PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA MARTINS
(coautor) [1]
Resumo: O artigo 139, IV do Código de Processo Civil de 2015, visando dar maior efetividade aos processos, conferiu poder aos Juízes para adotar nas execuções de títulos extrajudiciais e judiciais, medidas não tipificadas em lei que atuam diretamente sobre a vontade do devedor, coagindo-o ao cumprimento da obrigação. Entretanto, transcorridos cinco anos da inovação legislativa, ainda há insegurança jurídica quanto à aplicabilidade do referido dispositivo, vez que se trata de cláusula geral com conceito vago e indeterminado, o que para muitos juristas implica em terreno fértil para o cometimento de excessos pelos magistrados. Nesse sentido, pretende-se, por meio de técnica bibliográfica e jurisprudencial, apresentar alternativa para adequada aplicação de medidas coercitivas atípicas, como um efetivo meio de satisfazer a execução.
Palavras-chave: Execução. Medidas executivas atípicas. Responsabilidade patrimonial. Cláusula geral.
Abstract: The article 139, IV of the Code of Civil Procedure of 2015, aiming at making processes more effective, empowered Judges to adopt in the execution of extrajudicial and judicial titles, measures not typified by law that act directly on the debtor's will, coercing them compliance with the obligation. However, after five years of legislative innovation, there is still legal uncertainty as to the applicability of the said provision, since it is a general clause with a vague and indeterminate concept, which for many jurists implies fertile ground for the committing of excesses by magistrates. In this sense, it is intended, through bibliographic and jurisprudential technique, to present an alternative for the adequate application of atypical coercive measures, as an effective means of satisfying execution.
Key-words: Execution. Atypical executive measures. Patrimonial responsibility. General clause.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO; 2.1 O princípio da responsabilidade patrimonial; 2.2 O princípio da adequação; 2.3 O princípio do resultado; 2.4 O princípio da menor onerosidade; 2.5 O princípio da proporcionalidade e razoabilidade ; 3 ARTIGO 139, IV DO CPC/2015; 3.1 O artigo 139, IV como cláusula geral processual executiva; 3.2 As sanções nas coerções atípicas e a constitucionalidade do artigo 139, IV do CPC/2015; 3.3 Casos concretos de adoção de medidas atípicas nas execuções pecuniárias 4 CRITÉRIOS PARA A ADEQUADA APLICAÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS NAS EXECUÇÕES PECUNIÁRIAS; 4.1 A aplicação subsidiária das medidas atípicas; 4.2 A existência de indícios acerca da ocultação de bens; 4.3 A necessidade de requerimento da parte para o uso das medidas coercitivas atípicas; 4.4 A necessidade de contraditório prévio para a concessão das medidas atípicas 4.5 A necessidade de fundamentação da decisão que defere o pedido de aplicação de medidas atípicas 5 CONCLUSÃO; 6 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
É comum o executado não querer pagar a dívida se utilizando de artifícios para frustrar a satisfação do direito do exequente. Blindando seu patrimônio a fim de dificultar a localização de seus bens para uma eventual penhora e expropriação, bem como não raras vezes ele mesmo se escondendo e tornando a execução prejudicada.
Ocorre que com o advento do Código de Processo Civil, surge uma esperança para os credores de obrigações pecuniárias. O artigo 139, inciso IV do diploma legal permite a utilização de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias não positivadas no ordenamento jurídico para garantir o cumprimento de ordem judicial, até mesmo para as execuções que visam o recebimento de dinheiro, modalidade executiva em que o presente estudo dará destaque.
Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, que derivam do poder geral de efetivação do juiz, previsto no art. 139, IV, do Código, cláusula geral que atribui poder ao julgador para a aplicação de meios necessários à satisfação da obrigação não projetados anteriormente no diploma legal.
A viabilidade de utilização de medidas atípicas em obrigações pecuniárias põe a execução dessas no mesmo nível das outras obrigações, e foi nessa direção, que começaram a surgir petições solicitando a aplicação de medidas restritivas de direitos, tais como a suspensão da carteira nacional de habilitação, apreensão do passaporte, cancelamento dos cartões de crédito, entre outras.
Entretanto, existe dúvida por parte da doutrina de que a aplicação do princípio da atipicidade das medidas executivas possa significar uma carta em branco para o magistrado, que a partir da regra, estaria livre para realizar qualquer tipo de arbitrariedade no intuito de satisfazer o direito do exequente.
O Julgador tem em mãos um mecanismo de extrema relevância, que lhe é conferido para dar mais efetividade às ações executivas. Todavia, esse mecanismo muitas das vezes se colide com princípios constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana, liberdade individual, bem como outros direitos elencados na CF 88.
Dessa forma, entende-se que é extremamente relevante a existência de critérios para a aplicação do artigo 139, IV do diploma legal, a fim de que a utilização de medidas atípicas pelos magistrados esteja sempre em harmonia com os preceitos constitucionais e processuais que delimitam o procedimento das ações executivas.
A pesquisa inicia-se com a exemplificação dos principais princípios norteadores do processo de execução, salientando-se seus respectivos sentidos e funções, compondo este quadro os seguintes princípios: responsabilidade patrimonial, adequação, resultado, menor onerosidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Em seguida, o estudo tratará especificamente do artigo ora estudado, com a elucidação do conceito de cláusula geral no ordenamento jurídico, bem como a análise de casos concretos de adoção de medidas atípicas em ações executivas pecuniárias.
Por fim, o artigo trará diretrizes jurisprudenciais e doutrinárias para a adequada aplicação do artigo 139, IV do CPC nas ações executivas, assim como a opinião dos autores sobre o tema, trazendo ao leitor a proposta adequada para contornar a divergência de forma eficaz e concisa, a fim de que a aplicação de medidas atípicas esteja em conformidade e harmonia com as leis constitucionais e processuais.
2 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
Assim como na fase de conhecimento, a fase executória é pautada por princípios norteadores que servem como balizas hermenêuticas para garantia de um processo equânime entre as partes e em conformidade com os ditames constitucionais.
No presente capítulo, far-se-á análise dos principais princípios da execução que devem ser observados no momento da aplicação de medidas atípicas.
2.1 O princípio da responsabilidade patrimonial
O princípio da patrimonialidade assegura que os efeitos da execução sejam sempre reais, e nunca pessoais, significa dizer que não irão atingir a pessoa do devedor, e sim, o seu patrimônio, tendo em vista que o único objetivo do procedimento de execução é a satisfação da obrigação perquirida, não visando punir o devedor. Esta máxima encontra-se positivada na legislação processual civil, respectivamente no artigo 789[2], in verbis: “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”
E também na seara do direito material, no artigo 391[3] do Código Civil, in verbis: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”
Dos citados artigos infere-se que os bens do devedor obtidos antes da instauração da execução e os adquiridos no curso do procedimento podem ser utilizados, ou seja, penhorados para pagar a dívida do executado, o que leva à conclusão de que é patrimonial[4] a execução civil dos títulos extrajudiciais e judiciais que se desenvolvem no direito brasileiro, mas nem sempre foi assim.
A antiga Lei das XII Tábuas estabelecia que em determinadas condições seria possível dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos fossem os credores ou, se assim esses desejassem, o devedor poderia ser vendido a um estrangeiro, a fim de obter a quantia necessária ao pagamento da dívida[5].
O caráter punitivo das penalidades aplicadas demonstrava claramente o sistema de justiça privada que vigorava no direito romano, situação que perdurou até a edição da Lex Poetelia Papiria, no ano de 326 a.C, quando o procedimento executório passou a atingir tão somente sobre o patrimônio, e não mais sobre a liberdade e a vida do devedor.[6]
Assim, tem-se que o processo de execução, assim como os demais ramos do direito, evoluiu no sentido de coadunar com a dignidade humana, liberdade, entre outros valores considerados indispensáveis para a humanidade, conforme aduz Neves[7].
[...] a proibição de que o corpo do devedor responda por suas dívidas, reservando-se tal garantia a seu patrimônio, é vista como representação da humanização que o processo de execução adquiriu durante seu desenvolvimento histórico, abandonando gradativamente a ideia de utilizar a execução como forma de vingança privada do credo.
essa forma, tornou-se impedido a utilização de mecanismos corporais de execução, como seriam a prisão civil ou a redução do devedor à condição de escravo. Toda a atividade executiva (com raríssimas exceções, como a prisão civil do devedor de alimentos) passou, então, a incidir tão somente sobre bens que, integrando o patrimônio do executado, tenham valor econômico.
Por sua vez, cumpre salientar que existem limites a responsabilidade patrimonial do devedor, por meio das impenhorabilidades, tais como as disciplinadas no artigo 833 do CPC e na Lei 8.009/1990, que trata dos bens de família. Essas regras possuem amparo em valores constitucionais que visam proteger a dignidade mínima do devedor, evitando como por exemplo que o seu único imóvel, que lhe serve de moradia, venha a ser penhorado e alienado em eventual processo de execução.
Assim, percebe-se que a responsabilidade patrimonial pode ser vista como a “sujeitabilidade do patrimônio de alguém às medidas executivas”[8], e, em razão disso é que surgem as principais críticas às medidas executivas atípicas, considerando que estas atuam sobre a vontade do devedor, excepcionalizando a regra da patrimonialidade.
2.2 O princípio da adequação
Como é sabido, os princípios são normas que determinam que algo seja realizado na maior medida do possível, em conformidade com as possibilidades fáticas e jurídicas.
Nesse cenário, de acordo com Alexy[9] (2015, p. 118 apud, BORGES, 2019, p. 328), a máxima da adequação decorre da “natureza dos princípios como mandados de otimização em face das possibilidades fáticas”, da mesma forma assevera Ávila[10] (2015, p.208 apud, BORGES, 2019, p. 328) “exige o manejo de um meio eficiente à consecução do fim almejado”.
Dessa forma, entende-se que o princípio da adequação, elencado no Art. 8º[11] do CPC/15, traduz a ideia de que os meios executivos empregados pelo credor no intuito de ter satisfeito seu direito, não necessariamente devem condizer ao bem-objeto da prestação devida, conforme exemplifica Borges[12]:
O meio mais apropriado para o atingimento do fim perquirido não necessariamente guardará relação com a natureza da obrigação. A relação entre meio e fim não significa correlacionar o meio a ser utilizado e a origem da obrigação de pagar, exige-se, ao revés, afinidade entre o meio e a possibilidade de êxito na aplicação da medida.
Assim, se diante de um caso concreto em que, por exemplo, requer-se a aplicação de medida atípica para a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, mesmo que esta sanção não possua relação direta com o adimplemento da obrigação de pagar, ela poderá revelar-se como adequada a partir do momento em que se verifica no plano fático, que ela seria capaz de causar no devedor pressão psicológica hábil à realização do pagamento da dívida.
De outro modo, tome-se como exemplo um caso concreto em que o devedor, embora tenha licença para dirigir, não possui automóvel e não tem o hábito de guiar veículos de outras pessoas, porque prefere se locomover caminhando ou por meio do transporte coletivo. Este exemplo mostra que dificilmente tal devedor sinta-se compelido a adimplir a dívida em razão de coerção para a suspensão da CNH.
Por sua vez, para que seja aplicada a medida mais adequada, é necessária uma participação ativa do exequente, trazendo aos autos informações sobre o devedor que viabilizem esta constatação.
Entretanto, nada obsta que a aferição da adequabilidade da medida a ser adotada no caso concreto também possa ser constatada pelo próprio magistrado, por meio de um juízo de cognição prévio baseado em provas e indícios apresentado nos autos, de que o método escolhido é eficaz para a consecução do fim almejado, qual seja o adimplemento da dívida.
A título de exemplo, imagine-se um executado que habitualmente realiza postagens de fotografias, informações e opiniões nas redes sociais. Esse comportamento indica o quanto lhe é importante poder acessar essas mídias, por certo, o exequente trazendo estas informações perante o juiz, este poderá determinar que as empresas controladoras dessas plataformas sociais cancelem ou suspendam as contas do executado até o adimplemento da dívida, uma vez demonstrado que a medida tende a ser eficaz, logo, adequada.
Desse modo, percebe-se que a adequabilidade da medida atípica a ser adotada deve ser verificada a luz do caso concreto, a partir da análise de informações trazidas pelo exequente e daquelas verificadas pelo próprio órgão judiciário, ou seja, é possível antever, por meio da realização de um juízo de probabilidade, e não de certeza, o possível grau de eficácia da medida adotada[13].
2.3 O Princípio do resultado
O processo de execução, seja de título judicial ou extrajudicial, se desenvolve com um único objetivo; entregar ao exequente, dentro da maior brevidade possível, tutela idêntica a que lograria sem o processo.
Por ser esse o objetivo único da execução, fala-se também em princípio do desfecho único, tendo em vista que a única forma de prestação que pode ser obtida em tal processo é a satisfação do direito do credor, consoante explica Assis[14] :
Toda execução, portanto, há de ser específica. Uma execução é bem sucedida, de fato, quando entrega rigorosamente ao exequente o bem da vida, objeto da prestação inadimplida, e seus consectários, ou obtém o direito reconhecido no título executivo (execução in natura). Este há de ser o objetivo fundamental de toda e qualquer reforma da função jurisdicional executiva, favorecendo a realização dos créditos e dos direitos em geral.
Dessa forma, a máxima do resultado se relaciona diretamente com a problemática da falta de eficácia nas execuções, considerando-se que na maioria das vezes os métodos convencionais de expropriação, mostram-se ineficazes face a blindagem patrimonial dos devedores, o que enseja na adoção de medidas não tipificadas em lei e que atuem diretamente na vontade do devedor, a fim de que este cumpra voluntariamente a obrigação.
Entretanto, obviamente, a máxima do resultado deve ser analisada em consonância com os ditames constitucionais, e também com os outros princípios da execução, a fim de que a aplicação de medidas atípicas seja balizada por parâmetros que respeitem direitos fundamentais do devedor.
2.4 O Princípio da menor onerosidade
O princípio da menor onerosidade encontra-se positivado no artigo 805[15] do CPC,”Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. ”traduz a ideia de que a execução deve se realizar do modo menos gravoso para o devedor, ou seja, O juiz deve conduzir a execução em busca da satisfação do credor, sem ônus desnecessários ao executado.
Nesta esteira, havendo uma pluralidade de meios idôneos e eficazes para a satisfação do direito do exequente, o juiz deve optar sempre pelo menos prejudicial ao devedor, rechaçando a hipótese de utilização de determinadas medidas, quando houver outras igualmente eficazes e menos gravosas, ou quando não restar devidamente provado o esgotamento dessas, nesse sentido já decidiu o TJMG:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - INDISPONIBILIDADE DE MATRÍCULA - PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. A medida de anotação de indisponibilidade na matrícula de imóveis deve ser obstada em respeito ao princípio da menor onerosidade da execução quando, no cenário litigioso, não se pode concluir pela inexistência de outros meios igualmente idôneos à satisfação do crédito.v.v. Nos termos do art. 300, caput e 301 do CPC, a tutela de urgência cautelar será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o risco ao resultado útil do processo e pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. A princípio, não prospera a tese de ausência de exigibilidade, se não verificada a pactuação de termo no contrato, o que deverá ser objeto de ampla cognição nos embargos à execução opostos. Não demonstrada e sequer alegada a existência de bens suficientes à satisfação da execução e que inexiste risco ao resultado útil do processo, deve ser mantida a tutela de urgência cautelar de averbação de indisponibilidade na matrícula do imóvel. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0019.16.002816-3/001, Relator(a): Des.(a) Valéria Rodrigues Queiroz , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Octávio de Almeida Neves , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/0020, publicação da sumula em 27/05/2020)
Entretanto, cumpre salientar que quem deverá demonstrar qual o meio menos gravoso é o devedor, se ele não demonstrar a existência de tais meios, não impedirá a possibilidade de ser utilizado o mais gravoso, ou seja, a mera alegação de que a medida é excessiva não enseja na sua ilegalidade.
Nesse sentido ensina Marcelo Abelha[16]:
Portanto, ratificando, esse princípio (menor gravosidade possível da execução) deve nortear a realização da tutela executiva justamente porque não é justo nem legítimo submeter o executado (seu patrimônio) a uma situação de maior onerosidade do que a que seria indispensável para a satisfação do direito do exequente. Por outro lado, é importante deixar claro que esse princípio não autoriza que o executado possa dele se valer para trazer alegações metajurídicas do tipo: a execução é absurda; ficará na penúria; o credor não precisa do dinheiro etc. Enfim, as mazelas da vida não devem ser suportadas pelo exequente
Ainda, outras previsões são feitas no código processualista que remetem a máxima da menor onerosidade, tal como o artigo 891[17] do CPC, que visa impedir a realização de atos expropriatórios que onerem excessivamente o devedor, vejamos:
Art. 891. Não será aceito lance que ofereça preço vil.
Parágrafo único. Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.
Por fim, impende salientar que, assim como os demais princípios da execução, a menor onerosidade do devedor não deve ser interpretada isoladamente pelo Juiz quando na aplicação de medidas executivas, devendo esta máxima ser analisada conjuntamente, a luz das circunstâncias do caso concreto, aos demais princípios executivos, a fim de que seja adotada a medida menos gravosa ao devedor, mas que ao mesmo tempo seja eficaz a consecução do fim almejado, qual seja a satisfação do direito do credor.
2.5 O princípio da proporcionalidade e razoabilidade
O Código de Processo Civil 2015 consagrou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma expressa no art. 8º[18] do Código de Processo Civil 2015:
Art. 8º: Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Quanto à proporcionalidade, significa dizer que o magistrado deve realizar um juízo de valoração, não apenas positivo, ou seja, se a medida escolhida atingirá o fim a que se destina e se ela é a menos prejudicial ao devedor, mas, também um juízo negativo, com o intuito de aferir como a não utilização de uma medida executiva impactará o direito fundamental do credor à tutela executiva.
Como exemplo da proporcionalidade, imagine-se a medida atípica que determina a restrição do uso de passaporte do devedor, esta medida afeta diretamente o direito fundamental da liberdade, todavia, ela busca atender o direito fundamental à efetividade da jurisdição. Logo, diante do caso concreto o juiz deverá sopesar os direitos fundamentais colidentes, levando em consideração os outros princípios estudados, quais sejam a menor onerosidade e a adequação, a fim de decidir da forma mais justa às partes.
Com efeito, verifica-se que a proporcionalidade mira o equilíbrio, conforme explica Guerra [19] (2003, p. 92 apud BORGES, 2019, p. 336), “impõe uma avaliação global da situação, na qual se faça uma correspondência jurídica entre meios e fins, no sentido de se estabelecer vantagens e desvantagens do emprego dos meios, à luz de outros fins envolvidos na questão.”
Por sua vez, a razoabilidade visa a proibição de excessos, estabelecendo-se um núcleo rígido e inviolável de direitos fundamentais, o qual não poderá sofrer nenhum tipo de invasão ou restrição, independente da finalidade almejada, nesse sentido exemplifica Borges[20]:
A título de exemplificação, imagine-se a hipótese em que o órgão julgador, sob o manto da cláusula geral das medidas atípicas – desejando de todo e qualquer modo a realização do pagamento da dívida – determina que o devedor não poderá sair para fora dos limites geográficos do município em que reside, sob nenhuma conjectura. Nesse caso, a justificativa de que se está prezando ou buscando a realização do direito fundamental à tutela executiva perde qualquer razão. Em verdade, não há sequer como realizar um sopesamento entre os direitos fundamentais envolvidos porque um deles – a liberdade – já foi excessivamente afetado em seu núcleo mais íntimo e inviolável.
Ainda, cumpre salientar que a proporcionalidade e a razoabilidade podem ser alegadas em qualquer momento do processo, inclusive na execução, quando for necessário um juízo de ponderação entre o método escolhido para garantir a efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade da execução, sendo necessária nessa situação a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para solucionar o conflito.
Com tais considerações, é possível afirmar que a medida adotada deve respeitar tanto a proporcionalidade como a razoabilidade, sendo indispensável à análise do caso concreto para fundamentar a aplicação ou não de determinada medida.
3 A ANÁLISE DO ARTIGO 139, IV DO CPC/2015
O artigo 139, IV do Código de Processo Civil inaugurou uma nova fase no procedimento executivo brasileiro. O alcance e, por conseguinte, os limites da sua aplicação ainda estão sendo modelados pela doutrina e pela jurisprudência. Apenas o tempo e o uso forense afirmarão o acerto ou o desacerto da previsão.
Neste capítulo, primeiramente será analisado o artigo 139, inciso IV do CPC/2015 como cláusula geral processual executiva, discorrendo acerca das consequências desta interpretação para o sistema.
Após, o capítulo tratará das principais sanções atípicas utilizadas em juízo, e da constitucionalidade do artigo em comento.
Ao final, serão apresentados argumentos favoráveis e desfavoráveis, apontados pela doutrina, para a aplicação de medidas atípicas nas obrigações que visem o cumprimento de obrigação de pagar, bem como a análise de casos concretos que envolvem o tema.
3.1 O artigo 139, IV como cláusula geral processual executiva
cláusula geral no ordenamento jurídico tem por finalidade dar ampla interpretação a norma, o qual o juiz possa adequá-la ao caso concreto, utilizado obviamente, de seu conhecimento técnico jurídico e observando sempre a conveniência, bom senso e proporcionalidade, de modo que possa atender a diversidade e imprevisibilidade das relações cotidianas.
Eduardo de Avelar Lamy explica que a presença das cláusulas gerais “se justifica em razão do aumento da complexidade social havido nos últimos séculos que impossibilitou aos códigos cumprirem, sozinhos e detalhadamente, missão de regular todas as ricas e diversificadas hipóteses geradoras de lide”. Assim, a inserção desses conceitos vagos na legislação objetiva, “de forma operativamente eficaz, complementar o texto legal e possibilitar interpretar-se o sentido do conceito vago de forma adequada a cada caso concreto” [21].
Ao se interpretar o artigo 139, IV do CPC/15, tem-se que não se trata apenas de uma norma objetiva e concisa, mas de algo abrangente, abdicado de especificidade e dotado de amplo contexto, o qual oferece ao julgador a possibilidade de adotar medida mais adequada, induzindo o adimplemento da mora a fim de efetivar a obrigação do devedor para com o credor, condizente a prestação em pecúnia.
Por outro lado, além de divergências, essa autonomia pode levar a certa insegurança jurídica, afinal, nem todas as normas são passíveis de tal abrangência.
Assim, é necessário o equilíbrio, de modo que essa liberdade não extrapole os limites legais na aplicação da norma, valendo-se dos preceitos fundamentais e norteadores do dispositivo e do princípio da proporcionalidade.
Neste contexto explica Borges[22]:
a aplicação da cláusula geral processual no campo executivo, deve ocorrer sem se desprender dos limites impostos à aplicação de uma cláusula aberta, em especial: (a) a verificação da existência e a consideração de norma específica regulamentando o meio executório aplicável prioritariamente a cada procedimento executivo; (b) a imprescindibilidade de substancial fundamentação, em especial quanto à justificativa para o emprego do meio executório escolhido; (c) a necessidade de cotejo entre as consequências da aplicação da medida e as peculiaridades do caso concreto, por meio da regra da proporcionalidade
Contudo, conforme aduz o autor, se faz de extrema necessidade verificar todos os requisitos norteadores para aplicação da cláusula geral executiva, quais sejam a verificação da existência, considerando a norma específica, de modo que se tenha um parâmetro inicial para aplicação das medidas coercitivas; a fundamentação quanto ao emprego do meio executório, para que seja sanada qualquer discussão acerca da aplicabilidade da norma e o uso da proporcionalidade em sua aplicação, para que assim seja verificada as peculiaridades a cada caso concreto e assim, aplicar a norma adequada para tal.
3.2 As sanções nas coerções atípicas e a constitucionalidade do art. 139, IV do CPC/2015.
Quando se fala em sanção logo se vem a ideia de punição e pena, no entanto a sanção executiva vai mais além do caráter punitivo, no qual tem como principal objetivo efetivar a execução por meio da coerção, forçando o executado a efetuar o pagamento da dívida por ameaça de uma pena.
Sendo assim, pode-se aludir que o principal objetivo da sanção executiva é o cumprimento da obrigação em si, sem que precise alcançar a punição.
Algumas sanções tomaram forma no processo de execução para dar mais efetividade às prestações pecuniárias, e por não estarem expressamente previstas no texto legal, são chamadas de atípicas. Entre elas, as mais utilizadas são: suspensão da CNH; apreensão de passaporte; bloqueio de contas e bloqueio de cartões de crédito. Estas que são objeto de muitas discussões e críticas conforme observa-se no decorrer deste artigo.
Ao questionar a constitucionalidade das coerções atípicas, deve-se primeiro conhecer a real natureza dessas medidas e sua principal finalidade. Francesco Carnelutti afirma que as medidas coercitivas devem ser analisadas sob a ótica da sua função, pois “o mal se inflige não apenas porque se desobedeceu ao mandato, mas além disso, para que seja obedecido”[23]. Sendo assim, tem-se a ideia de que “a medida coercitiva tem finalidade satisfaciente e não aflitiva”[24].
O principal argumento dos doutrinadores contrários às medidas atípicas no processo de execução se baseia na inconstitucionalidade dessas medidas ao ferir princípios fundamentais da Constituição Federal, mais especificamente, o direito de liberdade previsto no art. 5º, LIV, da CF/1988[25]:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
E o direito de locomoção previsto no artigo 5º, XV, da CF/1988[26],
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
No entanto, levando em conta a própria essência das cláusulas gerais, qual seja a indeterminação de resultados por meio de coerção para que seja satisfeita a execução, não se pode pensar no art. 139, IV do CPC/2015 como inconstitucional, sob pena de aludir que todas as demais cláusulas gerais seriam inconstitucionais.
Sendo assim, pode-se entender o dispositivo como método para se alcançar o fim, tendo em vista o não cumprimento da obrigação pelo devedor, e não apenas em um ato punitivo. Todavia, sempre observando os princípios norteadores do processo de execução.
Não obstante, a constitucionalidade do dispositivo pode ser afrontada também por garantias fundamentais. Nesse contexto, Alexandre Freitas Câmara explica que “a constitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do CPC/2015 provém de sua compatibilidade com dois princípios constitucionais: princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º XXXV) e o princípio da eficiência (art. 37)”[27].
Sendo assim, ainda é possível aludir o próprio texto legal para dar fundamentação ao dispositivo, tendo em vista que o objetivo desses princípios é garantir autonomia ao juízo para dar maior efetividade no julgamento dos processos.
3.3 Casos concretos de adoção de medidas atípicas nas execuções pecuniárias
Por fim, este último tópico do capítulo traz alguns casos concretos das medidas atípicas no processo de execução, para que assim se possa alinhar ao estudo do artigo 139, IV do CPC/15 e fazer as devidas reflexões acerca do tema.
O bloqueio de CNH é um dos métodos atípicos aplicáveis no processo de execução, no entanto há muita divergência quanto a sua aplicabilidade por ferir princípios constitucionais e do próprio CPC, neste sentido o TJMG decidiu que:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MEDIDA COERCITIVA - SUSPENSÃO DE CNH - IMPOSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 139, INCISO IV DO CPC - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA MENOR ONEROSIDADE - PRECEDENTES DO STJ.
- O artigo 139, IV do CPC permite que o magistrado adote as medidas coercitivas, mandamentais, indutivas e sub-rogatórias cabíveis ao cumprimento da obrigação.
- "No tocante à ofensa ao artigo 139, inciso IV, do CPC, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que as medidas atípicas de satisfação do crédito não podem extrapolar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo-se observar, ainda, o princípio da menor onerosidade ao devedor, não sendo admitida a utilização do instituto como penalidade processual.". (AgInt no AREsp 1495012/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, DJe 12/11/2019).
- No caso em exame, não se vislumbra em que medida pode ser efetiva a suspensão da CNH ou do passaporte da parte agravada para que ele se sinta compelido a pagar a dívida, o que afasta a proporcionalidade e razoabilidade da medida.[28]
Em contrapartida, algumas jurisprudências versam em torno da aplicabilidade das medidas atípicas utilizando do argumento da boa-fé processual, o qual afasta completamente a aplicabilidade de medidas expropriatórias a fim de evitar fraudes e efetivar o cumprimento da obrigação.
Neste sentido o TJPR entendeu que:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS – INSURGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE – POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS NECESSÁRIAS À CONSECUÇÃO DO SEU FIM – ART. 139, INC. IV, DO CPC/15 – ENUNCIADO Nº 48 DA ENFAM – SISTEMÁTICA APLICÁVEL APENAS AO CHAMADO “devedor profissional” que, possuindo condições financeiras, consegue blindar seu patrimônio contra os credores-elementos indiciários no sentido de que o padrão de vida e negócios realizados pelo devedor se contrapõem à uma possível situação de penúria financeira – evidente má-fé do comportamento adotado pelo devedor – ausência de atendimento aos comandos judiciais – suspensão da CNH e do passaporte até o parcelamento/pagamento da dívida ou cabal comprovação da efetiva impossibilidade financeira e da incontestável necessidade de exercício dos direitos ora suspensos temporariamente – impossibilidade de cancelamento dos cartões de crédito – instituição financeira que possui liberdade contratual, não podendo o poder judiciário imiscuir-se nas relações contratuais particulares. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.[29]
Contudo, confirmando o que foi apresentado no decorrer do capítulo, são constantes as divergências jurisprudenciais, nos casos apresentados, o TJMG entendeu que foram desproporcionais e arbitrárias as medidas atípicas aplicadas ao caso, ferindo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Por sua vez, o TJPR foi mais afundo admitindo a aplicação das medidas argumentando a má-fé processual para fraudar o processo, admitindo, pois, o procedimento atípico como forma coercitiva extrema e necessária para que se possa alcançar o cumprimento da obrigação.
É preciso analisar com muita cautela o artigo 139, IV do CPC/15, analisando cada caso em separado, tendo consciência de que cada um precisa de sua devida adequação e aplicabilidade, visando sempre os princípios processuais e o devido processo legal.
4 Critérios balizadores para a adequada aplicação de medidas atípicas nas execuções pecuniárias
Uma vez devidamente explanadas as nuances que envolvem o tema, resta agora apontar caminhos para a adequada aplicação de medidas coercitivas atípicas. Para tanto, o presente capítulo tem por objetivo a delimitação de critérios balizadores para o uso das medidas em comento, correlacionando esses critérios com os princípios ora estudados. Para tanto, foram utilizadas dezenas de obras doutrinárias que abordaram de forma direta ou indireta o tema, bem como análise da jurisprudência.
4.1 A aplicação subsidiária das Medidas Atípicas
Considerando a excepcionalidade das medidas atípicas, a subsidiariedade aduz a ideia de que estas só poderão ser utilizadas no procedimento executivo de forma secundária, ou seja, após esgotadas as tentativas de atingir o cumprimento da obrigação pelos meios típicos. Nesse sentido, esclarece Abelha[30]:
Isso implica reconhecer que tais medidas (atípicas) só poderiam brotar no procedimento executivo como reforço, retaguarda, auxílio, e, por isso mesmo, secundariamente à utilização dos meios executivos típicos (coercitivos ou sub-rogatórios) previstos pelo legislador para esta modalidade de execução, seja no cumprimento de sentença, seja no processo de execução.
No mesmo sentido, Thiago Rodovalho[31] entende pela necessidade de esgotamento prévio das medidas típicas para que sejam adotadas as medidas atípicas, vejamos:
[...] a primeira premissa é justamente a de que a atipicidade dos meios executivos não se consubstancia na “prima ratio”, é dizer, a regra ou a primeira medida a ser invocada. Muito ao revés, a regra do nosso sistema continua a ser o da tipicidade dos meios executivos, só que agora temperado pelo sistema atípico. Ou seja, e aqui reside a primeira premissa, os meios atípicos não são a “prima ratio”, e, sim, a “última ratio”, é dizer, esgotados e frustrados os meios executivos típicos e ordinários, pode-se, em tese, valer-se do sistema atípico.
A subsidiariedade como critério é uma forma de gerar segurança jurídica nas execuções, funcionando como freio para o uso desmedido e excessivo do artigo 139, IV do CPC.
Entretanto, entende-se que esse critério possa ser mitigado quando restar evidenciado no caso concreto a relativa presunção de ineficácia das coerções típicas, concomitantemente a presunção relativa de eficácia das medidas atípicas, o que correlaciona diretamente com o princípio da adequação já estudado e com o critério da “suspeita de ocultação” que será abordado a seguir.
4.2 A existência de indícios acerca da ocultação de bens
A famosa “blindagem patrimonial” consiste em técnicas e estratagemas utilizados pelos executados para evitarem que seus bens sejam alcançados pela execução. Significa dizer que é quando o devedor possui bens hábeis ao cumprimento da obrigação, mas propositalmente os esconde, a fim de evitar o adimplemento da dívida.
Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves[32] entende que antes de deferir a aplicação de medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias, deve haver “a existência no processo de indícios de que o cumprimento da obrigação é possível, sendo a inadimplência uma opção consciente e programada do executado”.
Dessa forma, entende-se que para ser caracterizada a suspeita de ocultação de bens do devedor, não basta saber que o executado possua dinheiro e patrimônio para o pagamento da dívida, mas também que este esteja realizando manobras a fim de se esquivar da obrigação, frisando que quem deve trazer tais informações aos altos é o próprio exequente, conforme lição de Borges[33]:
Cabe ao exequente esclarecer e comprovar que a realidade retratada pelo executado é simulada. De certo modo, ruma-se contra a “verdade dos autos” e, então, a demonstração de situação diversa – ou seja, que o que consta nos autos não corresponde à “verdade do mundo real” – caberá ao interessado, no caso, repita-se, o exequente. Por isso, assim como é ônus do credor o requerimento expresso e a demonstração de que a coerção pleiteada tem o condão, in concreto, de efetivamente compelir o devedor, também é sua incumbência demonstrar, ainda que por meio de indícios, que esse devedor possui dinheiro ou patrimônio ocultado e que a sua condição de insolvência nos autos é simulada.
Por sua vez, para viabilizar a descoberta da conduta antijurídica do executado de blindar o seu patrimônio, o exequente dispõe de inúmeros meios lícitos de pesquisas e de investigações extrajudiciais, bem como a utilização de requerimentos na própria execução para o juízo determinar que terceiros prestem informações sobre o devedor. A licitude e o respeito a determinadas garantias constitucionais do devedor são os limites do credor nessa empreitada.
4.3 A necessidade de requerimento da parte para o uso das medidas coercitivas atípicas
Um dos argumentos que ampara a ideia de requerimento da parte exequente como requisito para o uso das medidas atípicas, reside no caput do artigo 797 do CPC/2015, que dispõe que “realiza-se a execução no interesse do exequente”. Desse modo, se isso é válido para o uso de meios típicos, logicamente também será cabível para os meios atípicos.
O segundo argumento consiste na própria subsidiariedade das medidas atípicas. Como explanado, o uso das referidas medidas possui aplicabilidade residual, sendo somente utilizadas após esgotados as tentativas de cumprimento da obrigação pelos meios expropriatórios típicos e, por conseguinte, é o exequente/credor quem deverá demonstrar a necessidade de sua utilização. Nesse sentido explica Borges[34]:
O afastamento do sistema posto em Lei como principal, ou seja, o desvirtuamento dos meios típicos, então, requer argumentos, provas e, por óbvio, requerimento do interessado. Assim, diante de uma execução pecuniária cujos meios tipicamente previstos se mostram insuficientes, espera-se do credor argumentação e comprovação da insuficiência, bem como pedido expresso, devidamente fundamentado, para a aplicação das coações atípicas.
O terceiro e último argumento advém da responsabilização do exequente para com os riscos da execução, ou seja, em eventual propositura de execução injusta, ou ulterior prolação de sentença declaratória de inexistência de título, o credor/exequente será responsabilizado objetivamente pelos danos causados ao devedor, tais como averbação premonitória, despesas processuais entre outros. Logo, não é justo imputar a alguém que não pediu uma medida o ônus de reparar os danos dela decorrentes.
4.4 A necessidade de contraditório para a concessão das medidas atípicas
O processo de execução se diferencia do processo de conhecimento no que se refere ao procedimento, vez que no primeiro há a certeza do crédito oriundo de um título executivo, enquanto no segundo busca-se primeiramente descobrir quais das partes possuem o direito material em litígio, para apenas posteriormente adentrar na fase executória.
Logo, não há igualdade processual entre as partes, o que há é a busca da satisfação do direito de uma delas, e justamente por isso o contraditório no processo de execução não tem a mesma intensidade do contraditório no processo de conhecimento, sendo permitido ao magistrado conhecer de ofício questões que não foram objeto de manifestação das partes.
No que se refere à adoção de medidas coercitivas atípicas, entende-se pela necessidade de contraditório prévio por dois motivos, o primeiro pelo fato de se tratar de medida que atua sobre a vontade do devedor e, em razão disso perfaz-se necessário, primeiramente, ameaçar o devedor de uma possível piora na situação, coagindo-o ao pagamento, nesse sentido esclarece Borges[35]:
Pode-se afirmar que o contraditório prévio é da essência da coerção na medida em que se almeja o cumprimento da determinação e não a aplicação da sanção. Até mesmo porque “a simples perspectiva de acolhimento, por parte do juiz, de uma medida atípica de coerção [...] já é capaz de influir na vontade do devedor de cumprir a obrigação”.
O segundo argumento reside no fato de que as medidas coercitivas atípicas atuam sobre direitos fundamentais, tais como a liberdade de ir e vir. Porquanto, necessária a ciência prévia do executado acerca da sua possível aplicação, vez que os direitos afetados são de ordem constitucional, isto é, possuem maior proteção quando comparados com os demais direitos, o que por fim justifica a intimação prévia do executado.
Assim, tem-se que é necessário que o executado seja intimado previamente a aplicação de eventuais medidas não tipificadas no ordenamento jurídico, seja pela natureza coercitiva da obrigação, seja pela importância do direito afetado.
4.5 A necessidade de fundamentação da decisão que defere o pedido de aplicação de medidas atípicas
Fundamentar uma decisão é essencial para que as partes possam compreender quais fatos foram considerados ou ignorados, quais os argumentos preponderavam, e sobretudo, qual o motivo de a controvérsia ter sido decidida pelo magistrado em determinado sentido. Sob uma perspectiva mais ampla, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais advém da ideia de segurança e coerência jurídica.
No que se refere especificamente à aplicação de medidas atípicas, percebe-se a relevância deste critério, vez que é na fundamentação da decisão que defere ou indefere o uso das medidas ora estudadas que será possível analisar se foram devidamente observados os princípios balizadores estudados, bem como os demais critérios indicados neste capítulo.
Nessa perspectiva, Daniel Amorim Assumpção Neves, especificamente ao abordar o tema das medidas atípicas, salienta que a fundamentação da decisão deve ser completa e exauriente, devendo o magistrado “revelar porque entende que as medidas são adequadas e suficientes, atendendo no caso concreto os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”[36].
Por fim, cumpre destacar que a maioria dos julgados sobre o tema em apreço adverte sobre a necessidade de fundamentação das decisões. Nesse sentido, destaca-se a decisão colegiada do Superior Tribunal de Justiça[37] que decidiu pela desconstituição da medida executiva consistente na apreensão de passaporte do devedor, tendo como um dos fundamentos para tal, a não observância do presente critério pelo magistrado de primeiro grau.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo apresentou os principais princípios que norteiam o processo de execução, conceituando-os e exemplificando como estes devem ser observados pelo Juiz ao aplicar medidas atípicas, bem como em que circunstâncias eles podem ser mitigados na adoção das referidas medidas.
Abordou-se, as principais questões acerca do artigo 139, IV do CPC como cláusula geral, discorrendo acerca de sua constitucionalidade e analisando alguns argumentos doutrinários favoráveis e desfavoráveis sobre a sua aplicabilidade.
Ainda, foram fixados critérios balizadores para a adequada e segura utilização de medidas atípicas, quais sejam: (a) subsidiariedade; (b) suspeita de ocultação de bens do devedor; (c) necessidade de requerimento da parte; (d) contraditório prévio e (e) fundamentação da decisão que defere as medidas.
Como se demonstrou ao longo do presente artigo, o CPC avançou em direção à atipicidade da tutela executiva, ao estabelecer em seu artigo 139, IV, que o magistrado está autorizado a lançar mão de medidas não tipificadas em Lei a fim de assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas execuções que visem o recebimento de dinheiro.
Ocorre que, no Estado Democrático de Direito é incabível que estas medidas sejam adotadas sem quaisquer limites ou critérios. Do contrário seriam inconstitucionais, pois violariam direitos e garantias previstos na Lei maior.
Outrossim, ao utilizar uma medida atípica como meio de execução pecuniária, é necessário verificar todas as excepcionalidades do caso, de modo a não comprometer garantias constitucionais.
Logo, as medidas atípicas devem ser usadas sempre de forma subsidiária, desde que esgotadas todas as possibilidades de execução, observando o princípio da medida menos onerosa ao devedor. Não obstante, deve-se garantir o direito de satisfação da dívida ao credor, para tanto os princípios da adequação e resultado resguardam a aplicabilidade da medida coercitiva atípica, no qual deve-se utilizar do meio mais conveniente e oportuno para que o credor tenha sua prestação efetivada.
Algumas medidas atípicas foram destacadas no presente artigo, como suspensão da CNH, busca e apreensão de passaporte, bloqueio de contas e bloqueio de cartões de crédito, as quais tornaram objeto de intensa discussão quanto a sua constitucionalidade.
No entanto, para discutir a constitucionalidade destes meios é necessário analisar a natureza do método atípico na execução, qual seja a excepcionalidade, subsidiariedade, conveniência e efetividade.
Ademais, tendo verificado todos os elementos balizadores para a adequada aplicação de medidas atípicas nas execuções pecuniárias, tem-se que a necessidade de sua aplicação supera qualquer indício de inconstitucionalidade da norma. Sendo que, a finalidade da aplicação dos métodos, não tem natureza definitiva e punitiva, mas satisfaciente, tendo em vista o direito do credor em ter a prestação que lhe é devida, adimplida.
Diante desse contexto, entende-se que as medidas atípicas são sim mecanismos que devem ser utilizados pelo judiciário para o cumprimento de suas ordens. Contudo, devem ser observados os limites e critérios apontados ao longo do trabalho, a fim de se evitar excessos e arbitrariedades por parte do judiciário.
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[2]BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 15 jun. 2020.
[3]BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm Acesso em: 15 jun. 2020).
[4] É importante ressaltar que nem todos os atos executivos atuam exclusivamente sobre o patrimônio do devedor, e nem sempre apenas os seus bens estão sujeitos à execução, como por exemplo podemos citar a prisão civil quando constatado o inadimplemento de obrigação pecuniária alimentar, bem como a possibilidade de terceiros responderem pela dívida, como a hipótese do fiador.
[5] MEIRA, Silvio A.B. A lei das XII tábuas: fonte de direito público e privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p.169.
[6] BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV do CPC/2015. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 184.
[7]NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Jus Podivim, 2016, p.1784.
[8]BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita; AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraudes patrimoniais e desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, cit.,p.22.
[9]ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 2015
[10]ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
[11] Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. (BRASIL). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
[15]BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 17 jun. 2020).
[17]BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 17 jun. 2020).
[18]BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 17 jun. 2020)
[19] GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução civil, São Paulo: E. RT, 2003.
[21] LAMY, Eduardo de Avelar. Repercussão geral no recurso extraordinário: a volta da arguição de relevância? In: LAMY, Eduardo de Avelar (Org). Ensaios do processo civil. São paulo: conceito editorial, 2011. V. 1, p. 75.
[23] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: Classicbook, 2000. V. 1, p. 290.
[25]BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf Acesso em: 17 jun. 2020.
[26]BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf Acesso em: 17 jun. 2020.
[27]CÂMARA, Alexandre Freitas. O principio da patrimonialidade da execução e os meios executivos atípicos: lendo o art. 139, IV, do CPC.In, DIDIER JUNIOR, Fredie (coord.); MINAMI, marcos Y.; talamini, Eduardo (Org). Grandes temas do novo CPC: atipicidade dos meios executivos, cit., p.234.
[28] TJMG. Agravo de Instrumento. Cv 1.0145.08.437333-4/003, Relator(a): Des.(a) Juliana Campos Horta , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/06/2020, publicação da súmula em 23/06/2020. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/. Acesso em: 17 jun. 2020.
[29] TJ-PR. AI: 16160168 PR 1616016-8 (Acordão), Relator: Themis Furquim Cortes, Data de Julgamento: 22/02/2017, 14ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1983 07/03/2017. Disponível em: https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/436574022/agravo-de-instrumento-ai-16160168-pr-1616016-8-acordao. Acesso em: 17 jun. 2020.
[31]RODOVALHO, Thiago. O necessário diálogo entre a doutrina e a jurisprudência na concretização da atipicidade dos meios executivos. 2016. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-necessario-dialogo-entre-doutrina-e-jurisprudencia-na-concretizacao-da-atipicidade-dos-meios-executivos-21092016. Acesso em: 20 jul. 2020.
[32] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. Revista de processo nº265. São Paulo. 2017. Pág 103.
[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 2018/0104023-6, relator Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, j. 05.06.2018.
Bacharel em Direito. Centro Universitário UNA. Experiência Profissional: Marcelo Tostes Advogados Associados - Cargos: Arquivista e Auxiliar Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Paulo Henrique Cordeiro de. A busca por efetividade nas execuções pecuniárias por meio da aplicação de medidas coercitivas atípicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55973/a-busca-por-efetividade-nas-execues-pecunirias-por-meio-da-aplicao-de-medidas-coercitivas-atpicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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