Danilo Ferraz Córdova
(Orientador)
RESUMO: Este trabalho tem o intuito de analisar de maneira conjunta a União Estável e o Direito Sucessório, tratando-se especificamente do Art. 1.790 do código civil, em contraposição a constituição federal, que passou a tratar de forma diferente os companheiros na condição de herdeiros. No que se considera como entidade familiar, em outras legislações passaram a dispor sobre os direitos do que vivem sob o regime de União Estável, como a Lei 8.971/94 e a Lei 9.278/96, em que foram normas regulamentadoras de diversos direitos. Entretanto isto foi mudando, com o julgamento do Recurso Extraordinário 878694/MG do STF no ano de atuação em 2015, sendo que apenas em maio de 2017, foi analisado pela Corte Superior. Este julgamento, que propôs a inconstitucionalidade do art. 1.790 do código civil, eis que afastou a violação de preceitos constitucionais mínimos, como a igualdade e a dignidade, alem de coibir um retrocesso social, possibilitando, assim, a verdadeira proteção da família pelo Estado.
Palavras-chave: União Estável; Sucessão do Companheiro; Concorrência do Companheiro com os Demais Herdeiros; Inconstitucionalidade do Art. 1.790 do Código Civil.
ABSTRACT: This work aims to analyze jointly the succession rights and the stable union, specifically dealing with art. 1,790 of the Civil Code, in contrast to the Federal Constitution of 1988, began to treat companions differently as heirs. After showing itself to be considerable as a family entity, other legislation started to provide for the rights of those who live under the regime of stable union, such as Law 8.971 / 94 and Law 9.278 / 96, in what were regulatory norms of different rights. This scenario was changing, more precisely as the judgment of the Extraordinary Appeal 878694 / RS of the STF, which, having been assessed in 2015, only in May 2017, was analyzed by the Superior Court. This judgment, which proposed the unconstitutionality of art. 1,790 of the Civil Code, it removed the violation of minimum constitutional precepts, such as equality and dignity, in addition to curbing a real social setback, thus enabling the true protection of the family by the State.
Keywords: Stable Union. Companion Succession. Competition of the Companion with the Other Heirs. Unconstitutionality of Art. 1790 of the Civil Code.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. 1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 1.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE. 1.4 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. 1.5 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. 2. ANÁLISE SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL. 2.1 DEFINIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. 2.2 REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL. 3. A HERANÇA NO REGIME DE UNIÃO ESTÁVEL. 3.1 CONCEITO DE HERANÇA. 3.2 ESPÉCIE DE HERDEIROS. 3.3 ANÁLISE DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL – CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM OS DEMAIS HEDEIROS. 4. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO SOBRE O TEMA. 5. ABORDAGEM JURISPRUDENCIAL. 6. ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 878.694 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Vem viabilizar o entendimento do art. 1.790 do Código Civil, pois desde a sua instituição, foi alvo de criticas doutrinarias, dando ao entendimento de vários juristas o tratamento a Equiparação entre a União Estável ao Casamento, diferenciando e atribuído ao companheiro no quesito de sucessão hereditária, na qual é datado de inconstitucionalidade, o referido tratamento discriminatório não condiz com os preceitos constitucionais, já que a Constituição Federal equiparou a União Estável como entidade familiar. Verificando-se no momento inicial os princípios correlacionados, será analisada a Equiparação da União Estável ao Casamento á Luz da Declaração da Inconstitucionalidade do Art.1.790 do Código Civil, para, após, adentrar na sucessão e a concorrência do companheiro com os demais herdeiros, elencado-se, ao final, o Recurso Extraordinário 878694/MG do STF.
No Item 1 iremos tratar sobre os princípios fundamentais do Direito de Família no que está relacionado a luz do aspecto constitucional, em que se tratando do ramo do Direito que concede tratamento ás pessoas em detrimento dos bens. O que se dar ao Direito de família buscar ter harmonia a igualdade entre os indivíduos, com o intuito de tornar iguais homens e mulheres ou na igualdade de tratamento entre os filhos vindos ou não do casamento ou união estável.
No Item 2 iremos tratar sobre o estudo de conceituar a união estável, sua evolução ao longo dos anos, e enfatizar as suas principais características e seus efeitos no Estado Democrático de Direito no âmbito jurídico.
No Item 3 iremos tratar sobre herança como funciona esse conceito e bem como à ordem de sucessão do convivente sobrevivente e especificamente identificar qual a forma que se aplica a sucessão ao convivente sobrevivente de acordo com o diploma civil. Há ainda, que observar se o dispositivo do Código Civil está em consonância com a norma constitucional, no que diz respeito à sucessão da união estável e a concorrência do companheiro com os demais herdeiros.
No Item 4 iremos tratar sobre o posicionamento doutrinário do tema em questão no que eleva suas considerações no que se pode ser extraídos da doutrina na qual vem tratar da maior parte atrelada ao dispositivo em análise que esta calcado em inconstitucionalidade, no acabam ceifando o princípio da igualdade, atuou o legislador de maneira a ignorar a realidade brasileira.
No Item 5 trata do entendimentos jurisprudenciais, que as Cortes Justiça entendem como constitucional em que o dispositivo diferenciava os cônjuges dos companheiros, sem levado o Julgamento do Recurso Extraordinário 878694/MG do STF.
No Item 6 impõe o julgamento do Recurso Extraordinário 878694/MG do STF, e a decisão no que foi muito satisfatório em questão da sucessão dos companheiros, tendo como Relator o Ministro Roberto Barroso.
1. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Nesta situação que a dignidade da pessoa humana não é um aspecto principiológico atual, já estar evidenciada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu art.1º, que evidencia que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Conforme é fácil perceber que o princípio da dignidade da pessoa humana está vinculado ao fato de perfazer um macro princípio, cabendo aos demais nele se respaldar, de modo que a proteção das necessidades essenciais dos indivíduos possa ser efetivamente assegurada.
1.2 Princípio da Igualdade
O princípio da igualdade também encontra amparo constitucional, estabelecendo, logo no caput do artigo 1.º, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.
Assim, não se trata de no campo do direito de família estabelecer um tratamento igualitário apenas aos cônjuges, mas a todas as pessoas que estão inseridas nesta contextualização, posto que, sob a égide da Constituição Federal, não se mostra mais necessária a instituição do casamento, para que os conviventes possam fazer jus ao princípio da igualdade.
Logo, é possível verificar o seu desdobramento em diversos outros dispositivos constitucionais e, mais precisamente no campo do direito de família, está previsto no artigo 226, parágrafos 3.º e 5.º, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. [...]
§ 5º Os direitos e deveres referentes á sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Segundo autora Maria Berenice Dias (2013, p. 46), “É imprescindível que a lei em si considere todos igualmente, ressalvados as desigualdades que devem ser pesadas para prevalecer a igualdade material". Logo, o legislador não pode tratar de maneira diversa infraconstitucional aqueles que se encontram em patamares semelhantes.
1.3 Princípio da Liberdade
O princípio da liberdade se mostra importante, pois esses direitos marcam a passagem de um estado autoritário para um Estado de Direito, e nesse contexto, o respeito a liberdades individuais, em uma verdadeira perspectiva de absenteísmo estatal.
É nesse sentido que Maria Berenice Dias (2013. p. 45) diz que o princípio da liberdade assegura que o casal possa constituir uma família da forma que lhe aprouver, pouco importando se é uma relação homoafetiva ou heterossexual, não cabendo ao Estado sequer interferir no momento da dissolução do casamento, ou da extinção da união estável.
É nesse sentido que o artigo 1.513 do Código Civil estabelece que “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Mas não que a liberdade pleiteia um tratamento isonômico no âmbito do seio familiar, posto que ambos os conviventes devem decidir de maneira conjunta a forma de como irá se organizar a entidade familiar, de modo que a relação se desenvolva de maneira saudável.
1.4 Princípio da Afetividade
No que tange a Constituição Federal passou a proteger diversos tipos de relações familiares, há de se elencar, assim, manifesta apresentação do princípio da afetividade, visto que muitos dos relacionamentos que vem unindo as pessoas nos últimos anos não estão vinculados ao sangue, mas sim à afetividade.
A força determinante da afetividade, como elemento nuclear de efetiva estabilidade das relações familiares de qualquer natureza, nos dias atuais, torna relativa e, às vezes, desnecessária a intervenção do legislador. “A afetividade é o indicador das melhores soluções para os conflitos familiares”, segundo Paulo Lôbo (2011, p. 73).
É possível afirmar, portanto, que não há qualquer correspondência entre a biologia e o afeto, pois este está atrelado à plena convivência familiar, proporcionando aos indivíduos a felicidade plena, de acordo com Maria Berenice Dias (2013).
1.5 Princípio da Solidariedade
Destacar que a solidariedade foi erigida ao campo jurídico, na medida em que os âmbitos familiares passaram a ser calcados na oferta de ajuda, de modo que interesses e objetivos possam ser alcançados mediante a participação de todos os integrantes da entidade familiar.
Maria Berenice Dias (2015, p. 48) diz que, a solidariedade familiar está respaldada no fato de uma obrigação que um indivíduo tem com o outro, posto que o indivíduo apenas existirá, enquanto coexistir. Portanto, em prol à fraternidade e à reciprocidade, subsiste o princípio da solidariedade irá reger as relações familiares, tendo, inclusive, aparato constitucional:
Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna.
No que visa em que a instituição em questão do princípio de solidariedade familiar, caberá aos integrantes promover a ajuda entre si, realizando ao Estado a necessidade de prover altos encargos no seio familiar em que se encontra devidamente amparados pelo texto constitucional.
2. BREVE ANÁLISE SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL
2.1 Definição de União Estável
Antes de analisar a conceituação da união estável, importa aqui destacar que a mesma não pode ser confundida com o casamento. De acordo com o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa (2009), por óbvio, o casamento diz respeito ao centro do direito familiar, perfazendo um negócio jurídico formal, posto que engloba uma série de formalidades para que a vida comum possa ser estabelecida.
Sobre o casamento, segundo Maria Berenice Dias (2015, p. 147):
O casamento gera o que se chama de estado matrimonial, no qual os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela estatal. Historicamente a família nasce quando da celebração do casamento, que assegura direitos e impõe deveres no campo pessoal e patrimonial. As pessoas têm a liberdade de casar, mas, uma vez que se decidam, a vontade delas se alheia e só a lei impera na regulamentação de suas relações. Assertiva como esta, da doutrina mais tradicional, mostra que a tônica era o interesse de ordem pública, mais prevalente do que o interesse dos próprios cônjuges, que não merecia maior atenção.
Porém, o casamento não é a única forma de se constituir uma família, pois a mesma também pode ser concebida mediante a instituição da união estável.
2.2 Requisitos da União Estável
Os requisitos que denotam a existência da união estável estão previsto no artigo 1.º, da Lei 9.278/96, bem como no art. 1.723 do Código Civil.
Na Lei 9.278/96, pontua-se que "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição da família".
Segundo de Maria Berenice Dias (2015 p. 40), a convivência pública não requer exatamente que todos os atos dos casais sejam efetivamente publicados, eis que, por óbvio, existem determinados atos de foro íntimo, que não devem ser instituídos perante terceiros. Assim, o que a legislação vem exigir é que o relacionamento seja notório, isto é, que haja a demonstração simplória de que os companheiros vivem como se casados fossem.
Ademais, “Certamente não poderá constituir uma união estável quem, por razões morais ou eugênicas, também não puder casar por impedimento absoluto do artigo 1.521 do Código Civil", de acordo com Rolf Madaleno (2013). Há, portanto, a necessidade de se observar os impedimentos previstos na legislação, posto que uma vez configurado, não será possível reconhecer a união estável.
O artigo 1.521 do Código Civil, elenca as causas impeditivas, in verbis:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Neste entendimento, é possível extrair que não podem se casar, de maneira exemplificativa, que não poderão celebrar casamento o adotado com o filho do adotante. Inexistindo qualquer dispositivo legal que mencione os impedimentos que rondam a união estável, por óbvio, este regramento pode ser aplicável nesta situação.
3.A HERANÇA NO REGIME DE UNIÃO ESTÁVEL
3.1 Conceito de Herança
Destaca-se que a herança pode ser entendida como sendo um conjunto de determinado acervo de bens que é transmitido para os herdeiros mediante o evento causa mortis. Nesse passo, segundo entendimento Cesar Fiuza (2009) implementa que a herança resta constituída tanto pelo ativo, quanto pelo passivo, sendo que o primeiro diz respeito aos créditos, ao passo que, o segundo, está vinculado aos débitos deixados pelo falecido.
É importante salientar que a herança pode ser intitulada como acervo hereditário, bem como patrimônio hereditário ou massa hereditária, sendo considerada, verdadeiramente, como uma universalidade de direito, no qual se envolve um conjunto de relações jurídicas, com conotação econômica, podendo também ser considerada um bem imóvel, predominando ainda o entendimento de que é um condomínio indivisível.
3.2 Espécies de Herdeiros
Inicialmente, importa esclarecer que a primeira espécie de herdeiro a ser salientada neste estudo acadêmico é o legítimo, que é aquele que vem descrito na legislação, mais precisamente no artigo 1.829 do Código Civil, conforme segue:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Nesse sentido a sucessão legítima pode ser entendida como sendo aquela que tem o condão de abranger o cônjuge e os colaterais, assim como os ascendentes e os descendentes, na hipótese em que estes herdeiros não tenham sido excluídos da linha sucessória.
Por sua vez, a sucessão testamentária encontra guarida no artigo 1.799, do Código Civil, que dispõe da seguinte forma:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III- as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
Sendo assim, o testamento consiste na declaração de última vontade daquele que faleceu e, diante disso, beneficiará aquele que nele tenha sido incluído, sendo denominado como herdeiro testamentário.
Diante disso, mediante o instrumento do testamento, resta possibilitado que os indivíduos possam receber determinado patrimônio, sem que, para tanto, estejam previsto na legislação como herdeiros legítimos.
Há também a figura dos herdeiros necessários, disposta no artigo 1.845, do Código Civil, estabelecendo que "São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge". Consoante se depreende da norma civilista, os herdeiros necessários são os denominados descendentes, ascendentes, assim como o cônjuge.
Portanto, na condição de herdeiro necessário ressalto que caberá aos descendentes, ascendentes, assim como ao cônjuge ao menos cinquenta por cento do acervo hereditário e, diante disso, mostra-se evidente que não poderá haver a disposição de todos os bens mediante testamento.
3.3 Análise do Artigo 1.790 do Código Civil – Concorrência do Companheiro com os Demais Herdeiros
O artigo 1.790, do Código Civil, dispõe que:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis terá direito à totalidade da herança.
Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2015) explicam que o diploma civilista de 2002 contemplou a possibilidade dos companheiros também participarem da sucessão e, levando-se em consideração que não se trata de mera faculdade, perfaz um direito do convivente que deve ser efetivado na prática, o que exclui qualquer margem de liberalidade.
Segundo autora Maria Berenice Dias (2015, p. 256), quando comparado aos cônjuges, “O direito à concorrência sucessória também é diferente. Quando concorre com os descendentes e ascendentes, o direito do companheiro se limita aos bens adquiridos onerosamente na vigência do relacionamento"
Deste dispositivo, torna-se possível extrair os aspectos que abaixo estão elencados:
a. Possibilidade de o companheiro participar da sucessão, mas apenas quanto aos bens adquiridos de maneira onerosa, após o início da união estável;
b. Na hipótese da prole for comum, possibilita-se que o companheiro herde cota similar ao que for atribuído a cada filho;
c. Na hipótese da prole não ser comum, o companheiro terá direito a metade da herança de cada filho;
d. Quanto se tratar de parentes suscetíveis, fará jus a um terço;
e. Herdará sua integralidade, apenas quando não houver qualquer destes parentes.
Nesse contexto se os bens foram adquiridos antes da união estável ou de modo gratuito, o companheiro residual não participará deste quinhão, ficando completamente excluído da herança. Portanto, resta excluída a possibilidade do companheiro participar da sucessão quando os bens forem adquiridos de maneira onerosa antes da união estável, ou, após a instituição da mesma, mas a título gratuito.
Ainda, que se mostre plausível a concorrência do companheiro com os filhos, sejam eles da prole comum, sejam apenas do autor da herança, há de se enaltecer que não é possível suportar a divisão da herança com os parentes mais remotos, que muitas vezes sequer mantinha proximidade com o falecido.
Assim, concluem os autores que apenas se possibilita a concorrência do companheiro quanto aos bens que efetivamente foram adquiridos de maneira onerosa durante a constância da união estável, posto que se presume o esforço em comum.
Este artigo foi alvo de diversas criticas doutrinárias, que serão elencadas no tópico a seguir.
4. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO SOBRE O TEMA
Levando-se em considerações os diversos posicionamentos que podem ser extraídos da doutrina, que, frise-se, a maior parte está atrelado ao fato do dispositivo em análise estar calcado em inconstitucionalidade.
Segundo autor Arnoldo Wald (2012), em seu livro acrescenta que a redação dada a este dispositivo é inadequada, pois não atribui ao companheiro à condição de herdeiro necessário, tal como ocorre com o cônjuge, sendo, portanto, uma norma dotada de deficiência, ocasionando, mais especificamente nas relações familiares, um retrocesso jurídico.
O Código Civil modificou, sensivelmente, as regras sucessórias entre os companheiros, alterando, sobremaneira, a sistemática vigente nas Leis nº 8.971/94 e 9.278/96.
Modificou para pior, visto não ter atribuído aos companheiros o mesmo tratamento sucessório conferido aos cônjuges, ora, descrito no artigo 1.829, do Código Civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
É evidente que além dos aspectos discriminatórios que advém do tema, que acabam ceifando o princípio da igualdade, atuou o legislador de maneira a ignorar a realidade brasileira, eis que muitas pessoas não estão mais celebrando casamento, mas apenas vivendo em união estável, o que não é motivo suficiente para a instituição deste tratamento equivocado.
5. ABORDAGEM JURISPRUDENCIAL
Pondera-se de maneira inicial a Apelação Cível 70064484645, cujo entendimento é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Para esta Corte de Justiça, há de se elencar o entendimento no qual se admite a aplicabilidade do artigo 1790 do Código Civil, no caso concreto, de modo a mencionar que o direito do companheiro é sobre aqueles bens que tenham sido conseguidos de maneira onerosa, somado ao fato de que também deve ter sido adquirido após a configuração do início da união estável.
Portanto, para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, este é o direito do companheiro, em consonância com o artigo 1.790, do Código Civil, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO.
O companheiro sobrevivente participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Inteligência do artigo 1.790 do CC. Concorrendo com filho comum, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuído ao filho. Inteligência do inciso I do art. 1.790 do CC. Apelação desprovida.
Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do São Paulo, conforme Agravo de Instrumento 20689579720158260000 delimitou a constitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil, bem como a impossibilidade de se aplicar o artigo 1.829, do mesmo diploma cível, que trata dos direitos sucessórios do cônjuge, aos companheiros:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DE COMPANHEIRA.
Decisão agravada que ressalvou a necessidade de observância do artigo 1.829 do Código Civil para a apresentação da partilha quanto aos direitos da companheira. Inconformismo dos herdeiros. Acolhimento parcial. Impossibilidade de aplicação do artigo 1.829 do CC à companheira. Constitucionalidade do art. 1790, do CC que foi reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça. Companheira que participará da sucessão nos termos do artigo 1.790 do Código Civil. Questão relativa ao direito real de habitação que não foi objeto da decisão agravada. Recurso parcialmente provido.
Diante destes entendimentos jurisprudenciais, é forçoso acreditar que durante muitos anos as Cortes de Justiça entenderam como constitucional um dispositivo que tratava de maneira diferenciada os cônjuges e companheiros, sendo esta idéia levada a cabo com o julgamento do Recurso Extraordinário 878694/MG do STF.
6. ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 878.694/MG DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG do Supremo Tribunal Federal foi um passo importante e relevante para a questão da sucessão dos companheiros, tendo como Relator o Ministro Roberto Barroso.
Pode-se verificar do voto do Ministro Edson Fachin (2017, p. 7/8) que:
Essa matemática não encontra respaldo na Constituição de !988, pois não há guarida no texto constitucional vigente para as distinções estabelecidas entre as opções dos membros de uma família por um ou outro modelo de conjugalidade.
Tal qual acultissimamente posto no voto do Ministro Roberto Barroso, a hermenêutica constitucional conduz a uma equiparação, em prestigio ao princípio da isonomia ( art. 5º, I, e art. 226, § 3º, da Constituição da República), dos regimes sucessórios dos cônjuges e companheiros, de modo a reconhecer-se, incidentalmente, no presente recurso extraordinário, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil.
Ademais, para que não se estabeleça indesejável lacuna no ordenamento jurídico quanto ao tema, deve-se aplicar para os integrantes de ambos os modelos de conjugalidade as mesmas regras, quais sejam, aquelas do art. 1.829 e seguintes do Código Civil.
Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso extraordinário para que seja restabelecida a sentença de 1º grau.
É possível visualizar que no trecho acima transcrito o Ministro Edson Fachin acompanhou o Ministro Roberto Barroso em seu competente voto.
Do entendimento do Ministro, é possível subsumir que o tratamento diferenciado entre cônjuges e companheiros no trato do direito sucessório não encontra amparo constitucional, eis que não se mostra plausível atribuir aspectos diferenciadores aos membros de determinada família apenas pelo fato de terem optado por outra forma de conjugalidade.
De acordo com o Sítio Eletrônico do Supremo Tribunal Federal (2017, p. única), costa que os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli procederam de maneira a negar provimento ao recurso extraordinário, visto não haver qualquer extrapolação por parte do Poder Legislativo, cuja conduta, de ter tratado de maneira diferenciada os companheiros dos cônjuges, não ceifaram os limites impostos pela Constituição Federal, tampouco ocasiona retrocesso social. No mesmo sentido foi o entendimento do Ministro Lewandowski:
Já na continuação do julgamento do RE 878694, o ministro Marco Aurélio apresentou voto-vista acompanhado a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli na sessão do ultimo dia 30 de março. Na ocasião, Toffoli negou provimento ao RE ao entender que o legislador não extrapolou os limites constitucionais ao incluir o companheiro na repartição da herança em situação diferenciada, e tampouco vê na medida m retrocesso em termos de proteção social. O ministro Lewandowski também votou nesse sentido na sessão de hoje.
Na decisão final, consta que:
Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 809 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que votaram negando provimento ao recurso. Em seguida, o Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou tese nos seguintes termos: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC”. Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que votaram em assentada anterior, e, neste julgamento, o Ministro Luiz Fux, que votou em assentada anterior, e o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2017.
Da decisão acima pontuada, é possível extrair os seguintes pontos:
a. Reconhecimento de maneira incidental sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil;
b. Possibilidade daqueles que mantêm união estável participarem da herança conforme reza o artigo 1.829, do Código Civil, que diz respeito ao direito sucessório dos cônjuges;
c. Inconstitucionalidade acerca da distinção dos regimes sucessórios;
d. Aplicação do artigo 1.829, do Código Civil para os cônjuges e companheiros.
Ainda, conforme se denota do sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal (2017, p. única), subsume-se que “Pelo sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”.
Diante disso, conforme entendimento alavancado pelo Supremo Tribunal Federal há de se concluir que não resta mais admitido qualquer tratamento diferenciado entre companheiros e cônjuges no que tange o direito sucessório, sendo possível visualizar um grande avanço sobre o tema, além de esta decisão resguardar diversos preceitos constitucionais explícitos, como a dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da igualdade.
CONCLUSÃO
Este estudo elencou a questão da sucessão na união estável, sob as luz dos princípios do direito que versam sobre a matéria e, principalmente, sob a ótica doutrinária e jurisprudencial, em que diversos juristas se debruçaram para defender ou não a constitucionalidade prevista no artigo 1.790, do Código Civil. As uniões estáveis, durante muitos anos, foram um relacionamento em que se calcou grande discriminação, visto que não existindo as formalidades advindas do casamento, mostrava-se dificultoso o seu reconhecimento.
A Constituição Federal, apenas procedeu de maneira a reconhecer esta instituição como sendo uma entidade familiar e muitos posicionamentos digam-se, controversos, foram se formando ao longo dos anos, especialmente pelo Código Civil ter atribuído um regime sucessório diferenciado aos companheiros, quando comparados com o cônjuge. Certamente, a união estável necessita do preenchimento de determinados requisitos para que seja possível a configuração no caso concreto, como a publicidade e o intuito de constituir família, por exemplo, na qual não pode ser confundido com o casamento, que exige uma série de formalidades para a sua concretização.
Entretanto, isto não dá direito ao legislador de atribuir aos cônjuges e companheiros regimes manifestamente diferenciados, pois existe uma vasta gama de princípios que devem ser observados no caso concreto, mais precisamente no âmbito das relações familiares, como a afetividade, a dignidade da pessoa humana, e a solidariedade.
Diante disso, em se tratando de patrimônio, verifica-se claramente a impossibilidade de haver qualquer tratamento diferenciado, especialmente no artigo 1.790 do Código Civil, que, além de dispor que os conviventes apenas possuem direitos aos bens onerosos, que foram adquiridos após a instituição da união estável, ainda terá que dividir até mesmo aos parentes de quarto grau, que muitas vezes sequer era próximo do falecido.
A doutrina sempre se mostrou manifestamente contrária a este dispositivo, entendendo que se encontra imbuído de inconstitucionalidade, sendo uma redação inadequada, precária e que não deve prosperar.
Além de ignorar a atual realidade brasileira, em que muitos casais estão vivendo sob o regime da união estável, também proporciona grande vantagem aos parentes mais distantes, que muitas vezes sequer mantinham contato com o falecido.
Em que o esforço da doutrina, a maior parte da jurisprudência sempre se posicionou de maneira a reconhecer a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, pois a Constituição Federal elencou como entidade familiar a união estável, mas não fez alusão, em qualquer momento, ao fato deste relacionamento ser detentor dos mesmos direitos provenientes do casamento.
Entendimento jurisprudencial que se mostrou favorável ao reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil, mais especificamente dos incisos III e IV, foi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos de Arguição de Inconstitucionalidade no Recurso Especial 1135354/PB, eis que o conteúdo da norma não vem se coadunando com os atuais anseios sociais. Diante de vários desentendimentos sobre o tema, sobreveio o julgamento do Recurso Extraordinário 878694/MG, em que o STF reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, de modo a resguardar os mesmos direitos sucessórios proporcionados ao cônjuge, ora constante no artigo 1.829, do Código Civil.
É possível visualizar que os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Lewandovski reconheceram a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, ao passo que o Ministro Relator Roberto Barroso, bem como o Ministro Edson Fachin procederam ao levantamento da inconstitucionalidade desta normal aplicando-se, assim, o conteúdo inserto no artigo 1.829, do Código Civil, também aos conviventes.
Diante disso, conforme entendimento do STF há de se concluir que não resta mais admitido qualquer tratamento diferenciado entre companheiros e cônjuges no que tange o direito sucessório, sendo possível visualizar um grande avanço sobre o tema, além de esta decisão resguardar diversos preceitos constitucionais explícitos, como a dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da igualdade.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Raimundo Gabriel Nogueira dos. A equiparação da união estável ao casamento à luz da declaração da inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55749/a-equiparao-da-unio-estvel-ao-casamento-luz-da-declarao-da-inconstitucionalidade-do-art-1790-do-cdigo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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