MARCELO GRANGEIRO DE MATTOS
(orientador)
RESUMO: O assédio sexual no ambiente de trabalho é uma das formas mais ultrajantes que constrangem o trabalhador, acontecendo na maioria dos casos silenciosamente e sem presença de testemunhas, e afetando moralmente e psicologicamente suas vítimas, estas em sua maior porcentual as mulheres. Vale enfatizar, que o assédio em meio laboral, seja moral ou sexual, é tão antiga quanto o trabalho em si, ocorre tanto na iniciativa privada, quanto nas instituições públicas. Ambos os tipos de assedio enfraquecem o ambiente de trabalho e ocasionam danos irreparáveis a vítima. O presente trabalho tem por objetivo analisar o dano moral sob a ótica trabalhista, abordando o assédio sexual como motivo suscetível de reparação de dano. Busca também, analisar possibilidade de manutenção do dano em âmbito trabalhista, haja vista que a conduta ilícita em foco ostenta certas punições, assim como o pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais à vítima assediada. Ocorre que, com a vigência da Reforma Trabalhista no ano de 2018, os critérios de quantificação dos danos morais sofreram sérias alterações, ao ponto de nos levar a questionar se o legislador realmente está apto a precificar a dignidade de uma vítima que é sexualmente constrangida por seu superior hierárquico.
PALAVRAS-CHAVE: Assédio sexual. Dano. Indenização
ABSTRACT: Sexual harassment in the workplace is one of the most outrageous forms that embarrass the worker, occurring in most cases silently and without witnesses, and affecting morally and psychologically their victims, most of whom are women. It is worth emphasizing that harassment in the workplace, whether moral or sexual, is as old as work itself, occurs both in the private sector and in public institutions. Both types of harassment weaken the work environment and cause irreparable damage to the victim.The present work aims to analyze the moral damage from the labor point of view, addressing sexual harassment as a reason capable of repairing damage. It also seeks to analyze the possibility of maintaining the damage in the labor context, given that the illicit conduct in focus bears certain punishments, as well as the payment of compensation for off-balance damages to the harassed victim. It so happens that, with the Labor Reform in 2018, the criteria for quantifying moral damages have undergone serious changes, to the point of leading us to question whether the legislator is really able to price the dignity of a victim who is sexually constrained by your superior.
KEYWORDS: Sexual harassment. Damage. Indemnity
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Conceito 2.1 Sujeito ativo e passivo 2.2 Conduta de Natureza Sexual 2.3 Rejeição a conduta do agente 3 Espécies de assédio sexual no ambiente de trabalho 4. Consequências 4.1 Para o assediador 4.2 Para o assediado 4.3 Para o empregador (pessoa jurídica) 5 A indenização por danos morais nos casos de assédio sexual 5.1 Conceito de dano moral 5.2 O dano moral no direito do trabalho 5.3 Dano extrapatrimonial 6 Fixação do valor correspondente ao dano sofrido e sua problemática 6.1 O método de tabelamento introduzido pela Lei 13.467/2017 6.2 A valoração dos danos morais antes da Lei 13.467/2017 6.3 A problemática acerca da valoração do dano; Conclusão; Referências
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi desenvolvido em razão da grande demanda de ações trabalhistas envolvendo o assédio sexual no ambiente de trabalho com a incidência de danos morais. Isso se dá justamente pelo fato de ser um problema muito presente na vida das pessoas, logo, não podendo ser encarado de antemão como algo repetitivo.
Inicialmente, buscou-se abordar a definição de assédio sexual e suas modalidades, para que se possa compreender a gravidade do problema em foco demostrando tanto as consequências para o assediado tanto para o assediador e empregador, demonstrando até onde a conduta de seus subordinados o afeta ao ponto de responsabiliza-lo judicialmente.
Diante disso, buscou-se identificar quais os mecanismos utilizados pela Justiça do Trabalho para valoração dos danos suportados pelas vítima, tendo em vista as modificações trazidas pela lei 13.467/2017 com a Reforma Trabalhista.
Com o advento da referida lei, introduziu-se o método de tabelamento para fixação dos danos morais, previsto no artigo 223-G, o que gerou debates por parte dos doutrinadores colocando em foco o arbitramento e valoração do dano moral trabalhista, demonstrando dessa maneira a sua relevância se de colocar em pauta o assunto abordado no presente trabalho.
2 CONCEITO
“O termo ‘assédio sexual’ propriamente dito é originário do termo inglês ‘sexual harassment’ e, consiste numa perseguição de cunho sexual tão insistente por parte do assediador, que chega ao ponto de ser constrangedora, afetando diretamente o psicológico da vítima.
Sob a análise do artigo 216-A do Código Penal, a única forma de assédio sexual criminalizada no Brasil é aquela em virtude do trabalho subordinado.” (Silva 2020).
Vejamos o que prevê tal dispositivo:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
“No entanto, o assédio sexual é um problema muito mais amplo que a forma como é conceituada na legislação penal atual “Conceituamos, por isto, o assédio sexual como toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual. Por se constituir em uma violação do princípio de livre disposição do próprio corpo, esta conduta estabelece uma situação de profundo constrangimento e, quando praticada no âmbito das relações de trabalho, pode gerar consequências ainda mais danosas’’ (Filho 2019).
Não obstante, para a doutrinadora Maria Helena Diniz, o assédio sexual é o “ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se as de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, com um escopo de obter vantagem sexual” (Diniz 2015).
Vejamos os elementos caracterizadores essenciais impostos pelo TRT da 2ª região de São Paulo no qual é corroborada pela maioria dos doutrinadores:
O assédio sexual, como crime, é caracterizado pela conduta sexual não desejada e reiterada, praticada pelo empregador ou pessoa que tenha o poder de decidir ou influir no futuro profissional do empregado. Não se confunde com o simples flerte ou paquera, tão natural entre pessoas que convivem diariamente, inclusive no ambiente de trabalho. É natural e da vida que pessoas se sintam atraídas umas pelas outras, e não é nenhuma ofensa desejar um relacionamento com aquele ou aquela que tenha chamado a sua atenção. E nisso o bom senso nem sempre está lá para cuidar dos limites. Mas nem mesmo os excessos, nesses casos, servem para traduzir assédio sexual. O assédio sexual pressupõe hierarquia entre agente e vítima e consiste no uso dessa vantagem, por um, para obter favores sexuais do outro, inclusive mediante ameaça, expressa ou velada. No caso, não há prova de assédio sexual. Certo que a testemunha Cristiane, indicada pela autora, afirmou “que o gerente Wellington vivia com gracinhas com as empregadas, chegando por trás e dando beijinhos; que já viu tal pessoa com essas atitudes com a reclamante, inclusive convidando-a para sair; que se lembra que, em certa oportunidade, esse gerente puxou o cós da calça da reclamante, fazendo observação de que ela não estaria usando calcinha; que esse gerente também ficava fazendo convites para suas colegas, objetivando relações sexuais;” (fl. 117). Isso tudo não identifica assédio sexual, mas investida sobre colegas de trabalho, sem interferência da posição hierárquica superior do assediador (ou pretendente). Evidente que o comportamento do gerente era bem inadequado, inconveniente e grosseiro. Pra dizer o mínimo. No entanto, não há prova de que recusa ao comportamento do gerente seria considerada – explícita ou implicitamente - para a tomada de decisões que afetasse a autora no trabalho. Além do mais, o gerente trabalha no turno da manhã, enquanto que a autora prestava serviços no turno da noite, ou seja, eles mal se encontravam. Nesse contexto, muito embora o gerente tenha extrapolado a dose com a autora, com investidas grosseiras e de baixo nível, ainda assim é diferente do tipo legal de que trata a Lei n. 10.224, que define o tipo legal: “constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Então a figura não é de assédio. Mas nem por isso deixa de ser reprovável a conduta do sujeito que exagera nas suas investidas, o sujeito de mau gosto, que não se enxerga, metido a machão, de nenhum nível, grosso e por aí vai, ladeira abaixo nos adjetivos. Ou seja, embora não se tenha a figura do delito, a empregada, ainda assim, foi submetida a sérios constrangimentos. Sim, a princípio não houve crime, mas sem nenhuma dúvida houve ofensa à dignidade da empregada, tanto sua condição de empregada como na condição de mulher. A inconveniência do sujeito era manifesta e dirigida a várias mulheres, dentre as quais a autora. Era uma situação de humilhação, e que chegava ao ponto de ser tocada fisicamente, inclusive para ser examinada em suas partes íntimas. É coisa que não se faz nem por brincadeira, muito menos num ambiente de trabalho. A agressão moral, no caso, justifica sim a reparação. E por mim, essa indenização é até pequena. Mas como não se admite a reforma para pior, fica a recorrente no lucro, o de pagar apenas R$ 10.000,00, pelas bravatas inconvenientes do seu gerente dom Juan. Processo TRT/SP nº 000044550.2012.5.02.0023, 11ª Turma, Relator Eduardo de Azevedo Silva (decisão extraída do TRT/SP - RO nº 000106811.2012.5.02.0316, 11ª Turma, Relatora Maria José Bighetti Ordoño Rebello, julgado em 15.10.2013 e publicado em 22.10.2013).
Portanto, para a configuração do assédio sexual no ambiente de trabalho, exige-se a figura do assediador (sujeito ativo), do assediado (sujeito passivo), que a conduta reprovável tenha conotação sexual, que essa conduta seja praticada de maneira reiterada e, que haja rejeição pela vítima.
2.1 Sujeito ativo e passivo
Tratando-se de Direito do Trabalho, é importante esclarecer que o sujeito ativo, ou seja, o agente assediador, precisa ocupar posição hierárquica superior dentro do ambiente de labor ou, ao menos, precisa ter autoridade suficiente para conseguir prejudicar o sujeito passivo nas suas funções, também chamado de assediado, vítima ou destinatário. Isso porque, o assediador abusa dessa sua “superioridade” para obter vantagem ou favorecimento sexual em detrimento do assediado, provocando-lhe medo de perder o emprego e vergonha de denunciar os fatos. E nesse contexto, embora existam casos de assédio sexual no trabalho praticados por mulheres e homossexuais, a grande maioria dos casos ainda é perpetrada por homens héteros, justamente pela influência dos fatores históricos anteriormente expostos na presente pesquisa. (Silva 2020)
2.2 Conduta de Natureza Sexual
“Considera-se comportamento sexual desviado os atos de conduta do homem ou da mulher que, para obter a satisfação do seu desejo carnal, utiliza-se de ameaça, seja ela direta ou velada, ilude a outra pessoa, objeto do seu desejo, com promessa que sabe de antemão que não será cumprida, porque não pretende mesmo fazê-lo ou porque é impossível realizá-la; ou, ainda, age de modo astucioso, destruindo a possibilidade de resistência da vítima.” (Filho 2019)
2.3 Rejeição a conduta do agente
“Para que o assédio sexual se configure plenamente, não basta a conduta de natureza sexual. De fato, é essencial que esta conduta seja repelida pelo seu destinatário, expressamente ou – para efeito de prova – pela observação do que ordinariamente acontece (as máximas da experiência). Como é cediço internacionalmente, é importante enfatizar que o assédio sexual se vincula a condutas não desejadas e desagradáveis para o receptor, ou seja, impostas, apesar de não correspondidas. Este é o fator chave que as distingue de outras condutas, praticadas em relações perfeitamente amistosas.
O assédio supõe sempre uma conduta sexual não desejada, não se considerando como tal o simples flerte ou paquera. Por isso, muitas vezes só é possível considerar indesejada a conduta de conotação sexual quando o assediado inequivocamente manifesta oposição às propostas e insinuações do assediante”. (Filho 2019)
3 ESPÉCIES DE ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
“A doutrina tem apontado dois tipos de assédio sexual: o assédio sexual por chantagem e o assédio sexual por intimidação. Ambos ostentam características bem particulares.
O assédio sexual por chantagem, também pode ser conhecido como ‘quid pro quod’ que significa ‘isto por aquilo’. Essa modalidade ocorre quando o superior hierárquico exige que seu subordinado pratique determinada atividade de natureza sexual, sob pena deste perder o emprego ou benefícios advindos da relação de trabalho ou, ainda, sob a promessa de vantagem.
Verifica-se que, nessa hipótese, o assediador utiliza seu cargo para fazer com que a vítima acabe cedendo às pretensões sexuais dele, mediante uma troca de favores.” (Silva 2020)
“Outra espécie, é o assédio sexual por intimidação também é denominado de ‘assédio sexual ambiental’ e conhecido como ‘clima de trabalho envenenado’, tendo em vista a íntima ligação com o ambiente laboral de modo geral.” (Silva 2020)
“Nesta espécie, o elemento “poder” é irrelevante, sendo o caso típico de assédio sexual praticado por companheiro de trabalho da vítima, ambos na mesma posição hierárquica na empresa. “O aspecto fundamental, portanto, não é a existência de ameaças, mas sim a violação ao seu “direito de dizer não”, através da submissão – notadamente de mulheres - a avanços repetidos, múltiplas blagues ou gestos sexistas (mesmo que sua recusa não seja seguida de represálias).” (Filho 2019).
“O grande objetivo do Direito do Trabalho é zelar pela integridade física e psíquica do trabalhador, ao passo que qualquer conduta sexualmente reprovável dentro do ambiente laboral, requer providencias.” (Silva 2020)
4. CONSEQUÊNCIAS
4.1 Para o assediador
Para o assediador, analisando o ordenamento jurídico como um todo, basicamente encontramos cinco formas de punição para quem comete assédio sexual: 1) advertência, suspensão ou demissão do assediador, por justa causa, em âmbito trabalhista (a depender da gravidade); 2) a rescisão contratual indireta pelo assediado, com direito a indenização na Justiça do Trabalho; 3) a Responsabilidade Civil na Justiça Comum (dano emergente, lucros cessantes e danos morais - art. 932, III, CC); 4) a pena privativa de liberdade prevista no artigo 216-A do Código Penal - Lei nº 10.224/2001 e; 5) processo administrativo no caso de servidor público (regime estatutário).
Além disso, também temos amparo constitucional para repreender o assediador, de acordo com o artigo 3º, inciso IV e com o artigo 5º, inciso I, ambos da Constituição Federal de 1988.
Todavia, como o enfoque da presente pesquisa é o Direito do Trabalho (CLT), vale elucidar que a demissão por justa causa decorrente de assédio sexual se dá com fulcro na “incontinência de conduta” do artigo 482, alínea b, da CLT. (Silva 2020)”. “Incontinência de conduta é o desregramento ligado à vida sexual do indivíduo, que leva à perturbação do ambiente do trabalho ou mesmo prejudica suas obrigações contratuais, como a prática de obscenidades e pornografia nas dependências da empresa. Podemos citar também como exemplo de incontinência de conduta o assédio sexual, prática de atos de pedofilia na empresa etc.” (Saraiva 2012)
4.2 Para o assediado
Para o assediado – a vítima – os danos extrapatrimoniais que o assédio sexual proporciona são expressivos. Com efeito, apesar dos mecanismos elencados para sancionar o assediador, sem dúvidas, a pessoa que mais sofre com o assédio sexual é a própria vítima. O ambiente desfavorável gerado pelas agressões pode conduzir a um prejuízo no rendimento do trabalhador, prejudicando suas promoções, transferências ou quaisquer outras evoluções profissionais que almeje, pois cria um ambiente laboral inadequado, com extrema pressão psicológica. As sequelas físicas e psicológicas geradas são profundas e na maioria das pessoas ofendidas, a ansiedade, cansaço e depressão podem tomar conta da rotina de trabalho e o desinteresse pelo trabalho pode-se apresentar fatalmente.” (Zanetti 2007)
4.3 PARA O EMPREGADOR (PESSOA JURÍDICA)
“Além do sujeito ativo e do sujeito passivo, o assédio sexual também envolve o empregador propriamente dito, de modo a prejudicar sua imagem e credibilidade no mercado de atuação.
Primeiramente, o Código Civil dispõe acerca da responsabilidade indireta do empregador pelos atos de seus funcionários, no artigo 932, inciso III, do Código Civil, a qual é oriunda da simples relação de emprego.
Levando-se em consideração que o empregador é responsável – de maneira indireta, mas pacificamente objetiva – por garantir a idoneidade dos atos cometidos pelos subordinados, nossa Justiça do Trabalho é competente para lhe condenar ao pagamento de indenização por fatos ilícitos e dolosos como o assédio sexual perpetrado sob sua gestão no estabelecimento.
Nesse sentido, a reparação será valorada de acordo com as circunstâncias do caso e com o tamanho da empresa.
Vale salientar, ainda, que o empregador tem direito de regresso (art. 934, CC) e, posteriormente, pode cobrar judicialmente do efetivo assediador o valor despendido com ele a título de indenização, acrescido de juros e correção monetária.” (Silva 2020)
5 A INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS NOS CASOS DE ASSÉDIO SEXUAL
5.1 Conceito de dano moral
O dano moral caracteriza-se como a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, tais sejam o que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua saúde (mental ou física), à sua imagem. Com a Reforma Trabalhista houve uma conceituação legislativa acerca do tema. O artigo 223-B da CLT preceitua: “Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”. E o artigo 223-C da CLT especifica: “A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física” – os chamados Direitos da Personalidade. (Silva 2020)
Segundo o especialista Yussef Said Cahali: “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”
5.2 O dano moral no direito do trabalho
No direito brasileiro prevalece a posição doutrinária que é favorável à reparação dos danos morais. Ainda, a jurisprudência brasileira também tem pacificado seu entendimento, aplicando a corrente que defende a obrigação de indenizar quando alguém causa danos morais a outrem. Confirmando a legitimidade do ressarcimento por danos morais, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 927, dispõe que “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”. Asseverando que o legislador, igualmente, concorda com a reparação do dano, quando demonstrado o resultado lesivo.
O dano moral trabalhista advém da relação de emprego, envolvendo empregado e empregador. Não obstante ocorrerem situações em que o empregador seja o ofendido, a aplicação da indenização por danos morais verifica-se com mais intensidade a favor do empregado, seja por dolo ou por culpa do empregador.” (Tolentino & Braga, 2017).
5.3 Dano extrapatrimonial
O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador.” TST – Recurso de Revista (RR) nº 10347420145150002 – publicado em 13/11/2015.
O ‘dano existencial’ reportado pelo próprio artigo 223-B da CLT, enfatiza os prejuízos causados aos planos e sonhos do empregado, fortalecendo a proteção dos Direitos da Personalidade. Posto isso, denota-se que o dano moral ou existencial não tem a finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, daí a denominação “dano extrapatrimonial”. Essa espécie de dano tem como única finalidade a compensação de todos os males suportados pelo ofendido.
Logo, a indenização por danos extrapatrimoniais, seria a que mais faz sentido para reparação da vítima, além de fazer parte da tentativa de reparação daquela perturbação psíquica gerada pelo ato ilícito, ela é também uma maneira de garantir a efetividade dos direitos fundamentais, como por exemplo a honra (artigo 223-C da CLT).” (Silva 2020)
6 FIXAÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO DANO SOFRIDO E SUA PROBLEMÁTICA
6.1 O método de tabelamento introduzido pela Lei 13.467/2017
A Reforma Trabalhista entrou em vigor com o escopo de adequar a legislação trabalhista às necessidades dos novos vínculos empregatícios que estão surgindo no país.
No que tange ao direito de indenização por danos extrapatrimoniais, a Lei nº 13.467/17 nos trouxe um título específico para a sua aplicação, o Título II-A da CLT. Sem interferir na cumulação com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.” (Silva 2020)
O artigo 223-G, caput, da CLT ampliou os critérios a serem apreciados pelo aplicador do Direito, vejamos:
Art. 223-G Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
Adiante, no artigo supracitado em seu parágrafo 1ª e incisos, observa-se um método de tabelamento para a valoração dos danos suportados pela vítima, classificando-os de quatro maneiras: ofensa de natureza leve, ofensa de natureza média, ofensa de natureza grave e ofensa de natureza gravíssima.” (Silva 2020)
6.2 A valoração dos danos morais antes da Lei 13.467/2017
A Justiça do Trabalho é competente para julgar os danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho, quais sejam, o dano moral e o dano estético. Atualmente cumuláveis a rigor da Súmula 387 do STJ:
É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.
Ocorre que, a CLT editada em 1943 não dispunha nada a respeito da indenização por danos extrapatrimoniais. Assim, tratando-se de um direito constitucional, a Justiça do Trabalho permitia que os advogados pleiteassem tais reparações com base no artigo 5º, incisos V e X, da Carta Magna de 1988.
Com efeito, também passou a ser possível a aplicação dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, adotando-se o preceito de que “aquele que causa dano a outrem está obrigado a repará-lo”. (Silva 2020) Vejamos o que diz os respectivos artigos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Com uma legislação trabalhista incompleta, o magistrado valorava o dano moral com fundamento no artigo 944 do Código Civil, o qual determina a análise dos seguintes critérios: 1) extensão do dano; 2) capacidade financeira do réu; 3) não enriquecimento sem causa por parte do autor; 4) o caráter pedagógico da condenação.
De fato, o magistrado ficava vinculado ao atendimento de cada um dos parâmetros legais, mas podemos denotar que os referidos critérios não são tabelados ou tarifados. Eles eram utilizados como pilares, sempre com proporcionalidade e razoabilidade, ante a grande dificuldade de se mensurar – quantum satis – os prejuízos psicológicos enfrentados pelo reclamante.” (Tolentino e Braga 2017)
6.3 A problemática acerca da valoração do dano
A grande questão é que com a Reforma Trabalhista, entende-se que as indenizações sejam estipuladas de acordo com a classe social das vítimas ao invés de serem de acordo com o efetivo dano praticado pelo agente. É importante destacar o foco do presente trabalho que é justamente o assédio sexual, sendo acometidos por esse imbróglio em sua grande maioria por mulheres, por esta razão, levanta-se a premissa de como pode o aplicador do Direito estimar a violação da intimidade de uma mulher com base na posição ocupada por ela.
Há uma preocupante incoerência no fato de que, por exemplo, a dignidade de uma faxineira está “valendo menos” do que a dignidade de uma gerente ou diretora. Em outras palavras, é como se a dor do pobre valesse menos do que a dor do rico, destoando dos Princípios da Isonomia e da Proporcionalidade e Razoabilidade.” (Silva 2020)
Não obstante, segundo o site notícias do STF: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6069, com pedido de liminar, para questionar alterações promovidas pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) referentes à reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. (...) Além de ferir o dever constitucional de reparação integral do dano, as novas regras, segundo a OAB, violam os princípios da isonomia, da independência funcional dos magistrados, da proteção do trabalho e da dignidade da pessoa humana.
Anteriormente a aprovação da Lei 13.467/17, o poder judiciário brasileiro aplicava o sistema aberto, um dos sistemas oferecidos pelo direito para reparação do dano moral. Este sistema é caracterizado por conceder ao juiz o poder de aferir, com o seu livre convencimento e tirocínio, a extensão da lesão e o valor da reparação correspondente.
O magistrado detém a discricionariedade de arbitrar o “quantum” indenizatório devido, de acordo com a lesão causada, examinando cada caso.” (Tolentino & Braga, 2017)
Em razão de não ser possível avaliar matematicamente o quanto deve ser pago a título de indenização pelo dano, os magistrados devem levar em consideração alguns critérios, que segundo o autor Enoque dos Santos devem ser consideradas: “as condições econômicas, sociais e culturais de quem cometeu o dano e principalmente de quem sofreu; a intensidade do sofrimento do ofendido; a gravidade da repercussão da ofensa; a posição do ofendido; a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável; um possível arrependimento evidenciado por fatos concretos; a retratação espontânea e cabal; a equidade; as máximas da experiência e do bom-senso; a situação econômica do país e dos litigantes; o discernimento de quem sofreu e de quem provocou o dano.”
O autor ainda afirma que “não existe um critério único utilizado pelos nossos tribunais, as decisões buscam respaldo em cada caso concreto. Tal fato enseja uma insegurança jurídica, haja vista a subjetividade do valor a ser indenizado.” (Dos Santos 2015)
Os doutrinadores Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado reforçam no livro “A Reforma Trabalhista no Brasil”: “Sem as adequações interpretativas, propiciadas pelas técnicas científicas da Hermenêutica Jurídica, o resultado atingido pela interpretação literalista será inevitavelmente absurdo, tal como: a) admitir que a ordem jurídica diferencie as afrontas morais em função da renda das pessoas envolvidas (art. 223-G, § 1º, I, II, III e IV); b) admitir que a indenização devida por uma pessoa humana a uma empresa (e vice-versa) se mede pelos mesmos parâmetros monetários do cálculo de uma indenização devida por uma empresa (independentemente de ser líder mundial ou continental de mercado, ou não) a uma pessoa humana (art. 223-G, § 2º); c) admitir que a reincidência cometida por certa empresa (que é um ser coletivo, relembre-se) somente se computa se for perpetrada contra a mesma pessoa física (§ 3º do art. 223-G)”.
“Neste diapasão, ressalta-se que a antiga Lei de Imprensa também permitia limitar as indenizações e acabou sendo revogada por inconstitucionalidade. Assim, a Lei nº 13.467/2017 nos proporciona uma verdadeira insegurança jurídica na atual conjuntura brasileira.
Assim, clama-se que se construa, através de orientações jurisprudenciais, alternativas que “amenizem” os efeitos dessa tarifação judicial. Em especial nos casos de assédio sexual, cujas vítimas são tão vulneráveis, sendo um problema que assola o país durante anos.” (Silva 2020)
CONCLUSÃO
O presente trabalho preocupou-se em apresentar um panorama acerca do assédio sexual em ambientes de trabalho, indicando o posicionamento da Justiça Brasileira diante de situações de assédio, especificamente no que tange aos atuais critérios de valoração da indenização por danos extrapatrimoniais.
No assédio sexual, as ofensas pessoais são na maioria das vezes, muito maiores que as patrimoniais e indenizar alguém por ter tido seu direito de liberdade sexual afetada não é das tarefas mais fáceis. A vítima se vê profundamente constrangida em sofrer o assédio e muito mais em ter que comunicar a empresa do fato. A humilhação e problemas que podem decorrer desta violência são às vezes irreparáveis, a partir disso que surge a importância de se analisar com atenção a valoração do dano para reparo da vítima, independentemente da posição hierárquica que ocupa.
Essa “precificação” do assediado com base na posição social da vítima, gera revolta. Uma vez que a vítima procura o sistema Judiciário Trabalhista em busca de sanar em eventual problema ocorrido, depara-se com a própria legislação fazendo diferenciação do valor que lhe é merecido com base na sua posição social, ao invés de avaliar o efetivo dano, gerando dessa maneira, um insegurança jurídica.
A vítima pobre “custa” mais barato para aquele que deve reparar o dano, tornando-a mais vulnerável aos riscos dentro do ambiente de trabalho e agrava a discriminação social de maneira geral. Seria a dignidade e a honra da vítima de baixa renda de menor valor que a dignidade e honra da vítima bem sucedida?
Assim, podemos concluir que ainda há a necessidade de obtermos medidas mais eficientes para o combate do assédio sexual no Brasil seja na esfera social, como na trabalhista.
REFERÊNCIAS
AQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dano e Ação Indenizatória. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000. página 20
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Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário CEUNI-FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Bruna Adeska Coelho. Indenização por dano moral na justiça do trabalho: indenização por dano moral causado por assédio sexual no trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55888/indenizao-por-dano-moral-na-justia-do-trabalho-indenizao-por-dano-moral-causado-por-assdio-sexual-no-trabalho. Acesso em: 26 dez 2024.
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