a sua formação durante a gestação.
Pessoas transgênicas são aquelas que não se reconhecem com o seu sexo biológico, como o caso dos transexuais, que são homens ou mulheres que não se veem de acordo com o órgão genital com o que nasceram, e devido a esse conflito biológico e psicológico, optam pela mudança do sexo através de cirurgias, buscando assim a perfeita sintonia do sexo psicológico, com o sexo com que acredita pertencer, assim como também a mudança em seu registro civil, como bem conceitua a Doutora em psicologia Jaqueline Gomes de Jesus 2012, p 7:
A transexualidade é uma questão de identidade. Não é uma doença mental, não é uma perversão sexual, nem é uma doença debilitante ou contagiosa. Não tem nada a ver com orientação sexual, como geralmente se pensa, não é uma escolha nem é um capricho. Ela é identificada ao longo de toda a História e no mundo inteiro. Doutora em psicologia Jaqueline Gomes de Jesus em sua obra “Orientações Sobre Identidade De Gênero Termos E Conceito de 2012.
Um conceito novo a qual se denomina as pessoas que não se reconhecem nem como do sexo masculino ou feminino que estão em processo de descoberta, surgindo assim a terceira identidade de gênero. Neste sentindo também conceitua a Doutora em psicologia Jaqueline Gomes de Jesus em (Jesus 2ª edição – revista e ampliada. Brasília Dezembro, 2012, p.28).
Também denominado como “dimorfismo sexual”. Crença, construída ao longo da história da humanidade, em uma dualidade simples e fixa entre indivíduos dos sexos feminino e masculino. Quando essa ideia está associada à de que existiria relação direta entre as categorias sexo (biológica) e gênero (psicossocial), incorrese no cissexismo.
Por fim, a sexualidade está relacionado exclusivamente a buscar pelo prazer, não levando em consideração se esse prazer que se procura será encontrado em uma relação entre indevidos de sexos iguais ou não.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a sexualidade faz parte da personalidade de cada um, é uma necessidade básica, e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto, a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada um direito humano básico (OMS, direitos sexuais, p.1, 2006)
VIOLÊNCIA CONTRA TRANSEXUAIS NO BRASIL
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexual (ANTRA) Boletins nº 001, 002 e 003/2020 da ANTRA, o Brasil atingiu a margem de 129 morte de pessoas trans no período entre 01 de janeiro a 31 de agosto de 2020 com aumento de 70% em relação ao mesmo período no ano de 2019, onde 20% das mortes se deu em âmbito doméstico. Entretanto, os números apresentados à Associação Nacional de Travestis e Transexual podem variar para mais devido a grande maioria das ocorrências não serem registradas pelas autoridades policiais com a devida coleta de dados para as estatísticas.
Pode-se dizer que a morte dessas pessoas é o ponto extremo de uma grande cadeia de violências cotidianas às quais estão submetidas, incluindo humilhações, exploração sexual, extorsões, agressões físicas, dentre outras modalidades (BONASSI et al., 2015, p. 85).
A incerteza sobre os dados referentes da violência contra transexual, é apenas um reflexo do descaso socialpolítico em relação a essa classe transgênica, que assim como as mulheres cisgêneros, são ignoradas, tendo seus direitos diariamente violados e mascarado. O descaso é nítido.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Federal de 1988 traz uma carga sentimentalista pelos eventos da ditadura vividos anteriormente. Assim, se fez necessário ter um dispositivo legal que tutelasse os direitos e garantias individuais do indivíduo como o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III da Carta Magna:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 2002, p.2)
O princípio da dignidade da pessoa humana assevera os direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º da constituição federal afirma que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...] “(BRASIL, 2020, p.4)
Observando a letra da lei, é notório o tratamento isônomo do legislador para garantir os direitos individuas e coletivos do sujeito, não dando margens para interpretações moralistas sobre quem pode ou não ter seus bens jurídicos resguardados por esse princípio, e é com base nisso que o juiz Pedro Medeiro Pereira do estado de Alagoas, proferiu a sentença a favor da vítima transexual, eis um trecho da decisão:
A despeito de ainda encontrar-se em tramite projeto de lei que estende aos transgênero e transexuais a proteção da Lei Maria da Penha, cabe o poder Judiciário enfrentar a questão, definindo o alcance da Lei 11.340/2006 com base em uma leitura moralizante da Constituição, fulcrada em axiomas e princípios, de modo a emprestar maior efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana. Juiz Pedro Medeiros Pereira, Vara especializada em violência contra mulher, Alagoas, sob o processo de número 0700654-37.2020.8.02.0058.
Aos casos de violência doméstica contra transexual, a principal fundamentação para concessão de direitos vem sendo o princípio da Dignidade da pessoa humana, o que mostra o vício contido na Lei 11.340/2006 mesmo sendo essa Lei considerada um exemplo de combate a violência doméstica.
TRANSEXUAIS E SUA LUTA POR DIREITOS
No âmbito jurídico quando se discute direitos dos transexuais, o legislador e doutrinadores costumam tender para aspectos físicos do indivíduo, assim como decidiu o STF sobre o direito de transexuais mudarem seu nome e sexo no seu registro civil na 22 ADI nº 4275/ DF 2018. Eis um trecho da matéria:
O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser possível a alteração de nome e gênero no assento de registro civil mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, encerrado na sessão plenária realizada na tarde de 01 de março de 2018.
Todos os ministros da Corte reconheceram o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial. Votaram nesse sentido os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia. Ficaram vencidos, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária (em que não há litigio) e, em menor extensão, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que exigiam autorização judicial para a alteração. (STF reconhece a transgêneros possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo, ADI nº 4275/ DF 2018 )
É certo que o transexual como pessoa está protegido a luz do princípio da dignidade da pessoa humana, entretanto, são pessoas marginalizadas e vulneráveis comparadas as demais classes sociais, e nesse sentido, GONÇALVES (2012) compreende a insuficiência na assistência aos transexuais e reconhece a necessidade de uma lei especifica que possa tutelar essas pessoas para que gozem plenamente de seus direitos
A insuficiência da generalidade e abstração da ‘pessoa universal’ idealizada na norma tornou necessária a especificação do sujeito protegido, bem como o desenvolvimento dos direitos que lhe são próprios, em busca da efetiva concretização da dignidade. De fato, afirmar a dignidade humana, quer como realidade pré-jurídica para aqueles que a admitem, quer abstratamente na norma, não se mostrou suficiente para a tutela de direitos da pessoa transexual (GONÇALVES, 2012, p. 19).
Assim como as mulheres cisgeneros são vistas como seres vulneráveis em relação aos seus parceiros, sendo então protegidas pela Lei 11.340/2006, as transexuais necessitam ser reconhecidas e também protegidas por uma lei que lhes tiram da literalidade do termo mulher e lhes deem amparo jurídico em face de seus agressões.
APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA AS TRANSEXUAIS PELOS TRIBUNAIS
Dentre os doutrinadores brasileiros há duas correntes que discutem a possibilidade de aplicação da lei Maria da penha as transexuais. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista (2011, p. 32) informam que podem ser analisadas duas posições:
Em eventual resposta a indagação inicial podem ser observadas duas posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, geneticamente, não é mulher (apenas passa ter órgão genital de conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portadora de transexualismo transmute suas características sexuais (por cirurgia e modo reversível), deve ser encarada de acordo com uma nova realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil.
Parte dos doutrinadores defendem a aplicação da lei pois conseguem ver os critérios de aplicabilidade nos casos em relação aos seus parceiros, além dos aspectos de vulnerabilidade e relação afetiva entre as partes.
Outra parte dos doutrinadores conservadores se manifestam contra a aplicação da Lei Maria da Penha levando em consideração de que apesar do indivíduo ter se submetido a uma cirurgia para a mudança de sexo, ele continua sendo homem, com a força de um homem inexistindo assim pré-requisito para a aplicação da lei onde a vítima tenha que ser mulher e possuir exclusivamente as fragilidades e órgão genital biológico que uma mulher possui.
Já o que se refere aos entendimentos dos tribunas de Justiça Estaduais, as transexuais que não tenham passado por procedimento cirúrgico para a mudança do sexo ou a mudança em seu registro civil encontram uma certa resistência para a concessão de medidas protetivas fornecidas pela Lei Maria da Penha, por consequência da não inclusão clara e objetiva dessa classe. Neste sentido, em uma decisão de 1º grau o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul negou a concessão da aplicabilidade da lei 11.340, o que justifica o presente artigo. Eis um trecho da decisão:
Em Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça local traz entendimento diverso. O Desembargador José Augusto de Souza, no julgamento de Conflito de Competência, expressamente em seu voto afasta a incidência da Lei Maria da Penha quando a vítima for transexual que não tenha alterado seu registro civil. Em resumo, o relator entende que mulher é apenas quem assim nasce, ou quem tenha em seu registro civil o sexo feminino. Desconsidera, portanto, a situação fática, dando relevo à situação jurídica, vale dizer, entende que o sujeito deve ser formalmente mulher. (Ferreira, 2014 apud Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul CC 2006.017235-4/0000-00,).
Dessa forma, nota-se que há requisitos das quais muitas das vezes a vítima transexual por vários motivo e dentre ele a hipossuficiente, não consegue a proteção do Estado onde o próprio magistrado devolve a vítima para o âmbito de violência de onde mesma buscou meios jurídicos de sair e denunciar seu agressor.
Há também uma decisão onde a juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, da 1° Vara Criminal de Anápolis – GO, aplicou no referido caso, a Lei Maria da Penha para um transexual vítima de violência doméstica.
[...] 39. Desta forma, apesar da inexistência de legislação, de jurisprudência e da doutrina ser bastante divergente na possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha ao transexual que procedeu ou não à retificação de seu nome no registro civil, ao meu ver tais omissões e visões dicotómicas não podem servir de óbice ao reconhecimento de direitos erigidos à cláusulas pétreas pelo ordenamento jurídico constitucional. Tais óbices não podem cegar o aplicador da lei ao ponto de desproteger ofendidas como a identificada nestes autos de processo porque a mesma não se dirigiu ao Registro Civil de Pessoas Naturais para, alterando seu assento de nascimento, deixar de se identificar como e torna-se ' ' por exemplo! Além de uma inconstitucionalidade uma injustiça e um dano irreparáveis! O apego à formalidades, cada vez mais em desuso no confronto com as garantias que se sobrelevam àquelas, não podem me impedir de assegurar à ora vítima TODAS as proteções e TODAS as garantias esculpidas, com as tintas fortes da dignidade, no quadro maravilhoso da Lei Maria da Penha. [...] 42. Diante do exposto acima, tenho com a emérita, preclara e erudita Desembargadora Maria Berenice Dias que transexuais que quem tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Juíza, Ana Cláudia Veloso Magalhães, da 1° Vara Criminal de Anápolis – GO, no processo sob o n° 2011038738908
Portanto, observando a literalidade do dispositivo legal, vemos que a aplicabilidade ou não da lei Maria da Penha a transexuais depende da interpretação do juiz, entretanto, o fato de um magistrados não aplicar ou não a Lei Maria Da Penha a vítima transexual não lhe tira a razão pois o problema encontra-se na letra da Lei, pois é uma Lei taxativa que impõe um termo de definição de gênero que não acompanha as mudanças sociais ressaltando assim necessidade de uma mudança na letra da lei afastando qualquer necessidade de interpretação desnecessária e potencialmente prejudicial dos magistrados. Uma decisão judicial deve ser tomada levando em consideração sempre as consequências sociais que serão geradas a partir dela. (WARAT, 1994, p.82).
Dessa forma não há uma resposta definitiva quanto a aplicação da lei 11.340/2006 aos transexuais, de tal modo que o magistrado deve deixar seus padrões pessoais de lado e tomar decisões visando o bem social ate que seja feito a inclusão dos transexuais na Lei Maria da Penha.
PROJETO DE LEI PL Nº 8032/2014
Em 28/10/2014, a deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei onde propôs ampliação a proteção de que trata a Lei 11.340 às pessoas transexuais e transgêneros, que ainda espera o parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). O projeto propõe alteração no parágrafo único do art. 5º da lei 11.340/200 que diz:
Art. 5º, Parágrafo único: As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Que passaria a ter a seguinte redação: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual e se aplicam às pessoas transexuais e transgêneros que se identifiquem como mulheres” (BRASIL, 2014, p. 01).
Tal projeto representa um avanço para a classe trans, pois com sua aprovação, as transexuais que tanto precisa de proteção apropriada, saem da literalidade da lei e interpretação do magistrado tendo seu direito incontestado e resguardado em Lei.
A Lei Maria da Penha hoje é um símbolo de representatividade das lutas por direitos de proteção jurídica para a mulher que durante muitos foram vistas como objetos e tinham uma única finalidade, a reprodução. Pelo contexto histórico, mulheres foram agredidas, mortas e humilhas, onde seus agressores eram sempre seus maridos ou algum familiar. Tal pratica na época patriarcal era vista como algo normal onde não existia intervenção de terceiros e muito menos do Estado. Com o advento da Lei Maria da penha, hoje mulheres possuem dignidade e respeito, mesmo que teoricamente. O atual problema da Lei 11.340/206 vem sendo o estado de Vacatio Legis em que o transexual se encontra até que a PL Nº 8032/2014 seja aprovado e entrado em vigor.
O presente artigo buscou respostas jurisprudências e bibliográficas para a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha aos transexuais vítimas de violência doméstica até que a letra da lei seja reformulada. E para melhor compreensão, buscou-se por meio de estudos bibliográficos esclarecer os novos conceitos de gênero e as características de cada um deles, para evidenciar a mudança social e o atraso do legislador e judiciário nos julgamentos de ações onde vítimas transexuais femininos não tiveram seus direitos reconhecidos apesar das explicação biológicas e psicológicas para o transexualismo.
Nesse sentido, com todos os estudos e pesquisas realizadas sobre a Lei Maria da Penha, chegou-se à conclusão de que apesar de alguns magistrados terem aplicado a Lei Maria da Penha ao transexuais, de modo geral, não há possibilidade de aplicação da referida Lei 11.340/2006 aos transexuais e transgêneros sem prévia fundamentação no princípio da dignidade da pessoa humana e suas garantias elencadas nos art. 1º, inciso III e 5º da Constituição Federal, ou do entendimento pessoal de cada magistrado sobre quem está apto a ser tutelado pela Lei 11.340/2006.
O fato de um magistrado conceder as garantias e proteção da Lei Maria da Penha ao transexual não necessariamente implica dizer que em todos os casos serão aplicados, pois não há nada que obrigue o magistrado a reconhecer ou não o transexual como mulher, o que remete diretamente ao princípio da taxatividade do Direito Penal. Se Lei Maria da Penha for tida como único parâmetro aferição de quem é considerado vítima ou não, a figura do transexual jamais poderá ser protegido por ela, pois em todo o ordenamento jurídico, não se encontra conceitos para delimitar de forma taxativa as características de uma mulher. Por conta disso que há necessidade de mudança na letra da Lei Maria Penha. Tal Lei precisa ser reformulada e flexibilizar o conceito do termo Mulher de forma que venha reconhecer o transgênero como mulher para efeitos penais.
Ademais, notou-se que já existe projeto de Lei visando a inclusão do termo transgêneros e transexuais na Lei 11.340/2006, mas que ainda está em análise, e devido a demora para a sua aprovação constata-se mais uma vez o descaso com a classe transgêneras. A sua entrada em vigor significaria grande avanço jurídico onde o Estado alcançaria mais vítimas de violência doméstica, a Lei Maria da Penha sanaria um vício e abrangeria sua proteção às que estão escondidas na literalidade do termo Mulher empregados diversas vezes na Lei 11.340/2006.
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REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DO CURSO DE DIREITO – ISSN: 2358-8551 11ª Edição – Janeiro de 2017 – Periódicos Semestral A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA AOS CASOS DE VIOLÊNCIA SOFRIDA POR TRANSGÊNEROS RESUMO SANTOS ,Stephanie RODRIGUES,Juliana acesso em 23 de fevereiro de 2020 http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/j6uBtAN3gjzVsuX_2019-2-28-16-55-30
Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP. Mandado de Segurança 209736161.2015.8.26.0000. AMIOKA, Ely. Publicado por Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 08/10/2015. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/253893656/mandado-de-seguranca-ms-20973616120158260000-sp-2097361-6120158260000/inteiro-teor-253893710
WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: 1994
Técnica em Informática e Estudante de Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus- FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAJADO, sanmella de sousa. Proteção ao transexual feminino: a possibilidade de aplicação da lei maria da penha aos casos de violência doméstica contra transexuais femininos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55707/proteo-ao-transexual-feminino-a-possibilidade-de-aplicao-da-lei-maria-da-penha-aos-casos-de-violncia-domstica-contra-transexuais-femininos. Acesso em: 23 dez 2024.
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