RESUMO: O presente estudo ampara-se no enfoque contemporâneo do crime organizado para abordar, inicialmente, o direito penal frente à criminalidade econômica, contextualizando nessa criminalidade a lavagem de dinheiro como mola propulsora das organizações criminosas. Posteriormente, analisa a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, criticando e comentando, do ponto de vista doutrinário, algumas de suas disposições, atendo-se ao crime antecedente, uma vez que, na lei brasileira, o delito de lavagem de dinheiro não subsiste sozinho, e nas fases ou técnicas do branqueamento de capitais. Por fim, trata da investigação preliminar, relacionando e comentando os agentes e órgãos da investigação, bem como as dificuldades por eles enfrentadas, seja por conta dos entraves legais, principalmente aqueles garantidos constitucionalmente, como é o caso do sigilo, seja pela inferioridade de recursos da polícia para enfrentar a supremacia econômica e tecnológica da criminalidade organizada. Conclui que o maior entrave na investigação e enfrentamento da criminalidade organizada e da consequente lavagem de dinheiro, no Brasil, reside na supremacia das organizações criminosas frente aos parcos recursos policiais, tornando injusta a luta. Enquanto a criminalidade organizada dispõe de tecnologia de ponta, dinheiro em abundância e armamento sofisticado, a polícia conta com armas e equipamentos ultrapassados e recursos financeiros limitados, que precisam de previsão e aprovação para serem utilizados. Sugere a criação de uma força policial especializada, treinada especificamente para a investigação e o combate ao crime organizado, aí inseridos o rastreamento e a apreensão dos valores envolvidos na lavagem de dinheiro, pois sem capital de giro as grandes organizações criminosas não poderão subsistir, e também que esta polícia especializada atue em igualdade de condições, dispondo de tecnologia de ponta, armamento sofisticado e recursos financeiros suficientes à sua atuação.
Palavras-chave: crime organizado; lavagem de capitais; investigação preliminar.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. O DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE ECONÔMICA - 2.1 ALCANCE E SENTIDO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO - 2.2 CRIMINALIDADE ECONÔMICA: LAVAGEM DE DINHEIRO - 3. ANÁLISE DA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO - 4. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR - 4.1 DIFICULDADES NA INVESTIGAÇÃO - 5. CONCLUSÃO - 6. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da criminalidade organizada deixa a população apreensiva, desafia o poder do Estado e cria, para o Direito Penal e Processual Penal, questões novas e de difícil solução.
Violência, inteligência e sofisticação utilizadas pelas organizações criminosas em suas ações requerem a adoção de respostas estatais firmes para repressão, ao mesmo tempo em que exigem objetividade e coerência do legislador, incumbido de evitar que as garantias individuais sejam atingidas.
Neste contexto, a investigação preliminar, no caso da criminalidade organizada, é uma etapa importante na obtenção da verdade processual, e adquire relevância ainda maior quando a questão envolve a lavagem de dinheiro, porque é o dinheiro que retorna limpo ao país que alimenta o crime organizado. Como as grandes corporações, as organizações criminosas necessitam de capital de giro para manter-se ativas e operantes.
Assim, o presente estudo se ampara no enfoque contemporâneo do crime organizado para abordar, inicialmente, o direito penal frente à criminalidade econômica, contextualizando nessa criminalidade a lavagem de dinheiro como mola propulsora das organizações criminosas
Posteriormente, analisa a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, criticando e comentando, do ponto de vista doutrinário, algumas de suas disposições, atendo-se ao crime antecedente, uma vez que, na lei brasileira, o delito de lavagem de dinheiro não persiste sozinho, e nas fases ou técnicas do branqueamento de capitais.
Por fim, trata da investigação preliminar, relacionando e comentando os agentes e órgãos da investigação, bem como as dificuldades por eles enfrentadas, seja por conta dos entraves legais, principalmente aqueles garantidos constitucionalmente, como é o caso do sigilo, seja pela inferioridade de recursos da polícia para enfrentar a supremacia econômica e tecnológica da criminalidade organizada.
2. O DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE ECONÔMICA
2.1 ALCANCE E SENTIDO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO
Como sugere Callegari, para abordar o fenômeno dos delitos de lavagem de dinheiro, necessário se faz o estudo do Direito Penal Econômico, tendo em vista a interligação entre ambos (CALLEGARI, 2003).
Para Mello, a especialização atingiu o Direito Penal. Com a sociedade cada vez mais fragmentada em uma série de nichos e guetos com valores próprios, surgem novas espécies e categorias de criminalidade, que trazem no seu contexto preocupações com novos valores, novos Direitos, novos bens jurídicos. Dentre elas, se destaca a chamada criminalidade econômica, que veio a dar ensejo ao chamado Direito Penal Econômico, que traz no seu bojo novas categorias de criminalidade, de criminoso, de vítima e de bem jurídico tutelado. São crimes contra o meio-ambiente, contra as relações de consumo, crimes falimentares, os chamados crimes de “colarinho branco”, enfim, delitos que carecem de tipificação no Código Penal, sendo, por conseguinte, previstos em legislação esparsa. No entanto, é possível vislumbrar, neste contexto pulverizado, elementos comuns em todas estas formas de delinqüir, que estariam, então, reunidas num sistema abstrato, não-codificado, que seria o Direito Penal Econômico (MELLO, 2004).
“O chamado Direito Penal Econômico tem sido, nos últimos tempos, matéria de larga investigação”, segundo Correia. Apesar da intensa preocupação mundial em torno do tema e da elaboração de tratados e criação de comissões de estudo para o combate à criminalidade econômica, os problemas em causa continuam, em larga medida, sem solução (CORREIA, 2008).
Divergências existem já no tocante à nomenclatura, pois existem diferentes designações. Falam alguns em direito penal econômico ou da economia, como na Alemanha Federal (Wirtschaftsstrafrecht), em França (droit pénal économique) e na República Democrática Alemã (Straftaten gegen die Volkswirtschaft, ou crimes contra a economia popular) (CORREIA, 2008). Outros a denominam de criminalidade de colarinho branco (white-collar criminality), sobretudo na América do Norte, sob a influência de Sutherland, para quem a criminalidade estaria fundamentalmente ligada ao tipo do seu agente, caracterizando-se por ser praticada por pessoas de respeitabilidade e elevado status social, no decurso de sua profissão. Outros, ainda, designam-na de criminalidade ocupacional ou criminalidade das corporações.
Conceituando o Direito Penal Econômico, em sentido estrito, Bajo Fernández afirma que é o conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem socioeconômica, entendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na Economia (BAJO FERNANDEZ, 1987).
Tiedemann (1995) caracteriza o direito penal econômico, em sentido amplo, pela circunstância dos respectivos delitos violarem, para além de bens jurídicos individuais, interesses sociais ou gerais, no sentido de bens jurídicos supraindividuais.
A finalidade e a função do Direito Penal Econômico, na concepção de Bajo Fernandez, não é outra coisa senão a sublimação da finalidade e a função do intervencionismo: cumprir as exigências de uma valoração diferente do imperativo de justiça de ordem das relações sociais e econômicas. Estas novas exigências se plasmam na necessidade hoje assumida de proteger a economia em seu conjunto a ordem econômica, a economia nacional colocada ao amparo do novo intervencionismo estatal, como interesses distintos aos particulares de propriedade patrimônio e fé contratual (BAJO FERNANDEZ, 1987).
De outra banda, Silva, explicando a atuação do Direito Penal Econômico, na atualidade, afirma que é ele que preserva e harmoniza a ordem econômica:
Quando certas condutas lesam ou põem em perigo bens relacionados com essa ordem econômica, de forma grave, com reflexos perturbadores do interesse social, passa a atuar para protegê-la, o Direito Penal, mais especificamente o Direito Penal Econômico, mas tão-somente como ultima ratio (SILVA, 2011).
Quanto à sua importância, Callegari assenta que o Direito Penal Econômico vem sendo incluído em reformas nas legislações penais de diversos países, que acrescem os delitos contra a ordem socioeconômica, em seus regulamentos penais. Assim ocorreu, por exemplo, na reforma realizada na Espanha em 1995 (CALLEGARI, 2003).
Historicamente, segundo Nascimento Silva, toda e qualquer análise elaborada para a origem do Direito Econômico, como ciência jurídica surgida no início do século XX, leva a conclusão da crescente intervenção do Estado no domínio Econômico, diante das diversas transformações presenciadas pela humanidade a partir do acontecimento da Primeira Grande Guerra (SILVA, 2011).
Apontam-se como causas do intervencionismo estatal na ordem econômica do século XX, diante da constatada falência do sistema econômico liberal, acontecimentos como a Primeira Grande Guerra (1914-18); a crise econômica de 1929 com a queda da bolsa de Nova Iorque, e a Segunda Grande Guerra (1939-45). Isso não quer significar que se está diante de um Direito de Guerra. Diversos fatores contribuíram para tal intervencionismo, como as transformações ideológicas, as modificações ocorridas nas relações econômicas etc. para um aprofundamento acerca do tema num entendimento do Direito Econômico como ciência de caráter interdisciplinar (CABRAL DE MONCADA, 2000).
O intervencionismo estatal, então, passou a ser uma realidade na economia do Estado Moderno. Lembra Melo que:
O planejamento de setores fundamentais da economia levou o Estado a exercer atividades nitidamente econômicas e a estabelecer políticas destinadas a direcionar tais atividades, cuja regulamentação jurídica passou a constituir arcabouço do Direito Econômico (MELLO, 2004).
De qualquer forma, as novas relações complexas entre o capital e o trabalho exigiam uma nova formulação das normas jurídicas, que não aquelas do direito comum. O surgimento do Direito econômico, então, com status de ciência nova e um significado irrefutável, qual seja o de instrumento eficaz de intervenção estatal no domínio econômico, instrumento ao qual o legislador recorreria ordinariamente, com a espada do argumento da defesa da ordem pública econômica e social. Então, o Direito Econômico se caracterizou como um arsenal de técnicas jurídicas, a serviço do Estado, para a realização de suas diretrizes econômicas. Passou a significar o instrumento normativo da base de sustentação do sistema econômico do Estado pós-moderno e contemporâneo.
Sobre a atuação do Estado, referem Figueiredo Dias e Costa Andrade que, como há interesses a proteger, é papel do ente estatal preocupar-se com novos ramos de atuação, e combater os delitos que coloquem em xeque os objetivos da República, como por exemplo os crimes contra o sistema financeiro nacional e a lavagem de dinheiro, controlando este tipo de criminalidade mediante a criação de novos tipos penais (DIAS, 1984).
No caso brasileiro, além de diversas disposições no Código Penal, inúmeras outras leis interferem na conformação do sistema legislativo do Direito Penal Econômico. Há diversas comissões, formais e informais, promovendo estudos sobre a reforma da Parte Especial do Código Penal e praticamente todas elas buscam uma nova disciplina para o Direito Penal Econômico, mas apenas no campo normativo especial, sem qualquer referência a uma nova concepção do instrumental clássico do Direito Penal, a Parte Geral (ARAUJO JUNIOR, 2012). Assim, fala-se apenas em reestruturação dos tipos incriminadores, mas o processo de transformação deveria começar pela fixação de princípios para uma nova Teoria Geral do Direito Penal Econômico, desvinculando- se o Direito Penal Econômico do Direito Penal Clássico, no entendimento de Nascimento Silva (SILVA, 2011).
2.2 CRIMINALIDADE ECONÔMICA: LAVAGEM DE DINHEIRO
Os danos característicos da criminalidade econômica, como refere Callegari, são financeiros, e as cifras que são manuseadas na multiplicidade de países escapam de toda a previsão. No Brasil, não há estimativa dos valores provenientes da criminalidade econômica que são movimentados anualmente (CALLEGARI, 2003).
Por outro vértice, Pitombo adverte que “a aproximação das nações, a contar da diminuição das fronteiras e da sedimentação dos mercados comuns, do mesmo modo, incrementou o intercâmbio criminoso”. A evolução tecnológica e a globalização econômica favoreceram o sistema financeiro internacional, motivando a melhor utilização desse sistema pelas organizações criminosas. Com estas facilitações fornecidas pela modernidade, altas somas de capital, obtidas por essas organizações, passaram a circular entre os países, acarretando a ampliação da conexão entre ramos do crime organizado, a fácil ocultação do resultado econômico dos crimes e a inserção do dinheiro, de origem ilícita, na economia legal (PITOMBO, 2013).
Tigre Maia (2004) afirma que a questão do crime organizado e da lavagem de dinheiro, para muitos, pode ser simplisticamente resumida:
O poder, a cobiça e a ganância são os motivadores essenciais da atividade criminosa, e, superada a primeira etapa, qual seja, encetada a prática dos crimes que concretizem tais escopos e assegurada a aquisição do lucro sujo, a meta passa a ser a de como usufruir com segurança a tranqüilidade dos ganhos legais, legitimando-os.
Segundo Callegari (2003), as dificuldades existentes na investigação dos delitos econômicos contribuem para o encorajamento das organizações criminosas. Isso se deve ao fato de que a maior parte destes delitos não chega ao conhecimento das autoridades, gerando uma certeza de impunidade, mesmo porque as penas para os crimes econômicos não costumam ser severas. Não bastasse isso, exigem, em sua maioria, uma prova contábil, dependendo da colaboração de pessoal especializado na investigação. Por fim, os criminosos quase sempre gozam de uma imagem positiva frente à comunidade na qual se inserem, contribuindo com instituições de caridade, construindo escolas e creches ou quadras esportivas, dando a falsa impressão de que as boas obras compensam o delito praticado.
Assim, tecidas estas breves considerações sobre a criminalidade econômica, cumpre analisar, especificamente, em que consiste a lavagem de dinheiro de origem delitiva, inicialmente, sob um enfoque histórico, vez que a lavagem de dinheiro procedente de atividades ilícitas não é um fenômeno recente.
Historicamente, como refere Callegari (2003), os criminosos sempre tentaram ocultar os frutos de suas atividades delitivas, supondo logicamente que o descobrimento de tais fundos conduziria as autoridades aos delitos que lhes deram origem.
Para Tigre Maia (2004), em uma perspectiva histórico-evolutiva, a receptação é o primeiro delito cuja objetividade jurídica se aproxima do que atualmente constitui o delito precípuo da lavagem de dinheiro, qual seja, impedir a utilização de produtos de crime.
Já para Santos, a origem deste delito volta-se para as primeiras formas de organizações criminosas que começaram a despontar no mundo: as máfias. Inicia-se com a experiência norte-americana, no ano de 1920, quando o contrabando ilegal de bebidas estava tendo impacto similar na repressão ao crime, da mesma maneira que o crime de tráfico de drogas viria representar a partir do ano de 1970. Gangues de operadores independentes seriam logo organizadas por uns poucos criminosos criativos que usariam a corrupção e a extorsão para preservarem suas organizações criminosas. O mais famoso destes criminosos foi Al Capone que, enquanto operava fora de Chicago, dirigiu um sindicato nacional do crime, grande e poderoso. Todos sabiam que ele era um assassino, contrabandista e extorquia dinheiro, mas não podiam prová-lo, tanto é que ele foi preso por sonegar impostos e não pelos crimes que havia cometido (SANTOS, 2013).
3. ANÁLISE DA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Bastos afirma que um eficaz instrumento na prevenção e repressão ao crime organizado internacional é a efetiva aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro. Realmente, enquanto o produto da criminalidade de massa, sem espírito empresarial, consistente em roubos, furtos, estelionatos etc., deságua geralmente na receptação (art. 180, CP), os grandes lucros ilícitos da criminalidade organizada, com espírito empresarial, advindos de corrupção na Administração Pública, falsificação, tráfico de drogas e de armas etc., são consumidos pela lavagem de dinheiro, sua “causa final”, uma espécie de favorecimento real (art. 349, CP) levado a escala internacional (BASTOS, 2003).
Comentando sua origem, Barros afirma que o impulso oficial da Lei de Lavagem de Dinheiro foi dado pela Convenção de Viena, datada de 19 de dezembro de 1988, firmada durante a Conferência das Nações Unidas para a adoção de uma política contra o tráfico de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas. Os Estados signatários da Convenção assumiram o compromisso de tipificarem como infração penal os comportamentos consistentes na substituição, conversão ou ocultação de bens provenientes do tráfico de entorpecentes (BARROS, 2008).
Silva declara que a Lei de Lavagem de Dinheiro, a qual surgiu criminalizando condutas com a tipificação de fatos altamente danosos a bens e interesses jurídicos relevantes na ordem econômica, há muito já era esperada pela própria sociedade, tendo em vista a necessidade de adequação do Direito Penal às transformações que, velozmente, vêm sucedendo-se no cenário mundial, não somente nos países desenvolvidos, como também, nos países subdesenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil (SILVA, 2011).
Entretanto, quando promulgada a Lei de Lavagem de Capitais, no Brasil, o crime em questão já tinha perdido, em muitos dos países que incriminam este tipo de conduta, o caráter de crime exclusivamente derivado dos crimes relativos ao tráfico de entorpecentes. Espanha, Suíça, Áustria, Estados Unidos, Canadá, Austrália, México, todos estes países já não tipificam apenas a “lavagem” como apêndice do tráfico de entorpecentes. Diante da evidência que o problema do branqueamento de dinheiro não é uma questão exclusiva do narcotráfico, e diante das consequências danosas da introdução de dinheiro proveniente de determinados crimes na economia formal, muitas legislações passaram a estender o conceito de lavagem de dinheiro, associando-o a outros tipos de delitos precedentes (MELLO, 2004).
Perdendo sua vinculação exclusiva com o delito do qual se originou, vão surgir muitas questões sobre a nova objetividade jurídica do referido delito em questão. Outra dificuldade que existe em relação à lavagem é que sua forma de execução não é simples, nem segue uma regra predeterminada. A execução do delito passa por processos amiúde complexos e sofisticados, por intermédio de atos concatenados e fracionados, que ao final vão conferir aparência lícita a dinheiro “sujo”. Com efeito, é possível, numa conceituação simplória, definir lavagem de dinheiro como o processo através do qual se transforma os bens adquiridos de forma criminosa em bens aparentemente lícitos. Entretanto, a tipificação desta conduta não pode, em face das necessidades imperiosas da legalidade e segurança jurídica, ser feita de forma tão simples.
Para Barros, a lei criminaliza a lavagem de dinheiro ou a ocultação de bens, direitos ou valores que sejam oriundos de determinados crimes de especial gravidade. Ressalta que a denominação legal do tipo penal é opção do legislador, pois “lavagem” não é denominação uniforme entre os países que já tipificaram a conduta (BARROS, 2008).
O caso brasileiro, segundo Mello, apresenta algumas dificuldades, posto que a Lei n.º 9.613/98 não primou pela melhor técnica, sendo alvo de inúmeras críticas por parte da doutrina. E uma legislação mal elaborada dificulta sua interpretação. Com efeito, em muitos dos países que incriminaram a lavagem de dinheiro, a sua tipificação foi feita no próprio corpo do Código Penal, o que representa uma indiscutível vantagem, pois o referido delito, ao ser codificado, passa ter uma imediata adequação princípios e regras do Código Penal. Como se trata de sistema harmônico e hierárquico, não se cria espaço para exceções injustificáveis. Assim é na França, Itália, Suíça e Colômbia (MELLO, 2003).
O Brasil, todavia, preferiu adotar outra opção. Seguindo sua tendência descodificadora, a lavagem de dinheiro foi prevista em legislação especial, com a nítida intenção de criar um diploma legal que procura exaurir toda esta restrita faixa da realidade em apenas um diploma legal, contendo disposições de natureza penal, processual penal, administrativa, financeira. Contudo, examinando com um pouco mais de cautela o teor do referido diploma legal, percebe-se que ele traz mais problemas do que soluções. Muitos dos institutos penais e processuais ali previstos entram em claro conflito com os princípios do Direito codificado, o que, além de conspurcar a harmonia legislativa do Direito Penal, faz suscitar inúmeras dúvidas sobre qual regra deve ser aplicada no caso concreto (MELLO, 2004).
Diversos autores têm uma definição para o crime de lavagem de dinheiro, utilizando-se basicamente do artigo 1º da Lei 9.613/98 para formulá-lo. Não há definição específica para o conceito. Barros define lavagem de dinheiro como:
[...] operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado ou produto dos seguintes crimes: a) tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; b) terrorismo; c) contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; d) extorsão mediante sequestro; f) praticados contra a Administração Pública; g) cometidos contra o sistema financeiro nacional; h) praticados por organização criminosa (BARROS, 2008).
Silva tem como característica essencial dos crimes de lavagem de dinheiro “dar aparência de lícito ao produto advindo de crime, ou seja, advindo de “negócio ilícito”, mediante verdadeiras transações comerciais e financeiras, de âmbito nacional e transnacional”. É a conversão de dinheiro, de bens ou valores “sujos” em dinheiro, bens ou valores “limpos”; ou a conversão de capital “sujo” em capital “limpo” ou, ainda, a conversão do capital “frio” em capital “quente” (SILVA, 2011).
Gomez Iniesta entende por lavagem de dinheiro ou bens “a operação através da qual o dinheiro de origem sempre ilícita (procedente de delitos que se revestem de especial gravidade) é investido, ocultado, substituído ou transformado restituído aos circuitos econômico-financeiros legais, incorporando-se a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita” (GOMEZ INIESTA, 2006).
Por outro lado, Tigre Maia expõe que a “lavagem” de dinheiro pode ser simplificadamente compreendida, sob uma perspectiva teleológica e metajurídica, como o conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da Justiça (MAIA, 2004).
Pitombo define lavagem de dinheiro como a ação de ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita. Declara ainda que “consequência natural do conceito é a incriminação da conduta depender, entre outros aspectos, do exame da proveniência criminosa dos bens”. Apenas ocorrerá a lavagem de dinheiro, quando for encoberta a origem desses bens, produto ou proveito de um dos crimes antecedentes (art. 1º. da Lei 9.613/98) (PITOMBO, 2013).
Diante do exposto, Mello argumenta que a forma de tipificação da lavagem de dinheiro, no Brasil, está contida no artigo 1.º da Lei n.º 9.613, que pretende ilustrar, em um dispositivo único, todas as modalidades de conduta consideradas típicas, compreendendo um sem-número de condutas, todas punidas com o mesmo grau de rigor. Portanto, a pena in abstracto é a mesma para quem oculta, dissimula, converte em ativos lícitos, adquire, recebe, troca, negocia, bens, direitos ou valores provenientes do rol de crimes elencados pelo artigo 1.º (MELLO, 2004).
Como não poderia deixar de ser, utilizou-se o legislador dos chamados tipos mistos alternativos, prevendo uma série de condutas com o intuito de prever todas as modalidades possíveis de lavagem de dinheiro. Destaca-se, no aspecto, o grave equívoco do legislador ao proceder desta maneira. De fato, todas as modalidades de conduta previstas no artigo 1.º envolvem todas as etapas da lavagem, passando pela ocultação, controle e integração, chegando a alguns excessos. Não obstante, não faz qualquer distinção no tocante à pena, de modo que qualquer modalidade de conduta considerada lavagem de dinheiro terá a mesma pena in abstracto, sem levar em conta que existem condutas com maior ou menor potencial lesivo no espectro da lavagem de capitais (MELLO, 2004).
Isso deixa ao cargo do intérprete e do aplicador do Direito a responsabilidade de definir, no caso concreto, quais condutas merecem maior ou menor reprovabilidade no âmbito da lavagem. Esta opção do legislador de não fazer, previamente, distinções valorativas entre as modalidades de conduta, tem seus aspectos positivos, mas pode trazer consequências nocivas e trazer inúmeras injustiças. De fato, as penas previstas pela Lei n.º 9.613/98 são bastante severas, na opinião de Mello, variando de um mínimo de três e no máximo dez anos de reclusão, sendo prevista uma causa de aumento, no parágrafo 4.º do artigo 1.º, se o crime é praticado nos casos previstos nos incisos I a IV do caput deste artigo (tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins, terrorismo, contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção e extorsão mediante sequestro), se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa.
4. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
A Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, em seu artigo 10, trata da identificação dos clientes e manutenção de registros por parte das pessoas sujeitas à lei, que são elencadas no artigo 9.º, verbis:
Art. 9º. Sujeitam-se às obrigações referidas nos artigos 10 e 11 as pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;
II - a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;
III - a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários. Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações: I - as bolsas de valores e bolsas de mercadorias ou futuros; II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização; III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços; IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos; V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado; VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual; VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, e câmbio, de capitais e de seguros; IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil, como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo; X - as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades; XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.
A comunicação das operações financeiras é disciplinada pelo artigo 11 da lei supracitada:
Art. 11. As pessoas referidas no artigo 9.º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se; II - deverão comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes: a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas, devendo ser juntada a identificação a que se refere o inciso I do mesmo artigo; b) a proposta ou a realização de transação prevista no inciso I deste artigo. § 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista. § 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa. § 3º As pessoas para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador farão as comunicações mencionadas neste artigo ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras - COAF e na forma por ele estabelecida.
Com base no artigo 129, VI, da Constituição Federal, Mazzilli afirma que já se tem sustentado que o promotor de justiça pode realizar atividades próprias de investigação. Isto se baseia na premissa de que tal inciso considera função do Ministério Público expedir notificações e requisitar informações e documentos para instruir procedimentos administrativos de sua competência (MAZZILLI, 1996).
Essa situação estaria autorizada, também, pelo artigo 26, I, “a” e “b”, II, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que possibilita ao membro da instituição instaurar procedimentos administrativos, expedir notificações, requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades, órgãos e entidades da administração direta ou indireta, bem como de entidades privadas
A esse respeito, Fernandes observa que não se trata, entretanto, de atividade que substituiria integralmente a atividade de polícia judiciária, exercida pela autoridade policial, prescindindo-se do inquérito policial. E explica que, pela própria Constituição Federal, em seu artigo 144, § 4.º, sem exclusividade, incumbiu-se aos delegados de carreira exercer a função de polícia judiciária. Assim, o artigo 129, VII, permitiu o acompanhamento do inquérito policial pelo promotor de justiça, possibilitando ao Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”. Sobre a Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 argumenta que o seu artigo 26, IV, também só atribuiu à referida instituição as mesmas atividades autorizadas pela norma constitucional (FERNANDES, 2012).
Assevera, ainda, que o avanço do Ministério Público em direção à investigação representa caminho que está em consonância com a tendência mundial de atribuir ao Ministério Público, como sucede com Portugal e Itália, a atividade de supervisão da investigação policial. No Brasil, contudo, depende-se ainda de previsões específicas no ordenamento jurídico positivo, evitando-se incerteza a respeito dos poderes do promotor durante a investigação.
4.1 DIFICULDADES NA INVESTIGAÇÃO
Segundo Grinover (2000), é grave a situação do crime organizado no Brasil, no que diz respeito, principalmente, ao narcotráfico, à indústria dos sequestros, à exploração de menores e aos denominados “crimes de colarinho branco”, com evidentes conexões internacionais, no que tange ao narcotráfico, que também envolve, com os crimes de colarinho branco, a lavagem de dinheiro.
A autora observa que a polícia está completamente desarmada frente ao poderio das organizações criminosas e o Ministério Público não dispõe de meios operacionais suficientes para fazer face ao fenômeno de maneira global e orgânica. Problemas de corrupção na polícia e na atuação de ex-policiais tornam o quadro ainda mais dramático. (BARROS, 2008)
O sigilo bancário, fiscal e de dados, de forma genérica, pela tradição brasileira, sempre configurou entrave para as investigações realizadas pela Polícia, frente à vigência de diplomas legais que impõem severas sanções àqueles que rompem o sigilo, inibindo a cooperação dos profissionais que trabalham na área bancária. Exemplos desses regulamentos são a Lei n.º 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e a Lei n.º 7.492, de 16 de junho de 1986, anteriores à Constituição Federal de 1988 (TOURINHO FILHO, 2004).
Sob o enfoque constitucional, ressaltam Grinover, Fernandes e Gomes Filho que a inadmissibilidade e ineficácia processuais das provas obtidas por meios ilícitos e a necessidade de não privar o Estado dos instrumentos necessários à luta contra a criminalidade organizada, ocasionaram, no mundo todo, legislações que disciplinam rigorosamente a utilização de meios eletrônicos de captação da prova (GRINOVER, 2006).
No que tange à interceptação das comunicações telefônicas, a Constituição da República, em consonância com a tutela do direito à intimidade, disciplinada no inciso X do artigo 5.º, prevê como regra a sua inviolabilidade, salvo por ordem judicial nas hipóteses e na forma prevista em lei, para fins de investigação criminal ou processo judicial (art. 5.º, XII). Assim, foi editada a Lei n.º 9.296, de 24 de julho de 1996, cujo artigo 1.º estabelece que:
Art. 1º. A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
É importante deixar claro, contudo, que, sem indícios de que o investigado praticou ou está praticando um crime ou participa de sua execução, não há como se cogitar em interceptação de suas conversações telefônicas (art. 2.º, Lei n.º 9.296/96).
Sob este vértice, Araújo da Silva observa que, no Brasil, embora não se trate de meio de busca da prova voltado exclusivamente para a apuração da criminalidade organizada, a utilização da interceptação telefônica tem-se mostrado eficiente para a apuração dessa modalidade de crime (SILVA, 2011).
Outra forma de apuração da atividade das organizações criminosas é a interceptação ambiental, também denominada de vigilância eletrônica. No Brasil, a Lei n.º 9.034/95, em seu artigo 2.º, inciso IV, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 10.217, de 11 de abril de 2001, admite que em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, procedimentos de investigação e formação de provas, entre os quais “a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial”.
A respeito do dispositivo legal supracitado, Araújo da Silva destaca que o legislador brasileiro limitou-se a exigir prévia e motivada decisão judicial para o deferimento da interceptação ambiental, apesar de ser tida como meio para a obtenção da prova que implica limitação do direito à intimidade, contrariando a tendência verificada no plano internacional de se exigir formas claras de controle em relação à utilização indiscriminada de vigilância eletrônica. Diante desse quadro, sugere que os operadores do direito valham-se, por analogia e no que couber, do procedimento previsto na Lei n.º 9.296/96 (SILVA, 2011).
Quanto à quebra do sigilo fiscal, bancário e financeiro, a Lei n.º 9.034/95, em seu artigo 2.º, inciso III, prevê como um dos meios de obtenção da prova em relação às atividades desenvolvidas pelas organizações criminosas o acesso a informações fiscais, bancárias e financeiras, estendendo-se também à apuração de outras infrações penais, como bem observa Bellinatti:
A análise de movimentações bancárias é de capital importância para a verificação de eventuais desvios do dinheiro público, pois este sempre haverá de sair dos cofres governamentais, e o seu rastreamento nos meandros das contas bancárias dos envolvidos poderá revelar onde e quando os recursos públicos foram desviados para fins escusos (BELLINATTI, 1996).
É importante lembrar que o sigilo bancário constitui o que a doutrina chama de “direito individual relativo”, vez que a sua proteção pode ceder diante do interesse público relevante e maior a exigir a divulgação dos dados individuais, desde que assegurados o devido processo legal e todas as garantias de preservação da vida privada.
Araújo da Silva anota que, tendo em vista a relevância do tema, o legislador brasileiro jamais dispensou tratamento adequado sob a ótica dos direitos fundamentais. Comprova essa afirmação, demonstrando que, por mais de três décadas, o sigilo bancário permaneceu disciplinado pela Lei n.º 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que previa, em seu artigo 38, a quebra do sigilo por ordem dos Poderes Judiciário e Legislativo, em caráter sigiloso, além de disciplinar figura delituosa (SILVA, 2011).
Cabe observar que o precitado artigo 38 foi revogado pela Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispensa tratamento específico para a matéria, mas também foi omissa na disciplina de diversos pontos importantes sobre o tema, entre os quais a legitimidade para requerimento, os requisitos para o deferimento e o procedimento a ser observado.
No que tange à Lei da Lavagem de Capitais, também não é diferente. Um dos pontos nevrálgicos da Lei n.º 9.613/98 é, no entendimento de Barros, o sigilo bancário e financeiro. Isto porque a lei silencia a respeito, havendo apenas uma breve referência ao segredo de justiça no inciso III do artigo 10.
Entretanto, adverte Moraes que o procedimento da Lei n.º 9.613/98 é o de criminalizar a lavagem de dinheiro, assegurando que o sigilo bancário não seja uma barreira para a investigação e para a persecução penal.
5. CONCLUSÃO
O presente estudo, de maneira sucinta, abordou o direito penal frente à criminalidade econômica, contextualizando nessa criminalidade a lavagem de dinheiro como mola propulsora das organizações criminosas, uma vez que as organizações criminosas, que em muito se assemelham às grandes empresas, no que se refere às suas características estruturais, não sobrevivem sem o capital que se torna “limpo” com as operações de lavagem.
Também analisou a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, criticando e comentando, do ponto de vista doutrinário, algumas de suas disposições, atendo-se ao crime antecedente, uma vez que, na lei brasileira, o delito de lavagem de dinheiro não é tipificado sem a tipificação de crime anterior, e nas fases ou técnicas do branqueamento de capitais.
Por fim, tratou da investigação preliminar, relacionando e comentando os agentes e órgãos da investigação, bem como as dificuldades por eles enfrentadas, seja por conta dos entraves legais, principalmente aqueles garantidos constitucionalmente, como é o caso do sigilo, seja pela inferioridade de recursos da polícia para enfrentar a supremacia econômica e tecnológica da criminalidade organizada.
Restou demonstrado que os entraves legais, em sua maioria relacionados aos sigilos garantidos constitucionalmente, tais como o bancário, o fiscal e o de dados, foram, em parte, superados pela legislação de combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, na medida em que estas leis permitem o acesso a estas informações na investigação da criminalidade organizada.
Entretanto, é pertinente observar que as leis de enfrentamento ao crime organizado e à lavagem de dinheiro são alvo de muitas críticas doutrinárias, cabendo, por parte do legislador brasileiro, uma revisão das disposições nelas constantes, bem como a consolidação dos critérios legais adotados para esse combate, criando-se, dessa maneira, um código penal e processual penal específico.
Diante do exposto, é possível inferir que o maior entrave na investigação e enfrentamento da criminalidade organizada e da consequente lavagem de dinheiro, no Brasil, reside na supremacia das organizações criminosas frente aos parcos recursos policiais, tornando injusta a luta. Enquanto a criminalidade organizada dispõe de tecnologia de ponta, dinheiro em abundância e armamento sofisticado, a polícia conta com armas e equipamentos ultrapassados e recursos financeiros limitados, que precisam de previsão e aprovação para serem utilizados.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUADROS, Maria Telma Pereira. A investigação preliminar nos crimes de lavagem de dinheiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2020, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55853/a-investigao-preliminar-nos-crimes-de-lavagem-de-dinheiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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