LUIZ RODRIGUES DE ARAÚJO FILHO[1]
(orientador)
RESUMO: A Declaração de Inconstitucionalidade da Lei, de acordo com a Teoria da Nulidade, produz efeitos ex tunc, o qual retroage à data de criação da norma. O objetivo central do trabalho é abordar e analisar a Teoria da Nulidade e a sua relativização nas declarações de inconstitucionalidade, bem como as técnicas utilizadas pela Suprema corte nas decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade. Para obter os dados para a elaboração deste artigo foram feitas pesquisas bibliográficas. O tipo de pesquisa é exploratória, descritiva. Dessa forma, propõe-se, assim, apresentar justificativas para relativização da Teoria da Nulidade através da modulação temporal dos efeitos demonstrando que esta relativização apenas se dá em casos excepcionais os quais colocam em jogo a concretização de direitos fundamentais previstos na Constituição.
PALAVRAS- CHAVE: Declaração de Inconstitucionalidade; direitos fundamentais; modulação dos efeitos temporais; Teoria da Nulidade.
ABSTRACT: The Declaration of Unconstitutionality of the Law, according to the Theory of Nullity, produces ex tunc effects, which goes back to the date of creation of the rule. The main objective of the work is to approach and analyze the Theory of Nullity and its relativization in declarations of unconstitutionality, as well as the techniques used by the Supreme Court in the decisions handed down in the context of constitutionality control. To obtain the data for the preparation of this article, bibliographic searches were made. The type of research is exploratory, descriptive. Thus, it is proposed, therefore, to present justifications for relativizing the Theory of Nullity through the temporal modulation of the effects demonstrating that this relativization occurs only in exceptional cases which put at stake the realization of fundamental rights provided for in the Constitution.
Keywords: Declaration of Unconstitutionality; fundamental rights; modulation of temporal effects; Theory of Nullity.
A declaração de inconstitucionalidade da lei é feita, no caso de ações do controle concentrado de constitucionalidade, pelo tribunal constitucional que, no Brasil, esta competência concentra-se no Supremo Tribunal Federal, o qual é considerado como guardião da Constituição. Após todo o processo de exame da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, quando o tribunal conclui pela sua discordância para com a Constituição, a mesma é, via de regra, declarada nula de pleno direito.
Desse modo, a temática deste artigo aborda os fundamentos que justificam exatamente a exceção a esta regra de aplicação da Teoria da Nulidade, bem como, as noções e esclarecimentos que levaram a adoção, em casos excepcionais, de outras determinações que não unicamente a declaração de nulidade plena das normas.
O Supremo Tribunal Federal adota a Teoria da Nulidade como regra ao afirmar a inconstitucionalidade de uma norma, utilizando-se como principal fundamento para este posicionamento o Princípio da Supremacia da Constituição. Com base nisso, a norma é declarada inconstitucional de pleno direito sendo, dessa forma, considerada inválida desde seu nascimento. Ocorre que essa teoria veio a ser, excepcionalmente, relativizada pela corte, que passou a utilizar-se, em alguns casos, do artifício de modulação dos efeitos temporais na declaração de inconstitucionalidade. Assim, surge a indagação: Quais os fundamentos utilizados para que haja essa relativização e a consequente aplicação da modulação dos efeitos temporais?
Para responder tal indagação o objetivo geral da investigação apresenta justamente os fundamentos para que haja a mitigação da Teoria da Nulidade nas declarações de inconstitucionalidade, de modo que os efeitos desta declaração retroajam à data de criação da norma, havendo, para isso, uma modulação dos efeitos temporais. Já os objetivos específicos buscaram analisar as técnicas das quais se valem o Supremo Tribunal Federal para empregar a modulação dos efeitos temporais na declaração de inconstitucionalidade, a controvérsia existente no sistema jurídico entre algumas técnicas de decisão e o Princípio da Separação dos Poderes e, além disso, analisar a posição da corte sobre o tema atualmente.
Para obter os dados necessários para o estudo do tema foram feitas pesquisas bibliográficas. Após a obtenção destes dados, buscou-se a análise das técnicas utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal para ponderação dos efeitos ex tunc nas declarações de inconstitucionalidade, analisando sua jurisprudência e, verificando por fim, como como se dá atualmente aplicação dos estudos aqui tratados no pretório excelso.
Esta é uma pesquisa do tipo exploratória, descritiva, abordando no primeiro capítulo os fundamentos utilizados pelo Tribunal Constitucional para se valer da relativização da Teoria da Nulidade.
No segundo capítulo será abordado as técnicas de decisão, utilizadas em sede de controle de constitucionalidade que acabam por afastar a regra da Teoria da Nulidade, quais sejam, as técnicas de decisões interpretativas e as técnicas de decisões manipulativas.
O terceiro capítulo, por seu turno, trata e busca esclarecer a controvérsia no âmbito judicial sobre as decisões manipulativas e a sua compatibilidade para com o Princípio da Separação dos Poderes.
Já nas considerações finais, será abordado as conclusões do que foi discutido no decorrer deste artigo, bem como, a posição atual do Supremo Tribunal Federal relativamente à mitigação da Teoria da Nulidade.
Principal estímulo e encorajamento para insistir no presente projeto de pesquisa, encontra-se na importância de explicitar que o sistema jurídico brasileiro vem utilizando-se da modulação dos efeitos temporais em alguns casos de declaração de inconstitucionalidade como um mecanismo de adaptação e ajuste entre o Princípio da Supremacia da Constituição, da Segurança Jurídica e da Boa-fé para que possa bloquear as consequências jurídicas malquistas surgidas a partir da declaração de inconstitucionalidade.
1. A TEORIA DA NULIDADE NAS DECLARAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE
Existem dois principais grandes sistemas que buscam explicar a forma de produção de efeitos na decretação de anticonstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, quais sejam, o Sistema Norte-americano e o Sistema Austríaco.
O Sistema Norte-americano adota a Teoria da Nulidade, dessa forma, a decisão que identifica a inconstitucionalidade da lei é uma decisão declaratória, pois reconhece que a norma nasceu inválida, com um vício congênito e, tem efeitos ex tunc, ou seja, reconhece a invalidade da lei desde o seu nascimento e afeta, com base nisso, o seu plano de validade.
Vale a pena relembrar que, o plano de validade da lei é, de modo geral, aquele que analisa os requisitos legais, formais e materiais, exigidos por lei superior para a criação da norma, como por exemplo, a competência e a compatibilidade para com as normas superiores.
O Sistema Austríaco adota a Teoria da Anulabilidade, teoria esta que foi defendida pelo grande jurista Hans Kelsen. Essa teoria entende que até o momento em que foi reconhecida a inconstitucionalidade, a norma era constitucional e possuía plena eficácia e validade, desse modo, a decisão que declara a inconstitucionalidade é uma decisão constitutiva com efeito ex nunc, afetando apenas o plano de eficácia (aquele que analisa se a norma Jurídica cumpriu seu objetivo) da lei. Assim, todos os atos praticados antes da declaração de inconstitucionalidade do diploma normativo, são considerados válidos.
Sendo assim, a Teoria da Nulidade é baseada no Princípio da Supremacia da Constituição, o qual ensina que esta é a Lei Maior do Estado, guarnecida de superioridade jurídica em relação às demais normas. Sendo assim, nenhum ato jurídico poderá existir se for contrário à Constituição, por isso, as declarações de inconstitucionalidades tem, com base nessa teoria, efeitos ex tunc. Assim as decisões que declaram a inconstitucionalidade da lei produzem efeitos retroativos, considerando a lei inválida desde sua origem. Dessa forma a decisão invalida todos os atos anteriores praticados com base na lei declarada inconstitucional, desautorizando a invocação de qualquer direito com fundamento no diploma legal declarado inconstitucional.
1.1 Fundamentos Para Relativização da Teoria da Nulidade
O ordenamento jurídico brasileiro, como regra geral, adotou a Teoria da Nulidade, no que relaciona-se aos efeitos decorrentes da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma, produzindo com base nessa teoria, efeitos ex tunc, aquele que retroage a data da criação da norma, como se a mesma nunca houvesse existido, conforme mencionado no tópico anterior. Entretanto, como ensina Barroso (2020, p. 298) a norma, muitas vezes, traz apenas o início da solução, já os fatos, por sua vez, passa a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto que traz cada vez mais, situações mais complexas e plurais.
Dessa forma, como uma maneira de se atualizar e também acompanhar a evolução das relações sociais, bem como, garantir direitos constitucionalmente previstos, as leis 9.868/99 e 9882/99, trouxeram a previsão de modulação dos efeitos temporais em decisão obtida em controle de constitucionalidade. Essa possibilidade foi pensada com o intuito de preservar a confiança investida no ordenamento jurídico, salvaguardando o direito das pessoas que, de boa-fé, efetuaram atos jurídicos nesse ínterim entre a entrada em vigor da lei e o reconhecimento de sua anticonstitucionalidade.
O termo “modulação dos efeitos temporais” é compreendido como uma forma de administração constitucional que busca lindar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma dada norma e, abarcando justamente essa modulação de efeitos, o art. 27 da lei 9.868/99 previu essa oportunidade.
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
O mesmo foi aplicado também da lei 9.882/99 que, igualmente em seu art. 11:
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
O fundamento para a manipulação dos efeitos temporais, como se pode perceber, é a segurança jurídica e/ou excepcional interesse social, de modo a estorvar que a declaração de inconstitucionalidade acarrete mais danos que traga benefícios, assegurando, dessa forma, valores constitucionalmente garantidos.
A Segurança Jurídica, aufere alicerce da própria Constituição, em seu preâmbulo e no caput dos artigos 5º e 6º, se baseando na garantia de estabilidade e certeza das relações jurídicas num dado ordenamento jurídico, proporcionando plena ciência aos cidadãos e resguardando-se de eventual e futura alteração legislativa.
Os direitos das pessoas resguardados constitucionalmente também são baseados no Princípio da Segurança Jurídica que se transpõe na proteção aos direitos conferidos à sociedade, demonstrando-se como um meio para que se possa alcançar a justiça. Desta vênia, a declaração de inconstitucionalidade de um diploma normativo, para que seja legítimo, deve observar os princípios e garantias constitucionais, em especial a segurança jurídica, como já debatido, a proporcionalidade, a boa-fé, e a presunção de constitucionalidade das leis.
Se retira também como fundamento, no art. 27 da lei 9.868/99, o excepcional interesse social que robora o sentido de interesse público, interesse de determinada população da população que poderá ser atingida pela declaração de Inconstitucionalidade. Desse modo, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, é fundamental levar em consideração a realidade social, bem como as consequências da decisão para o público afetado.
O artigo 27 da referida lei, traz ainda em seu texto, á exigência de um quórum especial de dois terços. Isso demonstra a figura insólita da medida de ponderação da Teoria da Nulidade para que somente seja aplicada aos casos em que seja verificado a premência necessidade de se guardar e garantir a segurança jurídica e/ou interesse social.
Depreende-se com base nesses argumentos, que o fundamento para a flexibilização da Teoria da Nulidade, reside na intenção de que o julgador tem de impossibilitar efeitos danosos ás relações jurídicas já concretizadas com base na lei declarada inconstitucional. Sendo isso feito em concordância com todos os princípios e direitos constitucionalmente previstos, proporcionando, dessa forma, o mínimo da previsibilidade necessária que um Estado Democrático de Direito precisa e deve garantir aos seus cidadãos.
2. TÉCNICAS DE DECISÃO EM SEDE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Como foi possível perceber no decorrer deste artigo, apesar de ter a Teoria da Nulidade como regra, o Direito Brasileiro vem admitindo, contudo, a relativização desse dogma em cada caso concreto, nos quais, a retroatividade plena dos efeitos da norma provocaria um cenário ainda mais danoso do que sua manutenção no ordenamento.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal adota ainda, além da modificação dos efeitos temporais, estudada anteriormente, técnicas de decisões intermediárias, as quais procuram, ou tem por finalidade, conservar o ato normativo contestado ou minorar os abalos adversos que decorreriam da constatação de nulidade plena da norma.
Sobre decisões as decisões intermediárias, Barroso traz a seguinte classificação:
As decisões intermediárias podem assumir a natureza de decisões interpretativas e de decisões manipulativas (ou modificativas)208. As decisões interpretativas são aquelas em que o Tribunal atribui ou afasta um significado ou uma incidência que poderia ser extraída de seu programa normativo, tal como positivado pelo legislador, determinando, entre as interpretações possíveis, a que melhor efetiva o disposto na Constituição, ou suprimindo significados inconstitucionais. As decisões manipulativas, a seu turno, atribuem aos dispositivos interpretados significados que não podem ser diretamente extraídos de seu programa normativo, procurando modificar o seu conteúdo, a fim de compatibilizá-lo com a Constituição. Nessa hipótese, há uma atuação positiva da Corte, com adição ou substituição do sentido normativo atrelado ao texto. (Barroso, 2019, p. 105).
Decisões interpretativas são as que, ao decretar a constitucionalidade de um preceito normativo, não atuam sobre o seu texto, mas atinge unicamente o significado dele entendido, para então suprimir ou estabelecer significado coadunável com a Constituição, ou seja, fixam um sentido para que a norma que esteja de acordo com a Lei Maior, com base em uma interpretação que poderia ser extraída do texto já constante na norma objeto do controle.
A Declaração de Inconstitucionalidade sem Pronúncia de Nulidade e o Apelo ao Legislador; a Declaração de Inconstitucionalidade Parcial sem Redução de Texto; a Interpretação Conforme a Constituição e; a Declaração de Lei Ainda Constitucional em Trânsito para Inconstitucionalidade são os tipos de decisões interpretativas mais aceitas pela doutrina e jurisprudência atualmente.
De acordo com a doutrina prevalecente, os fundamentos justificadores da adesão de decisões interpretativas residem no Princípio da Supremacia da Constituição e no Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis.
O Princípio da Supremacia da Constituição é de análise obrigatória em todo o processo de interpretação das leis, pois é considerado o princípio orientador do intérprete ao aplicar as normas jurídicas. Este princípio ensina que a interpretação de toda lei deve iniciar-se a partir da Constituição, pois a mesma é a base de fundamento de todo o ordenamento legal.
O Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis, por sua vez, ensina que, de modo geral, as leis infraconstitucionais gozam de presunção de constitucionalidade relativa, desse modo, o Poder Judiciário só poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo quando realmente não lhe restar outra alternativa, devendo, por exemplo, dar interpretação conforme a constituição quando houver a possibilidade de se retirar do texto impugnado sentido plausível com a norma constitucional.
2.1.1 Declaração de Inconstitucionalidade sem Pronúncia de Nulidade e o Apelo ao Legislador.
Esta técnica de decisão intermediária é a que mais apropingua da remodelação temporal dos efeitos. Nesse caso, a técnica consiste na afirmação da inconstitucionalidade da lei, sem a imposição de sua nulidade, ou seja, o Tribunal reconhece a incompatibilidade da norma para com a Constituição, no entanto, mantém seus efeitos não pronunciando sua nulidade e formula um apelo do legislador para que, dentro de um determinado prazo, produza uma norma que seja compatível a Lei Maior sob pena de ensejar vácuo normativo.
O Supremo Tribunal Federal recorreu a esta técnica ao analisar a inconstitucionalidade da lei que instituiu o município de Luiz Eduardo Magalhães no Estado da Bahia. Este município foi criado em desacordo com art. 18, § 4º, da Constituição Federal, pois foi instituído em ano de eleições municipais e sem que existisse lei complementar federal autorizando e definindo o período em que o município poderia ser criado.
Dessa forma, devido a consolidação de diversas situações de fato e grave insegurança que surgiria caso fosse proferida a nulidade da norma, o Tribunal declarou sua inconstitucionalidade, todavia, não pronunciou sua nulidade pelo período de 24 meses e, fez apelo ao legislador para que, dentro do prazo, elaborasse uma lei a qual sanasse esse vício.
2.1.2 Declaração de Inconstitucionalidade Parcial sem Redução de Texto.
Nesta técnica, a norma utilizada no controle de constitucionalidade compreende mais de um significado possível e a decisão exprimida pelo Tribunal importa em uma verdadeira pronúncia de inconstitucionalidade com nulidade aplicada exclusivamente a um significado da norma, não sendo afetado seu texto e outros significados admissíveis que não seja aquele expressamente excluído pela Corte.
O Tribunal Superior Constitucional se vale bastante dessa técnica em caso de algumas leis tributárias que trazem a previsão de cobrança de algum tributo sem a observância ao Princípio da Anualidade. Dessa forma, a norma tributária está perfeitamente de acordo com a Constituição, no entanto, a lei não atenta ao Princípio da Anualidade e estabelece que o tributo seja exigido no mesmo exercício financeiro no qual foi publicado. Sendo assim, o Tribunal afasta apenas uma incidência de hipótese, que seria a cobrança dos tributos no mesmo exercício financeiro.
2.1.3 Interpretação Conforme a Constituição.
A técnica de Interpretação Conforme a Constituição está prevista no parágrafo único do art. 28 da Lei 9868/99 e fundamenta-se numa declaração condicionada de constitucionalidade de uma norma que possui mais de um significado, desse modo, é considerado como harmonizável com a Lei Constitucional um único significado do texto normativo, de modo que os restantes sejam considerados inconstitucionais.
Um exemplo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal desta estratagema foi na aferição de apenas uma interpretação, àquela mais condizente com a Constituição ao art. 114, I, IV e IX da CRFB/88. Este artigo abrangia mais de uma interpretação possível pois havia espaço para a interpretação no sentido de que a Justiça do Trabalho estava apta a julgar unicamente ações que versarem sobre relação de trabalho ou também, as ações decorrentes de relação de trabalho incluindo as que versassem sobre matéria penal. Dessa forma, o Tribunal entendeu que a Justiça do Trabalho goza de competência para apreciar apenas ações decorrentes da relação de trabalho, lhe excluindo dessa forma, o exercício da jurisdição penal pois a abrangência da jurisdição penal para a Justiça do Trabalho nesses casos, afrontariam os princípios constitucionais do juiz natural e também o da legalidade, que são considerados como cláusulas pétreas.
Por vezes, pode haver uma confusão entre a Técnica de Interpretação Conforme a Constituição com a Declaração de Inconstitucionalidade Parcial sem Redução de Texto. No entanto, há diferença entre elas pois a primeira corresponde a um juízo positivo a respeito de um significado ou valor atribuível a uma norma infraconstitucional, ou seja, apenas o significado é consentâneo com a Constituição, ao passo que os demais são inconstitucionais. A segunda, implica em um juízo negativo, indicando um significado a ser suprimido, de modo que os demais, são considerados compatíveis com a carta Magna.
2.1.4 Declaração de Lei ainda Constitucional em Trânsito para a Inconstitucionalidade.
Esta técnica, também conhecida como “Constitucionalidade Progressiva” é empregada pelo tribunal para o reconhecimento da constitucionalidade de certa norma, mas apenas enquanto perdurar a situação fática que a justifica, de modo que, finda tal situação, a lei se tornaria inconstitucional. Com base nisso, a corte constitucional deixa de declarar a inconstitucionalidade da lei em face de uma situação concreta.
Um exemplo de utilização dessa técnica pelo pretório excelso está na decisão que apreciou a constitucionalidade do prazo em dobro disponibilizado à Defensoria Pública no que diz respeito a matéria penal, não obstante o Ministério Público não dispor do mesmo privilégio, tendo em consideração o Princípio da Isonomia e do Devido Processo Legal. A Corte esclareceu que a Defensoria Pública, não está ainda plenamente estruturada tal como o Parquet e a lei, devido a situação concreta vivenciada pelo órgão, será considerada constitucional enquanto o mesmo não estiver organizado e estruturado de tal maneira que o possibilite de exercer o seu mister em posição isonômica com o Ministério Público. Sendo que, no momento em que essas circunstâncias de fato se implementar, a lei tornar-se-á inconstitucional.
3. DECISÕES MANIPULATIVAS, DECISÕES MANIPULATIVAS ADITIVAS E DECISÕES MANIPULATIVAS SUBSTITUTIVAS
As decisões manipulativas podem ser consideradas como técnicas de decisão por meio da qual o interprete introduz novos conteúdos nas normas que não poderiam ser extraídos diretamente do seu texto normativo, com interesse de harmonizá-la com a Constituição. Já as técnicas de decisões interpretativas, estudadas anteriormente, não há atuação do intérprete sobre o texto normativo, atingindo apenas seu significado, ao passo que nesta, há a inserção de conteúdos que não decorrem de texto original.
Não esgotaremos neste artigo todas as decisões manipulativas existentes, apenas mencionando as mais utilizadas pela Suprema Corte Brasileira.
As decisões manipulativas aditivas são aquelas em que o julgador amplia seu âmbito de incidência, alargando a amplitude da redação legal em virtude de uma omissão parcial constante no seu texto normativo. Nesse caso, há uma adição de conteúdo à norma.
O Supremo Tribunal Federal se valeu desta técnica na ocasião em que admitiu a possibilidade de paragem de gestação de fetos anencéfalos, uma vez que o art. 128 do Código Penal Brasileiro não expunha essa possibilidade como uma excludente de ilicitude. Dessa maneira como a previsão não poderia ser extraída do texto normativo, não haveria a possibilidade de se utilizar da técnica de interpretação conforme a Constituição. Entretanto, reconhecer essa possibilidade de interrupção da gestação como excludente de ilicitude era a única solução possível para suprir tal omissão.
A técnica de decisão manipulativa substitutiva declara a inconstitucionalidade parcial de uma lei, preenchendo judicialmente disciplina declarada inconstitucional por outra. Desse modo, a Corte Constitucional decreta a inconstitucionalidade de parte de uma lei ou ato normativo e, além disso, substitui a regra inválida por outra criada pelo próprio tribunal afim de que se torne consentânea com a Constituição.
O Supremo Tribunal Federal utilizou-se desta técnica na oportunidade em que afastou a possibilidade do cabimento de ação penal condicionada a representação na conjuntura de violência doméstica contra a mulher. A corte Suprema sustentou que sujeitar a vontade da mulher a representação dadas as circunstâncias de resignação à violência física e psicológica e eventuais situações de dependência econômica acarretava a situação de incumprimento do dever estatal de reprimir a violência doméstica.
Com base nesse ocorrido, a Suprema Corte não apenas declarou a inconstitucionalidade da norma, como supriu o vácuo deixado pela declaração de inconstitucionalidade de modo a determinar que, na hipótese, o ilícito se submete a ação penal pública incondicionada, exatamente porque somente essa espécie estaria apta a promover a adequada concretização das normas constitucionais em questão.
3.1 Decisões Manipulativas e o Princípio da Separação dos Poderes
A Teoria da Separação dos Poderes foi desenvolvida por Charles de Montesquieu (1689-1755) em seu livro " O Espírito das Leis", objetivando, de modo geral, impedir a concentração de poderes políticos em uma única autoridade, organizando os poderes com uma divisão tripartite, contemplando, o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário o quais possuem funções típicas e também atípicas. Vale mencionar que a separação dos poderes está contemplada na Constituição Federal em seu art. 2° e é protegida como cláusula pétrea consoante o art. 60, § 4°.
Passemos agora a explanar um pouco sobre a funções típicas e atípicas de cada poder para traçar um linha de raciocínio facilitando, dessa forma, o entendimento.
Ao Poder legislativo, de modo geral, cabe, de maneira típica, a tarefa de legislar, ou seja, formular normas gerais e abstratas, bem como, fiscalizar o poder executivo. Atipicamente o legislativo exerce função administrativa, quando, por exemplo, dispõe sobre organização estrutural de seus órgãos e realiza licitações. Um exemplo de atuação jurisdicional atípica do legislativo, se dá quando o mesmo julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade na forma do art. 52, I da CRFB/88.
Ao Poder executivo, por sua vez, compete tipicamente, a administração dos entes federativos e ainda, a implantação de ações e políticas públicas. O chefe do executivo, ao editar medidas provisórias, exerce atipicamente função legislativa. Um exemplo de função atípica do executivo na esfera jurisdicional, vale mencionar, o julgamento de processos administrativos internos.
O Poder Judiciário encarrega-se, de modo típico, por meio do devido processo legal, a solução de conflitos emitindo juízo de caráter definitivo. Atipicamente, o poder judiciário exerce função administrativa quando dispõe sobre, por exemplo, sua organização estrutural interna por meio de regimentos internos.
Observando isso, podemos perceber que, para manter o equilíbrio, a Teoria da Separação dos Poderes, também conhecida como Sistema de Freios e Contrapesos (Checks and balances) designou autonomia para cada poder e, ao mesmo tempo, limites entre os poderes, dessa forma, há um controle de um poder por outro poder de modo que, cada poder tivesse autonomia para exercer sua função e ainda, seria controlado pelos outros poderes evitando o abuso no exercício de seus respectivos papéis.
Trazendo este entendimento da separação dos poderes para a seara das decisões manipulativas, temos na doutrina, como principal crítica, justamente o Princípio da Separação de Poderes, pois o Poder Judiciário ao dar provimentos manipulativos estaria acrescentando normas gerais e abstratas no ordenamento jurídico, e isso vai além de sua função de julgador, trazendo para si a função de regulamentar situações fáticas, tarefa esta reservada para o Poder Legislativo.
Ocorre que a Suprema Corte Brasileira como já dito neste artigo, é a guardiã da Constituição e por isso, tem a incumbência de proteger e, sempre que possível, dar o seu melhor para se fazer concretizar os direitos fundamentais nela previstos. Conforme esse entendimento, Barroso ensina que:
As constituições contemporâneas, como já se assinalou, desempenham dois grandes papéis: (i) o de condensar os valores políticos nucleares da sociedade, os consensos mínimos quanto a suas instituições e quanto aos direitos fundamentais nela consagrados; e (ii) o de disciplinar o processo político democrático, propiciando o governo da maioria, a participação da minoria e a alternância no poder. Pois este é o grande papel de um tribunal constitucional, do Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro: proteger e promover os direitos fundamentais, bem como resguardar as regras do jogo democrático. Eventual atuação contra-majoritária do Judiciário em defesa dos elementos essenciais da Constituição dar-se-á a favor e não contra a democracia. (Barroso, 2020, P.439)
Desse modo, a adoção pela Corte Constitucional Brasileira de, em casos excepcionais, proferir sentenças manipulativas e, dessa forma, atuar como um legislador positivo vem se tornando uma necessidade institucional, tendo em vista as omissões do Poder Legislativo e consequente subtração de direitos fundamentais.
Assim sendo, considerando o Princípio da Supremacia da Constituição, devem os poderes do Estado atuarem de forma conjunta no sentido de garantir a concretização dos preceitos e direitos fundamentais previstos nesse ordenamento superior.
Nessa linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, vem alargando sua competência justamente como uma forma de se fazer valer os direitos fundamentais, a segurança jurídica e o interesse social pois, a corte está em posição de protetora da Constituição e, sabendo que os imperativos materiais da situação concreta, quando está em jogo a segurança jurídica, direitos fundamentais e o interesse social, sobrepõe-se à considerações orgânicos-funcionais devendo o Tribunal Constitucional pender para a efetivação do direito fundamental em jogo.
Sobre isso, Barroso ensina que:
Do ponto de vista funcional, é bem de ver que esse papel de intérprete final e definitivo, em caso de controvérsia, é desempenhado por juízes e tribunais. De modo que o Poder Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal, desfruta de uma posição de primazia na determinação do sentido e do alcance da Constituição e das leis, pois cabe-lhe dar a palavra final, que vinculará os demais Poderes. Essa supremacia judicial quanto à determinação do que é o Direito envolve, por evidente, o exercício de um poder político, com todas as suas implicações para a legitimidade democrática. (Barroso, 2020, P. 444)
Com base nesse entendimento, pode surgir a seguinte indagação: a judicialização da política gera a politização do Judiciário?
A judicialização da política significa dizer que questões que estão tradicionalmente nas mãos da política passam a ser tratadas pelo Judiciário, como por exemplo, as decisões manipulativas proferidas pelo Supremo Tribunal.
Já no quis dizer respeito a politização do Judiciário, é a referência que se faz a quebra de imparcialidade, ou seja, a violação do princípio da Separação dos poderes, por estar fugindo da competência de dizer o direito, para então se aproximar da figura do legislador positivo.
O entendimento majoritário, ensina que a resposta a esta pergunta seria negativa, pois em bases excepcionais, pode-se atribuir ao poder judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem seus encargos políticos-jurídicos, vierem a embaraçar a eficácia e a integridade de direitos fundamentais impregnados de estatura constitucional.
Dessa forma, é possível perceber que as decisões manipulativas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal operam de forma proveitosa por atuar de forma a fazer valer diretos previstos no ordenamento constitucional, tendo em vista que a mesma é considerada como guardiã da Constituição e, por isso, deve velar pela concretização dos direitos fundamentais nela consagrados.
Em linhas gerais, foi analisado no decorrer deste artigo, um pouco sobre a Teoria da Nulidade e a sua relativização por meio da da modulação temporal dos efeitos nas declarações de inconstitucionalidade.
A modulação temporal dos efeitos é, conforme já mencionado, a delimitação dos efeitos temporais pelo julgador, onde o mesmo, ao invés de dar efeitos ex tunc, àquele adotado pela Teoria da Nulidade, utiliza-se de outros mecanismos, modificando dessa forma, os efeitos da decisão.
A viabilidade de modulação dos efeitos temporais nas declarações de inconstitucionalidade veio positivada através das leis 9868/99 e 9882/99 em seus respectivos arts. 27 e 11 que diz que o Supremo Tribunal Federal poderá, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou em outro momento que venha a ser fixada pela corte.
Assim, foi possível concluir que a mitigação da Teoria da Nulidade somente é autorizada em caráter excepcional onde a declaração de inconstitucionalidade, caso não seja modificado seus efeitos, traria danos irreversíveis à segurança jurídica - que é a garantia de estabilidade e certeza das relações jurídicas – e/,ou ao interesse social, interesse daqueles que serão atingidos com a declaração de inconstitucionalidade.
Posteriormente, foram analisadas as técnicas de decisões, em sede de controle de constitucionalidade, que já foram utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal, técnicas estas que foram desenvolvidas com o objetivo de produzir uma solução para casos não abrangidos pela norma, ou seja, como uma forma de dar respostas para os problemas concretos que não eram encontradas de maneira completa no diploma normativo em questão.
As técnicas de decisões interpretativas são aquelas que não alteram a redação da norma, atingindo unicamente o significado dela entendido, já as técnicas de decisões manipulativas, o intérprete introduz novos conteúdos na norma, os quais não poderiam ser extraídos do seu texto original.
Dentre as técnicas de decisões interpretativas analisadas neste artigo, podemos concluir que as mesmas foram desenvolvidas como uma forma de preservar os atos legislativos, bem como, de acordo com o Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis, evitar sua declaração de inconstitucionalidade, tendo em vista a sobrecarga e crise de funcionalidade que passa o Poder Legislativo.
No que diz respeito as técnicas de decisões manipulativas, àquelas em que o intérprete dá novas acepções à norma, os quais não poderiam ser extraídos de seu texto original, vem sendo utilizada como uma forma de se fazer concretizar direitos fundamentais que seriam subtraídos por não se encontrar fornecido na norma a resposta buscada no caso concreto.
No que diz respeito ao princípio da Separação dos Poderes e as decisões manipulativas, vimos que existem algumas críticas, pois o judiciário estaria exorbitando da sua competência. No entanto, o Poder Judiciário recorre a esse tipo de decisão nas situações em que ela se torna imprescindível para se fazer concretizar os direitos fundamentais, e o Tribunal Constitucional Brasileiro, com o papel de guardião da Constituição e, em casos excepcionais, deve velar pelos direitos fundamentais nela estabelecidos.
Por fim, vale mencionar que, a ampliação dos poderes do Supremo Tribunal Federal, que para muitos fere o Princípio da Separação dos Poderes e por isso é inadmissível, vem se tornando, em muitos casos, uma necessidade pois o Poder Legislativo atualmente passa por uma crise de inadequação funcional e representativa, e isso não pode ser considerado como motivo plausível para afastar o alargamento da competência do Judiciário, pois este o faz por causa de valores muito maiores, quais sejam, os direitos fundamentais.
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[1] Possui Graduação em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2005), Especialização em Direito Constitucional pela Fundação Universidade do Tocantins (2007), Especialização em Direito Tributário pela Fundação Universidade do Tocantins (2009) e Mestrado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (2013). Atualmente é Auditor Fiscal da Receita nível IV - SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO TOCANTINS e Professor MS-1 Mestre da Faculdade Serra do Carmo e Universidade Estadual do Tocantins.
acadêmica do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo, Palmas -TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Barbara de Oliveira. Declaração de inconstitucionalidade e a relativização da teoria da nulidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2020, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55798/declarao-de-inconstitucionalidade-e-a-relativizao-da-teoria-da-nulidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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