ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)[1]
RESUMO: A crise em decorrência da pandemia Covid-19 em 2020, fez com que todos os setores inovassem para continuar funcionando. Não sendo diferente com o Poder Judiciário. O Poder Judiciário teve que se adaptar ao Home office e se reinventar para dar continuidade na prestação jurisdicional de forma virtual, utilizando-se de recurso essenciais de audiências por videoconferência. Apesar da resistência para adoção de ferramentas tecnologias para realização de audiências on-line, é inegável que a tais ferramentas tem sido essenciais nesse período de crise, abrindo portas para inovações tecnológicas, permitindo a adaptação de um “Novo Normal” e garantindo a não violação de direitos e garantias individuais em período ao qual a justiça não pode funcionar de forma presencial. Nesse sentido, o artigo buscar trazer informações sobre audiências por videoconferência e suas particularidades- trazendo dados através de legislações vigentes envolvendo essa prática e buscando esclarecer como o judiciário vem se adaptando e tornando viável tal modalidade para evitar a paralisação dos serviços e procedimentos jurisdicionais, não deixando de lado as garantias do Devido Processo Legal.
Palavras-chave: Covid-19, audiências online, interrogatório por videoconferência, principio da publicidade.
ABSTRACT: The crisis caused by the Covid-19 pandemic in 2020 has caused all sectors to innovate in order to continue working. Not being different with the Judiciary. The Judiciary had to adapt to the Home Office and reinvent itself to continue to provide judicial services in a virtual way, using essential videoconference hearings. Despite the resistance to adopting technological tools for holding online hearings, it is undeniable that such tools have been essential in this period of crisis, opening doors to technological innovations, allowing the adaptation of a "New Normal" and guaranteeing the non-violation of individual rights and guarantees in a period in which justice cannot function in person. In this sense, the article seeks to bring information about videoconference hearings and their particularities - bringing data through current legislation involving this practice and seeking to clarify how the judiciary has been adapting and making this modality viable in order to avoid the paralysis of services and jurisdictional procedures, not leaving aside the guarantees of Due Legal Process.
Keywords: Covid-19, online hearings, interrogation by videoconference, advertising principle.
1. INTRODUÇÃO
Em virtude da pandemia causada pela Covid-19, foram adotadas inúmeras medidas para conter a curva de disseminação do vírus e evitar o colapso na rede de saúde, entre tais medidas podemos destacar o isolamento social, que fez com que órgãos como o do Poder Judiciário tivesse suas atividades suspensas temporariamente.
Com o isolamento social e com as atividades suspensas, tem exigido do Poder Judiciário inovação e incentivo na utilização de ferramentas tecnológicas. Neste ano de 2020, em decorrência da pandemia decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), fora editada a resolução nº 329/2020, que veio a estabelecer normas procedimentais para as audiências realizadas em vídeo conferência, seja no processo penal ou mesmo na execução penal, permanecendo enquanto continuar a calamidade pública em decorrência da pandemia do covid-19. O decreto se sustenta, temporalmente, no decreto federal nº 06/2020, que decretou estado de calamidade pública em razão da Covid 19.
O presente trabalho científico analisa a publicidade das audiências criminais em face as dificuldades geradas pela imposição da realização de audiências por meios virtuais no primeiro semestre de 2020, em razão da covid-19.
Tendo em vista que os prazos processuais não podem parar, foram adotados nos juízos as audiências virtuais com intuito de garantir todos os direitos processuais do réu e, em consequência, o devido processo legal, consolidando ainda a celeridade e a economia processual como valores fundamentais a serem protegidos.
Para analisarmos as dificuldades encontradas para realização de audiências online, fazemos uma análise da Lei nº 11.900/2009 com o olhar voltado para Resolução nº 329/2020. Neste artigo são analisados os pontos fundamentais de aplicabilidade e eficácia de tal ato.
2. A CRISE DA COVID-19 E O “NOVO NORMAL” DAS AUDIÊNCIAS
Com o aumento de casos de pessoas contaminadas com o novo coronavírus, novas medidas para conter a curva de propagação do covid-19 foram tomadas, entre elas podemos destacar o decreto de Estado de Emergência Publica que paralisou por tempo indeterminado o Poder Judiciário, até quando durar a crise sanitária em decorrência do covid-19.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), buscando a redução dos impactos decorrentes da pandemia, aprovou a Resolução nº 313/2020, suspendendo os prazos processuais no Brasil, concomitantemente a instituição do plantão extraordinário, suspendendo, temporariamente, os trabalhos presenciais nos Tribunais e os substituindo pela atuação virtual.
Com esta suspensão, e a vedação aos trabalhos presenciais, passaram-se as audiências para a realização virtual, de forma remota, com a utilização de uma ferramenta já existente na legislação processual brasileira que já detinha previsão para a realização de audiências virtuais. Conforme vem regulamentando no CPC/2015 no seu artigo 235, §3°, permitindo a prática de atos “por meio de videoconferência ou outros recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagem em tempo real”, e as práticas de audiências de mediação e conciliação por meio de videoconferência (art. 334, § 7°), “A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei”, Lei 13.105 de março de 2015 (BRASIL, 2015).
Esta alteração da realização das audiências, da forma tradicional para o universo virtual, por meio das audiências on-line, neste período de pandemia, causou uma alteração em toda a prática judicial tradicional, para todos os sujeitos processuais, sejam advogados, magistrados, promotores e outros que atuam dentro do devido processo penal. Além da alteração da forma, novos equipamentos são necessários para a virtualização das audiências, desde equipamentos de digitalização de documentos até equipamentos para transmissão de imagem e som por meio virtual.
Vejamos a legislação:
Art. 7º Nas audiências e atos processuais realizados por videoconferência deverá ser verificada a adequação dos meios tecnológicos em todos os pontos de conexão, de modo a promover igualdade de condições a todos os participantes, observando-se
I – a disponibilidade de câmera e microfone e a disposição desses equipamentos no espaço do ponto de conexão, conforme previsto no protocolo técnico;
II – a conexão estável de internet;
III – a gravação audiovisual, observados os critérios do artigo 16 desta Resolução;
IV – o armazenamento das gravações de audiências criminais em sistema eletrônico de registro audiovisual.
Parágrafo único. Em caso de dificuldade técnica, a audiência será interrompida e resignada para outra data.
Embora as mudanças causem espanto aparente, esse “novo normal” foi a opção encontrada, em face a tecnologia que temos hoje disponível, apta a assegurar o direito fundamental dado pela garantia constitucional da prestação jurisdicional, acelerando meios que já vinham sendo pensados mesmo antes da pandemia, conforme legislação ainda de 2009 que alterou o disposto no art. 1°, §1° da Lei 11.419/2006 e na Lei 11.900/2009.
Por tanto, tal ferramenta prevista em lei que vinha sendo pouco utilizada em nossos tribunais, agora faz parte da nossa realidade. As audiências ou sessões de julgamento por videoconferência passaram a ser a peça fundamental para que a prestação da tutela jurisdicional não sofra sum rompimento em sua continuidade, permitindo ao mesmo tempo uma evolução na forma de se conduzirem os atos jurisdicionais, trazidos pela necessidade vivida mundialmente.
3. LEI 11.900- REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO E OUTROS ATOS PROCESSUAIS POR SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA.
A Lei 11.900/2009 foi implementada no ordenamento após inúmeros embates sobre a inconstitucionalidade das audiências por meio de videoconferência, uma vez que, segundo a corrente que a refutava, violaria o princípio da tipicidade processual porquanto não havia previsão expressa dessa forma de audiência virtual no Código de Processo Penal.
Durante a implementação da nova Lei, foram levantadas algumas discussões acerca da inconstitucionalidade das audiências por videoconferência, considerando que tal medida feriria também os princípios fundamentais ao processo, no âmbito da garantia do acusado, do contraditório e da ampla-defesa, mesmo não havendo demonstração concreta de prejuízo ao acusado. Os embates continuavam especialmente por parte de defensores, por não admitirem tal prática. Thiago Ávila (2009, on-line) sintetizou da seguinte forma as críticas apresentadas:
a)O réu possui o direito de estar pessoalmente presente para sua entrevista com o juiz, pois a videoconferência diminui a capacidade de comunicação entre juiz e réu, situação que restringe o princípio da ampla defesa e da imediatidade; b)Restrição ao direito de entrevista prévia e reservada do réu com o seu defensor; c)Impossibilidade de o advogado fiscalizar a ausência de coação ao réu no presídio e ao mesmo tempo estar ao lado do juiz para eventuais questões de ordem; d)Restrição ao princípio da publicidade, pois o público em geral não teria condições de acompanhar o interrogatório realizado no presídio; e)Ausência de previsão legal. (THIAGO ÁVILA, 2009, on-line).
Segundo as críticas levantadas, o réu tem direito a auto defesa, de forma a garantir entrevista pessoal com o magistrado, oportunizando a sua versão dos fatos e a sua autodefesa, ou seja, a exposição pessoal das razões do próprio acusado face a face com o magistrado. O interrogatório a distância impossibilitaria um contato direto com o acusando, não sendo possível ao juiz realizar uma análise precisa e detalhada dos fatos, deixando o acusado a mercê dos agentes penitenciário e não tendo a garantia de que estaria havendo pressões psicológicas dentro do estabelecimento prisional não captada pelo sistema de videoconferência, coibindo assim a sua liberdade plena de expressão, livre de coação. Entre as críticas doutrinarias, Thiago Ávila nos apresenta a seguinte análise da inconstitucionalidade do interrogatório por videoconferência:
[...] que não poderia o defensor estar, ao mesmo tempo, ao lado do réu no estabelecimento prisional, dando-lhe um importante apoio moral, e ao lado do juiz, para eventuais questões de ordem. Segundo argumentam, a ausência de previsão legal para o interrogatório virtual e de uma disciplina específica impedem sua realização, a qual, se efetivada, configuraria violação ao princípio da ampla defesa. (ÁVILA. 2009, on-line)
Em contrapartida, argumenta-se que o interrogatório por vídeo conferência significaria uma economia processual, uma vez que reduziria o custo com transporte dos presos a uma das sedes do juízo, traria agilidade ao evitar adiamento das audiências por falta de comparecimento, além de garantia uma segurança a mais nos atos processuais sem riscos de eventuais tentativas de fuga (ÁVILA, 2009, on-line).
Dessa forma a videoconferência se tornaria uma alternativa viável e de celeridade aos atos processuais, respeitando as garantias constitucionais inerente ao acusado, essenciais para a manutenção da higidez do devido processo legal.
Todavia, a videoconferência não foi reconhecida como regra geral e sim uma exceção pontual, por considerar que ofendia a ampla defesa do acusado ao não ter contato pessoal com o juiz, no aspecto da autodefesa. Porém há quem não pense da mesma maneira e apresente uma visão crítica acerca do art. 185, caput do CPP, com interpretação que auxilie na evolução tecnológica dos tribunais brasileiros. Vejamos:
[...] Ora, a expressão ‘presença da autoridade’ merece uma interpretação consentânea com a evolução tecnológica que se vem processando nos últimos tempos. Quando tais diplomas foram editados, respectivamente, nos idos de 1941 e 1969, sequer se cogitava da existência do sistema de videoconferência. É certo que quando a Lei afirma que o réu tem direito de estar perante um juiz, o ideal é que isso ocorra no plano concreto, mas o Direito não se encontra apenas no plano do ideal, forjado na mente humana, sob ele há um pano de fundo concreto, que exige soluções viáveis. Estar perante o juiz, dadas as condições da realidade, pode, uma vez garantidos os direitos do acusado, como fez a Lei, significar ser interrogado pelo sistema de videoconferência, sem que isso implique no aniquilamento desses direitos. (CAPEZ, 2009, on-line).
Buscando a hipótese de admissibilidade do interrogatório por videoconferência, o art. 185, § 2º da Lei 11.900/2009 é claro ao permitir que as audiências sejam realizadas virtualmente: de forma excepcional e mediante decisão fundamentada do juízo.
I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
IV – responder a gravíssima questão de ordem pública. (BRASIL, 2009)
Dá análise destes dispositivos, conclui-se que o interrogatório por vídeo conferência não é regra, mas uma exceção. Portanto, o inciso IV traz a admissibilidade dos interrogatórios por videoconferência quando for necessário atender “a gravíssima questão de ordem pública”, que pode ser compreendido no contexto do atual cenário brasileiro, que impôs a suspensão das audiências, em caráter excepcional, para conter a curva de propagação do covid-19 durante o período de excepcionalidade em decorrência da pandemia mundial, como medidas essenciais para a garantia da saúde pública na redução dos riscos epidemiológicos de disseminação do vírus. Dessa forma, o interrogatório por videoconferência tem amparo legal que garante a adoção de medidas tecnológicas para zela pela saúde dos profissionais que atuam no sistema, bem como dos acusados, testemunhas e outros envolvidos no processo, tendo em vista a continuidade da prestação jurisdicional como garantia fundamental.
3.1 OITIVA DE TESTEMUNHAS E INTERROGATORIO ON-LINE
Em 09 de janeiro de 2009 através da Lei 11.900 o Código de Processo Penal passou por alteração, passando a prevê o interrogatório de réu preso por videoconferência em casos excepcionais, devendo ser o ato fundamentado, por força do art. 93, Inciso IX da CF1988. Essa mesma Lei que alterou o código até então conhecido, previu que a oitiva de testemunhas também poderia ocorrer por meio de videoconferência, o § 3º do artigo 222 da Lei 11.900/2009, dispõe que:
Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. (BRASIL, 2009)
Todavia, antes da alteração da nova Lei 11.900/2009 já tivemos debates jurisprudenciais acerca da adoção das audiências virtuais, essencialmente no ato do interrogatório do acusado. Na Suprema Corte brasileira, o interrogatório por videoconferência foi debatido no Habeas Corpus (HC) 90900, impetrados em 2008, com alegação de que o procedimento é contrário ao artigo 185 do Código de Processo Penal e a Constituição Federal, quanto ao exercício assegurado da ampla defesa. O HC buscava apresentar a inconstitucionalidade do ato, apresentando os seguintes argumentos:
Conforme a defensoria, somente a presença física do juiz poderia garantir a liberdade de expressão do acusado em sua autodefesa. Assim, apontava a inconstitucionalidade da norma paulista, por violação ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, sob o argumento de que a lei estadual trata de direito processual penal “e não de mero procedimento em matéria processual”. (HC 90900, 2008).
Consoante ao art. 185 do CPP, o acusado tem que comparecer perante a autoridade competente (juiz) ao qual será interrogado na presença do seu defensor. A presença física do acusado não é requerida como uma exigência, e sim como um direito para que seja consubstanciado os princípios e garantias constitucionais, essencialmente o aspecto relevante da ampla-defesa que diz respeito ao direito a presença física do acusado para expor seus motivos, pessoalmente, ao magistrado. Neste sentido pontuou a Min. Ellen Gracie.
A relatora, ministra Ellen Gracie, entendeu possível a realização de interrogatório por videoconferência. “O tema envolve procedimento, segundo entendo, e não processo penal”, disse a ministra, entendo que o estado de São Paulo não legislou sobre processo, mas sobre procedimento “o que é perfeitamente legítimo no direito brasileiro nos termos do artigo 24, XI da Constituição”. Assim, para ela, não há inconstitucionalidade formal da norma questionada.
A ministra também entendeu não haver inconstitucionalidade material, tendo em vista que o procedimento instituído pela norma paulista preserva todos os direitos e garantias fundamentais, inclusive a garantia da ampla defesa e o devido processo legal. (STF, INFORMATIVO Nº 526).
A videoconferência, por sua natureza virtual, não permite um contato face a face entre acusado e magistrado, contudo permite um contato direto, ainda que realizado a distância, não excluindo a possibilidade de se analisar, ainda que a distância, o estado emocional do acusado, a personalidade, a forma como se expressa, o estado mental, que são análises que devem ser realizadas para a consubstanciação de parte do princípio da ampla-defesa no que concerne a autodefesa.
A ferramenta de videoconferência permite um contato direto com as partes, mesma não estando mesmo local. E não exclui a possibilidade de uma análise relativa a personalidade, o estado emocional e psíquico do acusado, entre outras formas de coibir a sua defesa por meio de videoconferência. Não resta dúvidas que muitos doutrinadores questionam a ideia apontando para a falta da presença física do juiz e o contato pessoal com o acusado, mas isso não impede que, de forma excepcional, tal procedimento venha ser utilizado.
Por fim, analisando o período ao qual o Brasil e o Mundo encontram-se com a “gravíssima questão de ordem pública”, a videoconferência se tornou o meio viável e aceitável para da continuidade a prestação jurisdicional.
4. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E OS DESAFIOS EM FAZER AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERENCIA DURANTE A PANDEMIA
Em decorrência desse momento de crise vivenciado pela Pandemia Covid19 e publicação da Resolução 313/2020 do CNJ, há questionamentos de como ficará a suspensão dos prazos e se tal medida poderá trazer possíveis consequências processuais.
A priori, a mesma resolução que trouxe a suspensão dos prazos no seu art. 5°, parágrafo único, também apresentou soluções para dar continuidade à prestação jurisdicional, nos moldes do art. 6° da Resolução 313/2020, que diz que: “Os tribunais poderão disciplinar o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores para realização de expedientes internos, como elaboração de decisões e sentenças, minutas, sessões virtuais e atividades administrativas. ” (BRASIL, 2020)
Nota-se que no caput do artigo 6° da Resolução 313/2020, traz a previsão legal de continuidade da prestação jurisdicional por meio remoto, ou seja, não impossibilitando o prosseguimento do processo, entretanto, essa possibilidade de trabalho remoto para continuidade dos atos processuais se daria de forma virtual, a qual tem que serem analisados alguns fatores importantes quando se trata de plataformas on-line, neste sentido, Marcelo Almeida e Adriano Pinto (2020) aduz que:
[...] que o uso de meio virtuais sofre com a oscilação de conexão da internet e disponibilidade de um número maior de servidores capazes de atender a demanda por meio de aparelho telefônico ou acesso aos endereços eletrônicos, além de, em vários casos, depender de atos voluntários de partes para pratica de atos referentes aos seus ônus processuais, renunciando a suspensão do prazo, conforme o exemplo dado em relação ao momento de defesa do réu [...]
A adoção dos meios tecnológicos se deu em caráter de urgência para atender políticas publicas referente a saúde e assistência social nesse momento de crise, ou seja, a suspensão temporária do prazo processual por motivo de força maior, até pendurar o evento (art. 313, inciso IV, CPC). Se força maior é todo evento inevitável que independa da vontade humana, podemos enquadrar a pandemia covid19 como força maior, tornando-se apta para ensejar a suspensão de todos os processos judiciais do país e levando a adaptação e integração de um “Novo Normal” no cenário das audiências brasileiras, essencialmente em sede de processo civil.
Na Resolução 313/2020 do CNJ no seu artigo 7º e incisos I ao IV, aborda as observações quanto à adequação dos meios tecnológicos para realização das audiências e atos processuais por meio de videoconferência, de modo a garantir igualdade e condições a todos os participantes. Promovendo-se assim, transparência e permitindo a condução do processo entre as partes de forma a não lhe causar prejuízo.
Mas na integração dessa nova forma de se fazer audiência, não se pode afastar o Princípio da Publicidade que é um mecanismo de proteção do Poder Judiciário no que tange “o sigilo judicial” que deve evitar também a utilização midiática de atos judiciais para campanhas punitivista midiáticas que tendem a atacar o acusado e também outros sujeitos envolvidos no processo atingindo a sua dignidade.
No dia 04 de novembro de 2020, o Jornal O Estado de S. Paulo publicou a integra da audiência online do processo de estrupo de vulnerável apresentado pela influencer Mariana Ferreira Borge contra o empresário André Aranha. Audiência essa que deveria ocorrer em segredo de justiça por se tratar da intimidade da influencer, porém não foi isso que aconteceu e o caso ganhou grande repercussão na mídia após o veículo The Intercept afirmar que o juiz havia aceitado a tese de "estupro culposo" contra André, expressão essa que não aparece em nenhum momento nos autos. Vejamos a fala do Juiz:
Na sentença, o juiz determinou que, como não foi possível determinar a vulnerabilidade da vítima (já que os exames toxicológicos mostraram que ela não estava alcoolizada nem drogada), e como não existe "estupro culposo", valeria o princípio in dubio pro reo. Aranha foi absolvido. (Consultor Jurídico, 2020, on-line)
Todavia o princípio da publicidade não foi respeitado e trouxe a público uma audiência que gerou grande humilhação e constrangimento a ofendida, Mariana, o que teve como decorrência a instauração de procedimento por parte do CNJ com vistas a investigar se houve falha na atuação do juiz Rudson Marcos, por não ter impedido o advogado de humilhar a ofendida no processo.
A inação dos sujeitos processuais causou uma comoção pública após a divulgação de parte da audiência realizada de forma virtual.
É indiscutível que as campanhas midiáticas podem provocar desconfiança sobre o resultado do julgamento, gerando uma insegurança do cidadão na integridade do poder judiciário para que este possa desenvolver, com as devidas garantias, sua função, que é essencial para a sociedade democrática. (FIGUEIREDO, 2020, on-line)
Assim, com essa modalidade remota, surgem inúmeros desafios a serem enfrentados, desde dificuldades com conexão à rede de internet, bem como o atendimento as exceções ao princípio da publicidade no que se refere a garantia do sigilo das audiências.
4.1 DAS AUDIÊNCIAS
O atual cenário vivenciado pelo Brasil em decorrência da Pandemia Covid-19, como no resto do mundo, alterou todas as relações sociais, pessoais e profissionais, em que se necessitava de aglomeração de pessoas, sendo decretado o estado de calamidade pública e o isolamento social, medidas adotadas para conter a curva de propagação do novo Corona vírus. Ocorre que o isolamento social transformou a rotina do sistema de justiça como um todo, exigindo que alterações tecnológicas antes vistas em perspectiva tivessem que ser adotadas com maior velocidade. As audiências judiciais passaram a ser realizada de forma online para evitar aglomeração e a consequente propagação do vírus.
Em 03 de março de 2020, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Tocantins regulamentou através da portaria-conjunta Nº 001, a adoção de medidas temporária de prevenção ao contágio pelo novo Corona vírus (Covid-19).
Ao seu turno, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), buscando meios de dar continuidade a prestação jurisdicional e evitar acúmulos e atrasos nos processos em cursos, adotou também diversas medidas para aprimorar o atendimento a distância. É o caso de algumas modalidades de audiências, que passaram a ocorrer em plataformas online através do sistema Cisco Webex - ferramenta utilizada para tais audiências. É uma inovação necessária para situação atual enquanto durar o período considerado a classificação de pandemia pela Organização Mundial de Saúde. (SOARES E ALVES, 2020)
A plataforma Cisco Webex foi adotada pelo judiciário em decorrência do distanciamento social, tendo por objetivo principal a retomada das audiências sem contato direito conforme anunciado pela a portaria Nº 61 de 31 de março de 2020. A plataforma será o canal oficial para realização das audiências por videoconferência, de modo que:
O Juiz, Ministério Público e o Defensor Público participaram de suas residências. O réu será ouvido na unidade prisional onde se encontra acautela, não havendo sequer deslocamento do mesmo para as salas de videoconferência, as testemunhas serão ouvidas nas unidades de policias em que servem que todos possam acessar a plataforma virtual, podendo ser acessada também por aparelhos de telefone celular [...] (BRASIL, 2020)
Segundo levantamento realizado no portal do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, no período entre 1º de abril e 30 de outubro de 2020, o Judiciário da Capital Palmas julgou 22.833 mil processos, considerando o 2ºgrau, um aumento significativo em comparativo com o mesmo período do ano passado, em que foram realizadas 21.985 mil Atos Processuais em seção de julgamento.
Além do levantamento realizado através do portal do Poder Judiciário, a Coordenadoria de Gestão Estatística e Projetos Assessorias de Estatística (Coges-TJTO) publicou uma apuração realizada entre 23 de março e 17 de julho de 2020, em que destacou “a amostra destaca que o Tribunal de Justiça do Tocantins alcançou a marca de 425.406 atos judiciais nesse intervalo de tempo” (MEIO JURÍDICO, 2020, on-line). Os resultados positivos alçados representam uma aceitação considerável da plataforma online e um entendimento de que mesmo forma remota é possível dar prosseguimentos nas audiências de forma efetiva.
Segunda a coordenadora das Defensorias da Capital (CE), Sulamita Alves Teixeira, o período enfrentado não está sendo fácil, e se faz necessário a adequação e adoção de novos métodos de andamento processual. “Tanto os assistidos, quanto defensores e juízes estão experimentado essa nova vivência que traz o rompimento da ideia de que o andamento da demanda exige a presença. É uma inovação necessária para a situação atual, para que não crie um acúmulo e, consequentemente, maior demora para resolução dos casos [..]” (ASCOM/DPE-CE, 2020). Muitas dessas rotinas vêm sendo chamada de o “Novo Normal”, pois está cada dia mais se tonando parte das rotinas dos magistrados.
Assim, as audiências em plataformas virtuais representam uma opção relevante e necessária durante esse período de crise do sistema judiciário brasileiro em decorrência da Pandemia Covid-19. Os desafios a serem enfrentados nessa nova modalidade de se fazer audiência causa preocupação, pois se faz necessário a adoção de ferramentas tecnológicas para continuidade da análise processual, ao mesmo tempo que garanta a publicidade das audiências e os direitos dos participantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As videoconferências são uma forma de utilização da tecnologia para permitir que se realizem atos processuais mantendo cada indivíduo em seu ambiente próprio, mas mantendo a interação entre eles em uma “sala virtual”. Essa audiência permite a transmissão em tempo real das audiências com a utilização de equipamentos do poder público, para o judiciário, o ministério público e defensorias, bem como policiais envolvidos como testemunhas, e particulares, no caso de escritórios de advocacia.
A realização de audiências pelo meio virtual possibilitou que os processos não cessassem em razão da pandemia do Covid19, garantindo a duração razoável do processo, e a prestação jurisdicional, redundando, como se viu posteriormente, também em economia para o poder público com essa modalidade de tecnologia.
Apontar a importância de local específico para realização dessas audiências, com ferramentas práticas para realização da mesma em meio remoto, uma vez que, todo ato realizado por videoconferência está sob a responsabilidade do poder judiciário no exercício de sua oficialidade. Muito diferente do que vem sendo realizado no período de pandemia.
Observa-se então, que as audiências de formas virtuais são viáveis ao sistema judiciário nesse período, desde que tal prática não favoreça a exclusão dos menos favorecidos e perdas dos direitos, por problemas como falta de internet, de mídia ou até mesmo de condições de participação. Tais fatores tem que ser analisado para que venha cumprir a finalidades dos atos e garantia o direito de todos.
No âmbito do processo penal as audiências são extremamente necessárias para que se possa dar a prestação jurisdicional no devido tempo, evitando assim prisões cautelares por prazos abusivos e ainda o arrastamento de casos penais, o que pode vir tanto a violar direitos e garantias individuais quanto trazer insegurança à sociedade, quanto a não conclusão de crimes na sociedade brasileira.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1]Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, pós-graduado em Ciências Criminais, especialista em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e ainda em Comunicação Social, ênfase em Jornalismo, todos os cursos pela Universidade Federal do Tocantins. Delegado da Polícia Civil do Tocantins, professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Escritor de Obras Jurídicas e artigos diversos.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo- FASEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, THAIS PEREIRA DE. A publicidade das audiências criminais e as dificuldades geradas pela realização de audiências virtuais no primeiro semestre de 2020, em razão da Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2020, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55823/a-publicidade-das-audincias-criminais-e-as-dificuldades-geradas-pela-realizao-de-audincias-virtuais-no-primeiro-semestre-de-2020-em-razo-da-covid-19. Acesso em: 22 dez 2024.
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