JOÃO BOSCO VIRGENS SANTOS
(orientador)[1]
RESUMO: O presente artigo traz a tona um tema original, consistente na averiguação da possibilidade de o acadêmico de direito prestar aconselhamento jurídico mediante remuneração no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, tendo em vista que neste, as partes possuem capacidade postulatória, nas causas de até 20 (vinte) salários mínimos. Percorremos pela legislação vigente no país, que abordam o tema de forma indireta, podendo-se destacar a Lei 1.050/60 (Lei de Assistência Judiciária Gratuita) e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como jurisprudências que complementam o tema. A metodologia utilizada foi a pesquisa de campo, consubstanciada pelo instrumento da entrevista estruturada, abrangendo os indivíduos diretamente envolvidos nos processos. Utilizamos ainda a técnica da análise de conteúdo, onde confrontamos os diversos argumentos expressados pelos entrevistados, passando a concluir que, apesar de existirem posições a favor e outras contra a possibilidade do aconselhamento jurídico por acadêmicos de direitos, não há no arcabouço jurídico atual proibição a esta nova modalidade de atividade jurídica, de sorte que esta se mostra compatível com as regras e princípios vigentes, favorecendo ao “desafogamento” do Judiciário, implementando a paridade de armas às pessoas que não estejam sendo assistidas por advogados, além de possibilitar a evolução prática-jurídica dos acadêmicos de direito.
PALAVRAS CHAVE: Aconselhamento jurídico; Acadêmico de direito; Juizados Especiais Cíveis.
ABSTRACT: This article brings up an original theme, ascertainment the investigation of the possibility of the academic law provide legal advice for remuneration under the Special Civil Courts, considering that this, the parties have capacity pleading, the cause of up to 20 (twenty) times the minimum wage. Traveled by the laws of the land, that address the issue indirectly, may be noted the Law 1.050/60 (Free Legal Assistance Act) and the Statutes of the Order of Lawyers of Brazil, as well as jurisprudence that complement the theme. The methodology was field research, embodied by the structured interview instrument, covering individuals directly involved in the processes. We also use the technique of content analysis, where we confront the many arguments expressed by the interviewees, from the conclusion that, although there are other positions for and against the possibility of legal counseling for academic rights, there is no legal framework in the current ban this new type of legal activity, so that this proves compatible with the existing rules and principles, favoring the "bottlenecking" the judiciary, implementing parity of weapons to people who are not being assisted by lawyers, in addition to allowing the practical evolution and legal academics of law.
KEY WORDS: Legal Advice; Academic law; Special Civil Courts.
INTRODUÇÃO.
O presente artigo consubstancia um tema até então inédito, inovando na seara jurídica e social ao trazer à tona uma relevante questão que, sem dúvida, irá repercutir de forma positiva não só no átrio das universidades, mas também diante de todo o sistema jurídico brasileiro.
A escolha do inusitado tema reflete uma experiência pessoal, como estudante de direito, ao longo de uma intensa praxe jurídica, tendo estagiado em diversas áreas, primeiramente em escritórios de advocacia, na área Cível, e posteriormente na esfera pública, primeiro na Justiça Federal e, atualmente, no Ministério Público do Estado da Bahia.
Durante essas experiências, venho observando que invariavelmente sou procurado por diversas pessoas e em variados locais para orientá-las e esclarecer-lhes acerca das mais variadas questões jurídicas.
Nesse sentido, alguns dias após orientar a uma pessoa conhecida, me veio o insight: será que o arcabouço jurídico brasileiro proíbe que acadêmicos de direito prestem aconselhamento jurídico a particulares, mediante remuneração?
É notório o conhecimento de que os Juizados Especiais Cíveis dispensam a presença de advogados nas causas cujo valor não ultrapassem a 20 (vinte) salários mínimos. Diante dessa informação, existiria óbice a uma parte que não deseje contratar um advogado pelo baixo valor da causa, mas que deseje obter informações e táticas processuais com um acadêmico de direito, mediante remuneração?
Até este ponto, o leitor atento deve estar pensando que o autor é um louco, que tal mudança nunca ocorrerá, que se trata de uma discussão inócua, porém, clamo-vos a ter um pouco de paciência e ler até o final, para só depois tomarem uma decisão segura.
É claro que assim como qualquer exercício ou atividade que envolva direitos subjetivos deve ser feito com segurança, sendo recomendado o seu exercício apenas por estudantes que estejam no último ano do curso, onde já tenham tido a oportunidade de estagiar tanto fora da faculdade como nos cursos internos de prática jurídica. Ademais, aqui não há de se falar em responsabilidade do estudante, na medida em que o seu parecer será meramente opinativo, não retirando o ius postulandi, que continuará sendo da parte legítima.
Ora, no que tange ao “profissionalismo” dos acadêmicos de direito quando no exercício da função de estágio, percebe-se que estes atuam muitas vezes de forma autônoma, sem a posterior análise da sua atuação por aquele que seriam o seu responsável. Tal atuação independente ocorre tanto em escritórios de renome, como em órgãos públicos, podendo-se citar como exemplo a Defensoria Pública, onde os estagiários recebem diretamente as partes, aconselhando-as sobre a viabilidade ou não da sua pretensão, além de explicar os mais recentes andamentos processuais, só procurando os Defensores em casos extremos, ou seja, excepcionalmente.
Atento a esta importante função exercida pelos estagiários, o festejado doutrinador Lenio Streck estabeleceu em seu artigo intitulado A tomada do poder pelos estagiários e o novo regime publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico que:
Os estagiários ainda não assumiram o poder – falo agora de terrae brasilis - porque não estão (ainda) bem organizados. Deveriam aderir à CUT. Em alguns anos, chegariam lá. Dia desses veremos os muros pichados com a frase “TODO O PODER AOS ESTAGIÁRIOS”. Afinal, eles dão sentenças, fazem acórdãos, pareceres, elaboram contratos de licitação, revisam processos... Vão ao banco. Sacam dinheiro. Possuem as senhas. Eles assinam eletronicamente documentos públicos. Eles decidem. Têm poder. Eu os amo e os temo.
Passemos agora a aprofundar o tema, que conterá a opinião e pontos de vistas de Defensor Público, Promotor, Cidadão e estudante de direito, de forma a elucidar e aprofundar o tema, percorrendo sobre os pontos que causam maior complexidade à problemática em questão.
Para um melhor deslinde da questão, conceituaremos o termo “aconselhamento jurídico”, diferenciando-o dos conceitos de consultoria e assessoria jurídica previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
CONCEITO DE ACONSELHAMENTO JURÍDICO.
A Lei 8.906/1994, mais conhecida como Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, traz em seu bojo a seguinte disposição:
Art. 1º. São atividades privativas da advocacia:
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
O Estatuto da OAB, não traz a conceituação dos institutos de consultoria, assessoria e direção jurídicas, ficando a cargo da doutrina discorrer sobre tais temas.
Conceituaremos os três institutos jurídicos brevemente a fim de que possamos também conceituar o instituto do aconselhamento jurídico, que, por não ter sido previsto no rol taxativo do Estatuto, não poderá ter a sua aplicação restringida aos profissionais da advocacia.
Na atividade de consultoria, o advogado responde a questionamentos formulados por uma parte, apontando determinado caminho jurídico como o mais adequado dentro de algumas hipóteses presentes em determinada situação concreta.
No que toca à assessoria, pode-se afirmar que tal atividade tem como principal escopo a elaboração de um projeto jurídico, levando a cabo realizações no plano material.
Por último, a direção jurídica se refere mais à função de gerência, de coordenação de um departamento jurídico em empresas públicas ou privadas.
Nesse sentido, percebe-se que os três institutos acima identificados se aplicam somente aos advogados ou, pelo menos, bacharéis em direito.
É aí que se diferencia o instituto do aconselhamento jurídico, podendo ser conceituado como a possibilidade de acadêmicos de direito poderem auxiliar partes em processos que tramitem nos Juizados Especiais Cíveis, tanto na fase pré-processual como durante o processo, até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, esclarecendo as partes acerca de quaisquer questões jurídicas.
Como se percebe, a principal diferença entre o aconselhamento jurídico e os demais institutos, reside no fato de que este pode ser prestado por acadêmicos de direito, dispensando a sua qualificação como advogado ou a sua inscrição no quadro de estagiários da OAB.
PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.
Como já explanado no início deste artigo, o tema não é tratado diretamente pela legislação brasileira, razão pela qual nos limitaremos a demonstrar, ao longo do artigo, que justamente por não existir previsão expressa, não há como proibir a prática do aconselhamento jurídico, tendo em vista a máxima de que “o que não está proibido, está permitido”.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, dispõe que:
Art. 1 - São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Grifo nosso).
Valendo-nos dos ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lôbo (Comentários ao Estatuto da Advocacia e OAB), a postulação “é ato de pedir ou exigir a prestação jurisdicional do Estado. Exige qualificação técnica. Promove-a privativamente o advogado, em nome de seu cliente. O advogado tem o monopólio da assistência e da representação das partes em juízo”.
A única exceção adotada até então pelo Estatuto da OAB foi referente à impetração do remédio constitucional do Habeas Corpus em qualquer instância ou tribunal.
Ocorre que, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de número 1.127-8, o Supremo Tribunal deferiu liminar que suspendeu a eficácia do dispositivo em questão, excluindo do seu alcance os juizados especiais, vejamos parte da decisão que melhor elucida a questão:
Resolvendo QUESTAO DE ORDEM suscitada pelo Relator, o Tribunal reconheceu a prevenção da competência do Ministro Paulo Brossard, como Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que negava a existência dessa prevenção. Por votação UNANIME, o Tribunal rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB (autora), e também a preliminar de falta de legitimidade ativa por impertinência objetiva, vencido o Ministro Marco Aurélio, suscitante. Examinando o inciso 00I do art. 001 º da Lei nº 8906, de 04.07.94, o Tribunal , por MAIORIA DE VOTOS, DEFERIU, EM PARTE, o pedido de medida liminar, para suspender a eficácia do dispositivo , no que não disser respeito aos Juizados Especiais, previstos no inciso 00I do art. 098 da Constituição Federal, excluindo, portanto, a aplicação do dispositivo, ate a decisão final da ação, em relação aos Juizados de Pequenas Causas, a Justiça do Trabalho e a justiça de Paz, vencidos, em parte, os Ministros Sepulveda Pertence, Sydney Sanches e Moreira Alves, que interpretavam o dispositivo no sentido de suspender a execução apenas no tocante ao Juizado de Pequenas Causas, e o Ministro Marco Aurélio, que indeferia o pedido de medida liminar. Votou o Presidente nas preliminares e no mérito. Em seguida, foi o julgamento adiado em virtude do adiantado da hora.
- Plenario , 28.09.1994.
Discorrendo acerca do presente julgado, Gladston Mamede, (Fundamentos da Legislação do Advogado) concluiu que:
Dessa forma, no Juizados Especiais Estaduais, pode postular sem advogado nas causas cíveis, até o valor de 20 salários mínimos, em 1º grau, como previsto no art. 9º da Lei 9.099/99. Se há recurso, as partes devem apresentar-se acompanhadas de advogado.
Por sua vez, a Lei 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária Gratuita), trazendo tema diverso, porém ainda correlacionado ao mérito do presente artigo, no bojo de suas disposições, determina que:
Art. 18: Os acadêmicos de direito, a partir da 4ª série, poderão ser indicados pela assistência judiciária, ou nomeados pelo juiz para auxiliar o patrocínio das causas dos necessitados, ficando sujeitos às mesmas obrigações impostas por esta Lei aos advogados.
A questão tormentosa que se nos apresenta seria a se o art. sub oculli teria sido revogado quando da vigência do Estatuto da OAB.
Apesar de as opiniões divergirem, nos manifestamos pela não revogação do artigo em questão, tanto por falta de previsão expressa nas Disposições Transitórias do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, como pela falta de revogação tácita da matéria.
Aliás, sustentando essa nossa posição tem-se o importante julgado da lavra do Tribunal de Justiça do Paraná, senão vejamos:
Dados Gerais:
Processo: ACR 1560878 PR Apelação Crime-0156087-8
Relator(a): Antônio Renato Strapasson
Julgamento: 14/09/2000
Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal (extinto TA)
Publicação: 29/09/2000 DJ: 5729
EMENTA:
ROUBO QUALIFICADOS - AUTORIA - INDÍCIOS E CIRCUNSTÂNCIAS QUE AUTORIZAM AS CONDENAÇÕES - CRIME CONTINUADO - REQUISITOS PRESENTES - DEFESA FEITA POR ESTAGIÁRIO - QUESTÃO JÁ DECIDIDA PELA CÂMARA NO OUTRO PROCESSO, SEPARADO, ORIGINALMENTE CONTRA OS MESMOS RÉUS - NULIDADE INEXISTENTE - REDUÇÃO DAS PENAS ANTE DESCONSIDERAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL - PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO.
1. Permanece o julgamento feito no outro processo, separado, em relação a inexistência de nulidade, ante nomeação, pelo MM. Juiz, de estagiário, uma vez inexistente, na Comarca, Advogado disposto a assumir a defesa dos réus, o que fez com base no art. 18 da Lei1.060/50.
2. Mantém-se a condenação dos réus quando os indícios e circunstâncias são conclusivos a respeito da autoria que lhes foi atribuída.
3. É de se reconhecer a continuidade delitiva quando presentes os requisitos do art. 71 do CP, corrigindo-se, assim, o apenamento, que levou em conta o concurso material.
Resumo estruturado:
APELACAO, FURTO, ROUBO, CRIME QUALIFICADO, CONCURSO MATERIAL, PROCESSO, VALIDADE, CONFIGURACAO, CRIME, AUTORIA, MATERIALIDADE, COMPROVACAO, VITIMA, RECONHECIMENTO, EXISTENCIA, CONDENACAO, RECLUSAO, REGIME FECHADO, CRIME CONTINUADO, CARACTERIZACAO, PENA, REDUCAO, DETERMINACAO.
Pela análise do julgado em questão, percebe-se que o art. 18 da Lei 1.060/50 continua em vigor, podendo o estagiário de direito, quando da ausência da Defensoria Pública ou na ausência de advogados dativos serem nomeados pelo Juiz do processo para fazerem às vezes de advogado.
Ressalte-se que tal hipótese só deve ocorrer de forma excepcional, ocasião em que o estagiário em direito será investido de algumas das prerrogativas dos advogados.
POSSIBILIDADE E APLICAÇÃO PRÁTICA.
Por analogia, podemos destacar que se existe a possibilidade de um estagiário de direito representar os interesses de uma parte em processos que necessitam ser acompanhados por advogado, notadamente em processo de natureza penal (como o do julgado acima colacionado) que envolve direitos subjetivos indisponíveis, certamente poderia um acadêmico de direito aconselhar pessoas em processos que dispensam a presença de advogados, citando como exemplo os processos dos Juizados Especiais Cíveis nas causas de até 20 (vinte) salários mínimos.
Ponto importante que norteia a discussão em pauta se dá pelo fato de que o aconselhamento jurídico prestado pelo estudante de direito poderia ser prestado antecedendo ao processo, bem como durante todo o trâmite processual e até mesmo após o trânsito em julgado da decisão. Vejamos cada um desses momentos.
Sabe-se que os Juizados de pequenas causas ou de defesa do consumidor são abarrotados de processos, não tendo o Poder Judiciário estrutura para dar conta de todos eles, de sorte que alguns demoram até mesmo mais de 02 (dois) anos para serem julgados.
Nesse sentido, o aconselhamento jurídico poderia ser prestado de forma a anteceder um processo, momento em que os acadêmicos iriam esclarecer as partes das vantagens e desvantagens de ingressar com uma ação judicial, advertindo-as das consequências de se proceder com uma aventura judicial, podendo evitar muitas vezes demandas desnecessárias, seja pela ocorrência da prescrição e decadência, seja pela falta de direito diante de determinada situação.
Ingressada a ação, o acadêmico de direito poderá aconselhar e auxiliar a parte, seja procurando o endereço para a citação da Ré (muitos processos são arquivados porque a parte sequer consegue ter essa informação que não é disponibilizada nos cartórios judiciais), seja durante a fase de conciliação, estimulando as partes à conciliação, bem como esclarecendo-a sobre a viabilidade e as consequências da conciliação.
Já na fase instrutória, o acadêmico de direito aconselharia a parte sobre quais provas apresentar, bem como sobre como se manifestar sobre as provas e ainda sobre o que falar no seu depoimento, de forma a utilizar o depoimento da parte de forma favorável a esta, não dando armas para a parte contrária, utilizando de todas as técnicas processuais que tiver em seu alcance, fazendo valer o princípio da paridade de armas.
Após a sentença e ao contrário do que muitos de vocês podem estar pensando, não finda o trabalho do acadêmico de direito, de forma que, após a prolação da sentença, apesar de ele não puder interpor recurso, pois tal peça é privativa de advogado, poderá ele continuar a aconselhar a parte, caso haja recurso da parte contrária, esclarecendo-a sobre os efeitos do recurso, bem como explicando o teor do acórdão.
A pergunta que poderia ser feita seria a se os acadêmicos de direito estariam preparados e qualificados para tal atividade.
Mais uma vez nos posicionamos favoravelmente, seja pela possibilidade de consultar livros jurídicos, seja tirando dúvidas com os professores e é claro realizando pesquisas na internet, local em que pode ser encontrado desde estrutura de peças processuais até os temas mais inusitados.
METODOLOGIA.
Em razão da escassez de disposições e trabalhos científicos acerca do presente tema, foi realizada uma pesquisa de campo de natureza qualitativa com pessoas que representam aquelas que geralmente estão no que comumente se denomina relação triangular processual, de forma a obter as opiniões de pessoas em diferentes situações processuais.
Segundo Marconi e Lakatos (2009, p. 69), “pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar...”.
Para Chizzotti (2001, p.83) “na pesquisa qualitativa, todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam”.
Nesse sentido, foi entrevistado um membro do Ministério Público, um Defensor Público, um cidadão (parte processual) e um estudante de direito.
Para a coleta de dados, utilizamos o instrumento da entrevista padronizada, onde o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido e os questionamentos são predeterminados, inclusive direcionados a indivíduos selecionados.
A entrevista padronizada foi estruturada de forma objetiva, consistindo em apenas 02 (duas) questões centrais, que refletem diretamente o tema.
A primeira pergunta foi no sentido de saber a opinião dos entrevistados acerca da possibilidade de o acadêmico de direito prestar aconselhamento jurídico no âmbito dos juizados especiais cíveis, mediante remuneração.
A segunda pergunta teve como principal finalidade saber se os acadêmicos de direito estariam habilitados/qualificados a prestar tal aconselhamento, tendo em vista a facilidade de acesso a informações jurídicas atualizadas.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS.
Para a análise e discussão dos dados optamos pela técnica de análise de conteúdo, por ser um método analítico de informações que para Chizzotti, (2001, p. 98) “a técnica se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento”. Carmo-Neto, (1993, p.410) diz que “a análise de conteúdo busca a essência da substância de um contexto nos detalhes perdidos no meio ou entre os dados disponíveis”.
O primeiro questionamento foi: existe possibilidade de o acadêmico de direito prestar aconselhamento jurídico no âmbito dos juizados especiais cíveis, mediante remuneração?
O Promotor de Justiça respondeu: Não, pois como se trata de uma prestação de serviços, você poderia ser responsabilizado sem ter ainda o conhecimento e a formação necessária. Ele não estaria tecnicamente apto para prestar este tipo de serviço, e a sua condição de estudante de direito levaria as pessoas a laborar em erro in eligendo. O acadêmico não estaria suficientemente capaz para representar a parte.
O Defensor Público sustentou que “o estágio é um momento de aprendizagem, não apenas jurídico, mas de interlocução prática com os operadores do direito e familiarização com os arquétipos da "estrutura do sistema de justiça", e principalmente vivencia com as partes e suas demandas. Na minha visão, o estágio necessita de uma orientação e condução. Não existe óbice para que o estagiário seja remunerado. Trabalhei no Juizado e percebi que o estagiário precisa ter sensibilidade e conhecimento mínimo com os assuntos referente a matéria. Para que ele sinta o clamor da parte, e possa dar o melhor de si. O Estágio é uma via de mão dupla. O estagiário deve ser comprometido com seu trabalho. Neste contexto, defendo que possa receber remuneração”.
A parte respondeu: Sim, porque se todas as vezes que eu compareci na Defensoria Pública da União, quem me atendeu foram os estagiários, que sequer conheço os Defensores que atuam em minha causa. E se for para pagar, que se pague a uma pessoa que eu estou vendo ajudar.
O acadêmico de direito respondeu que acha válido e socialmente relevante, haja vista que favorece o desenvolvimento profissional do estudante, bem como maior orientação técnica aos jurisdicionados. Contudo, o estudante tem que estar apto a prestar este aconselhamento, como em curso no último ano do curso, já tendo cursado as disciplinas voltadas à prática jurídica. Tem-se ainda que, por se tratar de aconselhamento mais afeiçoado à orientação do que à substituição técnica promovida pela advocacia, o aconselhamento jurídico não avocaria para si a responsabilidade pela escolha técnica.
O segundo questionamento foi: Tendo em vista a facilidade de obtenção das informações atuais, os acadêmicos de direito estariam habilitados/qualificados a prestar tal aconselhamento?
O Promotor de Justiça salientou que é possível que alguns atinjam esse nível de capacitação, entretanto, o que se busca é que esse nível de prestação de serviços, como envolve patrimônio ou interesses muitas vezes indisponíveis seja prestado por quem tenha comprovada capacitação, dai porque mesmo sendo bacharéis em direito a Ordem dos Advogados cobra o Exame.
O Defensor Público disse que quem está lendo esta resposta deve fazer primeiro o questionamento pessoal, ou seja, você está apto a dar o aconselhamento jurídico com os meios disponíveis na internet? Reitero o que foi mencionado antes, o estagiário pode prestar aconselhamento jurídico desde que devidamente orientado e supervisionado.
A parte disse que sim, pois ninguém nunca me emprestou informação errada.
O acadêmico de direito salientou que a tecnologia é uma realidade, a multiplicidade e a velocidade com que as informações circulam nacional e globalmente afetam a sociedade e as relações jurídicas travadas, sendo aplicadas diretamente pelo Judiciário. O processo digital existe e é operado com maior eficiência pelos indivíduos adaptados ao suporte digital, de sorte que os estudantes, porque adaptados às novas tecnologias, são bastante aptos a absorver e utilizar eficientemente as informações, de modo a integrá-las à orientação de quem precise na justa medida de sua necessidade de provocar o aparato jurídico.
Portanto, pela análise dos dados, percebe-se que as posições dos membros das instituições que atuam na Justiça se mostram mais conservadoras, na medida em que demonstram uma preocupação no que se refere a eventuais danos que as partes possam sofrer em razão de um aconselhamento jurídico sem a devida supervisão, bem como a possibilidade de responsabilização dos acadêmicos.
Ao revés, o acadêmico de direito e a parte se mostraram otimistas quanto à possibilidade do aconselhamento jurídico, pois ambos acreditam no aperfeiçoamento e qualidade técnica dos estudantes de direito.
CONCLUSÃO.
Pelos argumentos acima espraiados, tem-se que esse original tema pode inaugurar um novo tipo de atividade jurídica, sem, contudo, desrespeitar leis e princípios gerais do direito, ao contrário, contribuindo para o “desafogamento” do judiciário, bem como conferindo a pessoas o aconselhamento jurídico adequado por um valor mais condizente com a natureza da causa jurídica.
Percebe-se ainda que a prática do aconselhamento jurídico proporcionará uma maior possibilidade de evolução prática e jurídica dos acadêmicos de direito, fazendo-os evoluir não só no conhecimento do direito processual como no material, preparando-os da melhor forma possível para a atuação profissional.
Há de se concluir, por fim, que por se tratar de inédito tema em estudos científicos na área do direito, possuindo uma relevância singular, mas, por apresentar controvérsia em sua aplicação prática, entendemos que o mesmo deve servir apenas como um ponto de partida, de forma a ser estudado futuramente em maior profundidade, contribuindo da melhor forma possível à sociedade.
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[1] Orientador. Advogado e professor de direito processual civil e processual do trabalho da Faculdade Católica do Salvador.
Advogado pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Helio José Ramos Carneiro de. A possibilidade de o acadêmico de direito prestar aconselhamento jurídico no âmbito dos juizados especiais cíveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55991/a-possibilidade-de-o-acadmico-de-direito-prestar-aconselhamento-jurdico-no-mbito-dos-juizados-especiais-cveis. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
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