WENAS SILVA SANTOS[1]
Resumo: Em 09 de março de 2015, entrou em vigor a Lei 13.104/2015, que modificou o artigo 121 do Código Penal, acrescentando o crime de feminicídio, uma qualificadora do homicídio, incluso no rol de crimes hediondos. O feminicídio é o homicídio praticado contra mulher por razão do sexo feminino. O presente trabalho tem o objetivo de verificar sobre a possibilidade de a transexual figurar como sujeito passivo no crime de feminicídio, analisar as discussões doutrinárias sobre três critérios para definir quem pode ser mulher: critério biológico, jurídico e psicológico. Trata-se de um estudo qualitativo, mediante a utilização de livros conseguidos na biblioteca, na internet, e adquiridos, bem como artigos científicos publicados em sites acadêmicos, revistas, jornais e leis. Com o resultado da pesquisa foi possível concluir que a mulher transexual pode sim figurar como sujeito passivo do crime de feminicidio.
Palavras-chave: Feminicídio. Lei 13.104/2015. Gênero. Mulheres transexuais.
Abstract: On March 9, 2015, Law 13,104 / 2015 came into force, which amended article 121 of the Penal Code, adding the crime of feminicide, a qualifier for homicide, included in the list of heinous crimes. Femicide is the homicide committed against women due to the female sex. The present work has the objective of verifying on the possibility of the transsexual being a passive subject in the crime of feminicide, analyzing the doctrinal discussions on three criteria to define who can be a woman: biological, legal and psychological criteria. It is a qualitative study, using books obtained in the library, on the internet, and acquired, as well as scientific articles published on academic websites, magazines, newspapers and laws. With the result of the research it was possible to conclude that the transsexual woman can appear as a passive subject of the crime of feminicide.
Keywords: Feminicide. Law 13.104 / 2015. Genre. Transsexual women
Sumário: Introdução. 1. Sexo e Identidade de gênero. 1.1. Transexualidade. 1.2. Cirurgia de Redesignação Sexual. 1.3. Alterações do nome e sexo no registro civil. 2. Feminicídio. 2.1. Ordenamento Jurídico da Lei 13.104/2015. 3. Aplicabilidade do feminicídio para as mulheres. 3.1. Critério Biológico. 3.2. Critério Jurídico. 3.3. Critério Psicológico. 4. Entendimento Jurisprudencial. 5. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
Introdução
A lei 13.104/2015 entrou em vigor no dia 09 de março de 2015, alterando o artigo 121 do Código Penal, e o feminicídio foi classificado como crime hediondo. Foi acrescentado o inciso VI e o §2°-A. No inciso VI dispõe que ocorrerá o feminicídio quando o homicídio é praticado contra a mulher, por razão do sexo feminino. Já no §2°-A, esclarece que o homicídio da mulher é considerado como razão da condição do sexo feminino, quando o crime envolver violência doméstica ou familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A pena desse crime é a reclusão de doze a trinta anos, e ocorrerá aumento de pena de 1/3 até metade, se o crime for praticado durante gestação ou três meses após o parto; contra mulher menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; e na presença de ascendente ou descendente da vítima.
O Projeto de Lei que deu origem a Lei 13.104/2015, foi a PL 8.305/2014. Porém, ocorreu uma alteração na lei, em que, na PL constava: “contra a mulher por razões de gênero”, e na Lei 13.104/205, consta: “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”. Houve a alteração da expressão gênero para sexo, ocorrendo assim, uma exclusão com as mulheres transexuais.
Alguns doutrinadores mais modernos entendem que a mulher transexual pode sim figurar como sujeito passivo do feminicídio, seguindo o critério jurídico, em que a transexual alterou o seu registro civil, e nele constar como sexo feminino. Já alguns doutrinadores mais conservadores, que seguem o critério biológico, afirmam que a transexual não poderá figurar como sujeito passivo do feminicídio, pois segundo esse critério, que a mulher é identificada através da concepção genética, sendo assim, mesmo a transexual passando pela cirurgia de redesignação sexual, seria alterada a estética, mas não a concepção genética, então, para esse critério, a transexual não poderia ser vitima do feminicídio.
Este artigo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, em doutrinas, jurisprudências, artigos publicados em sites acadêmicos, jornais e legislações vigentes referentes ao tema, portanto caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa. Portanto, tem-se como objetivo analisar sobre a possibilidade de a mulher transexual figurar como sujeito passivo do feminicídio.
Desse modo, o primeiro capítulo tratará sobre a diferença de sexo e gênero, como se conceitua a transexualidade, como ocorre a cirurgia de redesignação sexual e a alteração do nome e sexo no registro civil.
O segundo capítulo foi discutido sobre o feminicídio, sobre a sua origem, quando ocorrerá, a aplicação do ordenamento jurídico da Lei 13.104/15, e sobre dados do feminicídio no Brasil. O terceiro capítulo foi abordado a respeito dos critérios para definição de mulher, tratando dos critérios: biológico, jurídico e psicológico. E, por fim, o quarto capítulo tratou da possibilidade de a transexual ser vítima no feminicídio, sendo analisado o entendimento jurisprudencial.
1. Sexo e Identidade de Gênero
O Projeto de Lei que deu origem a Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, foi a PL 8.305/2014. Porém, ocorreu uma alteração na lei, em que, na PL constava: “contra a mulher por razões de gênero”, e na Lei 13.104/2015, consta: “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”. Houve a alteração da expressão gênero para sexo. Porém, as expressões sexo e gênero possuem um significado diferente.
Sexo se refere às características biológicas que se distinguem dos homens e das mulheres. O sexo biológico é o sexo anatômico, físico e pode ser constatado pelos órgãos sexuais externos (MONTEIRO, 2017).
Sexo é a aparência física externa da pessoa, em que no instante do nascimento de um recém-nascido, é determinado se é um menino ou uma menina, levando em conta o visual do corpo da criança e qual o órgão sexual externo. (EIRAS, 2019).
O gênero se diz respeito sobre a identidade, a personalidade que uma pessoa se identifica, se assemelha; o gênero não se determina pelo sexo, e sim a relações sociais, culturais, e está vinculado ao dever que uma pessoa tem na comunidade e como que ela se identifica. (CUNHA, 2014).
Gênero está ligado a um complexo de representações culturais, sociais, econômicas, e que é composta com base na distinção biológica dos sexos, o homem e a mulher.
Porém, gênero é confundido com identidade de gênero, em que gênero é concepção social e a identidade de gênero é como um sujeito se compreende como pessoa e como demonstra quem é. (EIRAS, 2019).
Identidade de gênero é a maneira como a pessoa se identifica e se compreende no que diz respeito com o seu gênero. (BERNADINO, 2020).
Apesar de uma pessoa nascer do sexo masculino ou feminino, esse indivíduo pode se reconhecer como homem ou mulher, independente do seu sexo biológico.
Existem três principais tipos de identidade de gênero: cisgênero, transgênero e não-binário.
Cisgênero é a pessoa que nasceu com um sexo biológico masculino ou feminino e o seu gênero se reconhece com o seu sexo biológico. Ex: uma mulher (identidade de gênero) com o sexo denominado como feminino (sexo biológico). (OKA, 2020)
Transgênero, é a pessoa que não se reconhece com o seu gênero que lhe foi determinado, não há relação entre o psicológico e o sexo biológico, podendo ser uma travesti, uma mulher transexual ou homem transexual. Ex: uma mulher (identidade de gênero) com o sexo designado como masculino (sexo biológico), no caso, é uma mulher transexual. (MONTEIRO, 2017)
Não-binário: é a pessoa que não se sente adequado inteiramente nem como mulher, nem como homem. (OKA, 2020)
1.1 Transexualidade
O termo transexualidade adveio pela primeira vez por volta dos anos de 1950, depois de uma intervenção médica pelo Dr. Christian Hamburguer, na alteração da aparência sexual por via de hormônios e cirurgias, da mulher trans Christine Jorgensen. O endocrinologista responsável foi o Dr. Harry Benjamin, e oferecia auxilio as pessoas que não se aceitavam com seu sexo biológico e desejava a mudança de sexo. (FRIGNET, 2002, p. 24).
Transexualidade é quando a condição sexual da pessoa não se identifica com sua identidade genética e a própria anatomia de seu gênero, reconhecendo-se psicologicamente com o gênero oposto do seu sexo biológico. Refere-se a um drama jurídico-existencial por existir uma desarmonia entre a identidade sexual física e psíquica. (DINIZ, 2012).
Transexual é uma pessoa que se reconhece psicologicamente e socialmente com o sexo oposto do seu. A pessoa possui as características físicas do sexo mencionado na sua certidão de nascimento, mas se considera relacionado ao sexo oposto do seu. Enfim, a transexual feminino, é uma mulher existindo em um corpo do sexo masculino e o transexual masculino é um homem vivendo no corpo de uma mulher. Nessa situação, a cirurgia de mudança de sexo, a redesignação sexual pode se demonstrar como uma forma essencial para a adaptação do seu estado físico e psíquico (Cardoso, 2008).
A pessoa transexual, o seu psicológico não se sente bem com o seu biológico, e isso acaba provocando sofrimento, manifestando aspectos de depressão, angustia, ansiedade, inconformismo e negação pelo seu próprio corpo. Sofre um incomodo psíquico com seu sexo biológico, e com isso, deseja muito ter seu corpo readaptado ao sexo oposto em que considera possuir.
1.2 Cirurgia de Redesignação Sexual
A primeira cirurgia de redesignação sexual ocorreu em 1952, pelo Dr. Christian Hamburguer, na alteração da aparência sexual por via de hormônios e cirurgias, da mulher trans Christine Jorgensen. O endocriniologista responsável foi o Dr. Harry Benjamin, e oferecia auxilio as pessoas que não se aceitavam com seu sexo biológico e desejava a mudança de sexo. (FRIGNET, 2002, p. 24).
Assim, a primeira conquista dos transexuais ocorreu em 10 de setembro de 1997, em que o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n° 1.482/97, autorizou, “a titulo experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo”. Na resolução, considera que o paciente é transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e com certa tendência à automutilação e ou autoextermínio. (RESOLUÇÃO CFM n° 1.482/97).
Em 12 de agosto de 2010, a resolução de 1482/1997 foi revista e substituída pela resolução n° 1955/2010, em que foi retirada a palavra experimental que continha na resolução anterior, e independe de autorização judicial.
No artigo 3° da resolução 1.955/2020, dispõe sobre os critérios para que o transexual realize a cirurgia de redesignação sexual:
“Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.”
Pela leitura do artigo 13 do Código Civil, pode-se considerar que existe uma repressão de que se realize o ato cirúrgico de transgenitalização, a redesignação sexual, conforme dispõe:
“Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”
Apesar de que esta pressuposta proibição descumpra a garantia da dignidade da pessoa humana, assegurada constitucionalmente. De acordo com a IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo CJF/STJ, o Enunciado 276, dispõe:
“O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.”
A cirurgia de transgenitalização, também conhecido como redesignação sexual, que ocorre com a neocolpovulvoplastia, que é a cirurgia de alteração da genitália masculina para feminina, poderá ser efetuado em hospitais públicos ou privado, independente da atividade de pesquisa. Já a neofaloplastia que é de maneira inversa, muda o aparelho feminino para o masculino, e só poderá ser realizada em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa. Em nenhuma dessas cirurgias, não precisa da autorização judicial. (FARIAS; ROSENVALD, 2011).
1.3 Alterações do nome e sexo no registro civil
O direito e a proteção ao nome estão previstos no artigo 16 do Código Civil, que dispõe: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
O direito ao nome é espécie dos direitos da personalidade, referente ao gênero do direito à integridade moral, visto que toda pessoa tem o direito à identidade pessoal, de ser identificado por denominação própria pela sociedade. (GONÇALVES, 2017).
Porém, para o transexual, mesmo após ter realizado a cirurgia de redesignação sexual, o mesmo tem que buscar por meio do judiciário, que o seu registro civil seja adaptado para a nova realidade, que é o novo sexo, sendo assim, necessita da reparação do sexo e do novo prenome escolhido pela pessoa (CARDIN; BENVENUTO, 2013).
Na lei 6.015/1973, no artigo 58, dispõe que, o prenome é definitivo, que para ocorrer à alteração, somente em caso excepcionais como de erro, exposição ao ridículo e adoção. No seu paragrafo único, consta acerca da possibilidade de substituição do prenome por apelidos públicos e notórios.
Não é encarado justo para uma pessoa que é física e psicologicamente de um sexo, e em seu registro civil e outros documentos, esteja constando o sexo e o nome diferente da sua nova realidade. (CARDIN; BENVENUTO, 2013).
No dia 09 de maio de 2017, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a pessoa transexual poderá modificar o sexo e o prenome que consta no seu registro civil, sem ser necessário ter realizado a cirurgia de redesignação sexual, porém tem que comprovar por meio judicial sua mudança de sexo. E ainda, diante disso, a averbação no registro civil não poderá abranger, mesmo que de forma sigilosa, a denominação “transexual”, o sexo biológico e os motivos de modificação. (STJ, 2017).
E ainda em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por meio da ADI 4275, a possibilidade de os transexuais alterarem o registro civil, sem a necessidade da cirurgia de mudança de sexo. O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) defende que o transexual tem o direito em adaptar os seus documentos, referente ao nome e ao sexo, pois segundo ele, não adianta vencer essa dificuldade, que é a dicotomia físico-psíquica, sendo que a pessoa vai continuar lidando com o constrangimento de se identificar como portadora do sexo oposto ao seu. (DE MELLO, 2018).
2. Feminicídio
A expressão feminicídio, vem do termo femicide em inglês, que foi utilizado pela primeira vez na década de 1970, por Diana Russel no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, que ocorreu na cidade de Bruxelas, no ano de 1976, a fim de identificar e dar transparência em relação à opressão, abuso, discriminação, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que pode ocasionar em morte. (PASINATO, 2011).
As expressões Feminicídio e femicídio geralmente são utilizadas como sinônimos, consistindo no homicídio contra mulher por razões de gênero. Porém, existe uma diferença entre essas duas expressões. O termo feminicídio é homicídio praticado contra mulher por razões de gênero, a vítima do sexo feminino, contendo ódio ou menosprezo por sua condição, enquanto que a expressão femicídio é o homicídio da mulher. (SILVA, [201-]).
O feminicídio é dividido em três subtipos: feminicídio íntimo, não íntimo e por conexão. O feminicídio íntimo é aquele homicídio praticado por homem sendo que tem ou teve uma relação íntima, doméstica, de convivência com a vítima mulher. Envolvem o homicídio praticado por parceiro sexual sendo, companheiro, namorado, marido, podendo ter sido uma relação atual ou passada. Já o feminicídio não íntimo é aquele realizado por homem sendo que não possuía relação próxima com a vítima mulher, doméstica ou convivência, que não conhecia a vítima, porém sustenta menosprezo pela condição de mulher vem a assassiná-la. O feminicídio por conexão ocorre quando a mulher é assassinada, pois tenta interferir para impossibilitar um homicídio contra outra mulher, e assim termina morrendo, sendo que esta pode ser parente, mãe, filha, amiga, ou até mesmo uma mulher desconhecida. (PASINATO, 2011).
2.1 Ordenamento Jurídico da Lei 13.104/2015
No dia 09 de março de 2015, a partir do Projeto de Lei n° 8.305/2014, foi aprovada a Lei n° 13.104/2015, em que foi adicionada uma qualificadora ao crime de homicídio, que é o Feminicídio, e classificando esse crime como hediondo. Essa Lei alterou o artigo 121 do Código Penal, acrescentando o inciso VI, e o §2°-A. (BRASIL, 2015).
A Lei 13.104/2015 adicionou o inciso VI no artigo 121 do Código Penal, o feminicídio, compreendido como o homicídio de uma mulher em razão da condição do sexo feminino. A existência da qualificadora determina a condição de violência cometida contra a mulher, em circunstância definida por relação de poder e submissão, realizada por homem ou mulher sobre mulher em condição de vulnerabilidade. O §2°-A foi adicionado para demonstrar quando o homicídio da mulher deve ser analisado por causa da condição do sexo feminino, a pena desse crime é reclusão de doze a trinta anos (CUNHA, 2018).
“VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”
Em relação ao inciso I, considera-se que ocorre o homicídio contra mulher por razão do sexo feminino quando o crime envolver violência doméstica e familiar, o conceito de violência doméstica e familiar está previsto no artigo 5° da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que dispõe:
“Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”
Para que se caracterize a violência doméstica ou familiar determinadora do feminicídio, é preciso que a violência tenha como motivo o gênero feminino, não sendo suficiente que a vítima seja a esposa, namorada, companheira, filha, etc. Se o marido assassina a esposa, pois a mesma não quis ter relação sexual ou pediu o divórcio, configura-se feminicídio. Porém, se o homem mata a esposa, pois queria receber o seguro de vida que a esposa contratou, não seria tipificado como feminicídio, e sim como homicídio qualificado pelo motivo torpe (GONÇALVES, 2016)
No inciso II do §2°-A, ocorrerá a qualificadora do homicídio quando houve o crime de homicídio contra mulher por razão do sexo feminino, quando se tratar de menosprezo e da discriminação à condição de mulher. O menosprezo é compreendido na definição de desprezo, indiferença; já a discriminação possui a definição de agir de maneira diferente com a pessoa, a diferença pelo motivo da vítima ser mulher. Nesse caso, a vítima pode ser uma mulher em que o autor do crime não conhece a mesma (GRECO, 2017).
O crime de feminicídio pode ser cometido por qualquer pessoa, seja homem ou mulher.
No §7°, artigo 121 do Código Penal, também acrescentado pela Lei n°. 13.104/2015, dispõe sobre a pena do feminicídio que será aumentada de 1/3 até a metade quando for praticado:
“§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;”
Nos incisos I e II do §7° do art. 121 do CP, para que o autor do feminicídio possa ter a sua pena aumentada, é necessário que ele tivesse conhecimento que a vítima estava gravida ou que havia realizado seu parto há 3 meses, ou que a vítima era menor de 14 anos ou maior de 60. (GRECO, 2017)
No inciso II, faz a utilização da expressão “com deficiência” que será uma causa de aumento de pena, em qualquer dos tipos de deficiência: Auditiva, física, visual, mental ou múltipla.
No inciso III, será aplicado o aumento de pena quando o feminicídio for praticado na presença de descendente ou ascendente da vítima, quer dizer, a pessoa observar a pratica do homicídio. Pode-se suceder tanto pessoalmente quanto virtualmente, por meio de computador ou celular. (GRECO, 2017).
O Brasil ocupa 5° posição no Ranking Mundial de Feminicídio. Nos casos de feminicídio, o Brasil apresentou um aumento de 7,3% em 2019, em relação ao ano de 2018. Foram 1.314 mulheres assassinadas pelo motivo de serem mulheres, uma média de 1 mulher a cada 7 horas, ou seja, a cada dia, três mulheres são assassinadas pelo fato de serem mulheres. (G1, 2020).
3. Aplicabilidade do feminicídio para as mulheres
Segundo a Lei 13.104/2015, para acontecer o crime de feminicídio, é necessário que o sujeito passivo seja uma mulher, e que o crime tenha sido realizado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. Sendo assim, quem pode ser vista como mulher, para fins de reconhecimento do homicídio qualificado, quem pode figurar como sujeito passivo do feminicídio?
Neste tópico será trabalhado a respeito dos critérios biológico, jurídico e psicológico, com a finalidade de apresentar os conceitos e as definições para cada um dos critérios, à luz da legislação e o posicionamento doutrinário sobre o determinado assunto.
3.1 Critério Biológico
Para os doutrinadores mais conservadores, é definida como mulher a sua concepção genética ou cromossômica. Esse critério reconhece homem ou mulher pelo sexo morfológico, genético e endócrino. Para esses doutrinadores a cirurgia de redesignação sexual, a neocolpovulvoplastia modifica a estética, porém não altera a concepção genética, que mesmo alterando o órgão genital, geneticamente não é mulher. Para esse critério, não seria possível a transexual figurar como sujeito passivo no crime de feminicídio. (Barros, 2016)
3.2 Critério Jurídico
Os doutrinadores mais modernos apoiam o critério jurídico. Para esse critério, é reconhecida como mulher aquela que for portador de um registro oficial, a certidão de nascimento, documento de identidade. Nesse documento, tem que demonstrar claramente, o sexo feminino. No caso da transexual, que a vítima nasceu com o sexo masculino, em que constava na sua certidão de nascimento, porém, como não se reconhece com o seu sexo biológico, entra com uma ação judicial, para a alteração da mudança de sexo, e assim, o seu registro oficial é modificado, consistindo agora, como pessoa do sexo feminino. Sendo assim, a partir desse instante, conforme a posição do critério jurídico poderá figurar como sujeito passivo no crime de feminicídio. (Greco, 2017).
Segundo Cunha (2018), é considerada mulher aquela que é reconhecida por meio judicial. Para ele, a transexual que formalmente conseguiu o direito de ser reconhecida civilmente como mulher, não há como rejeitar a incidência da lei penal, pois, para todos os efeitos, esta pessoa é reconhecida como mulher.
3.3. Critério Psicológico
O critério psicológico é considerado quando alguém do sexo masculino, psicologicamente, considerar pertencer ao sexo feminino, e vice-versa, isso é o que acontece com os transexuais. (Greco, 2017).
O transexualismo, segundo o Genival Veloso de França (2019) é:
“Uma inversão psicossocial, uma aversão e uma negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e insistirem em uma forma de curar por meio da cirurgia de reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado gênero.”
Em vista disso, os doutrinadores que apoiam o critério psicológico entendem que toda pessoa que se reconhece como sendo do gênero feminino, apesar de não ter feito a realização da cirurgia de redesignação sexual, se for assassinada por razão do sexo feminino, será considerada como vitima do feminicídio.
4. Entendimento Jurisprudencial
Em junho de 2016, ocorreu a primeira atuação no Estado de São Paulo, em que a Promotoria de Justiça do III Tribunal do Júri da Capital ofereceu a denúncia, pelo crime de feminicídio contra Luiz Henrique Marcondes dos Santos, ex-companheiro de Michele, uma mulher transexual. Michele foi morta a facadas, em fevereiro, pelo seu parceiro. No caso, o suspeito possuía um relacionamento com a vítima há 10 anos, e a mesma já havia alterado o seu nome social, e era de conhecimento público.
O Ministério Público do Estado de São Paulo (2016) entende que:
“A denúncia reflete a interpretação da Lei Maria da Penha no sentido de caracterizar como violência doméstica sofrida pela mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorrida dentro do ambiente doméstico, familiar ou de sua intimidade, podendo ser violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e tantas outras”. Para o promotor de Justiça Flavio Farinazzo Lorza, “não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima, visto que eram companheiros e coabitavam há dez anos”.
O Promotor de Justiça Flávio Lorza, completa que, o reconhecimento formal da violência doméstica tem que ser tratada sob a visão não do sexo, mas sim do gênero da mulher. (MPSP, 2016).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) analisou o artigo 5° da Lei Maria da Penha e entendeu que a sua aplicação pode ser estendida às mulheres transexuais que estão sofrendo violência doméstica e familiar. Essa percepção tem como objetivo proteger todas as pessoas em que a identidade de gênero seja feminina, e que assim sejam garantidos seus direitos fundamentais, conforme a Constituição Federal. (MPMG, 2017).
A 3° Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios permaneceu, por unanimidade, a decisão do juiz-presidente do Tribunal do Júri de Taguatinga, que recebeu a denúncia do Ministério Público contra dois acusados, em que praticaram a tentativa de feminicídio contra uma mulher transexual. Conforme os autos, os acusados em abril de 2018, com a intenção de matar, agrediram a vítima acarretando-lhe graves lesões corporais. Os réus apresentaram um recurso, que tinha como objetivo excluir a qualificada, com a argumentação de que a vítima não pertencia, biologicamente, ao sexo feminino, e que assim não se pode colocar o homicídio com a qualificadora de feminicídio. Portanto, foi negado o provimento ao recurso, dando destaque a dupla vulnerabilidade das mulheres transexuais que são expostas tanto pela discriminação em relação à condição de mulher quando ao preconceito em relação ao reconhecimento da identidade de gênero assumida. (TJDF, 2019).
No dia 05 de outubro de 2020, uma jovem mulher transexual de 17 anos foi morta pelo seu ex-companheiro, na cidade de Ibitinga, estado de São Paulo. A jovem era conhecida como Paola, estava na sua casa, quando seu ex-companheiro quebrou a porta e desferiu golpes de facas na vítima. O réu foi preso em flagrante por homicídio qualificado, por motivo fútil, meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e feminicidio. (G1, 2020).
Considerações Finais
Conforme todo exposto, o Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo acerca sobre a possibilidade jurídica de a transexual figurar como sujeito passivo no crime de feminicídio. E que com o grande aumento de casos de mulheres que são assassinadas por violência doméstica, foi criada a lei 13.104/2015, para os crimes contra as mulheres, quando ocorrer em violência doméstica ou familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Desde a criação da Lei 13.104/2015, o ano de 2019 foi o que teve o maior número já registrado do crime de feminicídio, em que 1.314 mulheres foram assassinadas pelo motivo de feminicídio, uma media de 1 mulher a cada 7 horas. O Estado do Tocantins, nesse mesmo ano, foi o Estado que teve o menor número de casos de feminicídio registrado, com um total de 5 casos.
No primeiro capítulo foi abordada a respeito da diferença entre sexo, gênero e identidade de gênero, pois na maioria das vezes esses termos são considerados como sinônimos, a diferença entre cisgênero, transgênero e não binário. Foi abordado sobre a transexual, como é conceituada em relação ao sexo e ao gênero, sobre a cirurgia de redesignação sexual, quando foi a primeira vez que ocorreu a cirurgia. Com o advento da ADI 4275, os transexuais podem alterar o seu registro civil, sem precisar fazer a cirurgia de redesignação sexual.
No segundo capítulo foi tratada a respeito do feminicídio, a diferença entre feminicídio e femicídio, e como o feminicídio é dividido entre intimo, não intimo e por conexão. Foi abordado também sobre o ordenamento jurídico da Lei 13.104/2015, sobre cada inciso, quando será considerado feminicídio.
No capitulo terceiro, foi feito uma análise da aplicabilidade do feminicídio para as mulheres, que são três: biológico, jurídico e psicológico. Em que os mais conservadores, acreditam no critério biológico, em que somente a mulher com sua concepção genérica do sexo feminino, podem ser consideradas como mulher. No critério jurídico, se a pessoa alterar seu registro civil, pode ser definida como mulher, nesse caso, a transexual. E no critério psicológico, em que a pessoa não precisa alterar seu registro civil e nem fazer a cirurgia, será considerada como mulher.
E, por fim, no quarto capitulo, foi tratado do entendimento jurisprudencial dos tribunais de justiça do Estado de São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal, em que foi constatado, que os tribunais têm abrangido a proteção especial do feminicídio e da Lei Maria da Penha às mulheres transexuais.
Portanto, diante de todo o exposto, foi verificado que as mulheres transexuais necessitam de uma lei para ter garantida a sua proteção, a sua dignidade humana. E, por fim, diante do posicionamento dos doutrinadores modernos e do entendimento da jurisprudência, pode-se concluir que é possível a mulher transexual figurar como sujeito passivo do feminicídio.
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[1] Prof°. Mestre em Direito e Professor Universitário de Direito na Universidade Unirg Gurupi/TO.
Bacharelando em Direito pela Universidade Unirg Gurupi/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Jéssica Moreira de. A Possibilidade Jurídica de a transexual figurar como sujeito passivo no crime de feminicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55793/a-possibilidade-jurdica-de-a-transexual-figurar-como-sujeito-passivo-no-crime-de-feminicdio. Acesso em: 23 dez 2024.
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