MARCELO GRANJEIRO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho pretende abordar a respeito da relação entre assistência social, seguro desemprego e estado de calamidade pública, buscando ressaltar a importância do seguro desemprego em momentos em que há índices de desemprego, tais como ocorrem no Estado de Calamidade Pública, que acontece em decorrência de eventos naturais de natureza grave, como tornados, enchentes e, mais recentemente, com a pandemia da doença covid-19. Nesse sentido, buscou-se um paralelo entre Direito Previdenciário e Direito do Trabalho, de maneira que esta abordagem transdisciplinar pudesse evidenciar ainda mais a importância deste benefício ao trabalhador que esteja dentro dos requisitos da moldura legal, quer seja ele: trabalhador formal, trabalhador doméstico, pescador em período de defeso etc. Assim, concluiu-se que o Seguro-Desemprego é importante fonte de renda ao trabalhador, que funciona – durante o período de sua concessão – como uma espécie de renda básica a este trabalhador, que o auxilia a não passar fome ou outras necessidades até que consiga encontrar um outro emprego.
Palavras-Chave: Seguro-desemprego; Importância; Trabalhador; Calamidade Pública
ABSTRACT: This paper aims to address the relationship between social assistance, unemployment insurance and the state of public calamity, seeking to highlight the importance of unemployment insurance at times when there are unemployment rates, such as those occurring in the State of Public Calamity, which happens as a result of natural events of a serious nature, such as tornadoes, floods and, more recently, with the pandemic of the covid-19 disease. In this sense, a parallel was sought between Social Security Law and Labor Law, so that this transdisciplinary approach could further demonstrate the importance of this benefit to workers who are within the requirements of the legal framework, whether it be: formal worker, domestic worker , closed fisherman, etc. Thus, it was concluded that the Unemployment Insurance is an important source of income for the worker, which works - during the period of his concession - as a kind of basic income for this worker, which helps him to not go hungry or other needs until get another job.
Keywords: Unemployment insurance; Importance; Worker; Public Calamity
INTRODUÇÃO
Desastres naturais ocorrem em todo o lugar do mundo, não escolhendo por vítimas pessoas pertencentes a classes mais ricas ou mais pobres: atingem a todos. Com o aumento da poluição e fatores correlatos, esses desastres têm acontecido com mais frequência que a muitos anos atrás.
Aqui, não falamos tão somente de situações como as de furacões, terremotos ou enchentes: o recente estrago biológico provocado pela pandemia do novo coronavírus, que trouxe a doença covid-19 a tona, também pode ser tido como motivo de decretação do mecanismo do Estado de Calamidade Pública, uma vez que vários estados a decretaram, inclusive o próprio estado do Amazonas.
Nessas situações, é normal que ocorra não só crises sanitárias, mas também econômicas decorrentes da diminuição da atividade produtiva dos cidadãos – aqui, eles acabam sendo impedidos pelas circunstâncias de trabalhar com a mesma habitualidade.
Portanto, é normal que haja aumento nas taxas de desemprego da população, com a consequente maior ocorrência de fatos como o aumento da miséria e a diminuição de renda per capita.
Na contramão disso, os preços da cesta básica e serviços básicos, como água e luz, continuam a serem cobrados e, em alguns casos, até sofrendo reajustes, como é o caso da cesta básica brasileira nos últimos meses.
Assim, verifica-se que, sem a ajuda do Estado para estas pessoas, tendo por fundamento os pilares do Direito previdenciário que são a assistência e a previdência social, muitas pessoas passarão fome e/ou sérias dificuldades em decorrência deste estado de calamidade pública, de maneira que sem a ajuda, quer seja ela por meio de valores econômicos, quer seja por outra maneira, tende a aumentar ainda mais as desigualdades sociais.
Nesse sentido, este trabalho pretende relacionar a importância da assistência social do Estado (um dos pilares da seguridade social, junto com a previdência e a saúde) e a previdência social, dando enfoque principal à figura do seguro-desemprego concedido em situações emergenciais tais como o estado de calamidade pública, uma vez que os índices de desemprego acabam subindo em situações extremas tais como esta, em decorrência da falta de vendas suficientes para justificar a quantidade de colaboradores e o fechamento de empresas, por exemplo.
Para isso, pretende-se esmiuçar o conceito e aplicabilidade da assistência social e da previdência social, explicando mecanismos legais que também demonstram esses conceitos.
Espera-se que a contribuição dessa pesquisa à sociedade venha por meio bibliográfico para auxiliar em outras pesquisas acadêmicas a respeito do direito previdenciário e do trabalho e que também seja um instrumento de informação à população sobre a importância da assistência social e o seguro-desemprego.
1 SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
Partindo da importância dada pela Constituição à seguridade social, pretende-se explicar esse conceito e suas bases legais e doutrinárias. Além disso, pretende-se apresentar a discussão a respeito da natureza jurídica do seguro-desemprego.
A definição legal para Seguridade Social vem por meio do artigo 194, caput, da Constituição da República: seria o “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988).
Ela divide-se em três: saúde, previdência social e assistência social. Os três são os pilares que compõem a Seguridade Social, para que haja a efetiva prestação de serviços ao cidadão em suas necessidades.
Sobre a saúde, o artigo 196 da Constituição da República define que é dever do Estado, sendo direito de todos. Para isso, é necessário que o Estado proponha políticas públicas para que o acesso universal a esse bem seja assegurado. Logo, sendo direito de todos, o acesso a saúde independe de contribuição.
Sobre a previdência, é um benefício pago a quem contribui, como no caso da previdência social agindo na aposentadoria.
Já a assistência social é devida aos hipossuficientes, aqueles que realmente necessitam da ajuda do Estado para sua subsistência. Há vários exemplos de políticas assistenciais do Estado, como o programa Bolsa Família e mais recentemente (com a pandemia recente da doença covid-19) com o programa governamental do auxílio emergencial.
Reis (2005) traz uma definição doutrinária para a melhor compreensão do que seria a Seguridade Social, explicitando a importância de o Estado prover a população em suas necessidades mais vitais em momentos de necessidade, uma vez que a Seguridade Social acaba sendo exatamente sobre isso:
“Conjunto de medidas adotadas pelo Estado, por meio de organizações próprias ou subvencionadas, destinadas a prover as necessidades vitais da população do país, nos eventos básicos previsíveis e em outras eventualidades, variáveis segundo as condições nacionais, que podem verificar-se na vida de cada um, por meio de um sistema integrado de seguro social e de prestação de serviços, de cuja administração e custeio participam, direta ou indiretamente, os próprios segurados ou a população mesma, as empresas e o Estado” (Moacyr Velloso Cardoso de OLIVEIRA)
1.1 Previsão constitucional
A seguridade social está prevista expressamente por meio da Constituição Federal, por meio do artigo 194 e é definida como “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
No próximo tópico, trabalharemos a respeito dos princípios da Seguridade Social e seus desdobramentos.
1.2 Princípios
A Constituição da República dispõe vários direitos fundamentais. Esses direitos vêm do fato de que ela dispôs como um dos mais importantes princípios o princípio da dignidade da pessoa humana, que dá direitos básicos como a vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
É importante percebermos que todos esses direitos precisam ser norteados por esse princípio: logo, o direito à vida, por exemplo, deve ser compreendido melhor pelo dispositivo constitucional como o direito à vida com dignidade.
Para dar dignidade a vida, são elencados diversos direitos sociais, tais como o direito ao lazer, ao trabalho, a previdência social, assistência social aos desamparados, entre outros (BRASIL, 1988).
O direito previdenciário divide-se em alguns princípios importantes, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, a solidariedade social, o equilíbrio econômico, a vedação ao retrocesso e a proteção ao hipossuficiente.
Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, Portella Júnior (2018) entende que ele se concretiza ao visualizarmos o caráter garantidor da qualidade de vida do cidadão: “o Direito à Previdência Social visa proteger e garantir uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores e aqueles que dependem dele, quando alguma infelicidade ocorrer e for necessário usufruir dos benefícios da previdência social.”
Em se tratando do princípio da solidariedade social, Bastos (2018) entende ser um princípio em que se verifica a ideia do coletivo auxiliar na concretização dos atos de assistência social do Estado. Daí decorrem, por exemplo, as contribuições previdenciárias:
(...) orienta todas as medidas de proteção do Estado, mas também o dever coletivo da sociedade de financiar, direta ou indiretamente, a seguridade social, disposto na Constituição Federal. É, portanto, o princípio que caracteriza e baseia o principal objetivo do direito previdenciário. Por óbvio, deve atuar conforme o princípio da dignidade humana. No entanto, é ele que fortalece os deveres já mencionados.
Sobre o princípio do equilíbrio econômico, é necessário tecer algumas considerações. Primeiro: trata-se de um princípio de longo alcance. Segundo: não há consenso entre a doutrina e a jurisprudência sobre ele, ou seja, não houve uniformização (TORRACA, 2010). Ele pode ser compreendido como a necessidade da gestão pública de sempre encontrar formas de manter o sistema previdenciário funcionando.
Já o princípio da vedação ao retrocesso social não é visto de forma taxativa pela Constituição da República; porém ao interpretarmos o direito previdenciário à luz do artigo 5º da Constituição, percebemos sua existência. Santos Neto (2017) defende a importância da aplicação do referido princípio dentro do direito previdenciário, no sentido de não diminuir ou retirar os direitos dos que mais necessitam do auxílio estatal em momentos críticos.
Finalmente, o princípio da proteção ao hipossuficiente diz respeito a relação entre o Estado e o indivíduo dentro do direito previdenciário. Sabemos que não é possível tratar o Estado e o indivíduo da mesma forma, pois os dois possuem recursos desiguais, portanto não há paridade de armas se não houver a proteção ao indivíduo na relação. Isso porque várias vezes tal indivíduo já se encontra em situação de hipossuficiência, conforme entendimento de Bastos (2018):
(...) a relação previdenciária se estabelece entre o indivíduo e o Estado. E, de modo geral, o indivíduo que recorre à Previdência já necessita de um amparo em função de suas condições socioeconômicas.
Colocá-los em patamares iguais, portanto, poderia incorrer na violação aos princípios da dignidade humana e da solidariedade social. E desse modo, as normas previdenciárias devem sempre ser interpretadas a favor do menos favorecido
1.3 Assistência e Previdência Social
Para Silva, Martins e Rezende (2011) o Estado é o primeiro ente que tem o dever de se responsabilizar pelo provimento das necessidades básicas e secundárias da população, mas não o faz a todos e todas em decorrência da “reserva do possível”, ou seja, por estas demandas serem muito complexas, é necessário escolher quais problemas serão resolvidos pelo Estado e quais não. Este juízo é feito a partir da ponderação de quais problemas sociais são vistos como os que precisam, necessariamente, de algum tipo de solução:
O Estado é o principal responsável pelo provimento de bens e serviços à população no intuito de atender suas necessidades básicas e secundárias. Porém, como as demandas sociais são diversas e complexas, torna-se necessário a seleção de quais problemas existentes na sociedade receberão maior atenção em detrimento de outros. Neste sentido, as políticas públicas podem ser consideradas o instrumento por meio do qual as questões sociais passam a ser vistas como problemas que requerem algum tipo de solução e entram para a agenda dos governos
Nesse sentido, cabe trazer a definição doutrinária de Assistência Social, uma vez que esta é parte das políticas públicas pilares da Seguridade Social, sendo que pode ter seus mecanismos como usos necessários também no caso do desemprego, para além da definição de Previdência Social, ao qual veremos logo a seguir.
Segundo Torres (2012), a Assistência Social se trata de ramo da Seguridade Social que disciplina o tratamento dos hipossuficientes e, portanto, tem por beneficiários aqueles que dela necessitam, sem a necessidade de prévia contribuição:
A assistência social é o segmento autônomo da seguridade social que tratar dos hipossuficientes, ou seja, daqueles que não possuem condições de prover sua própria manutenção. Cuidará daqueles que têm maiores necessidades, sem exigir deles (seus beneficiários) qualquer contribuição à seguridade social. Portanto, o Sílvio Santos não poderá valer-se dos benefícios e serviços da assistência social, porque ele não é uma pessoa hipossuficiente (não necessita dos serviços e benefícios da assistência social). A atuação protetiva fornecerá aquilo que for absolutamente indispensável para cessar o atual estado de necessidade do assistido (Exs.: alimentos, roupas, abrigos e até mesmo pequenos benefícios em dinheiro). A assistência social serve para cobrir as lacunas deixadas pela previdência social que, devido a sua natureza contributiva, acaba por excluir os necessitados.
Já a Previdência Social encontra fundamento no artigo 201 da Constituição Federal, conforme veremos a seguir:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio reclusão para os dependentes dos segurados de
baixa-renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º
Segundo Souza e Souza (2017) nos trazem que a Previdência Social tem característica contributiva, que acarreta o pagamento de contribuições para que haja cobertura para determinadas situações que podem ocorrer. Assim, se trata de um seguro sui generis:
No mesmo sentido, Fábio Zambitte Ibrahim (2014, p. 27) afirma que a Previdência Social pode ser definida como “seguro sui generis, pois sua filiação é compulsória para regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais”.
Outrossim, salienta-se que a característica contributiva da Previdência Social, acarreta no pagamento das contribuições para a cobertura de riscos predeterminados, isto é, somente aqueles que estiverem contribuindo para o Sistema da Previdência Social terá os direitos aos benefícios previdenciários previstos em lei.
Não obstante, reprise que a filiação para regimes básicos da Previdência Social (RGPS e RPPS) é feita de forma compulsória, ou seja, independe de manifestação de vontade, sendo obrigatório e acontecendo de forma automática.
Feitas estas prévias considerações, passaremos a análise da figura do Seguro Desemprego e a sua importância para o trabalhador.
2 SEGURO DESEMPREGO
O seguro-desemprego é um dos mais importantes direitos do trabalhador, que é uma espécie de renda a um trabalhador que, em tendo contribuído com o Estado durante um determinado período de tempo, tem pela Previdência Social um valor a ele distribuído, de maneira que possa contar com uma ajuda financeira com o fim de suprir suas necessidades básicas.
É importante citarmos que a concessão do seguro-desemprego não é dada necessariamente a todos os trabalhadores que se encontram desempregados: é necessário que o trabalhador interessado cumpra alguns requisitos dispostos por meio da legislação vigente, os quais serão vistos mais bem trabalhados no decorrer deste tópico.
Para Balestro, Marinho e Walter (2011), a ideia de concessão de seguro-desemprego remete a necessidade de equilíbrio do desemprenho econômico e a proteção social, uma vez que é necessário conferir ao trabalhador esta segurança. Para isso, referem-se a experiência do flexicutiry, espécie de seguro-desemprego dinamarquês:
A necessidade de equilibrar proteção social e desempenho econômico está muito relacionada à construção de Estados de Bem-Estar. A combinação de desempenho econômico e proteção social é uma possibilidade desafiadora e contraditória, como mostrou a experiência dinamarquesa de flexicurity (MADSEN, 2006). Trata-se de uma combinação entre flexibilidade no mercado de trabalho e segurança do trabalhador.
Os autores ainda entendem que este programa social da Dinamarca proporcionou a competitividade e a produtividade, sendo que por meio dele existe mais possibilidade de o trabalhador continuar no mercado de trabalho e isso é feito justamente por conta da existência de políticas públicas; a segurança de receber uma renda quando não se está na ativa, trabalhando, e proporcionando equilíbrio entre o tempo gasto no trabalho e a dedicação a vida familiar:
A combinação permitiria participação e inclusão social com qualidade e, ao mesmo tempo, uma flexibilidade no funcionamento do mercado de trabalho capaz de permitir o ajuste tempestivo e adequado às mudanças necessárias para manter competitividade e produtividade (VIEBROCK & CLASEN, 2009). Há três tipos de segurança para o conceito de flexicurity: a segurança do emprego com a maior probabilidade do trabalhador se manter no mercado de trabalho, por meio de políticas ativas; a segurança da renda com o recebimento de um benefício nos períodos em que o trabalho pago é interrompido; e, por fim, ter garantido o equilíbrio do tempo gasto com o trabalho e com a vida familiar. O conceito de segurança no emprego é substituído por uma segurança no trabalho (BALESTRO, MARINHO E WALTER, 2011)
Assim, com a edição desta política pública, foi possível ao trabalhador se manter mais estável ao mercado de trabalho, ainda que em períodos curtos em cada empresa. O programa, portanto, procurou verificar de que maneira poderia tornar o mercado de trabalho mais eficiente, e isso ocorreu por meio do Estado:
Em outros termos, o trabalhador, por meio de políticas de emprego ativas, tem acesso mais estável ao mercado de trabalho, mesmo que em períodos mais curtos em cada empresa. Sob o ângulo da intermediação de mão de obra, é necessário que existam serviços públicos de intermediação, que possam focar nas transições de emprego, com a participação dos empregadores. Isso tornaria o mercado de trabalho mais eficiente. Além disso, os diversos parceiros envolvidos nos processos de intermediação de mão de obra podem ajudar na organização da transição entre empresas, a exemplo de agências de emprego temporários. (BALESTRO, MARINHO E WALTER, 2011)
O Brasil, infelizmente, possui algumas dificuldades em relação a intermediação de mão de obra, uma vez que temos baixas taxas de cobertura para treinamento dos trabalhadores e isto está fora de alinhamento com os interesses do setor produtivo, ou seja, com os interesses dos empregadores:
A intermediação de mão de obra no Brasil é dificultada pela baixa taxa de cobertura em relação às necessidades de treinamento e pela pouca focalização das ações, que pouco se associam com os interesses do setor produtivo (CHAHAD, 2009) (BALESTRO, MARINHO E WALTER, 2011)
No caso do seguro-desemprego no Brasil, este benefício é regulado por meio de lei e existem algumas exceções quanto a sua aplicação, tal como a que ocorre com a questão do não cabimento de seguro-desemprego quando do plano de demissão involuntária:
Quando o desligamento decorre de adesão ao plano de demissão voluntária (PDV), é indevida a concessão ou pagamento de indenização pela não liberação das guias de seguro-desemprego. Essa é a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, reafirmada pela 1ª Turma em julgamento no qual uma montadora saiu vitoriosa.
A empresa foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região a liberar as guias do seguro-desemprego a um metalúrgico que aderiu ao PDV em 2006. O trabalhador disse que deixou de sacar o benefício por causa do não fornecimento das guias.
O autor da ação argumentou que a montadora descumpriu as obrigações previstas na Resolução 252/00 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), que estabelece procedimentos relativos à concessão do seguro-desemprego. A norma foi revogada posteriormente pelas resoluções 392/04 e 467/05, que se encontra em vigor.
O juízo da 3ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo (SP) considerou indevida a concessão do seguro-desemprego, por violação do artigo 3º da Lei 7.998/90 e da Resolução 467/05 do Codefat. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, determinou a liberação das guias, por entender que a dispensa sem justa causa garantiu ao trabalhador o direito ao benefício.
No recurso ao TST, a montadora sustentou que não entregou a guia porque o artigo 6º da Resolução 252/00, vigente à época da dispensa, impedia a percepção do seguro-desemprego por empregados que aderem aos planos de demissão voluntária.
O ministro Hugo Carlos Scheuermann, relator do recurso, acolheu a tese da empresa, ressaltando que o TST tem firmado entendimento de que, quando o desligamento da empresa vem de adesão ao plano PDV, é indevido o pagamento de indenização por não liberação das guias de seguro-desemprego.[2]
Feitas essas considerações, passaremos a trabalhar mais propriamente o conceito de Seguro-Desemprego a partir da sua definição legal e seus requisitos.
2.1 Conceito e requisitos
O seguro-desemprego é um benefício concedido aos trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho por motivos de demissão involuntária, desde que cumpridos alguns requisitos. Rocha Filho (2015) entende que este benefício se trata de um direito constitucional, que tem principal norma reguladora a lei n. 7998/90 e a resolução n. 467/2005 do CODEFAT:
O seguro-desemprego é um direito garantido constitucionalmente ao trabalhador, em caso de desemprego involuntário. Trata-se, portanto, de um auxílio concedido ao trabalhador desempregado, desde que esse satisfaça alguns critérios estabelecidos na Lei nº 7.998/1990 que regula o programa, bem como na Resolução nº 467 de 2005 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT que estabelece procedimentos relativos a concessão do benefício. A secretaria do Fundo de Amparo ao Trabalhador que estabelece diretrizes para o custeio do seguro-desemprego e está vinculado ao Ministério do trabalho que é responsável pela fiscalização do cumprimento do programa.
O seguro-desemprego é destinado aos trabalhadores formais, ou seja, aqueles que tem carteira assinada; para os trabalhadores formais com contrato de trabalho suspenso; pescador profissional durante o período de defeso, ou seja, quando estão impedidos por lei a realizarem a pesca e o trabalhador resgatado de condição semelhante a de escravo:
trabalhador formal (o mais comum) e doméstico, por dispensa sem justa causa, inclusive dispensa indireta;
trabalhador formal com contrato de trabalho suspenso por participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador;
pescador profissional durante o período do defeso (época em que os pescadores não podem exercer sua profissão, pois os animais estão se reproduzindo na natureza);
trabalhador resgatado da condição semelhante à de escravo[3]
Hoje, o seguro-desemprego é concedido ao trabalhador que cumpre os seguintes requisitos, conforme consta nas orientações da Caixa Econômica Federal:
Tiver sido dispensado sem justa causa;
Estiver desempregado, quando do requerimento do benefício;
Ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física equiparada à jurídica (inscrita no CEI) relativos a:
pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;
pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e
cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
Não possuir renda própria para o seu sustento e de sua família;
Não estiver recebendo benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.[4]
Assim, desde que o trabalhador tenha sido dispensado sem justa causa, esteja desempregado ao requerer o benefício, não esteja recebendo o BPC (benefício de prestação continuada) por parte da Previdência Social – a não ser que seja oirundo de pensão por morte ou auxílio-acidente, não possua renda própria para seu sustento e esteja dentro de uma das três hipóteses de prazo de carência acima descritas, será possível a sua concessão a este trabalhador.
Uma crítica que pode ser feita a esta concessão é que ela é, necessariamente, cheia de entraves. Isso porque muitas vezes a renda própria a qual se refere anteriormente advém de trabalhos autônomos que alguns trabalhadores acabam recorrendo para conseguir manter a si e a sua família enquanto a ajuda estatal não vem.
Esses valores, por vezes, não chegam nem a um salário-mínimo corrente para estes trabalhadores, o que acaba por prejudicar a si mesmo e a sua família. Assim, o impedimento de existência de renda própria (ainda que pequena e oriunda de trabalhos autônomos) acaba tornando o segurado ainda mais dependente da Previdência Social, justamente aquilo que a lei aparenta querer se desvencilhar.
3 ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA
Recentemente, com a pandemia da doença covid-19, causada pelo coronavírus, houve inúmeros impactos causados na saúde e em outros setores, que acabaram caindo em decorrência disso, como a economia de uma maneira geral.
Para o combate da doença, foram necessários inúmeros esforços por parte dos governantes locais, que se utilizaram principalmente do instrumento ao qual será discutido por este tópico: a decretação do Estado de Calamidade Pública.
Assim, o presente tópico visa trazer uma breve explanação a respeito do Estado de Calamidade Pública, tendo como principal fundamento o Decreto n. 7257/2010, que regulamenta os repasses pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em casos em que ocorrem a chamada situação de emergência e o estado de calamidade pública.
3.1 Breves Considerações
Segundo o Decreto n° 7257/2010, o Poder Executivo Federal – ou seja, a União – deverá apoiar os Estados, Distrito Federal e Municípios que estiverem em situação de emergência ou em situação de Estado de Calamidade Pública, que é provocado por desastres.
Art. 1º O Poder Executivo federal apoiará, de forma complementar, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública, provocados por desastres.
Art. 2º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - defesa civil: conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar desastres e minimizar seus impactos para a população e restabelecer a normalidade social
II - desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais;
III - situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;
IV - estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;
Art. 7º O reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.
Nesse sentido, o conceito que nos é interessante é aquele oriundo do artigo 2°, IV, que entende que o estado de calamidade pública é “situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido”
A decretação do Estado de Calamidade Pública, nesse sentido, tem por principal objetivo obter o fundamento para o auxílio financeiro da União aos entes Estaduais, Distritais e Municipais, que será, necessariamente, obrigatório:
Art. 8o As transferências obrigatórias da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução, observarão os requisitos e procedimentos previstos na Medida Provisória no 494, de 2010, e neste Decreto.
O Decreto n. 7257/2010 traz, ainda, a maneira que estes recursos serão transferidos aos entes que necessitarem dessa ajuda, que é calculada a partir da disponibilidade orçamentária e financeira da União, sendo que estes valores terão o seu fim já especificado pela mesma norma:
Art. 9o Reconhecida a situação de emergência ou o estado de calamidade pública, o Ministério da Integração Nacional, com base nas informações obtidas e na sua disponibilidade orçamentária e financeira, definirá o montante de recursos a ser disponibilizado para a execução das ações especificadas nos incisos V, VI e VII do art. 2o.
Parágrafo único. A transferência dos recursos se dará mediante depósito em conta específica do ente beneficiário em instituição financeira oficial federal
Assim, passaremos ao próximo tópico, onde faremos uma breve explanação a respeito da assistência e previdência social e sua relação com o seguro desemprego em ocorrendo o Estado de Calamidade Pública.
4 ASSISTÊNCIA SOCIAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL, O SEGURO DESEMPREGO E O ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA
Em situações em que ocorrem desastres naturais ou biológicos, é normal que a vida não fique mais em sua normalidade durante algum tempo, o que demanda medidas por parte do Estado.
Isso porque estas mudanças trazidas pelo Estado de Calamidade Pública, em decorrência de alguma situação grave, podem ocasionar crises econômicas ou inviabilidade de trabalhos em determinado setor, o que dificultaria o sustento dos trabalhadores daquele determinado setor ou, até mesmo, de todo o mercado de trabalho em geral.
Assim, faz-se importante e necessária a distribuição do seguro-desemprego aos segurados que possuem este direito assegurado pelas normas vigentes, de maneira que se possa proporcionar a estes segurados a possibilidade de sustentarem a si mesmos e a sua família enquanto no período de falta de emprego e renda.
A crítica a essa ideia, no entanto, pode vir a partir do momento em que se pensa: “mas e os trabalhadores que não estão dentro do período de carência do seguro?”, “trabalho autônomo para me sustentar após ter sido demitido, e agora?”; ou, ainda, “minha renda não era suficiente para me sustentar, então eu fazia alguns bicos enquanto autônomo”.
O que fazer para também abarcar a estes trabalhadores em um momento difícil, tal como a crise econômica, que faz com que não haja consumo suficiente para os serviços a estes outros trabalhadores?
Talvez, a resposta esteja no pilar da Assistência Social do Estado, onde é necessário que se forneça ajuda a quem dela necessita, sem necessariamente cobrar destes trabalhadores uma contribuição.
Esta resposta seria, provavelmente, por meio do fornecimento de uma espécie de renda básica a esta população de baixa renda e que não possui, ao menos momentaneamente, a capacidade de se sustentar. Daí a importância de programas assistenciais do governo, tais como o atual Auxílio Emergencial e o Bolsa Família, por exemplo.
CONCLUSÃO
O Estado de Calamidade Pública é uma situação anormal que geralmente ocorre por meio de um desastre natural ou biológico, que acaba por causar grandes consequências a vida das pessoas, também tendo impacto na manutenção dos empregos, uma vez que, trazendo consigo crises econômicas, existe grandes possibilidades das empresas – aqui representados pelos empregadores – não consigam mais vender serviços ou produtos suficientes para justificar a manutenção de tantos empregos durante esta crise econômica, o que acaba proporcionando também grandes desafios aos empregados, que ficam sem sua renda mensal para se manter, muitas vezes junto a sua família.
Nesse sentido, o presente trabalho buscou, durante o seu decorrer, demonstrar a estreita relação entre o Estado de Calamidade Pública, a necessidade de Assistência Social e o Seguro-Desemprego, de maneira que entende ser necessária a garantia de uma renda básica ao trabalhador em situações em que possa ficar desempregado em decorrência de fatos que acabem ocasionando seu desemprego involuntário, como o Estado de Calamidade Pública também o é.
É preciso que o Estado continue a oferecer esta política assistencialista ao trabalhador e que, de preferência, além da distribuição do Seguro-Desemprego a estes trabalhadores, também forneça maneiras deste trabalhador conseguir voltar ao mercado de trabalho, quer seja por meio de cursos em que o trabalhador conseguirá se manter mais atualizado com as necessidades das empresas, quer seja por meio da promoção de incentivos a empresas para que estas sejam mais propensas a contratar este trabalhador desempregado.
Com o Estado de Calamidade Pública decorrente da pandemia da covid-19, o Estado permitiu que houvesse a desoneração de pagamento de impostos da folha de pagamento destes trabalhadores, diminuindo o recolhimento de encargos trabalhistas importantes. Não entendemos que a diminuição dos direitos dos trabalhadores, neste contexto, seja justificável a este propósito.
O oferecimento de incentivos a estas empresas não precisam vir necessariamente com a diminuição dos encargos trabalhistas, podendo ser feita com o oferecimento de alguma outra vantagem competitiva a elas no decorrer de alguns anos, por exemplo.
O que importa é que haja o incentivo a manutenção de empregos e, quando estes não forem possíveis, a possibilidade de assegurar esta renda básica que é o seguro-desemprego a aqueles que dele necessitam, sem criar entraves maiores que os que já constam na lei e com a maior celeridade possível para o processamento deste.
REFERENCIAS
BALESTRO, M V; MARINHO, D N C; WALTER, M I M T. Seguro-desemprego no Brasil: a possibilidade de combinar proteção social e melhor funcionamento do mercado de trabalho. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922011000200010&script=sci_arttext&tlng=pt
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[1] Professor orientador da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO.
[2] Adesão a PDV afasta direito ao seguro-desemprego, reafirma TST. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-06/adesao-pdv-afasta-direito-seguro-desemprego-reafirma-tst
[3] Jornal Contábil. CLT: Quais os requisitos para receber seguro-desemprego em 2020? Disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/inss-quais-os-requisitos-para-receber-seguro-desemprego-em-2020/
[4] Caixa Econômica Federal. Perguntas Frequentes sobre o Seguro Desemprego. Disponível em https://www.caixa.gov.br/beneficios-trabalhador/seguro-desemprego/perguntas-frequentes/Paginas/default.aspx
Graduanda em Direito pela FAMETRO- Faculdade Metropolitana de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Karine da Silva. Assistência e previdência social, seguro desemprego e o estado de calamidade pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55725/assistncia-e-previdncia-social-seguro-desemprego-e-o-estado-de-calamidade-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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