RUBENS ALVES
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir a possibilidade de se efetuar prisão em flagrante utilizando uma transmissão ao vivo via redes sociais em virtude do rotineiro costume que infratores têm de publicar seus atos em redes sociais como forma de promoção social e de filmagens de câmeras de segurança.
Palavras-chave: Prisão em flagrante, redes sociais, transmissão ao vivo.
ABSTRACT: This article aims to discuss the possibility of arrest in the act when the crime has been streamed on social network because of the commom habit among the offenders to stream their acts on social network with the purpose of social promocion and of security footage.
KEYWORDS: Arrest in the act, social network, streaming.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Tipos de flagrante 3. Transmissão ao vivo de delito 4. Prisão em flagrante por filmagem e o PL 1852/2011 4.1. Relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania acerca do PL 1852/2011 5. Considerações finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil é um país onde ocorrem muitas prisões em flagrante, para exemplificar, em 2017 foi realizado um estudo pelo Instituto Sou da Paz que constatou que só no Estado de São Paulo, 70% das prisões efetuadas são em flagrante. Assim, há muita margem para prisões ilegais, aquela sem pressupostos autorizadores, o que acarreta superlotação não só de presídios, mas também superlotação processual.
A prisão em si é a privação do direito mais fundamental do ser humano depois do direito à vida, o direito à liberdade. Então para ferir tal direito fundamental, nada mais justo que tal afronta seja prevista em Constituição. Assim, a prisão em flagrante encontra norte primordial na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, LXI:
ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Portanto ninguém pode ser privado de seu direito à liberdade senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente ou se estiver em flagrante delito. Mas é no Código de Processo Penal, em seu artigo 302, que se explica o que de fato é um flagrante delito:
Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Assim fica claro em que situações acontece o flagrante delito e somente nessas situações pode haver a possibilidade de uma prisão em flagrante. Deixando claro que o Código de Processo Penal em seu artigo 301 deixa facultado para qualquer do povo efetuar tal prisão em tal situação, que se caracteriza como o chamado flagrante facultativo, enquanto que a autoridade policial tem a obrigação de fazê-lo, o chamado flagrante obrigatório.
2. TIPOS DE FLAGRANTE
Antes de qualquer coisa, a prisão em flagrante tem natureza jurídica de prisão cautelar, ou seja, ela visa resguardar o resultado final do processo e garantir o devido andamento do mesmo. Porém, ela ocorre antes mesmo de haver processo, não necessitando nem de autorização de juiz competente, ou seja, nas palavras de Aury Lopes Júnior, a prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar:
A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não. Em síntese, o primeiro aspecto a ser destacado é que a prisão em flagrante não é uma prisão cautelar, mas sim uma medida pré-cautelar. Isto porque destina-se a preparar, instrumentalizar uma futura medida cautelar. Por isso, é a única forma de detenção que a Constituição permite seja realizada por um particular ou pela autoridade policial sem ordem judicial.
Conforme o já supracitado artigo 302 do Código de Processo Penal, o flagrante delito não se trata só da situação quando o sujeito é pego no ato ou acabou de cometê-lo, o chamado por alguns doutrinadores como Fernando Capez de flagrante próprio. O instituto também engloba outras situações, essas que podem dar margem prisões ilegais. Afinal, no flagrante próprio não há dúvidas: o sujeito é pego praticando ato delituoso ou acabara de cometê-lo, seja testemunhado por autoridade policial seja por qualquer cidadão do povo. Porém, nas demais situações há variável que podem colocar em dúvida o indício de autoria ou a prova da materialidade do fato.
Na situação em que o mesmo é perseguido logo após o cometimento do ato, geralmente após indicações de testemunhas se inicia a perseguição do suspeito até que se encontre alguém que se encaixe na descrição da mesma. Porém qual seria o lapso temporal presente nesse “logo após”, e o dessa perseguição? Sobre isso, Renato Brasileiro:
Impõe-se, inicialmente, verificar o significado da expressão logo após. Por logo após compreende-se o lapso temporal que permeia entre o acionamento da autoridade policial, seu comparecimento ao local e colheita de elementos necessários para que dê início à perseguição do autor. Por isso, tem-se entendido que não importa se a perseguição é iniciada por pessoas que estavam no local ou pela polícia, acionada por meio de ligação telefônica.
Mas, essa perseguição pode se dar com base em testemunhos, conforme dito acima, mas também pode se dar com base em palpites e achismos para satisfazer um clamor público gerado pelo delito, configurando assim o flagrante como ilegal por não se tratar mais de perseguição mas sim de investigação, papel esse do inquérito policial.
Por fim, há o flagrante presumido que ocorre quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Novamente há o elemento “logo depois” configurando a existência de um lapso temporal entre o delito e a prisão do agente. Tal flagrante ocorre bastante em situações de acidentes de trânsito, onde é efetuada a prisão em flagrante do proprietário do carro identificado pela placa no momento do delito, porém, apenas presume-se que era o proprietário do mesmo que estava dirigindo-o no momento de tal delito.
3. TRANSMISSÃO AO VIVO DE DELITO
Se tratando da situação a ser estudada por esse artigo, uma transmissão de um delito ao vivo é um caso muito especifico a que precisa da devida atenção dos legisladores e das autoridades judiciárias. São recorrentes os casos em que infratores publicam seus atos como forma de se promover em seu meio social, a impunidade recaindo sobre o mesmo o deixa mais “notório” por assim dizer.
Evidentemente, a forma mais simples de se efetuar um flagrante se utilizando de uma transmissão ao vivo é, ao tomar conhecimento da mesma, a autoridade policial se deslocar até o local, encontrar os infratores na prática do delito e efetuar a prisão dos infratores, é o caso mais comum onde não há discussão por se tratar de flagrante próprio.
Exemplificado no caso registrado pelo Correio Braziliense Polícia detém homem e adolescente em transmissão ao vivo de uso de drogas:
Um adolescente de 15 anos foi apreendido após fazer uma transmissão ao vivo pelo Facebook, na tarde de segunda-feira (15/5), com um homem de 19 anos, usando entorpecentes. Agentes da 24; Delegacia de Polícia (Setor O, em Ceilândia) viram o vídeo e se deslocaram até a casa do homem, localizada na QNO 19. A ação policial ficou registrada na filmagem. O adolescente transmitia o vídeo, que dura 22 minutos. Durante a transmissão, os dois fazem propaganda de drogas: "Chegou o verdão na quebrada", anuncia o homem. Cada um aparece segurando um cigarro, aparentemente de maconha. Os policiais chegaram até os jovens após assistirem a transmissão ao vivo, que estava em modo público. "Fizemos uma operação de forma instantânea, porque, além da transmissão ao vivo, recebemos denúncias de que a casa do (suspeito) estava se tornando ponto de tráfico de drogas da região. Fomos até a residência e adentramos, por ser uma situação de flagrante. O que não esperávamos era que a transmissão ainda estivesse acontecendo", relata o delegado-chefe Ricardo Viana. Após a apreensão do adolescente e a prisão do homem, agentes encontraram comprimidos de rohypnol, além de trouxas de maconha e crack. O adolescente foi encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente 2 (Taguatinga) por ato infracional análogo à apologia ao crime. O foi preso e levado à 24; DP por corrupção de menores, apologia ao crime e tráfico de drogas. Se condenado, todas as penas somadas podem chegar a 29 anos de prisão. Ele já tinha passagem por roubo e furto. O Correio omitiu o nome do homem para preservar a identidade do adolescente, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA).
Mas e se ao chegar no local o agente delituoso já tivesse cessado sua prática delituosa, digamos que no mesmo caso acima, o mesmo não estivesse mais em posse de material entorpecente ou de dinheiro em espécie, ainda sim seria possível o flagrante delito? Pela leitura seca de lei empreende-se que sim, seria possível, afinal, o delito acabara de ser cometido e foi flagrado por autoridades policiais, mesmo que de forma virtual e à distância, havendo prova suficiente de autoria e materialidade do fato na transmissão, mesmo que tal venha a ser apagada das respectivas redes sociais do infrator, o agente policial possui a fé pública para realizar a prisão em flagrante próprio.
Porém, há doutrinadores que entendem diferente, como Borges da Rosa, por exemplo:
Entende-se que o agente acaba de cometer a infração, quando já tem cessado a prática do último ato de sua execução e ainda se acha no mesmo local do crime, logo após tê-lo cometido. Se está no mesmo local, mas já tem decorrido apreciável espaço de tempo, não mais se pode falar em flagrante delito porque já deixou de ocorrer o tempo imediatamente posterior à prática do último ato de execução.
Segundo ele, portanto, só haveria flagrante se a autoridade policial chegasse imediatamente após o cometimento do delito, se houver lapso de tempo considerável entre as duas ações, não se trataria mais de flagrante. A situação gera dúvidas pois, em teoria, não há de se falar em indicio de autoria ou prova da materialidade. Se alguém transmite um delito ao vivo e alguém assiste e reconhece o autor há todos os pressupostos de uma prisão em flagrante sendo consolidados à distância, o que impossibilitaria a prisão de ser efetuada naquele exato momento assim impossibilitando a prisão em flagrante.
Nada que impeça a transmissão de ser usada em um futuro processo criminal como prova, como ocorre com as filmagens de câmeras e fotos. Afinal, a prisão em flagrante se trata de uma prisão cautelar sem garantia de efetiva punição ao infrator, que só a receberia após o devido trânsito em julgado.
4. PRISÃO EM FLAGRANTE POR FILMAGEM E O PL 1852/2011
Uma filmagem, ao contrário de uma transmissão ao vivo, seria o conhecimento do delito com lapso de tempo considerável após a realização do mesmo. Sua possibilidade recairia acerca do que se entende por prisão em flagrante, se trata de uma forma de cessar uma atividade delituosa ou uma forma de assegurar a punição de agente que comete infração e de evitar que o mesmo venha a repetir tal delito. Se fosse somente a para cessar atividade delituosa não haveria motivo de os legisladores preverem flagrante em situações de perseguição ou de presunção. No caso de uma transmissão ao vivo ou de uma filmagem, há ainda mais garantia de identificação do autor, portanto em teoria, mais validade para se efetuar o flagrante. Entretanto, etimologicamente falando, caracterizar um caso assim como flagrante seria errôneo, pois a palavra em si vem do latim flagrans, flagrantis, que significa ardente, brilhante, que está pegando fogo.
Assim não existe flagrante que leve lapso de tempo considerável entre o ato delituoso e a prisão do agente. Pode-se tratar de mero capricho etimológico, mas quando os termos deixam de ter significado concreto eles se tornam frágeis, assim não tem como realizar a prisão em flagrante de um delito que ocorreu há uma semana, pois, de acordo com a origem da palavra, ele não estaria mais pegando fogo, sua chama já estaria apagada. Diferentemente de uma perseguição que dure uma semana, pois o agente ainda estaria empreendendo fuga por ter cometido o delito que gerou sua prisão em flagrante. Assim, o lapso temporal é chave quando se trata de flagrante: não existe flagrante delito de dias, semanas, a não ser em caso de perseguição.
Houve inclusive um projeto de lei para a alterar o artigo 302 do Código de Processo Penal, a PL 1852/2011, que acrescentaria o seguinte inciso:
“V – presume-se ainda, ser autor da infração, quem tenha sido filmado ou fotografado ao cometer o crime”.
E em sua justificativa, a deputada Lauriete do PSC foi justamente na corrente punitiva da prisão em flagrante, em suas palavras “A prisão em flagrante é a mais imediata e eficaz resposta estatal a uma infração criminal”. Ou seja, a mesma pensou na prisão em flagrante como uma forma de antecipação de pena, quando ainda nem sequer existe processo criminal. Como a Constituição é clara, só a prisão em flagrante ou se autorizada por autoridade judicial, a aprovação de tal projeto configuraria uma ampla margem para se efetuar prisão em flagrante. Gravações de anos atrás poderiam ser usadas para se efetuar prisão em flagrante, meio que a autoridade policial tomaria para si um dever que é da autoridade judicial.
Mais adiante em sua justificativa, a autora do projeto de lei relativiza a utilização de tal inciso como forma de prisão em flagrante:
Isso ocorre, por exemplo, quando o criminoso, filmado pelas câmeras de circuito fechado durante a prática da infração penal, é encontrado logo depois, mas sem instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração e por isso, não se configura como crime, pois não provas legais que a “priore” o incriminem. Nesses casos, temos a convicção da autoria, mas a impossibilidade de prisão em flagrante.
Abrindo a mesma discussão proposta mais acima neste presente artigo, há plena certeza de autoria e prova da materialidade presente na filmagem ou na transmissão ao vivo, mas ao abordar o possível autor o mesmo já não se encontra encaixado no pressuposto do flagrante presumido, ou seja, não possui nada que o faça presumir ser ele o autor do delito. Todavia, há o elemento do lapso temporal em jogo em ambos os casos, o estudo acerca da transmissão ao vivo se dá por a mesma ser em tempo real possibilitando que, assim que a autoridade policial tomar conhecimento da realização da mesma, assim como ocorreu no exemplo do caso retratado pelo Correio Braziliense, a autoridade policial se desloque até o local da infração e, mesmo que o autor não se encontre mais cometendo o delito, ou com armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor da infração, a autoridade policial visualizou o mesmo cometendo delito, prendendo o mesmo em caráter de prisão em flagrante própria por ter acabado de ter cometido infração penal, e, além de ter a fé pública e o dever legal de prender um infrator, tem a própria transmissão como pressuposto para assim efetuar a prisão em flagrante.
Já no caso de uma filmagem há várias variáveis a serem levadas em consideração. Há possibilidade de ocorrer um lapso temporal considerável entre o delito e a atuação da autoridade policial no caso de uma notitia criminis através de uma filmagem é muito maior do que a de uma transmissão ao vivo. A filmagem em questão teria que ser levada por alguém até a autoridade policial, ser analisada para daí então os mesmos definirem do que se trata e se caberia prisão em flagrante ainda, e dificilmente alguém fica a todo momento monitorando câmeras de segurança para testemunhar a ocorrência de um delito, geralmente são constatados depois, por requisição do ofendido e daí então levadas ao conhecimento da autoridade policial, e toda essa ação custaria tempo necessário para que não fosse mais possível a efetuação da prisão em flagrante delito.
No caso do projeto de lei em questão, por mais que a autora tenha colocado em sua justificativa que “o criminoso, filmado pelas câmeras de circuito fechado durante a prática da infração penal, é encontrado logo depois, mas sem instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”, na alteração do artigo em si isso não consta. Pela leitura do artigo depreende-se que qualquer um que seja filmado praticando delito, não importando a quanto tempo tenha ocorrido tal, está sujeito a ser preso em flagrante. Claro que há sempre o princípio da irretroatividade da lei penal, porém, mesmo assim, se aprovada a alteração, alguém que cometesse delito hoje poderia ser preso em flagrante por tal delito daqui a cinco anos, por exemplo, o que seria uma aberração jurídica e etimológica como já foi comentado acima, o próprio relator do projeto entende dessa forma:
Já a técnica legislativa empregada não se encontra integralmente de acordo com os ditames da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 107, de 26 de abril de 2001, pois, a ementa não define concisamente o objeto da norma. Além disso, a parte preambular do projeto de lei clama por uma correta enunciação do objeto da norma, e a redação dos dispositivos merece reparos.
4.1. Relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania acerca do PL 1852/2011
O relator responsável pelo projeto de lei na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania foi João Paulo Lima que no respectivo relatório deu parecer favorável a rejeição do projeto e de arquivamento do mesmo. Em seu relatório, o mesmo disse que o projeto obedecia às normas constitucionais exigidas e livre de vícios nessa seara. O problema primordial do projeto foi mesmo a redação de tal, como já fora citada anteriormente. Afinal, qualquer lei tem que ser clara, inequívoca. Conforme João Luiz Pinaud:
Um código legal, integrado em sistema de leis escritas, deve ser formulado segundo pauta de rigorosa e previamente definida. As leis não são redigidas de modo arbitrário, subjetivo, não resulta de escolha estilística, opção estritamente literária. Seus requisitos de formulação devem traduzir exigências éticas. Se o povo é o exclusivo destinatário da Lei, deve ser ela compreendida e vivenciada por ele e não exclusivamente pelos técnicos, pelos exegetas que o Poder mantém sempre de plantão.
Adiante eu seu relatório, o relator cita que tal forma de flagrante seria uma forma de modernizar tal instituto, de fato, atualmente é muito fácil registrar um delito no momento de sua execução, a grande maioria possui aparelhos celulares com câmeras capazes de realizar filmagens com qualidade suficiente que possibilite a identificação do autor de tal delito. É até possível realizar uma transmissão ao vivo com a popularização das redes móveis, assim podendo ocorrer casos onde a autoridade policial toma conhecimento de uma infração em andamento através de tal transmissão, como fora citado no caso relatado pelo Correio Braziliense acima neste artigo. Além disso, há também a proliferação de câmeras de segurança na maioria das grandes cidades que, desde que devidamente monitoradas, poderiam ser usadas como forma de identificar crimes e realizar prisões em flagrante. Assim pontuou o relator:
Quanto ao mérito do projeto em tela, à primeira vista poderia se considerar um importante passo para a modernização do processo penal brasileiro, por admitir como motivo para a prisão em flagrante imagem filmada ou fotografada do agente no momento em que comete a infração.
Porém, o relator elucida outro ponto chave para a impossibilidade da prisão em flagrante mediante filmagens, o imediatismo da mesma. Como já fora citado, prisão em flagrante remete à prisão de delito que ainda queima, que está ou acabou de acontecer, então prender alguém em flagrante em decorrência de uma filmagem que tenha sido captada a horas atrás seria impossível.
Corroborado pela justificativa da autora do projeto de lei, a questão é o clamor social pela punição de indivíduo que se encontre em tal situação de ser filmado cometendo delito. Porém, a liberdade é um dos direitos mais fundamentais do ser humano e não se pode ser ameaça a todo momento, o relator foi direto ao ponto no final de seu relatório quando diz que “Com efeito, não vemos razão jurídica para a inclusão do dispositivo que, mal interpretado, permitiria um ‘flagrante infinito’, já que as imagens não se apagam”, ou seja, qualquer pessoa estaria passível de ser presa a qualquer momento por um delito que tenha sido filmado a qualquer período de tempo sem a necessidade da autorização judicial. Seria uma nova forma de prisão que não as elencadas no artigo 5°, inciso LXI, da constituição, pois a mesma não foi autorizada por juiz e somente seria flagrante por força de lei, mas que na etimologia do termo, haveria inclusive a necessidade de nomeá-la de forma diferente até por motivos acadêmicos.
Lembramos que filmagens podem estar sujeitas a manipulação que podem tornar o fato diferente do que parece. Uma filmagem pode ocultar uma possível excludente de ilicitude, por exemplo, que poderia ser arguida em favor do acusado que só seria averiguada muito depois, já em sede de processo criminal. Por isso a prisão em flagrante tem o objetivo de suspender a liberdade do agente quando a situação levar a crer que não há dúvida de que o mesmo está cometendo ou acabou de cometer um delito. Acerca disso, o relator João Paulo Lima diz:
O projeto de lei em análise, a nosso ver, confunde matéria de prova – vídeo e imagens da prática de um possível crime – com o instituto do flagrante. Filmes e fotografias que, diga-se, podem ser montados e manipulados, podem, de fato, vir a servir para embasar um pedido de prisão temporária ou preventiva. Para o flagrante em si, as imagens, assim como qualquer outra prova, indicam uma possível autoria, que pode, em futuro processo criminal, ser questionada. Podem, ainda, ser objeto de questionamento a autenticidade das imagens, bem como sua relação com as circunstâncias não captadas pelas imagens – como, por exemplo, o exercício de legítima defesa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo abordou a possibilidade acerca de novas formas de se admitir prisão em flagrante no Código de Processo Penal brasileiro, utilizando-se da modernidade contemporânea que está disponível a todos, porém, ficou evidente que ainda há fragilidades a serem levadas em consideração que impossibilitam tais serem concretizadas. As situações onde se admitiria tal instituto não passariam de uma forma de notitia criminis e não caracterizariam o flagrante em si.
Por mais que haja morosidade e descrença na justiça, é perigoso flexibilizar formas de se retirar a liberdade de alguém. É somente em sede judicial que o indivíduo possui seu direito a ampla defesa e ao contraditório, são garantias fundamentais que todos têm de se resguardar contra uma acusação injusta que possa vir a sofrer. Em sede de prisão em flagrante e inquérito policial os mesmos não existem, há somente a inquisição da autoridade policial para apurar fatos, sem que o indivíduo possa vir a se manifestar. Assim, não há necessidade de se realizar uma forma de julgamento prévio por puro clamor social. Há o devido processo legal onde as partes apresentam provas e é nesse momento que as filmagens devem ser utilizadas. Havendo a necessidade de prisão imediata do agente, desde que fundamentada, o código de processo penal dispõe de instrumento eficaz para tal, a prisão preventiva e a prisão temporária, atendidos seus devidos pressupostos autorizadores.
6. REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral, 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único, 5ª edição. Salvador: JusPodivm, 2017.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 39ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016.
FILHO, Tourinho. Manual de processo penal, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
PERES, Sarah. Polícia detém homem e adolescente em transmissão ao vivo de uso de drogas. Correio Braziliense. Brasília. Cidades. Disponível em < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/05/16/interna_cidadesdf,681107/policia-prende-homem-e-adolescente-em-transmissao-ao-vivo-com-drogas.shtml> Acesso em 12 de Novembro de 2020.
BRASIL. Câmara dos Deputados do Brasil. Projeto de lei n° 1852 de 2011. Altera o Art. 302 do Decreto Lei 3689, de 3 de outubro de 1941, acrescido do inciso V. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra ;jsessionid=7CA5DDEA47006B9DD52AC4D9CD97C617.proposicoesWebExterno1?codteor=899993&filename=Tramitacao-PL+1852/2011> Acesso em 14 de Novembro de 2020.
BRASIL. Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados do Brasil. Relatório do projeto de lei n° 1852 de 2011. Altera o Art. 302 do Decreto Lei 3689, de 3 de outubro de 1941, acrescido do inciso V. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1132664&filename=Tramitacao-PL+1852/2011> Acesso em 14 de Novembro de 2020.
7 em cada 10 prisões em SP ocorrem em flagrante, diz pesquisa. G1 São Paulo. São Paulo. 04 de Maio de 2017. Disponível em <https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/7-em-cada-10-prisoes-em-sp-ocorrem-em-flagrante-diz-pesquisa.ghtml> Acesso em 11 de Novembro de 2020.
PINAUD, José Luiz. Redação Da Lei: Técnicas Legislativas e Exigências Ético-Políticas. Disponível em < http://www.joaoluizpinaud.com/Redacao.pdf> Acesso em 11 de Novembro de 2020.
Bacharelando do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANJOS, Ronald Rafael Corrêa dos. Possibilidade de prisão em flagrante após transmissão ao vivo em rede social ou com a utilização de filmagens Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55847/possibilidade-de-priso-em-flagrante-aps-transmisso-ao-vivo-em-rede-social-ou-com-a-utilizao-de-filmagens. Acesso em: 23 dez 2024.
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