O temor de muitos candidatos em concursos públicos, notadamente quando já aprovados nas provas escritas de determinado certame, é a reprovação no exame de aptidão física.
Como se sabe, alguns cargos e empregos públicos podem exigir condições físicas diferenciadas, além daquelas comumente solicitadas pela Administração Pública no processo de provimento. Ou seja, afora ter o candidato que comprovar possuir aptidão física e mental para ser empossado no serviço público, em casos específicos há uma exigência adicional que se perfaz nas chamadas provas físicas.
São exemplos destes cargos públicos com exigências específicas aqueles de índole policial. Isto porque o desempenho destas tarefas na área de segurança pública imprescinde de servidores púbicos com condições físicas de alto nível.
Imagine-se a dificuldade que um militar do Corpo de Bombeiros teria para exercer as suas atribuições legais acaso não soubesse nadar. Ou mesmo se o seu desempenho na natação se assemelhasse ao de um cidadão comum inabilitado para salvamentos aquáticos.
Se é certo que a previsão destas provas físicas deve ser contemplada em lei, com moderação em sua exigência e pertinente com as atribuições futuras cotidianas do candidato – até porque o postulante terá cursos de formação inicial e continuada para se habilitar e se aperfeiçoar – também é inconteste que um pretenso ingressante a determinados cargos e empregos públicos deve possuir uma condição mínima do ponto de vista físico.
A par disso, seria arriscado para a própria saúde física e mental do candidato, nesse sentido, submetê-lo a um exigente curso de formação com cargas constantes de exercícios físicos, se o interessado não demonstrou condições mínimas para provar que suportaria essas tarefas. Um ato leviano, até poderia se dizer, com risco de morte ou invalidez para pessoas sem condições mínimas do ponto de vista físico.
Ao mesmo tempo, um potencial risco para a Administração Pública, na medida em que um candidato sem condições físicas mínimas poderia se machucar com mais facilidade ou colocar terceiros em problemas, com possibilidade de aposentadorias ou reformas precoces até durante o curso de formação.
Ainda, para a sociedade que suportaria esse prejuízo econômico de custear a máquina administrativa mediante tributos, porém tendo que pagar aposentadorias ou indenizações por danos morais, materiais e estéticos em favor de candidatos machucados no curso de sua formação[1].
Enfim, os motivos acima são meramente exemplificativos das situações que recomendam um filtro maior durante os concursos públicos, afastando-se de forma objetiva, impessoal, isonômica, motivada e eficiente aqueles cidadãos sem perfil adequado para determinadas atribuições que o serviço público exige[2].
Abrindo-se um parêntesis na discussão, aqui não se defende, por óbvio, que o candidato já possua uma extensa condição física. A excelência virá com o curso de formação e a experiência de capacitação continuada. Porém, minimamente, o postulante ao cargo ou emprego público precisa demonstrar ter condições de se submeter a esses treinamentos de ingresso na carreira pública.
Nesse sentido, porém, vale pontuar que a Administração Pública precisa pautar os seus atos administrativos com razoabilidade e proporcionalidade quando destas provas físicas, sob pena de ocorrer um desvirtuamento destas e uma quebra injustificável da isonomia.
Chegam ao Poder Judiciário, comumente, casos absurdos onde um candidato precisou realizar um teste físico ao meio dia. Num país como um Brasil, notadamente em Estados do Nordeste e em pleno verão, não soa irrazoável aferir o desempenho de um postulante ao cargo ou emprego público numa prova de corrida.
Ora, a cena parece ser bastante incompreensível para o bom senso. Como se colocar uma pessoa que sequer é servidor público ainda – mas mero postulante – a se provar um bom corredor debaixo de um sol escaldante com temperatura ambiente de 40 graus Celsius?[3]
Mais inimaginável ainda é colocar candidatos que concorrem entre si para disputar uma mesma vaga no certame quando um deles executa a prova de corrida às 7 horas da manhã com uma temperatura ambiente de 20 graus Celsius e o seu oponente ao meio dia sujeito a 40 graus Celsius.
Situações assim ferem frontalmente as noções básicas de isonomia material, pois o candidato não pode ser prejudicado, por exemplo, por eventuais dificuldades que a Administração Pública venha a ter quanto ao quantitativo de candidatos para realizar essas provas. Isto, decididamente, é um problema imputável a quem pretende preencher os cargos e empregos públicos (Administração Pública) e não de quem se habilitou para tal (candidatos). A gestão pública ineficiente promove esses infortúnios.
Pensando na solução dos problemas que vinham ocorrendo em sucessivos certames – que inclusive abarrotavam o Poder Judiciário e causavam risco de morte aos candidatos na execução das provas físicas – o Estado de Alagoas editou a Lei Estadual nº 7.858/2016. A referida norma jurídica estabeleceu normas gerais para realização de concurso público pela Administração Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional do Estado de Alagoas.
Segundo o teor da lei:
CAPÍTULO X DAS PROVAS FÍSICAS
Art. 51. A realização de prova física em concurso público exige previsão objetiva no edital e performances mínimas diferentes para homens e mulheres.
§ 1º A pessoa jurídica realizadora do concurso público deve disponibilizar, para o dia, o horário e os locais de realização da prova física, Unidade de Terapia Intensiva móvel apta para atendimento de emergência.
§ 2º É vedada a aplicação de prova física entre as 11 (onze) horas e as 15 (quinze) horas, ressalvadas aquelas realizadas em ambiente coberto. (Redação dada pela Lei nº 7.904, de 21.07.2017).
Art. 52. As condições de saúde para participação de prova física são de exclusiva responsabilidade do candidato, que deve estar apto a fazê-la no dia, na hora e no local marcados.
Parágrafo único. A gravidez não é inabilitadora em prova física, devendo a candidata submeter-se à examinação 120 (cento e vinte) dias após o parto ou o fim do período gestacional, sem prejuízo da participação nas demais fases do concurso.
Art. 53. A prova física é eliminatória e não será repetida, exceto se essa possibilidade estiver prevista no edital.
Art. 54. Os desempenhos mínimos serão fixados com atenção ao desempenho médio de pessoa em condição física ideal para a realização satisfatória das funções do cargo.
Art. 55. É vedada a discriminação com base em idade ou raça para fins de aceitação de desempenho físico mínimo[4]. (grifou-se)
Vale pontuar o grande avanço que essa norma jurídica editada em 2016 trouxe, notadamente porque o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), ao julgar casos envolvendo certames anteriores a esta lei defendeu exatamente o inverso, conforme situação a seguir:
[...] No que diz com a arguição quanto ao horário de realização da prova, convém deslindar que a Administração Pública convocou os candidatos do certame para realizar o TAF em vários horários do dia, pautando-se por critérios impessoais e objetivos. Portanto, é inverossímil exigir que todos os candidatos realizassem o TAF no mesmo dia e horário, ou em horário que determinado candidato melhor desejasse. Desse modo, especificamente, quanto ao horário da prova, não se afiguraria coerente à abertura de exceções que comportassem a realização de provas em horário diverso do fixado, tendo em vista as inúmeras situações peculiares de cada candidato, o que infringiria o interesse público e a impessoalidade que regem o certame, acarretando, consequentemente, um verdadeiro tumulto no andamento do concurso. Em que pese o autor = recorrido tenha alegado que foi prejudicado pelas condições climáticas, o que, segundo o apelado lhe causou um mal estar físico, o Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento no sentido de que não é razoável que a Administração Pública fique à mercê de situações adversas de cada candidato para colocar fim ao concurso, assim, os casos fortuitos não permitem a remarcação de etapa do certame, sobretudo quando há vedação no edital, consoante tese de Repercussão Geral, Tema nº 335, paradigma do Recurso Extraordinário nº 630.733/DF, julgado em 15.05.2013, por maioria, pelo Plenário da Suprema Corte. [...] (TJ/AL, Número do Processo: 0703257-07.2013.8.02.0001; Relator (a): Des. Paulo Barros da Silva Lima; Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 1ª Câmara Cível; Data do julgamento: 23/05/2019; Data de registro: 23/05/2019) (grifou-se)
Frente a estas reflexões, é inconteste que agiu bem o legislador ao prever que é vedada a aplicação de prova física entre as 11 (onze) horas e as 15 (quinze) horas, ressalvadas aquelas realizadas em ambiente coberto. Caso contrário, os candidatos ainda estariam sendo submetidos pelos examinadores a diversas situações arbitrárias, incoerentes e desiguais nos certames.
Também se mostra importante que a Administração Pública evite realizar provas físicas em condições e horários diversos que venham a promover efetiva desigualdade, haja vista que não é igualitário avaliar um candidato às 10 horas e 30 minutos da manhã, sob alta temperatura, porém às 11 horas submeter o seu concorrente a realizar tarefa idêntica, porém em ambiente coberto e protegido das condições climáticas adversas.
A norma estadual em análise, assim, evoluiu nesse quesito ao vedar os excessos da Administração Pública, no entanto, ainda persistem situações que merecem uma reforma legislativa a fim de que não apenas se proíbam esses tratamentos diferenciados, mas também se imponha um dever de submeter os candidatos a condições climáticas semelhantes.
Cabe, pois, à Administração Pública se organizar e promover certames com a devida antecedência a fim de que não se argumente – a título de subterfúgio – urgência na conclusão do trâmite do certame ou mesmo custo econômico excessivo na realização de provas físicas em dias diversos, na medida em que os candidatos não podem ser penalizados por problemas inerentes à ineficiência da gestão pública.
Enfim, não se justifica oprimir um postulante ao serviço público com base em inércia ou falta de planejamento estratégico que resguarde os direitos dos administrados. A responsabilidade de gerir a coisa pública impõe que a Administração Pública respeite os candidatos e reconheça os seus erros, não imputando a terceiros de forma indevida a mácula pelos seus próprios atos de incompetência.
[1] IMBERGER, Têmis; KOSSMANN, Edson Luís. O princípio constitucional da eficiência ante o Estado (in) suficiente. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 273, p. 287-311, set. 2016.
[2] GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
[4] BRASIL. Gabinete Civil. Lei Estadual nº 7.858/2016. Disponível em: <http://www.gabinetecivil.al.gov.br/legislacao/>. Acesso em 21 dez 2020.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. Os horários para a realização de provas físicas em concursos públicos: uma análise da Lei estadual de Alagoas nº 7.858/2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55994/os-horrios-para-a-realizao-de-provas-fsicas-em-concursos-pblicos-uma-anlise-da-lei-estadual-de-alagoas-n-7-858-2016. Acesso em: 23 dez 2024.
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