JARDEL MARCOS DA SILVA
(orientador)
RESUMO: Considerando que a questão racial é um assunto extremamente importante e discutido na realidade fática e jurídica, que gera várias acepções no que tange à sua forma de aplicação bem como suas derivações, este artigo tem como objetivo o estudo do racismo e da injúria racial à luz das normas brasileiras, utilizando-se métodos de definição dos termos racismo e injúria racial para, assim, tecer uma análise sobre a forma que é aplicado o racismo e a injúria racial, e as relações sociais que estão em interligadas a essas formas de discriminação racial. O presente artigo, além disso, esclarece quanto ao real conceito de raça, o qual possui diversas interpretações, utilizadas de maneiras diferentes pela população, além de compreender a correlação dos ramos do direito acerca do tema, e entender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação à definição do conceito de racismo. Por fim, visa investigar e analisar a prática dos crimes de racismo e injúria racial em âmbito virtual, aspecto este cada vez mais presente na realidade brasileira.
Palavras chave: Racismo. Injúria Racial. Crimes. Discriminação.
O presente artigo foi elaborado visando dar condições de discernir acerca da definição científica jurídica sobre o racismo e injúria racial. Dessa forma, pretende-se abordar apenas os assuntos considerados relevantes, que serão exigidos para o desenvolvimento do trabalho.
Assim, a busca por uma visão bem próxima da realidade social e jurídica brasileira motivou o estudo sobre a altercação existente entre os conceitos de Injúria Racial e Racismo, pois tais termos diferem-se quanto à aplicabilidade. A Injúria Racial consiste ao ataque direcionado à honra de um indivíduo, lhe ferindo a dignidade ou o decoro, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, de acordo com a qualificadora expressa pelo Artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, incluída pela Lei nº 9.459, de 1997. Enquanto o racismo atinge uma coletividade de indivíduos, como prescrita na Lei nº 7.716 de 1989. Ressalta-se que, ao contrário da injúria, o racismo é inafiançável e imprescritível.
Configura também entre os objetivos deste artigo tratar o crime de racismo e o de injúria racial à luz da dignidade da pessoa humana, entender a ampliação do conceito de raça, compreender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no processo Habeas Corpus nº 82.424 sobre a definição do conceito de racismo, apontar a correlação dos ramos do direito a respeito do tema em análise e analisar como ocorre a prática do Crime de Racismo e Injúria Racial em âmbito virtual.
A necessidade de compreensão da questão racial e sua juridicidade torna-se extremamente relevante, não só pela característica universal daquela, mas também pelos quesitos humanitários e sociais envolvidos.Por visão deturpada, acredita-se que o crime de racismo protege apenas as pessoas de cor negra, quando, em realidade,
o sentido é bem mais amplo.
Ao longo dos anos, logrou-se em virtude principalmente da intolerância racial, uma atenção especial proveniente dos legisladores relativa à produção de normas que presidem a convivência em sociedade, ora em âmbito geral, ora em âmbito privado. A título de exemplo, há o código penal brasileiro de 1940 e a constituição da república brasileira de 1988. Há a necessidade de se desenvolver métodos para compreensão e interpretação de tais normas, para que sejam aplicadas com maior efetividade possível.
O equívoco que surgiu em relação a “injuria qualificada” e “racismo”, tornou pertinente que houvesse a preocupação com relação a dificuldade de coadunar as normas em prol de uma efetiva aplicação. Não obstante, hoje a matéria tornou-se mais abrangente, mas ainda deve-se fazer muito em prol da necessidade da sociedade por uma aplicabilidade legal que reduza a opressão de pessoas e direitos em ocasião de sua raça. Dessa forma, percebe-se a relevância do assunto para a construção do conhecimento acadêmico.
Trata-se, ademais, a respeito da compreensão das implicações do assunto nos diversos campos cabíveis ao estudo do Direito e, pois, da formação do operador. Além disso, abordar o crime de racismo e injúria racial de modo a analisar, em especial, sua decorrência no ramo Penal.
É imprescindível que, para tratar dos crimes de Racismo e Injúria racial tipificados no Código Penal brasileiro de 1940, primeiramente, seja compreendido o que se entende como raça, além de seus desdobramentos históricos, sociais e jurídicos. É necessário ressaltar que não há um único conceito, diferentes autores abordam o tema de distintas maneiras, mas possuem um núcleo comum constituído como uma consequência da transição do pensamento humano.
Simone Maria de Souza, cita que, segundo o Dicionário Aurélio (1999), o conceito de raça é definido como:
Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele,a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. Ou como uso restrito da Antropologia, referente a cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e organização genética próprias. Diversos autores, seguindo critérios distintos de classificação, propuseram diferentes classificações da humanidade em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três grandes subdivisões: caucasóide (raça „branca‟), negróide (raça „negra‟) e mongolóide (raça amarela‟). Como conceito antropológico, sofreu numerosas e fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade parece apresentar- se num contínuo, e não com uma distribuição em grupos isoláveis, e as explicações que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente às questões colocadas pelas variações culturais. Pode ser utilizado ainda, como o conjunto dos ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se origina de um tronco comum (SOUZA, apud FERREIRA, 2011, p.1)
Assim, pode-se perceber que se trata de uma definição geral, para que em um primeiro contato com o assunto haja um direcionamento do interlocutor ou ouvinte sobre o que se refere. Nota-se, contudo, que é ampla e demanda maior esclarecimento.
Dessa forma, em perspectiva histórica, Schwarcz (2000) afirma que, a raça é uma construção histórica e social, e desenvolve sua constatação esclarescendo que durante o período medieval, o termo "raça" foi empregado para mencionar sobre linhagens e descendência. O mesmo vocábulo, no século XVII, foi utilizado nas relações sociais do período a fim de classificar a diversidade humana presente em grupos fisicamente contrastados. Com o decorrer do tempo, foram buscados critérios para que fosse possível explicar a diferença entre raças. Assim, utilizaram-se de instrumentos científicos como a frenalogia e craniologia,sendo usadas para justificar a existência do racismo, a colonização e o domínio sobre o que se denominava na época como "raças inferiores". Além disso, a Medicina Legal buscou construir uma associação entre aparência e caráter, por meio de observações do formato de partes do corpo como o nariz, boca e queixo.
A versão poligenista, permitia (...) o fortalecimento de uma interpretação biólogica na análise dos comportamentos humanos, que passaram a ser crescentemente encarados como resultado imediato de leis biológicas e naturais. Esse tipo de viés foi encorajado sobretudo pelo nascimento simultâneo da frenologia e da antropometria, teorias que passavam a interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e proporção do cérebro dos diferentes povos. Simultaneamente, uma nova craniologia técnica, que incluía a medição do índice cefálico (...) facilitou o desenvolvimento de estudos quantitativos sobre as variedades do cérebro humano. Recrudescia, portanto, uma linha de análise que cada vez mais se afastava dos modelos humanistas, estabelecendo rígidas correlações entre o conhecimento exterior e interior, entre a superfície do corpo e a profundeza do espírito (SCHWARCZ, p.48, 2000)
Em razão de análises biológicas como estas, foram difundidas entre as populações, que os homens de raça branca eram seres superiores, belos e titulares de uma moralidade positiva, associando assim a aparência física com qualidades subjetivas. Por causa disso, foi concluído que eles tinham maior capacidade de aprender mais e dominar outros sujeitos, os quais foram apontados como inferiores e destituídos da potencialidade de se desenvolverem como pessoas.
Roberto da Matta também aborda teorias que afirmam essa ideia de superioridade, revelando que,
(...) teorias racistas europeias e norte-americanas, não eram tanto contra o negro ou o amarelo ( o indio, genericamenre falando, também discriminado como inferior), que eram nítida e injustamente inferiorizados relativamente ao branco, mas que também eram vistos como donos de poucas qualidades positivas enquanto "raça". O problema maior dessas doutrinas, o horror que declaravam, era, isso sim, contra a mistura ou miscigenação das "raças". É certo, diziam elas, que havia uma nítida ordem natural que graduava, escalonava e hierarquizava as "raças humanas" (...) é certo também, afirmavam tais teorias, que o branco da Europa Ocidental assumindo indiscutível posição de liderança (...). Mas era também seguro que amarelos e negros tinham qualidades que a mistura denegria e levava ao extermínio (DAMATTA p.30.)
Assim, além de existir o errôneo pensamento da diferença entre os seres humanos e da possibilidade de classificá-los, segundo a linha de raciocínio dos racistas, não poderia haver, de nenhuma maneira, a mistura entre indivíduos que não foram qualificados da mesma forma, deveria haver a segregação, e o repúdio à criança que nascesse como fruto de uma miscigenação. Logo, cada classe deveria ter um contato restrito em relação aos outros, e ter relação social somente com aqueles que são comuns a si.
Semelhantemente, Roque de Barros Laraia aduz sobre teorias quanto a raças, ensinando que,
São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a "raças" ou a outros grupos humanos. Muita gente ainda acredita que os nórdicos são mais inteligentes do que os negros; que os alemães têm mais habilidade para a mecânica; que os judeus são avarentos e negociantes; que os norte-americanos são empreendedores e interesseiros; que os portugueses são muito trabalhadores e pouco inteligentes; que os japoneses são trabalhadores, traiçoeiros e cruéis; que os ciganos são nômades por instinto, e, finalmente, que os brasileiros herdaram a preguiça dos negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses. (LARAIA, pag.7,2009)
Pensamentos racistas como esses sustentaram e justificaram a ocorrência de conflitos e ações políticas extremas, a exemplo do holocausto, na Alemanha, e genocídios na América e no México, além dos povos indígenas que foram escravizados e mortos em razão da certeza que havia no modelo universalista do homem branco ocidental. Isso reflete o juízo etnocêntrico em considerar como valores universais somente aqueles que são próprios da sociedade a que se pertence, partindo de particularidades e generalizações, as quais os indivíduos se posicionam como superiores em comparação a aqueles que se distanciam dos seus valores. Não restando dúvida de que essa afirmação de superioridade resulta em exclusão, ódio profundo e duradouro, além de mortes.
Foi em razão da existência de conflitos motivados por questões raciais, que estudiosos se aprofundaram no assunto a fim de produzir esclarecimentos sobre a impropriedade cientifica da noção de raça, propondo que esta ideia desaparecesse.
Dessa forma, cientificamente foi comprovado que raça não é uma verdade biológica relacionada ao DNA, existindo apenas a espécie Homo Sapiens oriunda da África, sendo o termo "raça" empregado única e exclusivamente para justificar a dominação político-cultural, denunciando, assim, a existência da discriminação, do racismo e de outras formas de preconceito. O racismo, portanto, é compreendido como uma ideologia, que afeta os cidadãos de uma maneira em geral.
Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de "raça" permite - ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos - tal conceito tem uma realidade social que ele enseja é impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite (GUIMARÃES, 1999,
p. 9)
Norberto Bobbio (1998) concorda com essa concepção, quando afirma que pelo vocábulo racismo
(...) se entende, não a descrição da diversidade das raças ou de grupos étnicos humanos, realizada pela Antropologia Física ou pela Biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e,principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente, científicos para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais.Este uso visa justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores (BOBBIO, 1998, p. 1059).
No Brasil, no ano de 1950, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (UNESCO), foram feitas pesquisas tendo como tema as relações raciais, com o objetivo de demonstrar a realidade dessas relações, pois até aquele momento, havia a crença de que tais questões eram tratadas de forma harmônica e pacífica, sendo o Brasil um lugar que une as diferenças de maneira exemplar e democrática. Ocorre que, a verdade mostrada pelas pesquisas era a de que, a sociedade brasileira é marcada pelo preconceito e discriminação racial, que determinam vigorosamente a posição social e econômica dos brasileiros.
Já se tornou senso comum na literatura sobre as relações raciais no Brasil, conceber o ciclo de estudos patrocinado pela Unesco, no início dos anos 50, como momento de ruptura com a tradição “culturalista” acerca das interações entre brancos e negros no país.(...) Evidenciou - se uma forte correlação entre cor ou raça e status socioeconômico. A utopia racial brasileira foi colocada em questão.(...) (MAIO, p.116, 2000)
Complementando o parecer sobre a pesquisa, SCHWARCZ (1999) diz que,
Tudo isso indica que estamos diante de um tipo particular de racismo, um racismo silencioso e sem cara que se esconde por trás de uma suposta garantia de universalidade e da igualdade das leis, e que lança para o terreno do privado o jogo da discriminação. Com efeito, em uma sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações e pelo clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade. E da ordem do privado, pois não se regula pela lei, não se afirma publicamente (...) (SCHWARCZ,1999, p.182)
Até recentemente, o Brasil não reconhecia a existência das desigualdades e da discriminação racial, sendo um preconceito velado e, por causa disso, o Estado se manteve omisso frente as injustiças e exclusão resultantes delas. Ressalta-se que, somente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil no ano de 1988, o racismo, em suas variadas manifestações, foi legalmente criminalizado, visando o combate de práticas como essas.
A Lei Maior brasileira de 1988 defende a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, proíbe o preconceito e qualquer outra forma de discriminação, expressa a repulsa ao racismo no âmbito das relações internacionais, prevê que a lei punirá qualquer forma de discriminação que viole os direitos e garantias fundamentais, criminaliza a prática do racismo, proíbe a diferença de salários e de critério de admissão por motivo de cor, e atribui ao Estado o dever de colocar a criança a salvo de toda a forma de discriminação.
2.1 Racismo e Injúria racial: À aplicação criminal sob a ótica brasileira
O racismo e a injúria racial são dois tipos de discriminação racial extremamente presentes na realidade brasileira, e que geram uma série de impactos à sociedade quando se diz respeito à sua incidência no cotidiano populacional.
Porém, em razão de possuírem radicais semelhantes em suas grafias, a altercação presente entre estes dois vocábulos não é percebida pela maioria dos indivíduos, dessa forma o senso comum tornou-se elemento caracterizador e unânime no momento de classificação do conceito do que é o racismo, e o que é injúria racial, fazendo com que não haja distinção propriamente dita entre estes dois vocábulos, tendo o mesmo significado. Entretanto, o que a maioria da coletividade não tem conhecimento, é que existe uma distinção fundamental entre o termo racismo e o termo injúria racial quanto à sua aplicabilidade e quanto á juridicidade que lhe são conferidas. Desta feita, importa-se primeiro definir o que significa cada um deles seguindo a ótica doutrinária e legalista brasileira.
A injúria racial está tipificada, como uma qualificadora do crime de Injúria, no Art. 140 § 3º no título I, capítulo V da parte especial do Código Penal Brasileiro vigente desde 1940, e expressa que será qualificadora “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. (BRASIL, 2015, p.364)
Assim, estabelece este dispositivo que, caso o crime de Injúria tenha cunho racial, será cominada pena, para o infrator, de reclusão de um a três anos e multa. Ressalta-se que à ação penal aplicável a este crime tornou-se, recentemente, pública condicionada à representação do ofendido, sendo o Ministério Público detentor de sua titularidade.
Além disso, encontra-se definições precisas sobre injúria qualificada pelo preconceito racial também na doutrina, como conceitua Mirabete,
O crime de injúria por preconceito consiste como já se tem decidido em ultraje a outrem, por qualquer meio, em especial de palavras racistas e pejorativas, deixando-se patenteada a pretensão de, em razão da cor da pele, por exemplo, se sobrepor à pessoa de raça diferente (MIRABETE, 2003, p. 169).
Com efeito, no delito de injúria preconceituosa, a finalidade do agente, ao fazer uso de elementos que estão ligados à raça, cor, etnia, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, é atingir a honra subjetiva da vítima. Sendo este um bem jurídico protegido pelo Estado, por meio da previsão legal do crime em questão.
Ao contrário do delito previsto no Art. 20 da Lei nº 7716/89, denominada como Lei de Crimes Preconceito, Raça ou Cor, na qual está tipificado o crime de racismo. Destaca-se que o mesmo será tratado e especificado com fontes doutrinárias bem como jurídicas neste tópico.
O Art. 20 da lei 7716/89 prevê: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 2015, p.1024). Como doutrina ou ideologia, entende-se que o racismo defende uma hierarquia existente entre os grupos humanos, assim, definidos em raça, numa escala de superior à inferior, segundo critérios formulados em diversas bases: científicas, sociais, culturais ou religiosas.
Portanto o crime de racismo implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. É um crime considerado mais grave pelo legislador do que a injúria qualificada pelo quesito racial, pois trata-se de ação penal pública incondicionada, ao contrário da injúria que é condicionada à representação do ofendido. E também caberá ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.
A doutrina tem alertado para o fato, de que como também mencionado anteriormente, a conduta relativa ao tipo de injúria qualificada é confundida com o crime de racismo, mais grave, já que além de ser crime de ação penal pública incondicionada, é imprescritível e inafiançável.
Dispõe Cezar Roberto Bitencourt sobre o assunto:
Desde o advento da presente lei, têm-se cometido equívocos deploráveis, pois simples desentendimentos, muitas vezes, sem qualquer comprovação do elemento subjetivo, têm gerado prisões e processos criminais de duvidosa legitimidade, especialmente quando envolvem policiais negros, e se invoca, sem qualquer testemunho idôneo, a prática de “crime de racismo”, ou, então, em simples discussões rotineiras ou em caso de mau atendimento ao público, independentemente do que de fato tenha havido. (BITENCOURT, Cezar Roberto, 2007 p. 321).
Definidos o crime de racismo e injúria racial devidamente conforme a legislação brasileira bem como seus doutrinadores, nota-se que a distinção entre os crimes é imperceptível no que tange à forma da sociedade analisar e muitas vezes até pelos órgãos julgadores.
Deixando de lado as conceituações dos delitos, nota-se que a sociedade brasileira anseia por um tratamento mais rigoroso contra os autores de crimes que envolvem preconceito. A atual legislação prevê essa diferença mais acentuada de tratamento entre o crime de racismo e de injúria racial, sendo recomendável uma alteração legislativa para conferir uma punição mais enérgica e severa àquele que comete delito motivado em preconceito de raça, ainda que com uma mera ofensa, sobretudo, numa sociedade orientada por uma Constituição que, em seu art. 3º, determina que é objetivo do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
O pensamento ideal de sociedade, é que ela possa se constituir uma universalidade construída com base no valor individual de cada pessoa. Tal concepção se dá uma vez que o homem é “o ente cujo sentido de universalidade é impensável sem o reconhecimento concomitante do valor singular intocável de cada subjetividade” (REALE, 1999).
Porém, as pessoas partindo de concepções firmadas em um “modelo ideal”, compreendendo este como uma forma perfeita e genérica – padronizada – de ser humano, direciona, assim, seus pensamentos de igualdade. Ressalta-se que, a igualdade pode ser vista como matéria de regulamentação dos Direitos Humanos, - e por isso trazem enormes críticas por parte de movimentos antirracistas – mas indiretamente tendem a avultar as intolerâncias inclusive raciais, de forma a oprimirem e segregarem quem é considerado incomum.
Em relação a isso, Kabengele Munanga (2004), em um discurso à Comissão Nacional de Direitos Humanos, aduz:
(...) Existe, sim, uma identidade humana, mas essa identidade é sempre diversificada segundo os modos de existência e de representação e as maneiras de pensar, de julgar e de sentir próprias das comunidades culturais e de língua, de sexo, às quais pertencem os indivíduos, e que são irredutíveis a outras comunidades;
Além de Ricardo Franklin (2004): “Aqui no Brasil, sabe-se da discriminação, mas não se fala a respeito. Para nós, brasileiros, a discriminação é considerada um problema do outro.”
Dessa maneira é possível perceber o quão mitigadas são as igualdades ao se chocarem com a comunidade diversificada que Munanga diz pertencerem os indivíduos, e que são irredutíveis a outras comunidades. Em função disso há uma dificuldade ao se tratar de conflitos raciais. Uma vez que, em uma sociedade na qual se deve unir as pessoas sem as segregar, utilizando de suas diferenças como um aspecto real e concreto de forma a se alcançar um status de complemento que deve ser tratado com respeito, é mais necessário que entender sobre discriminação ou racismo, que as pessoas utilizem de tal conhecimento para auxiliar na tutela efetiva do ser humano.
Em prol de um combate ao racismo e outros atos racistas e discriminatórios, de forma a resguardar os direitos individuais de cada pessoa mediante o Princípio da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana, a Constituição da República traz em si dispositivos tais como o artigo 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 2015, p.19)
Mais adiante, no art 5º, XLII
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à prosperidade, nos termos seguintes:
XLII – A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. (BRASIL, 2015, p.22)
Para os princípios e regras constitucionais serem concretizados a fim de resguardar os direitos fundamentais de cada cidadão, houve a criação pelo legislador, da lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989, com alteração feita pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Por não haver uma definição de preconceito, discriminação e racismo na Constituição Federal, logo, é de encargo da doutrina ou da jurisprudência fazê-la, dessa forma pôde-se nomear juridicamente tal lei como uma "norma em branco".
Uma vez que o Estado, mediante seu poder de legislar, encontrou razão para a proteção de direitos e garantias individuais, como cláusulas pétreas que nem mesmo podem ser abolidas, é válido ressaltar que a responsabilização de quem realiza a ofensa ao bem jurídico (honra) demonstra uma forma de se efetivar o cuidado que impulsiona a convicção de que é possível a tutela necessária à cada pessoa na medida de suas diferenças.
Em decorrência do advento da Constituição da República de 1988, a qual apresentou como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o instituto dano moral tornou-se relevante, e, a partir dele, foi possível perceber a notável necessidade e o interesse próprio do Estado de garantir o direito à reparação pelo dano moral sofrido em decorrência de algum fato específico capaz de ferir subjetivamente o indivíduo. Com a finalidade, pois, de determinar a proteção jurídica, a Lei Maior, em seu Art.5º, inciso X, expressa o direito à indenização por referidos danos, sendo estes conceituado como
(...) práticas que constrangem, injustamente, outrem, causando-lhe sofrimentos na esfera moral. São os que atingem à honra, nome, reputação; são também, os que ferem os sentimentos mais profundos da pessoa humana.(NADER, p.30).
Salienta-se que, a violação aos direitos da personalidade é um ato ilícito que pode ser confirmado pelo Art.186 do Código Civil de 2002. Nesse caso, é cabível danos morais, suscetíveis à indenização. Esta, de acordo com o autor civilista Paulo Nader (2010), assume duplo papel, o primeiro, de propiciar à vítima uma compensação pelo mal sofrido ou, o segundo, a finalidade de evitar condutas dessa natureza. Essa compensação, conforme explica Rosenvald (2014), refere-se a bens extrapatrimoniais, que são equivalentes a danos morais sendo, portanto, sinônimos.
Segundo este mesmo doutrinador, existem fatos que possuem consequências tanto civis como penalistas, nesse caso o sistema é de relativa independência. O código de processo penal, em seu artigo 64 determina que "sem prejuízo no disposto do artigo anterior, a ação para o ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil". (BRASIL, 2015, p.406)
Diante disso, pode-se fazer um paralelo entre o que foi acima exposto e o crime de Racismo e de Injúria Racial, uma vez que estes ilícitos são puníveis tanto no direito civil como também na esfera penal, em razão de existirem confluências entre eles e porque, em ambos os casos, trata-se de um contrato social não pacificado que reclama a intervenção do ordenamento jurídico. Os fatos tipificados nos âmbitos civil e criminal, pois, compartilham a mesma essência: um ato antijurídico praticado por uma pessoa imputável. A jurisdição brasileira, com o propósito de operar o direito, divide-se em competências distintas, a fim de potencializar seu objetivo de expressar e garantir eficácia do seu dever ser. Dessa maneira, há divisão entre juízos cível, este deverá reparar os danos, e juízos criminais, o qual deve apurar processos penais.
O crime de racismo, Lei 7716/89 e o Art. 140 do Código Penal, portanto, exemplifica o presente raciocínio sobre esse assunto, uma vez que o racismo é conceituado como "uma atitude depreciativa, que não se baseia em criações científicas, em relação a grupos sociais e étnico”.
É possível perceber, nesse crime, a configuração de outro fato contrário ao direito além do prejuízo à honra, o dano moral, pois ao proferir ofensa a uma pessoa em razão de sua raça, etnia ou religião, a dignidade é ferida, gerando consequências danosas ao sujeito e alteração de seu estado psíquico. Dessa forma, a responsabilidade civil é centralizada na pessoa da vítima e em um fato passado que causou danos a esta, possuindo, portanto, uma finalidade reparatória a cargo do ofensor. Assim, objetiva a tutela de interesses privados do autor da demanda, sendo a ação judicial promovida pelo próprio titular do direito. Ressalta-se que, a reparação civil pode ser transferida aos herdeiros, que se responsabilizam até o montante que recebam na herança (Art. 174 CC)" ( Rosenvald, p. 132, 2014).
Destaca-se também que, a indenização devida ao caso será estimada pelo poder judiciário e deverá ser paga em dinheiro. Assim, nessa perspectiva, a indenização somente irá ter o caráter delimitado de compensar à vítima, porque entende-se que o valor monetário é incapaz de corrigir e restaurar, integralmente, a condição anterior da pessoa antes do fato como se ele nunca tivesse acontecido.
Complementando o assunto, o Art. 935 do Código Civil diz que "a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal". (BRASIL, 2015, p.180)
Mediante o exposto, um dos possíveis efeitos de uma condenação criminal será a obrigação de indenizar a vítima, se esta provocar o juízo cível.
Em dezembro de 2002, houve o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de um habeas corpus, que é um meio de garantia que protege com rapidez todo aquele que sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de qualquer autoridade legítima. Logo, é uma medida utilizada para a proteção de garantias fundamentais de forma a limitar a ação arbitrária do Estado.
Siegfried Ellwanger era escritor e, segundo a Folha de São Paulo, dedicava- se de maneira sistemática e deliberada a publicar livros notoriamente anti-semitas, como os "Protocolos dos Sábios de Sião", e a denegar o fato histórico do Holocausto, como autor do livro "Holocausto - judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século". Por esse motivo foi processado pelo crime de Racismo e a medida (HC 82424) foi interposta em favor dele, mas levou nove meses para ser concluída. Em 12 de dezembro de 2002, o ministro Maurício Corrêa ao pedir vista ao voto do ministro Moreira Alves, que defendeu a tese que os judeus não podem ser considerados uma raça, suspendeu o julgamento ao questionar a sua interpretação semântica. Em abril de 2003, o recurso voltou ao Plenário e o mesmo salientou:
Com efeito, a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. Disso resultou o preconceito racial. Não existindo base científica para a divisão do homem em raças, torna-se ainda mais odiosa qualquer ação discriminatória da espécie. Como evidenciado cientificamente, todos os homens que habitam no planeta, sejam eles pobres, ricos, brancos, negros, amarelos, judeus ou mulçumanos, fazem parte de uma única raça, que é a espécie humana, ou a raça humana. Isso ratifica não apenas a igualdade dos seres humanos, mas também os fundamentos do Pentateuco ou Torá acerca da origem comum do homem. (MIN. MAURÍCIO CORREA)
Em junho, a votação alcançou indeferimento em sua maioria de ministros por 7 votos a 1, mas o Ministro Marco Aurélio pediu vista no recurso. Em 17 de setembro de 2003 o julgamento foi encerrado pelo ministro Sepúlveda Pertence negando o pedido de habeas corpus alegando “A discussão me convenceu de que o livro pode ser instrumento da prática de racismo. Eu não posso entender isso como tentativa subjetivamente séria de revisão histórica de coisa nenhuma"
O voto do ministro Maurício Corrêa foi fundamental para a ampliação da interpretação constitucional de forma a obter melhor alcance da norma ao se levar em consideração fatores históricos, sociológicos, etc. Houve o entendimento que a discriminação contra os judeus feita por Ellwanger, buscava dar certa credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista e que houve dolo manifesto na publicação de seus livros ao considerar os judeus como um segmento racial tradicionalmente inferior. O Estado Democrático de Direito tem como base padrões éticos e morais de igualdade e respeito, que são definidos na Constituição da República Federativa do Brasil como pode ser observado em seu artigo 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” (BRASIL, 2015, p.22)
Logo, pode-se perceber que a liberdade de expressão não é absoluta, uma vez que frente à dignidade da pessoa humana, não lhe é permitido ultrapassar os limites de modo que fira os princípios e garantias constitucionais.
Os séculos XX e XXI são marcados por um forte avanço tecnológico no mundo. Por causa disso, são inúmeras as inovações nos diversos campos de desenvolvimento humano podendo ser percebido desde à área militar e de defesa, até em invenções de uso civil e doméstico. Entre as diversas novidades proporcionadas por essa terceira Revolução Industrial, pode-se destacar duas ferramentas que transformaram não somente a vida profissional, mas também as relações sociais, quais são o computador e a internet.
As máquinas que viriam a dar origem aos computadores, primariamente, eram usadas exclusivamente para operações matemáticas - o termo computador já foi usado no passado para descrever uma pessoa responsável pela realização de algum cálculo - sendo atribuído, por muitos anos, a invenção da primeira máquina a Blaise Pascal, no século XVII. Entretanto, descobertas recentes atribuem a Wilhelm Schickard o crédito da criação de uma máquina que podia somar, subtrair, multiplicar e dividir, ainda em 1623, mas perdida durante a Guerra dos Trinta Anos. Com os avanços na indústria, mais especificamente na área têxtil, surgiu a necessidade de que as máquinas de tecer produzissem padrões de cores diferentes. Joseph Marie Jacquard cria assim, em 1801, um tear mecânico que realiza a leitura automática de cartões. Esta ideia inspirou Charles Babbage, que pretendia calcular polinômios por meio de diferenças, criando uma máquina de calcular que funcionasse através de cartões, e realizasse cálculos de até 50 números. Com base nesse calculador analítico de Babbage, a Marinha americana, junto a universidade de Harvard, desenvolveu o Harvard Mark I, abrindo caminho assim àqueles que viriam a ser os primeiros computadores atuais.
Como uma invenção mais tardia, a internet surgiu na década de 60, por meio de pesquisas militares no período da Guerra Fria. Este conflito entre os dois blocos, o capitalista e o comunista, representados respectivamente por Estados Unidos e União Soviética, estimulava os avanços nas mais diversas áreas com a intenção de pudessem se sobressair em relação ao rival, ambos, portanto, entendendo a enorme importância, cada vez maior, dos meios de comunicação. Em razão de temer o vazamento e a destruição de informações sigilosas que os tornariam vulnerável a ataques soviéticos, os Estados Unidos começaram a desenvolver uma tecnologia de armazenamento e troca de informações que permitisse descentralizar as mesmas, não sendo elas afetadas em caso de ataque a uma base. Foi criada assim a rede ARPANET, desenvolvida pela ARPA, que dividia as informações em pequenos pacotes que continham os dados, endereço do destinatário e trechos da informação, permitindo sua remontagem. Dessa forma, em 29 de Outubro de 1969 é enviado o primeiro e-mail na história, que consistia apenas na palavra “login”, que parou de enviar as informações após a letra “o”.
Com a diminuição da tensão entre os dois blocos, a chamada “coexistência pacifica”, o governo americano consentiu que as universidades pesquisassem e desenvolvessem a rede devido ao aumento no número de acessos, criando, pois, a MILNET, voltada a área militar, e a nova ARPANET, com localidades não militares. Em razão da maior liberdade proporcionada, o desenvolvimento da rede pôde acontecer. Destaca-se que, em âmbito atual que, até maio de 2015, o número de pessoas conectadas, ao que atualmente é chamado de Internet, já chegava a 3,2 bilhões.
Com o surgimento dessas duas invenções, foi possível favorecer a praticidade, a qual vem sendo oferecida aos indivíduos, em maior potencialidade com o decorrer dos anos. Além disso, por meio de estímulos governamentais, um número em crescimento exponencial de pessoas começou a usar tais ferramentas visando diversos fins, desde a pretensão profissional até à utilização como forma de lazer.
Ocorre que, apesar da tecnologia ter apresentado muitas vantagens como essas, surgiu, como produção de efeitos negativos e repudiados, a divulgação de manifestações pessoais indevidas e absurdas direcionadas a outrem, ofendendo-lhe a dignidade e a honra subjetiva. Tais expressões impróprias são proliferadas rapidamente por meio da rede alterando, com isso, as relações em sociedade, pois provém de um novo ambiente, o qual tem como aliada à privacidade e anonimato, além da possibilidade de hospedar site em países diferentes, criaram um ambiente fértil para a criação de locais onde se discutem e promovem ideias e atitudes torpes. Tudo isso, levou ao surgimento de uma situação jurídica peculiar.
Portanto, os crimes de xenofobia, homofobia, intolerância religiosa e incitação à violência são apenas poucos dos vários exemplos de conteúdo preconceituoso presentes na rede. Devido a isso, chega a ser aconselhado que, aquele que deseja navegar tenha certa discrição para evitar se tornar um alvo de indivíduos de má índole.
São muitos os casos de injúria racial praticados com o uso da internet, tanto em sites como nas redes sociais. Pode-se dar como exemplo as agressões sofridas pela repórter Maria Júlia Coutinho, na rede social Facebook, a mesma foi chamada de “preta imunda” e acusada de somente conseguir o emprego por meio de cotas. Até mesmo o atual presidente americano Barack Obama se viu vítima de ofensas raciais, chegando a receber ameaças contra a sua vida, que se mantém até hoje em meio a opositores políticos mais radicais. Percebe-se, dessa forma, que referida situação de anonimato e comodidade possibilita que agentes criminosos, incluindo aqueles que não exibem nenhum comportamento intolerante no seu dia a dia, expressem seus pensamentos, pois o ambiente virtual cria uma ilusão de inatingibilidade.
Apesar de se pensarem inatingíveis, os crimes de injúria racial cometidos na internet, no Brasil, são condenados penalmente, sendo aplicado o parágrafo 3º, artigo 140 do Código Penal, que dispõe sobre a citada infração, e a Lei Nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, mas sendo recomendado que a vítima tenha em mãos provas do crime, já que se tem uma grande facilidade em apagar conteúdo e impossibilitar que se leve à justiça aquele que violou a lei. Essa possibilidade de atuação da justiça em ambiente virtual é reforçada pela lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, o chamado Marco Civil da Internet, que promove entre outros valores, a honra e a dignidade da pessoa humana na internet.
Um exemplo de prática do crime de racismo, resultando em uma condenação, ocorreu no dia 18 de abril de 2007, quando um indivíduo que se auto intitulava um “skinhead” proferiu declarações preconceituosas relacionadas a judeus, negros e nordestinos, no site do fórum de discussões do Correioweb. O acusado teria escrito: “Na verdade não sou apenas antissemita. Sou skinhead. Odeio judeus, negros e, principalmente, nordestinos”. O réu prosseguiu, reafirmando sua postura: “Não, não. Falo sério mesmo. Odeio a gentalha a que me referi”. Apesar da defesa do agente ter alegado não haver o dolo especifico para caracterização do crime de racismo, o juiz Fernando L. de L. Messele, na sentença condenatória, citou o parecer do Ministério Público: “Propagar por meio de comunicação social esse tipo de ‘opinião’ configura, sim, o crime de racismo objeto do art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89. A conduta, portanto, foi dolosa e apresentou o elemento do preconceito de raça e procedência, tal como ressaltado na jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal”. O réu foi condenado a pena de 2 anos de reclusão e multa no valor de 10 salários mínimos, com a conversão da pena restritiva de liberdade em restritiva de direito, conforme o previsto pela legislação.
A situação tende a se complicar quando o indivíduo usa dos meios proporcionados pelo caráter descentralizado da internet, aliados ao seu anonimato e a privacidade, bem como instrumentos que ocultem sua identidade para praticar seus atos. Não é incomum que uma página usada para dirigir uma injúria racial a certa pessoa esteja hospedada em um servidor de outro país, muitas vezes aqueles onde a investigação seja mais dificultada ou o controle mais ineficaz, lesando o processo de esclarecimento do caso. A situação pode se agravar ainda quando alguém de um país hospeda seu site no servidor de outro, dirigindo suas ofensas àquele de uma nação diferente das duas últimas. Estratégias como essas são utilizadas majoritariamente por aqueles envolvidos em crimes dispostos na Convenção de Budapeste, que é um tratado internacional ratificado por 19 países (o Brasil não tem participação), e que dispõe sobre crimes praticados na internet, sendo o único tratado internacional de combate aos crimes cibernéticos. Vale ressaltar que esse tratado não tem em seu conteúdo nada que se refira a injuria racial.
No Brasil, seguindo os termos do Inciso V, artigo 109 da Constituição da República, não é de competência federal a investigação dos casos de injúria racial com o uso da internet, já que esses não ofendem bens, interesses ou serviços da União e não violam tratados que o Brasil é signatário, bem como o fato da injúria racial não ser dirigida a um grupo de pessoas, ficando a competência a cargo da Justiça estadual. Essa situação faz com que indivíduos que desejem usar da internet para injuriar racialmente alguém, usem dos meios disponíveis, dificultando assim que a vítima consiga realizar alguma ação legal contra o infrator ou grupo de infratores.
3.CONCLUSÃO
Este artigo trouxe uma reflexão e análise sobre os crimes de Racismo e Injúria Racial. Visando que se desse de forma otimizada, tratou-se também do conceito de raça, em foi possível perceber o significado genérico, além do desenvolvimento da errônea ideia de diferenciação dos serem humanos em raças classificadas de maneira hierárquica.
Foi abordada também sobre a diferenciação jurídica do racismo e da injúria racial, uma vez que não pode haver confusão entre esses ilícitos, pois ao longo da presente exposição foram pontuadas as suas discrepâncias e sua ocorrência, inclusive em ambiente virtual. Neste, há uma nova realidade social advinda com a evolução tecnológica e que, por isso, demanda uma regulamentação diferenciada pelo ordenamento, que anteriormente não poderia ser prevista, sendo ainda um âmbito propicio para a consumação dos crimes de racismo e injúria racial, uma vez que o anonimato alimenta essas condutas contrárias a lei. Dessa forma, os crimes foram tratados em âmbito legal, observou-se assim a forma com que o mundo jurídico acompanha e reage frente as discriminações.
Além disso, o presente trabalho interdisciplinar não restringiu sua reflexão apenas à luz do Código Penal, mas refletiu também sobre o âmbito de atuação de outros ramos do direito em pontos interligados, e como o Supremo Tribunal Federal compreendeu o objeto desse estudo.
Com essa conjuntura, pretendeu-se o entendimento sobre a manifestação dos crimes de racismo e injúria racial. Foi possível concluir apesar de serem duas formas de discriminação racial distintas quanto à aplicabilidade e forma de punição, porém essa distinção é muitas vezes imperceptível pela população.
ARAUJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do Dano Moral transindividual. Revista Jurídica: Orgão Nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 57.n.379. p.77-111. Abril de 2009
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito Penal, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 321.
BOBBIO, Norberto et all. Dicionário de Política. Vol 1. Brasilia: Editora Universidade de Brasília. 11ª edição, 1998.
BORRI; Luiz Antonio, Competência nos Crimes Contra a Honra Cometidos na Internet. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-out-09/luiz-borri- competencia-crimes-honra-cometidos-internet > . Acesso em 05 mai.2020
BRASIL. Código Civil (2002). Código civil. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito RIDEEL. 20.ed. São Paulo: RIDEEL, 2015. p.145-231.
BRASIL. Código de processo penal (1941). Código de processo penal. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito RIDEEL. 20.ed. São Paulo: RIDEEL, 2015. p. 403-446.
BRASIL. Código Penal (1940). Código penal. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito RIDEEL. 20.ed. São Paulo: RIDEEL, 2015. p. 353-382.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito RIDEEL. 20.ed. São Paulo: RIDEEL, 2015. p.19-80.
BRASIL. Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito RIDEEL. 20.ed. São Paulo: RIDEEL, 2015. p.1024- 1025.
BRASIL. Lei nº. 12.965 de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário oficial da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 abr. 2014. Seção 1, p. 1-3. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/69354783/dou-secao-1-24-04-2014-pg-1 > Acesso em 05 mai. 2020
BRASILIA. Tribunal de Justiça. Processo 2012.01.1.098316-9. Ação Penal - Procedimento Ordinário. Crimes Resultante de Preconceito de Raça ou de Cor (DIREITO PENAL, Crimes Previstos na Legislação Extravagante), autor: Ministério Público, réu: Leonardo Licio do Couto. Incidência Penal. Denúncia. Disponível em: < http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi- bin/tjcgi1?NXTPGM=tjhtml105&SELECAO=1&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&CDNU PROC=20120110983169 > Acesso em 5 mai.2020
DAMATTA, Roberto. 1936. O que faz o brasil, Basil?. / Roberto DaMatta. Rio de Janeiro: Rocco: 1986. 111 p.
FACHINELLI CAVALCANTE; Waldek, Crimes Cibernéticos: Noções Básicas de Investigação e Ameaças na Internet. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj054548.pdf > Acesso em 05 mai. 2020
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: volume 3 : responsabilidade civil. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo, SP: Atlas, 2015. 936 p.
KRAEMER ABREU; Karen Cristina, História e Usos da Internet. Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/abreu-karen-historia-e-usos-da-internet.pdf > Acesso em 05 mai.2020
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24.ed. Rio de Janeiro, RJ: J Zahar, 2009. 117 p.
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, vol. II, 20ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 169.
NADER, Paulo. Curso de direito civil : volume 7 : responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2013
REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias. 2. ed. 1999. Saraiva
RIO GRANDE DO SUL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 82.424-2. Tribunal Pleno. Crime imprescritível. Conceituação. Abrangência Costitucional. Liberdade de expressão. Disponível em: < http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfJuri sprudencia_pt_br&idConteudo=185077&modo=cms > Acesso em 14 abr. 2020
ROCHA, José Manuel de Sacadura. Antropologia jurídica.4. Rio de Janeiro Forense 2015
SAMPAIO DUARTE; Rosana Beatriz, A Internet Como Meio de Propagação do Racismo Afro-Brasileiro. Disponível em: < http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1669/2/20214751.pdf. > Acesso em 05 mai.2020
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2015
SCHWARCZ, Lilia Moritz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil- 1870-1930, São Paulo, editora Schwarcz LTDA, 1993.
SILVA, Marcus Vinícius de Oliveira. (Org) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (BRASIL). Psicologia e direitos humanos: subjetividade e exclusão. São Paulo:
Casa do Psicólogo, Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia, 2004. 242 p. (Psicologia e direitos humanos)
SOUZA, Simone Maria de. O conceito de Raça na sociologia contemporânea. Etnicidade e Raça . XII Congresso brasileiro de sociologia.
- VAZ, Daniel Ribeiro. Racismo x Injúria Racial: Uma análise sob a ótica do Direito Civil Constitucional. Artigos JusBrasil. 2012. Disponível em
<http://danielvaz2.jusbrasil.com.br/artigos/121816638/racismo-x-injuria-racial-uma- analise-sob-a-otica-do-direito-civil-constitucional> Acesso em 12 abr. 2020
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Portilho José Saldanha dos. Racismo e injúria racial: formas distintas de discriminação, enraizadas no preconceito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55966/racismo-e-injria-racial-formas-distintas-de-discriminao-enraizadas-no-preconceito. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Precisa estar logado para fazer comentários.