Profª Dra. Ariele Chagas Cruz
Prof. Dr. Gabriel Dias Marques da Cruz
RESUMO:A presente monografia tem como objetivo analisar o que de fato representaram as manifestações populares brasileiras ocorridas em junho de 2013, bem como a possibilidade de considerá-las como uma outra vertente de Iniciativa Popular, não aquela consagrada no art. 61, §2º, da Constituição Federal de 1988, referente à elaboração de leis, mas uma iniciativa popular voltada para a concretização dos Direitos Sociais. A metodologia utilizada foi através de referências bibliográficas, com a coleta de dados em livros e internet, através de artigos científicos, reportagens. Nesse estudo, encontramos dados relevantes acerca das manifestações ocorridas em vários estados e cidades do Brasil naquele período, conceituando o que é o povo e trazendo as distinções entre as espécies de democracia. São expostas também algumas interpretações sobre estas e outras manifestações populares ocorridas no Brasil e no mundo, trazendo as visões de alguns filósofos, sociólogos e juristas nacionais e internacionais. Adentramos ainda em um estudo sobre os principais aspectos dos direitos sociais à saúde, educação e transporte acessível, que foram os principais direitos sociais reivindicados pelo povo, bem como a falta de sua concretização pelas autoridades públicas. Perpassamos ainda pelo conflito doutrinário e jurisprudencial entre o mínimo existencial e a teoria da reserva do possível. Por último, apresentamos alguns dos principais aspectos sobre as iniciativas populares, chegando à conclusão de que as manifestações populares poderiam ser consideradas como uma espécie de iniciativa popular, que teria como condão coagir as autoridades públicas a concretizar os direitos sociais reivindicados pelo titular do poder.
PALAVRAS CHAVE: Tutela Popular dos Direitos Sociais; Manifestações Populares; Teoria da Iniciativa Popular Constituinte; Iniciativa Popular Vinculante / Concretizadora / Implícita;
ABSTRACT: This monograph aims to analyze what actually represented the Brazilian popular manifestations in June 2013, and the possibility of considering them as another aspect of Popular Initiative, not the one enshrined in art. 61, paragraph 2, of the Constitution of 1988 on developing laws, but a popular initiative aimed at achieving the Social Rights. The methodology used was through references with data collection in books and internet, through scientific articles, reports. In this study, we found relevant data about the manifestations in several states and cities in Brazil at that time, conceptualizing what the people and bringing the distinctions between the species of democracy. They are also exposed some interpretations on these and other popular manifestations occurred in Brazil and the world, bringing the views of some philosophers, sociologists and national and international jurists. Yet we enter in a study on the main aspects of social rights to health, education and transport available, which were the main social rights claimed by the people, and the lack of its implementation by public authorities. We still pass by the doctrinal and jurisprudential conflict between the existential minimum and the theory of reserve for contingencies. Finally, we present some of the main aspects of the popular initiatives, concluding that popular manifestations could be considered as a kind of popular initiative, which would objective coerce public authorities to achieve the social claim of the power holder.
KEY WORDS: Protection Popular Social Rights; Popular Manifestations; Theory Of Initiative Popular Constituent; Initiative Popular Binding / Concretizing / Implied;
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO.2 DIREITOS SOCIAIS.2.1 CONCEITO. 2.2 PREVISÃO LEGAL E ESPECIES. 2.2.1. Do direito à saúde. 2.2.2. Do direito à ducação.2.2.3. Do direito ao transporte. 3 MANIFESTAÇÃO POPULAR. 3.1 O QUE É O POVO? 3.2 CONCEITO DE MANIFESTAÇÃO POPULAR. 3.3 MANIFESTAÇÃO POPULAR E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. 3.4 HISTÓRICO DAS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL. 3.5 MANIFESTAÇÃO POPULAR DE JUNHO DE 2013. PRINCIPAIS ASPECTOS. 3.6 INTERPRETAÇÕES REALIZADAS PELO SENSO COMUM SOBRE AS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL DE JUNHO DE 2013. 3.7 INTERPRETAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES MUNDIAIS FEITA PELOS PENSADORES E CIENTISTAS SOCIAIS.4 INICIATIVA POPULAR. 5 AS MANIFESTAÇÕES POPULARES COMO INICIATIVA POPULAR VINCULANTE.6 CONSIDERAÇÕES. CONLUSIVAS.REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é classificada como uma Constituição programática (diretiva ou dirigente), na medida em que prescreve normas que devem ser cumpridas pelo Estado. Nesse sentido, o art. 6º da Constituição Federal de 1988 elenca os direitos sociais como direitos imanentes à sociedade brasileira.
A seu turno, o art. 5º, § 1º, da mesma Carta Magna estabelece que as normas que definem os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, disposição esta que engloba as normas instituidoras dos direitos sociais.
É bem verdade que alguns desses direitos requerem uma atividade legislativa posterior com o escopo de regulamentá-los, mas tal disposição não tem o condão de impedir a sua implementação imediata.
Ocorre que não obstante a preocupação do Poder Constituinte em atribuir aos direitos sociais um patamar constitucional, é visível a falta de efetivação destes direitos pelo Poder Público. Seja no plano federal, estadual ou municipal, os direitos sociais indispensáveis à convivência em qualquer sociedade são tratados com descaso pelas autoridades públicas brasileiras que, mesmo com a alta taxa de arrecadação tributária, situada como a segunda maior entre os países da América Latina e entre as vinte maiores do mundo, não há a devida contraprestação pelo Poder Público.
Principalmente a partir dos anos finais da década de noventa foi que passou a prevalecer a opinião de que a carga tributária no Brasil é extremamente alta, ficando cada vez mais em evidência para o povo brasileiro a desproporcionalidade entre o pagamento da alta taxa tributária e a contraprestação insuficiente oferecida pelo Estado, causando crescente consciência e descontentamento do povo brasileiro.
Diante desse cenário de muita arrecadação e pouca implementação, potencializado pela nefasta corrupção e priorização de investimentos de recursos públicos em eventos desportivos, resultando em um entrave ao pleno desenvolvimento de todas as capacidades econômico-sociais com reflexos diretos nos direitos sociais, o povo se viu obrigado a ir para as ruas para reivindicar os seus direitos através das manifestações que aconteceram durante todo o Brasil em junho de 2013, período no qual o país sediava um evento de escala mundial com orçamentos milionários.
Esse sentimento de indignação e revolta popular nos remete ao berço dos direitos sociais, ou seja, a Revolução Industrial do século XVIII, que teve como principal eclosão as péssimas condições de trabalho e a baixa remuneração dos trabalhadores. Em um breve paralelo entre as duas manifestações, podemos perceber que o motivo é similar: o sentimento de injustiça e desproporcionalidade entre o que é tomado da sociedade e o que é distribuído. Lá era para que houvesse o reconhecimento dos direitos sociais, aqui, outrora, é para que haja a sua concretização.
Dentro deste contexto, esta pesquisa tem como objetivo analisar o que de fato representaram as manifestações populares brasileiras ocorridas em junho de 2013, bem como a possibilidade de considerá-las como uma outra vertente de iniciativa popular, não aquela consagrada no art. 61, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, referente à elaboração de leis, mas uma iniciativa popular voltada para a efetivação dos direitos sociais á educação e à saúde. Aqui fazemos um parêntese para incluir o direito ao transporte dentro do rol dos direitos sociais, haja vista que existe atualmente um projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional com este objetivo, além da importância deste direito para o bem-estar da sociedade brasileira.
A escolha do tema ocorreu pela percepção das proporções gigantescas que as manifestações populares de junho de 2013 tomaram, levando-se em conta a clara insatisfação popular com os seus representantes, bem como na possibilidade da produção de efeitos pela referida manifestação, dentre eles, o de vincular os governantes e demais autoridades a adotarem as principais reivindicações.
A metodologia utilizada foi através de referências bibliográficas, sendo escolhido este modelo de pesquisa, pois corrobora com a concepção de Marconi e Lakatos[1] no sentido de que as: “fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc”.
Para Boaventura[2] o desenvolvimento da investigação científica se prende a um encadeamento lógico amparado pela revisão da literatura específica. Por sua vez, Manzo (1971 apud Marconi e Lakatos 2009) afirma que a bibliografia pertinente “oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não cristalizaram suficientemente”.
Os dados foram coletados em livros e internet, através de artigos científicos, reportagens e dados primários e secundários como documentos, relatos e análise jurisprudencial. Para tanto utilizamos a base de dados do Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SciELO)
2.DIREITOS SOCIAIS
2.1. CONCEITO
Os direitos sociais podem ser conceituados como os direitos destinados a garantir aos indivíduos o exercício e gozo dos direitos fundamentais, com o objetivo de tornar pacífica a convivência em sociedade, em condições de igualdade entre as classes sociais, desaguando na observância dos ditames da justiça social e do princípio da solidariedade, sendo o Estado o principal responsável pela sua efetivação e proteção.
A correlação entre os direitos sociais e a justiça social é mais estreita do que se parece, na medida em que esta é concebida como a necessidade de se alcançar a equidade entre as diversas classes sociais, promovendo o equilíbrio social, assim como a liberdade e igualdade das pessoas de uma dada sociedade. Há, portanto, um cruzamento entre a seara econômica e social mediante a atuação positiva do Estado.
Ao contrário dos direitos fundamentais de primeira dimensão, onde se exigia uma atitude negativa, evitando-se a intervenção do Estado na liberdade individual, os direitos sociais são alocados como direitos fundamentais de segunda dimensão, tendo surgido no final do século XIX, mas ganhando maior concretude no século XX, através principalmente de movimentos reivindicatórios cuja mudança na percepção anteriormente existente, passou a exigir do Estado uma atuação positiva, passando o Estado a figurar no centro da garantia ao bem-estar social.
Em didática definição, André Ramos Tavares[3] conceitua direitos sociais como direitos “que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante de Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. São, por esse exato motivo, conhecidos também como direitos a prestação, ou direitos prestacionais”.
Na balizada lição de José Afonso da Silva[4], tem-se que os direitos sociais “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”.
Conclui o supracitado doutrinador no sentido de que: “são, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”.
Conforme se observa dos conceitos atribuídos aos direitos sociais pela doutrina, percebe-se que não basta a sua previsão constitucional ou infraconstitucional, sendo necessário que haja a sua efetiva proteção pelos entes públicos e privados.
Daí pode-se falar na teoria da eficácia vertical e horizontal dos direitos sociais. A eficácia vertical se refere à relação entre o Estado e os indivíduos, servindo como um limite à atuação estatal, que deve não só respeitar, mas também proteger e concretizar os direitos sociais. Por outro lado, a eficácia horizontal foi desenvolvido principalmente pela jurisprudência e doutrina alemã, e se aplica nas relações travadas por particulares, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, mas que estão vinculadas ao respeito dos direitos sociais.
Tem-se como exemplo de eficácia horizontal dos direitos sociais o instituto da função social da propriedade. Nesse sentido, Rafael Lemos cita em seu artigo intitulado Eficácia Horizontal dos Direitos Sociais vinculado ao Site Universo Jurídico uma observação feita por Daniel Sarmento, a respeito do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que conferiu um peso maior ao[5] direito social à moradia frente ao direito à propriedade:
Outro caso não menos emblemático, decidido em 1994 pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação Cível n. 212.726-1/8, relacionou-se a uma ação reivindicatória proposta por particulares que buscavam desalijar de uma área de sua propriedade trinta famílias carentes, que ocupavam o local havia vários anos, e tinham formado ali uma favela. Na hipótese, o Judiciário valeu-se diretamente da Constituição para atribuir um peso superior à moradia das famílias carentes do que à propriedade individual, tendo-se reconhecido no acórdão que ela não cumpria a sua função social. O Tribunal, sem embargo, embora tenha rechaçado o direito à reivindicação, reconheceu a permanência de 'eventual pretensão indenizatória contra quem de direito' em favor dos proprietários, dando a entender que a futura ação reparatória deveria ser endereçada contra o poder público, que permitira a consolidação daquela situação de fato.
Imprescindível também destacar aqui o conceito esboçado pelo festejado doutrinador Ingo Sarlet, segundo o qual: “a dimensão dos direitos fundamentais sob análise outorga ao indivíduo a possibilidade de exigir prestações sociais estatais (assistência social, saúde, educação, etc.), explicitando a necessidade de uma transição entre as liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas”. (SARLET, 2007 apud GONÇALVES, 2009).[6]
Por último, os direitos sociais estão atrelados ao princípio da proibição da evolução reacionária, também chamado de princípio do não retrocesso, ou ainda de efeito clíquete dos direitos sociais.
De acordo com o princípio da proibição da evolução reacionária, uma vez que a humanidade conquistou nos séculos passados, as vezes de forma pacífica, outras, através do derramamento do sangue do povo durante as revoluções, o reconhecimento da existência dos direitos sociais, a proteção destes direitos tem que continuar sempre avante, sempre com o objetivo de aperfeiçoar e estender estes direitos ao maior número de pessoas possíveis.
O princípio da proibição do retrocesso também é chamado de efeito “clíquet”, por se referir a um equipamento utilizado pelos alpinistas, e que sempre os impulsiona rumo ao topo, na busca do seu objetivo, não lhe sendo possível retroceder à base da montanha.
Volvendo o olhar para o âmbito dos direitos sociais, tem-se que estes são os direitos que conferem uma proteção aos indivíduos, e que denota, portanto, um avanço da humanidade, não podendo haver qualquer tipo de retrocesso em relação a eles.
Com efeito, apesar de a Constituição Federal de 1988 assegurar os direitos sociais, estes não estão sendo concretizados de maneira satisfatória pelas autoridades públicas brasileiras, seja por falta de priorização na sua implementação ou pelo desvio dos recursos a eles originariamente destinados, havendo um claro retrocesso dos direitos sociais, tomando-se como parâmetro os mandamentos da Carta Magna.
Para Canotilho[7] “o princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional, e um direito subjectivo”.
Pode-se dizer ainda que este princípio possui força vinculante em relação ao legislador infraconstitucional, de forma que leis e emendas constitucionais não podem restringir o alcance e profundidade dos direitos sociais previstos pela Constituição Federal de 1988.
Em última análise podemos conceber que até mesmo o Poder Judiciário estaria vinculado ao reconhecimento e à impossibilidade de restringir a força e o alcance dos direitos sociais constitucionalmente previstos, atuando como um verdadeiro guardião da sua concretização quando ineficiente a atuação da Administração Pública.
Nesse contexto, segue algumas decisões assegurando a impossibilidade do retrocesso social, senão vejamos:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONGELAMENTO. PRINCÍPIO QUE VEDA O RETROCESSO SOCIAL.
A omissão do Legislativo em estabelecer um novo parâmetro indexador para o reajuste do adicional de insalubridade, não exime a obrigação de se promover o referido reajuste. Admitir tal critério, poderia quedar no absurdo de, ao longo do tempo, a parcela perder expressão monetária, a esvaziar de sentido direito social consagrado na Constituição Federal (artigo 7º, inciso XXIII). O critério estabelecido através do Comunicado UCRH04/2010 que determinou o "congelamento" do adicional de insalubridade, malfere o princípio que veda o retrocesso social constitucionalmente previsto.
(TRT-2 - RECEXOFF: 00025596720115020064 SP 00025596720115020064 A28, Relator: RIVA FAINBERG ROSENTHAL, Data de Julgamento: 23/05/2013, 17ª TURMA, Data de Publicação: 03/06/2013).
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MAGISTÉRIO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. DIREITO À LICENÇA-GESTANTE DE 180 DIAS. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL. Os professores contratados temporariamente ou emergencialmente têm direito à licença-gestante pelo prazo de 180 dias, na interpretação sistemática e teleológica dos artigos 141 e seguintes da LC-RS nº 10.098/94, com a redação dada pela LC-RS nº 13.117/09. Princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana e da proibição do retrocesso social. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal conferidos. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 70055547624, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 13/09/2013)
(TJ-RS - MS: 70055547624 RS , Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Data de Julgamento: 13/09/2013, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/09/2013)
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal entende que:
1- Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim do (fls. 88): “Apelação e Reexame Necessário Mandado de Segurança. Sentença que concedeu a segurança pleiteada para assegurar à criança a transferência na rede municipal de ensino fundamental, em unidade próxima a sua residência, vez que portadora de necessidades especiais. Possibilidade. Direito reconhecido pela jurisprudência majoritária deste E. Tribunal (Súmula 63). A destinação de vaga em estabelecimento de ensino deve atentar para o local mais próximo à residência da criança. O direito da criança ao ensino público é liquido e certo e a interferência do Judiciário para torná-lo efetivo não configura invasão de competência do Poder Executivo (Súmula 65). Recursos que não comportam provimento.”O recurso extraordinário busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação ao art. 2º da Constituição. Sustenta que o Poder Judiciário não pode intervir no Poder Executivo criando vagas para alunos, e que o Município tem se esforçado para melhor atender a demanda frente à educação infantil, em respeito ao fixado no art. 208, IV, da Constituição. A decisão agravada negou seguimento ao recurso sob o fundamento de que a preliminar de repercussão geral não foi devidamente fundamentada e que o artigo constitucional restou não prequestionado (incidência das Súmulas 282 e 356/STF). O recurso extraordinário não pode ser provido. Isso porque o acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não viola o princípio constitucional da separação dos poderes a intervenção pelo Poder Judiciário em atos da Administração Pública quando se tem por finalidade assegurar direitos e garantias constitucionalmente protegidos, a exemplo do direito das crianças ao efetivo acesso à educação básica (art. 208, IV, da Constituição Federal).
(...)
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados.
(...)” (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma) Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Poder Judiciário. Determinação para implementação de políticas públicas. Melhoria da qualidade do ensino público. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes.Não ocorrência. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 2. Agravo regimental não provido. ” (ARE 635.679-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma) Diante do exposto, com base no art. 544, § 4º, II, b, do CPC e no art. 21, § 1º, do RI/STF, conheço do agravo e nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 18 de junho de 2014.Ministro Luís Roberto Barroso Relator.
(STF - ARE: 763644 SP , Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 18/06/2014, Data de Publicação: DJe-148 DIVULG 31/07/2014 PUBLIC 01/08/2014). (Grifei e Negritei).
2- O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. “Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor."
(RE 351.750, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-3-2009, Primeira Turma, DJE de 25-9-2009.) Vide: RE 575.803-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-12-2009, Segunda Turma, DJE de 18-12-2009.
3- AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO. DEFENSORIA PÚBLICA. IMPLANTAÇÃO. OMISSÃO ESTATAL QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS. SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL. O RECONHECIMENTO, EM FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO DIREITO A TER DIREITOS” COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS. INTERVENÇÃO JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134). LEGITIMIDADE DESSA ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS. O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO. A TEORIA DA“RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES (OU DA LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES). CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO). DOUTRINA. PRECEDENTES. A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. THEMA DECIDENDUM QUE SE RESTRINGE AO PLEITO DEDUZIDO NA INICIAL, CUJO OBJETO CONSISTE, UNICAMENTE, na “criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana. RECURSO DE AGRAVO PROVIDO, EM PARTE.
Assiste a toda e qualquer pessoa especialmente àquelas que nada têm e que de tudo necessitam uma prerrogativa básica essencial à viabilização dos demais direitos e liberdades fundamentais, consistente no reconhecimento de que toda pessoa tem direito a ter direitos, o que põe em evidência a significativa importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública.
O descumprimento, pelo Poder Público, do dever que lhe impõe o art. 134 da Constituição da República traduz grave omissão que frustra, injustamente, o direito dos necessitados à plena orientação jurídica e à integral assistência judiciária e que culmina, em razão desse inconstitucional inadimplemento, por transformar os direitos e as liberdades fundamentais em proclamações inúteis, convertendo-os em expectativas vãs.
É que de nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República.
(...)
A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa Instituição da República: a transgressão da ordem constitucional porque consumada mediante inércia (violação negativa) derivada da inexecução de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134)– autoriza o controle jurisdicional de legitimidade da omissão do Estado e permite aos juízes e Tribunais que determinem a implementação, pelo Estado, de políticas públicas previstas na própria Constituição da República, sem que isso configure ofensa ao postulado da divisão funcional do Poder. Precedentes: RTJ 162/877-879 – RTJ 164/158-161 – RTJ 174/687 – RTJ 183/818-819 – RTJ 185/794-796, v.g.. Doutrina.
(STF - AI: 598212 PR , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 25/03/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 23-04-2014 PUBLIC 24-04-2014). (Grifei e negritei).
Portanto, a conquista popular ao longo dos séculos no reconhecimento dos direitos sociais serve como instrumento vinculante tanto para as autoridades públicas quanto para a própria sociedade, que tem o dever de buscar sempre o aprimoramento e generalidade destes direitos.
2.2 PREVISÃO LEGAL E ESPÉCIES
Os direitos sociais estão previstos no capítulo II da Constituição da República Federativa do Brasil, mais precisamente entre os arts. 6º e 11º, estando regulamentados em vários outros dispositivos de mesmo patamar constitucional, a exemplo do Título VIII, que trata da Ordem Social e também na legislação infraconstitucional, a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho e da Lei 11.124/05, que trata do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, dentre diversas outras.
Os direitos sociais não tem uma classificação única, encontrando variações na doutrina.
Em uma classificação geral, os direitos sociais podem ser agrupados em grandes categoriais: a) os direitos sociais dos trabalhadores, por sua vez subdivididos em individuais e coletivos; b) os direitos sociais de seguridade social; c) os direitos sociais de natureza econômica; d) os direitos sociais da cultura; e) os de segurança.
Já Uadi Lammêgo Bulos[8] destaca que os direitos sociais da seguridade social envolvem o direito à saúde, à previdência social, à assistência social, enquanto que os relacionados à cultura abrangem a educação, o lazer, a segurança, a moradia e a alimentação.
Classificação diversa é a adotada por José Afonso da Silva[9], que propõe a seguinte classificação dos direitos sociais:
a) direitos sociais relativos ao trabalhador (arts. 7º a 11):
b) direitos sociais relativos à seguridade social, abrangendo os direitos à saúde, à previdência social e à assistência social (arts. 193 a 204);
c) direitos sociais relativos a educação e à cultura (arts. 205 a 217);
d) direitos sociais relativos à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e às pessoas portadoras de deficiência (arts. 226 a 230);
e) direitos sociais relativos ao meio ambiente; (art. 225).
f) direitos sociais relativos à moradia;
e) direitos sociais do homem como produtor, referindo-se a: liberdade de instituição sindical, o direito de greve, o direito de obter um emprego, dentre outros; (arts. 7º a 11).
f) direitos sociais do homem consumidor: direitos à saúde, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, à formação profissional, à cultura (arts. 6º e no título VIII).
Diante da vasta gama de direitos sociais, necessário se mostra fazer um recorte, abordando nesta monografia apenas aqueles que foram os mais reivindicados nas manifestações populares ocorridas em junho de 2013.
Nesse sentido, os principais direitos sociais que estavam sob o holofote do povo na unanimidade das manifestações espraiadas pelo Brasil foram os direitos referentes à saúde, educação e transporte.
2.3.1. Do direito à saúde
A saúde está prevista na Constituição Federal de 1988 no Capítulo II, Seção II, do Título VIII, denominado “Da Ordem Social”, mais especificamente nos arts. 196 ao art. 199.
A Constituição de 1988 é a primeira Carta brasileira a consagrar o direito fundamental à saúde. Textos constitucionais anteriores possuíam apenas disposições esparsas sobre a questão, como a Constituição de 1824, que fazia referência à garantia de “socorros públicos” (art. 179, XXXI). (MENDES, 2012 apud ALBUQUERQUE; PATRIOTA, 2013).[10]
A saúde se encontra no rol dos direitos sociais, figurando como uma das figuras mais importantes dos direitos fundamentais. É direito público subjetivo, consistindo numa prerrogativa jurídica indisponível assegurada às pessoas tanto no âmbito nacional quanto no internacional.
Ab initio, faz-se necessário estabelecer o conceito de saúde. Nos dizeres de Henrique Hoffmann Monteiro Castro, a saúde (2005):
“Corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças. "Em outras palavras, saúde significa estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano", sendo os medicamentos os responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado”. (CASTRO, 2005 apud PRETEL, 2010).[11]
Ademais, pode-se conceber que a tutela do direito à saúde possui duas faces, sendo que a primeira tem o escopo de preservar e a segunda de proteger. A preservação da saúde se relaciona com as políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracterizaria como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde como sendo o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Ou seja, o conceito de saúde transcende à ausência de doenças e afecções. Por outras palavras, a saúde pode ser definida como o nível de eficácia funcional e metabólica de um organismo a nível micro (celular) e macro (social).
Nas palavras de Cury (2005 apud CAMARGO)[12], “o direito a saúde é o principal direito fundamental social encontrado na Lei Maior brasileira, diretamente ligado ao princípio maior que rege todo o ordenamento jurídico pátrio: o princípio da dignidade da pessoa humana – razão pela qual tal direito merece tratamento especial”.
Ressalte-se ainda que o direito à saúde possui duas dimensões, sendo uma dimensão positiva (prestacional) e outra negativa.
Explica Sarlet (2002 apud CAMARGO) que “[...] no âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito a saúde não assume a condição de algo que o Estado (ou sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestação concreta, tal como acesso a hospitais, serviço medico, medicamentos, etc. [...] O Estado (assim como os demais particulares), tem o dever jurídico de não afetar a saúde das pessoas, de nada fazer (por isso direito negativo) no sentido de prejudicar a saúde”.[13]
No que cabe a dimensão positiva do direito a saúde, esta é tida como uma obrigação de agir do Estado perante os seus cidadãos. Assim, ao contrário da prestação negativa, onde o Estado se compromete a não praticar qualquer ato que possa interferir negativamente na saúde dos seus cidadãos, aqui deve o Estado agir de forma direta e eficaz para assegurar a prevenção e a repressão a qualquer tipo de doença.
Ocorre que tanto na dimensão negativa quanto na dimensão positiva do direito à saúde, a atuação do Estado gera custos, o que nos leva a entrar na discussão da reserva do possível frente ao mínimo existencial.
O Princípio da Reserva do Possível ou Princípio da Reserva de Consistência é uma construção jurídica oriunda da Corte Constitucional Alemã, originária de uma ação judicial que objetivava permitir a determinados estudantes cursar o ensino superior público embasada na garantia da livre escolha do trabalho, ofício ou profissão.
Neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado a prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Os direitos sociais que exigem uma prestação de fazer estariam sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade, ou seja, justificaria a limitação do Estado em razão de suas condições socioeconômicas e estruturais.
A reserva do possível pode ser entendida como as possibilidades econômicas e financeiras de determinado Estado frente ao seu dever constitucionalmente estabelecido de assegurar e efetivar os direitos fundamentais. Sendo assim, o poder público só estaria obrigado a agir para tutelar os interesses individuais se houvesse recursos disponíveis para tanto.
Kellen abordando as lições de Andreas Krell (2008 apud Sarlet)[14], explica que a efetividade dos direitos sociais materiais e prestacionais estaria condicionada à reserva do que é possível financeiramente ao Estado, posto que se enquadram como direitos fundamentais dependentes das possibilidades financeiras dos cofres públicos. Assim, caberia aos governantes e aos parlamentares a decisão – uma expressão do poder discricionário – sobre a disponibilidade dos recursos financeiros do Estado.
Para o doutrinador Ingo Sarlet (apud 2003 KELLEN)[15], a teoria da “Reserva do Possível” é constituída de dois elementos: um fático e outro jurídico. O fático refere-se à disponibilidade de recursos financeiros suficientes à satisfação do direito prestacional, e o jurídico à existência de autorização orçamentária, portanto legislativa, para o Estado despender os respectivos recursos.
Ocorre que a teoria da reserva do possível passou a ser utilizada como o principal argumento para a omissão do Estado na concretização dos direitos fundamentais e sociais, uma verdadeira “desculpa” do Estado para não cumprir com o papel que a própria Constituição lhe conferiu, qual seja, o de prover as necessidades da sociedade, representadas pelos direitos fundamentais e sociais ali descritos.
De outro lado se encontra o mínimo existencial, conceituado como o conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis para uma vida com dignidade, tais como a saúde, a moradia e a educação fundamental. Violar-se-ia, portanto, o mínimo existencial quando da omissão na concretização de direitos sociais inerentes à dignidade da pessoa humana, onde não há espaço de discricionariedade para o gestor público.
O celebrado doutrinador Dirley Cunha Junior[16] afirma:
Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva de competência orçamentária do legislador podem ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações. Por conseguinte, insistimos, mais uma vez, na linha da posição defendida por este trabalho, que a efetividade dos direitos sociais – notadamente daqueles mais diretamente ligados à vida e à integridade física da pessoa – não pode depender da viabilidade orçamentária”. E ainda: “Nesse contexto, a reserva do possível só se justifica na medida em que o Estado garanta a existência digna de todos. Fora desse quadro, tem-se a desconstrução do Estado Constitucional de Direito, com a total frustração das legítimas expectativas da sociedade.
Em decisão prolatada em sede de recurso extraordinário, interposto pela União Federal e pelo estado do Paraná em 10 de setembro de 2013, o ministro Celso de Mello fez alusão à decisão de nº Pet 1.246-MC/SC, proferida quando o mesmo exercia a Presidência do Supremo Tribunal Federal, salientando que:
Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ética jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e saúde humanas.
Nesse mesmo contexto, a jurisprudência pátria majoritária vem entendendo que no embate entre a reserva do possível e a concretização de um determinado direito social, como exemplo o direito à saúde, a ser assegurado através do fornecimento de remédios e a teoria da reserva do possível, esta última deve ser afastada.
Vejamos uma aresta bastante elucidativa da lavra do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). DIREITO À SAÚDE E À VIDA. PORTADORES DE LEUCINOSE. FORNECIMENTO DA FÓRMULA NUTRICIONAL MSUD/KENOTEX. ÚNICO TRATAMENTO. "MÍNIMO EXISTENCIAL" E "RESERVA DO POSSÍVEL". PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS INTRÍNSECAS DO CASO CONCRETO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ASTREINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Remessa oficial e apelação da União contra sentença que, em sede de Ação Civil Pública, julgou extinto, sem resolução de mérito, o pedido referente à menor Mirela Vitória Lopes Bezerra, em razão de seu falecimento, e julgou procedente em parte o pedido de fornecimento da fórmula MSUD a todos os pacientes que dele necessitarem segundo prescrição médica, bem como a manutenção em estoque da referida fórmula, para atender emergencialmente pacientes do estado do Rio Grande do Norte.
2. O STF e o STJ firmaram entendimento de que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são partes legítimas, para figurarem no polo passivo de demandas que objetivem o fornecimento de medicamento ou tratamento médico adequado, em virtude da responsabilidade solidária (STF. ARE 738729 AgR, Relator (a) Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJE 15/08/2013; STJ. AgRg no REsp 1082865/RS, Relator Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJE 05/09/2013).
3. A leucinose, também conhecida como urina do xarope de bordo, trata-se de uma desordem hereditária, que afeta o metabolismo de aminoácidos e acomete aproximadamente 1 indivíduo em cada 185.000 nascidos vivos. Trata-se de doença crônica grave, cujos efeitos são extremamente sérios à saúde dos portadores.
4. A natureza prestacional do direito à saúde implica na necessidade de compatibilização das possíveis limitações com o "mínimo existencial" e a denominada "reserva do possível". As referidas teorias devem ser aplicadas de forma a ponderar as circunstâncias intrínsecas do caso concreto, conforme o Ministro Celso de Mello destacou no julgamento da ADPF 45/DF.
5. O conceito de mínimo existencial não deve ser reduzido à noção de mínimo vital, sob risco de se recusar a fundamentalidade aos direitos sociais e, em última análise, a proteção jurídica efetiva da dignidade da pessoa humana.
6. "O argumento da reserva do possível somente deve ser acolhido se o Poder Público demonstrar suficientemente que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais."(MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. Atlas: São Paulo, 2008.)
7. Cabe ao Estado efetivamente concretizar o direito à saúde por intermédio de políticas públicas, não se admitindo escusas que justifiquem o não fornecimento gratuito de medicamento à pessoa portadora de moléstia grave desprovida de recursos financeiros para tanto.
8. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. A concretização de direitos sociais mostra-se indispensável para a realização da dignidade da pessoa humana.
9. A alegação genérica de limitações orçamentária vinculadas à reserva do possível, além de não provida concretamente quanto à eventual indisponibilidade de fundos para o atendimento da pretensão inicial, não é suficiente para obstar a concretização do direito constitucional em exame, sobretudo quando notório o fato de que o Poder Público possui verbas de grande vulto destinadas a gastos vinculados a interesses bem menos importantes do que a saúde.
10. Regra geral, devem ser privilegiados os tratamentos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde. Contudo, comprovada a ineficácia ou inexistência de tratamento regularmente oferecido pelo SUS, deve o Estado custear o tratamento prescrito pelo médico como único capaz de assegurar a saúde do paciente (STF. STA 175 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tribunal Pleno, DJe 29-04-2010.)
11. Ofício expedido pelo Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte afirmando, expressamente, que em relação à doença leucinose não há outra opção terapêutica com disponibilização por programa do SUS.
12. (...)
13. In casu, devem prevalecer os direitos constitucionais invocados pelo Ministério Público no lugar dos argumentos superficiais de natureza econômica, administrativa ou formalista alinhados pela parte ré em suas razões.
14. O fato de o suplemento em questão não constar na listagem oficial de fármacos distribuídos pelo SUS não ilide a pretensão do Parquet. O caso presente ultrapassa qualquer barreira burocrática, posto que se refere à vida de pessoas portadoras de patologia grave que, sem o controle terapêutico adequado e imediato, comprometem, com forças desiguais, o seu desenvolvimento e lhes impõem penoso sofrimento, podendo, inclusive, levar ao óbito.
15. Inexiste fundamentação para que se analise caso a caso, eis que o MSUD/KENOTEX é a única terapia conhecida para o tratamento da leucinose.
16. Precedente desta Corte (APELREEX21235/RN, Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Primeira Turma, DJE 08/06/2012).
17. (...).
18. Exclusão da multa diária imposta à Fazenda Pública.
19. Apelação improvida e remessa oficial parcialmente provida.
(TRF-5 - REEX: 57187020104058400 , Relator: Desembargador Federal Fernando Braga, Data de Julgamento: 17/12/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: 19/12/2013). Grifo nosso.
Portanto, pode-se concluir que a ponderação entre o mínimo existencial e a teoria da reserva do possível deve ser feita com vistas à efetivação dos direitos fundamentais, não podendo o Estado simplesmente alegar a falta de recursos públicos, já que lhe foi estabelecido o dever constitucional de assegurar e proteger estes direitos, que, sem sombra de dúvidas, possuem primazia sobre os interesses econômicos do Estado.
2.3.2. – Do direito à educação
Por sua vez, o direito à educação está previsto na Constituição Federal de 1988 no capítulo III, do Título VIII denominado “Da Ordem Social”, mais especificamente nos arts. 205 até o art. 214.
A localização topológica da educação na Constituição Federal por si só já é capaz de demonstrar a sua importância para a nossa sociedade. A educação se constitui em instrumento essencial para a capacitação ao trabalho e para a formação da consciência cidadã em qualquer Estado político da atualidade.
Parece cada vez mais evidente que a solução para todos os tipos de problemas que afligem o cotidiano das sociedades em todo o mundo é a educação. Isto porque, o nível de formação intelectual de uma população é condição sine qua non para que haja o desenvolvimento econômico, social e político em qualquer nação.
Em sentido latu sensu, a educação pode ser compreendida como um processo de atuação dos poderes públicos e da sociedade sobre o desenvolvimento de um determinado indivíduo, a fim de que ele possa reverter os conhecimentos adquiridos em favor da sociedade e do Estado ao qual pertença e, numa visão ainda mais otimista, em favor da humanidade como um todo.
Para tanto, considera-se como incurso no processo de educação, aquele indivíduo que está sempre buscando o avanço econômico e social em um determinado Estado, sem se olvidar do princípio da solidariedade social, respeitando as diferenças individuais de cada um.
Conforme Paulo Freire[17] “a educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos”.
Por isso, podemos conceber que o processo educativo é contínuo, sempre almejando a melhoria da qualidade da formação docente e discente, de sorte que não haja apenas a transmissão do conhecimento, mas sim a orientação aos indivíduos acerca da melhor forma de buscar e processar esse conhecimento.
A educação é a base de toda sociedade, sendo através dela que as pessoas podem tomar consciência dos seus direitos, podendo exigir do Estado as atitudes e políticas públicas constitucionalmente infirmadas.
Percebe-se que o direito à educação é tido como dever do Estado e direito subjetivo público de todos os cidadãos, o que desnatura a simples natureza de norma programática, estabelecendo o direito à educação como um direito fundamental, indissociável de uma existência digna e integrando o que se convencionou chamar de mínimo existencial.
Sendo concebido como direito fundamental, as normas que estipulam o direito à educação tem aplicabilidade imediata, tendo o Estado o dever de efetivar a educação em todos os seus níveis.
Nesse sentido, o art. 208 da CRFB/88 dispõe que:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
Com efeito, caso a Administração Pública não tome as medidas aptas a concretizar o acesso à educação, incumbe ao Judiciário, órgão contra majoritário por natureza, assegurar ao cidadão o direito ao ensino adequado.
Vejamos uma decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal que combate justamente a inércia do Poder Executivo em fornecer às crianças o direito ao ensino:
CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006)- COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º)- LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL . - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV) . - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal . - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental . - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º)- não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social . - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL . - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g. . - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos . - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina . - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes . - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive . - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES” . - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A astreinte - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência.
(STF - ARE: 639337 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).
Tratando sobre o tema, Dirley da Cunha Júnior e Marcelo Novelino (2010)[18] doutrinam que: “Enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, a educação é baseada no princípio da universalidade, cabendo ao Estado a tarefa de torná-la efetiva mediante a implementação das garantias previstas no art. 208”.
Ademais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reforça ainda mais o direito de um cidadão ou de um grupo de cidadãos de requerer a efetivação do seu direito público subjetivo à educação, vejamos:
"Art. 5º. O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
§ 1º. Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União;
I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;
II - fazer-lhes a chamada pública;
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
§ 2º. Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.
§ 3º. Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.
§ 4º. Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
§ 5º. Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior."
Mais uma vez nos valendo das lições basilares de Dirley e Novelino[19], temos que:
Assim como ocorre com o restante da ordem social, a maior parte das normas referentes à educação tem natureza principiológica (mandamentos de otimização) e dependem de regulamentação legal (eficácia contida). Não obstante, podem ser encontradas regras (mandamentos de definição) auto-aplicáveis como a que estabelece a obrigatoriedade e gratuidade da educação básica dos 4 aos 17 anos (CF, art. 208, I) como um direito público subjetivo (CF, art. 208, §1º).
Devido à importância conferida à educação, a Constituição Federal dispôs expressamente que cada um dos entes federativos deve comprometer, anualmente, um percentual mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino: a União dezoito por cento e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento.
Os Municípios foram dotados de atuação prioritária no ensino fundamental e infantil, sendo que aos Estados e ao Distrito Federal, também foi estabelecida de forma prioritária, a manutenção do ensino fundamental e médio.
2.3.3. Do direito ao transporte
Por último, o direito ao transporte como já dito, foi o deflagrador de todas as manifestações populares de junho de 2013, recebendo o nome de “movimento passe livre”.
Apesar de não figurar no rol dos direitos sociais, dada a sua importância para o bem-estar da sociedade brasileira, incluímos o direito ao transporte dentro do rol dos direitos sociais, de forma a facilitar também a abordagem da presente pesquisa.
Ademais, existe desde 2011 uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) nº 90/11, da deputada Luiza Erundina, que prevê a inclusão do transporte no grupo de direitos sociais estabelecidos pela Constituição Federal.
A referida PEC já foi votada em dois turnos na Câmara dos Deputados sendo que na primeira votação, houve 329 votos a favor, um contrário e uma abstenção e no segundo turno, foram 313 votos a favor, um contrário e uma abstenção.
A PEC 90 atualmente se encontra no Senado Federal para apreciação e não há dúvidas de que a sua tramitação ganhou celeridade e uma maior atenção por parte dos parlamentares com a pressão exercida pelos movimentos populares de junho de 2013, já que estava parada desde 2011.
Nesse sentido, apesar de não constar no rol dos direitos sociais, pode-se dizer que o direito ao transporte tem a natureza de direito social, podendo-se ainda afirmar que se trata de um direito fundamental e subjetivo público.
Com efeito, o direito ao transporte público foi alçado pela sociedade brasileira como um direito indispensável, figurando como uma das três principais reivindicações nas manifestações populares do ano de 2013, demonstrando de forma inequívoca o descontentamento da população brasileira em relação a este serviço público, bem como a sua imprescindibilidade.
A mobilidade urbana é uma das questões mais críticas das grandes cidades. Os serviços públicos de transporte mostram-se escassos, precários e mal dimensionados. As contradições ficam evidentes quando observamos com mais atenção o incentivo e o investimento econômico e tecnológico que fomentam o modelo de transporte automotivo individualizado.
Com efeito, o serviço de transporte público tem estado constantemente em pauta nas sessões de julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que procura dar solução aos conflitos buscando garantir o bem-estar da população.
Dada a essencialidade do transporte público, a Constituição Federal de 1988 prevê no seu art. 230, §2º que aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE COLETIVO. GRATUIDADE PARA O IDOSO. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO NA ORIGEM. DEVER DE FISCALIZAÇÃO E DE EXPEDIÇÃO DE NORMA PELO ESTADO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO CONFIGURADA. Eficácia plena e aplicabilidade imediata do art. 230, § 2º, da Constituição Federal, que assegurou a gratuidade nos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos, reconhecida em precedente desta Corte (ADI 3.768/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 26.10.2007). Possibilidade de o Poder Judiciário determinar, em casos excepcionais, que o Poder Executivo adote medidas que viabilizem o exercício de direitos constitucionalmente assegurados. Ofensa ao princípio da separação de poderes não configurada. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF - AI: 707810 RJ , Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 22/05/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-110 DIVULG 05-06-2012 PUBLIC 06-06-2012).
Pela ementa acima colacionada, percebe-se que, não obstante a previsão constitucional, diversos entes federados vinham descumprindo o direito do idoso ao transporte público gratuito, tendo o Judiciário que intervir para garantir a efetivação destes direitos.
No site do Wikipédia[20] existe remissão à reportagem “Repressão Policial”, publicada no Portal Terra, onde consta que a organização não governamental (ONG) Anistia Internacional publicou uma nota afirmando que "o transporte público acessível é de fundamental importância para que a população possa exercer seu direito de ir e vir, tão importante quanto os demais direitos como educação, saúde, moradia, de expressão, entre outros" e que "é fundamental que o direito à manifestação e a realização de protestos pacíficos seja assegurado."
Isto porque, apesar da alta taxa tributária e dos altos preços cobrados pelas passagens de ônibus, resta patente para o povo brasileiro que o problema e a má qualidade dos serviços públicos de transporte não estão na falta de recursos públicos, e sim na falta de um plano de gerenciamento adequado e na má ou falta de aplicação do recurso arrecadado.
Foi realizada uma pesquisa pela Planter – Observatório do Comportamento & Tendências, em junho de 2012 (exatamente um ano antes das manifestações populares) na cidade de Salvador/BA, tendo como objeto a opinião dos soteropolitanos acerca do serviço de transporte público prestado na capital.
O resultado é que o serviço, sobretudo aquele prestado por ônibus (usado por 77% da população), foi reprovado por 74% das pessoas ouvidas. Entre os itens mais negativos, classificados como péssimos, estão a facilidade de deslocamento (rotas, percursos e linhas), o estado de conservação dos veículos (higiene, qualidade de assentos, barras de apoio e espaço), os terminais rodoviários, os horários (tempo de espera), a quantidade de veículos (frota), e a segurança e integridade pessoal.
As razões que ajudaram o transporte público a servir de fagulha nas manifestações populares de junho de 2013 são conhecidas pelos moradores das grandes cidades brasileiras. Má qualidade, em geral, na prestação do serviço tem sido o padrão numa atividade vital para a grande maioria da população.
As causas daquilo que costuma ser visível para quem depende do transporte público para se locomover foram convertidas em informações estatísticas por um oportuno levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa de Informações Básica Municipais[21].
Na pesquisa realizada constatou-se o descaso das autoridades públicas com o serviço público de transporte no Brasil: apenas 44,7% das 38 maiores cidades do país têm um plano de transporte, com diretrizes, ações a serem executadas.
É muito pouco, se for levado em conta que quase 85% dos 190 milhões de brasileiros vivem em cidades. Se forem considerados todos os mais de 5.500 municípios, não há planejamento na atividade em 98% deles. Mesmo no Rio de Janeiro, estado relativamente rico, em apenas nove das 92 cidades há plano de transporte.
3. MANIFESTAÇÃO POPULAR
3.1. O QUE É O POVO?
A noção de povo se faz necessária, haja vista que este é o detentor do poder, tendo a prerrogativa de participar direta ou indiretamente na formação e manutenção política de determinado Estado, bem como de se insurgir contra os seus representantes quando sobrevier a percepção de que estes estão agindo em interesses próprios e não no interesse geral, para o qual foram escolhidos.
A palavra povo deriva do termo latim populuse e permite fazer referência a conceitos diversos, sendo o mais pacífico o de que o Povo são aquelas pessoas que participam do processo de formação jurídica de um Estado com vistas à sua constituição, possuindo uma relação jurídica permanente com este através do exercício do poder soberano. Nesse sentido, o povo é classificado como um dos quatro elementos constitutivos do Estado, ao lado do território, finalidade, governo e soberania.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê no seu primeiro dispositivo legal que:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Grifei e negritei).
Segundo Paulo Bonavides[22] existem três significados diferentes para o povo: o político, o jurídico e o sociológico.
· O conceito político de Povo se refere ao "quadro humano sufragante, que se politizou, ou seja, o corpo eleitoral". Ou seja, está ligado a capacidade de participar da vida política de determinado Estado, seja elegendo ou se elegendo. Tal conceito não existia no absolutismo, já que o povo era identificado como um conjunto de súditos.
· Já o conceito jurídico de povo, pode ser compreendido como aquelas pessoas "que se acham no território como fora deste, no estrangeiro, mas presos a um determinado sistema de poder ou ordenamento normativo, pelo vínculo de cidadania". Temos ainda o sentido jurídico de povo quando um grupo de indivíduos se reúne, em um dado momento e determinado território, com o escopo precípuo de elaborar a Constituição daquele Estado.
· No sentido sociológico, povo "é compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns". Este ponto de vista serve tanto para designar o sentido sociológico de povo como para designar o conceito de nação.
Darcy Azambuja[23] considera que povo é o conjunto de cidadãos, a população do Estado sob o aspecto jurídico, enquanto nação é uma comunidade unida pelo sentimento de patriotismo:
Povo é a população do Estado, considerada sob o aspecto puramente jurídico, é o grupo humano encarado na sua integração numa ordem estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis, são os súditos, os cidadãos de um mesmo Estado. Neste sentido, o elemento humano do Estado é sempre um povo, ainda que formado por diversas raças, com interesses, ideais e aspirações diferentes. Nem sempre, porém, o elemento humano do Estado é uma nação. (...) Povo é uma entidade jurídica; nação é uma entidade moral no sentido rigoroso da palavra. Nação é muita coisa mais que povo, é uma comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo.
O Povo pode ser classificado ainda entre subjetivo e objetivo. Tem-se o povo subjetivo quando este atua como um elemento de associação para a formação de um determinado Estado, sendo o Estado o sujeito do poder público e em sentido objetivo enquanto objeto da atividade do Estado. Ou seja, enquanto os indivíduos, se situarem na condição de objeto do poder do Estado, são sujeitos de deveres e enquanto membros do Estado são sujeitos de direito.
Assinala Jellinek[24] que povo, enquanto conjunto dos membros do Estado, possui significado jurídico e que, enquanto designação da totalidade dos súditos em oposição ao soberano, oferece um sentido político. Assim, conclui-se que povo em sentido subjetivo possui significado jurídico e em sentido objetivo possui significado político.
3.2. CONCEITO DE MANIFESTAÇÃO POPULAR.
As manifestações populares estão previstas nos arts. 1º e 5º da Constituição Federal de 1988, sendo que no primeiro está albergado dentro do Estado Democrático de Direito, enquanto que no segundo diz respeito aos direitos e deveres individuais e coletivos, senão vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...] XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
[...] XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
A manifestação popular pode ser conceituada como o direito público do povo de se aglomerar em um espaço dentro de um território de determinado Estado, com o escopo de expor os seus pensamentos e ideias com relação a alguma situação que o atinja diretamente ou não.
Para Maria Lídia de Oliveira Ramos[25]: “a liberdade de manifestação consiste, pois, na possibilidade de os cidadãos se agruparem na via pública, para exprimirem uma mensagem, opinião pública, sentimento ou protesto através da sua presença e/ou da sua voz, abrangendo gestos, emblemas, insígnias, bandeiras, cantos, gritos, aclamações, entre outras formas, sem exclusão do silêncio”.
A etimologia da palavra democracia advém do grego demokratía que pode ser dividida por demos (povo) e kratos (poder). A junção das duas expressões resulta em que a democracia é o poder efetivado pelo povo.
O exercício do poder pode se dar diretamente, através de plebiscito, referendo, iniciativa popular ou indiretamente, através de pessoas eleitas para, em tese, atuar no legítimo interesse da sociedade.
A Carta Magna brasileira acolheu no seu primeiro artigo o Estado democrático de direito, daí a se perceber a importância da democracia na atual ordem social e constitucional brasileira.
Tratando do tema. Lênio Streck[26] ensina que:
a noção de Estado democrático de direito está indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais, porquanto se revela um tipo de Estado que busca uma profunda transformação do modo de produção capitalista, com o objetivo de construir uma sociedade na qual possam ser implantados níveis reais de igualdade e liberdade.
Temos então que no Estado democrático de direito, o exercício do poder deve se dar pelo povo, mas não ilimitadamente, devendo reconhecer e efetivar os direitos fundamentais, respeitando não só a maioria, mas também aquela minoria menos representada. O povo é o titular do poder e o guardião dos direitos fundamentais, salvaguardando os seus similares de qualquer ameaça ou violação a tais direitos.
Para José Afonso da Silva[27] “a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”.
Segundo artigo publicado pelos constitucionalistas Robério Nunes e Geisa de Assis[28]:
Assim, segundo a lição de José Afonso da Silva, a noção de Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, aliados a um componente revolucionário de transformação social, de mudança do status quo, de promoção da justiça social. A idéia de Estado de Direito implicaria na submissão de todos ao império da lei, na previsão da separação de poderes e na consagração de direitos e garantias individuais. O Estado Democrático agregaria o princípio da soberania popular, com a efetiva participação do povo na gestão da coisa pública. O componente revolucionário, de sua vez, traria a vontade de transformação social.
3.3. MANIFESTAÇÃO POPULAR E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
O professor José Afonso da Silva[29] estabelece o conceito de democracia como sendo:
um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no decorrer da história”, e conclui com o brilhantismo habitual que a democracia é um “processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo.
As Democracias podem ser divididas em diferentes tipos: Democracia Direta, Democracia Representativa e Democracia Semidireta ou Participativa.
A democracia direta pode ser conceituada como o exercício do poder de um determinado Estado diretamente pelo povo. Ou seja, é o povo quem toma as decisões políticas fundamentais para formação e/ou desenvolvimento de um Estado. É ele quem faz as leis (poder legislativo) e também é ele que dá concretude a estas leis (poder executivo), sem que haja qualquer representante da sociedade entre o anseio popular e os atos públicos.
Com um breve vislumbro na história, percebemos que as primeiras democracias da antiguidade foram democracias diretas. O exemplo mais marcante das primeiras democracias diretas é a de Atenas (e de outras cidades gregas), nas quais o Povo se reunia nas praças e ali tomava decisões políticas.
Fazendo uma intelecção do conceito de democracia para Paulo Bonavides[30], podemos extrair a seguinte lição no que tange à democracia direta ou participativa: "é aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta, todas as questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo".
No tocante à democracia direta, ressalta Norberto Bobbio[31] "que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível", pois não é possível que todos os cidadãos estejam reunidos a qualquer momento para administrar a coisa pública – a não ser que com o advento da internet tal reunião torne-se viável.
Já a democracia representativa é aquela na qual o povo, titular do poder e soberano, ele seus representantes, conferindo-lhes poderes para governar o país, se utilizando das decisões políticas necessárias ao interesse do povo.
Acerca do assunto José Afonso da Silva[32] baliza que:
Na democracia representativa a participação popular é indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos representantes do povo. A ordem democrática, contudo, não é apenas um questão de eleições periódicas, em que, por meio do voto, são escolhidas as autoridades governamentais. Por um lado, ela consubstancia um procedimento técnico para a designação de pessoas para o exercício de funções governamentais. Por outro lado, eleger significa expressar preferência entre alternativas, realizar um ato formal de decisão política.
Discorrendo acerca da temática, Fábio Comparato[33] doutrina que: “entre o povo e seus governantes, haveria então, apenas, uma fiduciary relationship, que se encontra, de resto, na essência da democracia representativa tradicional: o povo confia todos os poderes ativos aos governantes, para que estes os exerçam em benefício dele, povo”.
Conclui o doutrinador acima citado que:
no fundo, é a distinção, já feita por Aristóteles, entre os regimes políticos retos e os corrompidos. Nos primeiros, o titular do poder supremo age no interesse comum, enquanto que nos outros o soberano – mesmo em se tratando das democracias, onde a multidão (plethos) governa – age no seu interesse próprio. Referência de Aristóteles: Política III. 5.1; 1279a, 30-40.
No Brasil, a democracia adotada é a participativa, podendo ser concebida como uma junção entre alguns atributos da democracia direta e características próprias da democracia representativa.
Nesse sentido, Pedro Lenza[34] assinala que:
a democracia participativa ou semidireta assimilada pela CF/88 (arts. 1º, parágrafo único, e 14) caracteriza-se, portanto, como a base para que se possa, na atualidade, falar em participação popular no poder por intermédio de um processo, no caso, o exercício de soberania que se instrumentaliza por meio do plebiscito, referendo, iniciativa popular, bem como pelo ajuizamento da ação popular.
De fato, o art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
Com efeito, quando abordarmos o assunto referente à iniciativa popular, será exposto a teoria aqui estudada, no sentido de que as manifestações populares que ocorreram no Brasil em junho de 2013 podem ser consideradas uma iniciativa popular, logo, uma expressão da democracia participativa.
Contudo, esta iniciativa popular teria um viés diferente daquela expressa na Constituição Federal, tendo inclusive força vinculante, com o condão de coagir os representantes do povo a adotar as políticas públicas de efetivação dos principais direitos ali reivindicados.
Portanto, tem-se que as manifestações populares podem ser consideradas como o exercício da democracia participativa, passando o povo a exercer diretamente a soberania para determinar a adoção de determinadas providências pelas autoridades públicas, com o objetivo de interferir na ordem política em um determinado momento histórico.
3.4. HISTÓRICO DAS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL
A despeito das manifestações ocorridas em junho de 2013, o Brasil já havia presenciado algumas manifestações populares, cada uma com objetivos próprios e que acabaram marcando a história e a política do país.
Analisando o retrospecto histórico das nossas manifestações, fica fácil perceber que a reunião do povo nas ruas para reivindicar o que entender de direito, tem como desdobramento, na grande maioria das vezes, a adoção destas reivindicações pelas autoridades públicas. Foi assim que ocorreu nas manifestações anteriores e assim que ocorreu nas manifestações de junho de 2013.
Dentro do contexto histórico brasileiro, a primeira manifestação popular do Brasil foi cunhada como Revolta da Vacina, tendo ocorrido entre dez e dezesseis de novembro de 1904, durante o período da República Velha, havendo a participação de milhares de pessoas (não há registros de um número aproximado) e foi marcada pela participação de militares e do povo.
A fonte de todo o descontentamento da população brasileira ocorreu por conta de uma lei, criada pelo sanitarista Oswaldo Cruz e que tornava a vacina contra a varíola obrigatória. A lei ainda dava permissão para que os agentes de saúde invadissem as residências e aplicassem as vacinas através do uso da força na população, levantando os braços e pernas e tirando partes das roupas das pessoas.
Também tivemos as greves operárias, que ocorreu em dois períodos distintos, sendo que a primeira ocorreu em 1907 e a segunda ocorreu em 1917, esta reunindo por volta de quarenta e cinco mil pessoas. Ambas tinham como escopo melhores condições de trabalho, almejando principalmente um salário maior e uma menor jornada de trabalho.
As greves operárias tiveram como consequência a redução da jornada de trabalho dentre o reconhecimento de outros direitos, culminando na aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943.
O ano de 1954 foi marcado pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas, que ocorreu principalmente por conta da forte pressão política que vinha sofrendo da imprensa, militares e também dos setores empresariais.
Na manhã seguinte após a sua morte, a carta-testamento por ele escrita e que continha críticas aos seus opositores foi divulgada pela mídia, gerando intensa revolta da população, que saiu às ruas em várias cidades do país, chegando ao número aproximado de três milhões de pessoas. As referidas manifestações tiveram como consequência o afastamento dos opositores de Vargas do poder.
A quarta manifestação popular brasileira eclodiu na década de 1960, durante o conturbado contexto em que estava inserido o governo de João Goulart. Isto porque o debate político sobre a implementação das Reformas de Base gerou uma forte mobilização e radicalização política no País.
As duas principais manifestações contrárias ao governo de João Goulart foram a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”, que levou às ruas centenas de milhares de pessoas que se opunham ao pretenso comunismo de João Goulart, organizada para servir principalmente como uma resposta ao comício realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964, durante o qual o presidente anunciou seu programa de reformas de base; e o golpe militar, articulado pelas elites civis e militares, com o apoio da Embaixada dos Estados Unidos, de diversos veículos de comunicação e da Igreja Católica.
Já no ano de 1968 houve uma passeata contra a ditadura militar, composta por cerca de cem mil pessoas, organizada pelos movimentos estudantis, mais que ganhou apoio de artistas, intelectuais e outros membros da sociedade brasileira.
Entre janeiro e abril de 1984 ocorreu os Comícios das Diretas Já, no momento em que o país vivia os últimos anos da ditadura civil-militar, chegando a reunir cerca de um milhão de pessoas no Rio de Janeiro no dia 10 de abril de 1984 e atingindo o ápice no dia 16 de abril do mesmo ano, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, com um milhão e quinhentas mil pessoas.
O objetivo destas manifestações populares era a aprovação de uma lei com o intuito de trazer de volta as eleições diretas para a Presidência da República, que estavam abolidas desde 1964.
A última manifestação de grandes proporções ocorreu há aproximadamente vinte anos antes da manifestação popular de junho de 2013, mais precisamente, no ano de 1992.
Estas manifestações populares tiveram como escopo o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, embasadas por denúncias de corrupção que apareciam com cada vez mais frequência nos meios de comunicação, tendo as denúncias sido efetuadas pelo irmão do então presidente.
As manifestações ficaram marcadas pelos Caras Pintadas, que eram jovens que pintavam os seus rostos com a bandeira do Brasil, atingindo cerca de setecentos e cinquenta mil pessoas em São Paulo no dia 18 de setembro.
Como resultado da pressão exercida pelo povo, Collor renunciou ao cargo, que foi assumido pelo vice-presidente do país na época, Itamar Franco.
3.5. MANIFESTAÇÃO POPULAR DE JUNHO DE 2013. PRINCIPAIS ASPECTOS
As manifestações populares ocorridas no Brasil receberam diversos nomes, dentre eles “A Manifestação dos 20 centavos”, “Manifestações de Junho” ou “Jornadas de Junho” e tiveram início em meados de abril de 2013, tendo o seu ápice em junho e finalizando em julho de 2013. Ademais, foi considerada a segunda maior manifestação já ocorrida no Brasil, ficando atrás apenas da manifestação pelo impeachment de Collor.
Pode-se afirmar que o motivo que deflagrou o movimento popular foi o referente ao aumento das passagens de ônibus municipal, aumentando 20 centavos ao valor anteriormente estipulado de R$ 3,00, principalmente a ocorrida no estado de São Paulo, em 13/06/2013.
Porém, as manifestações começaram a ganhar proporções gigantescas quando se somou ao aumento das passagens de ônibus todas aquelas circunstâncias que vinham atormentando a sociedade brasileira há muitos anos, e que, aparentemente, tinha ultrapassado o limite de paciência da sociedade brasileira.
Sem dúvida, um destes principais fatores é a falta de correspondência entre a desproporcional arrecadação tributária pelos entes brasileiros e a insuficiente contraprestação estatal, ingredientes de insatisfação que fazem parte da história do Brasil.
Como exemplo, tomemos a Revolta do Vintém, que foi um protesto ocorrido entre 28 de dezembro de 1879 e 04 de janeiro de 1880, nas ruas do Rio de Janeiro, na época capital do império brasileiro, contra a cobrança de um tributo de vinte réis, ou seja, um vintém, nas passagens dos bondes, instituída pelo ministro da fazenda, Afonso Celso de Assis Figueiredo, resultando na anulação do reajuste do transporte.
Percebe-se a similaridade entre esta manifestação, ocorrida em 1879 e a de junho de 2013, que também teve como motivo inicial o aumento nas passagens de ônibus. Ou seja, há pelo menos 130 (cento e trinta) anos temos uma alta taxa para o transporte público e a inefetividade do serviço de transporte, gerando incontestável descontentamento do povo brasileiro.
Não obstante, segundo informação do jornal Gazeta do Povo[35], logo após as eleições de 2014, os governos adotaram medidas para incrementar ainda mais a taxa tributária, fazendo com que o Brasil se encaminhe para a maior carga tributária da sua história:
“A carga tributária brasileira deverá chegar ao maior nível de sua história em 2015. Assim que foi anunciado o resultado das eleições de outubro, o governo federal e os governos estaduais começaram a se articular para aumentar a arrecadação, seja por meio do aumento de tributos, seja ressuscitando impostos, como a Contribuição Provisória Sobre Movimentações Financeiras (CPMF)”.
Por isso, pode-se afirmar que as causas que ensejaram as manifestações foram oriundas de diversos fatores negativos, presentes em todas as esferas do Estado brasileiro, a exemplo da corrupção, da alta taxa tributária, dos gastos públicos em serviços não essenciais, violência policial, e também com os exorbitantes gastos públicos e superfaturamento das obras nos grandes eventos esportivos internacionais que o país iria sediar, como a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
Apenas quatro dias após seu início, as manifestações populares se espraiaram por todo o país, surgindo em diversos estados brasileiros, até mesmo no exterior. Nesse prisma, começou a ficar claro que o foco de irresignação dos manifestantes se dava por conta da preferência de aplicação de gastos públicos em serviços e atividades não essenciais à sociedade brasileira, relegando ao segundo plano direitos sociais como o direito à saúde, educação e também do direito ao transporte público acessível.
Observou-se também que em todas as manifestações se sobressaía a indignação popular em relação à péssima política pública aplicada à saúde, educação e ao transporte, razão pela qual são os direitos abordados nesta monografia.
De acordo com os dados colhidos pela Revista Época[36], no dia 17 de junho de 2013, uma segunda-feira, cerca de 300 (trezentos) mil brasileiros saíram as ruas para protestar em 12 (doze) cidades espalhadas pelo Brasil. Já no dia 20 de junho do mesmo ano, houve um pico de mais de 1,4 (um milhão e quatrocentas mil) pessoas nas ruas em mais de 120 (cento e vinte) cidades pelo Brasil, mesmo depois das reduções dos valores das passagens anunciadas em várias cidades.
A rápida difusão das manifestações se deve ao principal meio de comunicação da era: a internet. De fato, foi principalmente através dos sites de notícias, das mensagens instantâneas em grupo e das redes sociais que as informações sobre a falta de investimento em saúde, educação e um transporte público aceitável chegou até os cidadãos brasileiros, principalmente os jovens, que foi o grupo dominante nas manifestações.
A organização das manifestações populares também eram feitas pela internet, onde era agendado o dia, o local e a pauta de reivindicações. Posteriormente, surgiu a figura do Anonymous[37] (palavra de origem inglesa, que em português significa anônimo), que é uma legião que se originou em 2003. Tal legião representa o conceito de muitos usuários de comunidades online existindo simultaneamente como um cérebro global.
Na sua forma inicial, o conceito tem sido adotado por uma comunidade online descentralizada, atuando de forma anônima, de maneira coordenada, geralmente em torno de um objetivo livremente combinado entre si e voltado principalmente a favor dos direitos do povo perante seus governantes.
A partir do ano de 2008, o Anonymous ficou cada vez mais associado ao hacktivismo (junção de hack e ativismo), colaborativo e internacional, realizando protestos e outras ações, com o objetivo de promover a liberdade na Internet e a liberdade de expressão, além de ideologias políticas. Os atos que ganham o rótulo de Anonymous são realizadas por indivíduos não identificados que atribuem o rótulo de "anônimos" a si mesmos.
O meio virtual de difusão do movimento popular favoreceu até mesmo a proliferação das manifestações para países diversos, a exemplo da Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Portugal, França, dentre outros, totalizando 27 (vinte e sete cidades) fora do Brasil. Além disso, os protestos receberam ampla cobertura internacional.
Não obstante a prevalência dos jovens, todo o tipo de pessoa foi para as manifestações, sendo que, mesmo aqueles que não se aventuraram a ir para o meio dos clamores populares, de alguma forma apoiavam ou incentivavam os movimentos.
Em várias cidades eram exibidos cartazes com os seguintes jargões: "FIFA, paga minha tarifa" e entoando bordões como "Ei, Brasil vamos acordar: um professor vale mais do que o Neymar". Outros cartazes incluíam ainda "Queremos hospitais padrões FIFA" e "Da Copa eu abro mão, quero é investimento em saúde e educação".
Há quem diga que as manifestações populares não trazem mudanças significativas, e que as manifestações de 2013 eram muito abstratas, tendo uma ampla gama de direitos reivindicados, o que acabaria por impedir a real concretização destes direitos.
Nesse contexto, Fábio Konder Comparato[38] salienta que “na América Latina, em particular, a invocação do povo exerce, atualmente, a mesma função hierárquica que representava, nos tempos coloniais, a invocação da figura do Rei. “As ordenações de sua Majestade”, diziam sem ironia os chefes locais íbero-americanos, “acatam-se, mas não se cumprem”.
Contudo, apesar do respeitável posicionamento do doutrinador supracitado, tem-se que, em verdade, várias das invocações do povo foram atendidas pelos governantes e legisladores durante e após as manifestações, trazendo sim resultados concretos. Vejamos algumas delas:
Dentre as causas listadas duas rapidamente geraram resultados. A primeira foi a rejeição a PEC 37 (apelidada de PEC da impunidade), que tinha como objetivo proibir o Ministério Público de realizar investigação criminal e executar diligências, de forma a tornar exclusiva essas atribuições para as polícias civis e federais. Ao todo, foram 430 votos pela derrubada da PEC, nove favoráveis à proposta e duas abstenções.
A segunda foi a aprovação, pelo Senado Federal do projeto de lei que classificava a corrupção como crime hediondo e que atualmente se encontra pronta para inclusão em pauta no plenário da Câmara dos Deputados[39].
No dia 24 de junho, a presidente do Brasil reuniu-se com 26 prefeitos e 27 governadores para apresentar algumas propostas de modificação para atender aos anseios populares entre os três níveis do governo.
No que pertine ao transporte público ficou decidido que seriam feitos investimentos em corredores de ônibus e metrôs. Seria ainda criado um Conselho Nacional de Transporte Público onde haveria a participação da sociedade. Por último, foi considerada a desoneração de PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para o diesel de ônibus e para a energia elétrica de trens e metrôs. E é claro, na maioria das cidades não houve o aumento do preço das passagens do transporte público como havia sido anunciado.
Em relação à saúde, foi debatida e aprovada a ideia que prestigiou a aceleração dos investimentos contratados para a construção de unidades de pronto atendimento, unidades básicas de saúde e hospitais e ainda a ampliação do sistema que troca dívidas de hospitais filantrópicos por mais atendimentos.
Consolidou-se o entendimento de conferir aos médicos maiores incentivos para que estes fossem trabalhar nas regiões mais pobres e distantes, e que caso essa política não fosse suficiente, que houvesse a designação de médicos estrangeiros a estes lugares.
Seria ainda tomada pelo governo uma série de outras medidas para melhorar as condições de trabalho nos hospitais públicos. Por último, figurando como uma das principais medidas foi estabelecido que 25% dos royalties do petróleo seriam destinado à saúde.
O direito social que obteve maior promessa de concretização foi o direito à educação, sendo certo que 75% dos royalties do petróleo e 50% do pré-sal iriam ser destinados a este direito social.
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante[40], asseverou que o dinheiro dos royalties do petróleo vão começar a ter um efeito mais decisivo na educação a médio prazo, entre sete ou oito anos, quando pela previsão do governo a exploração do campo de Libra, na Bacia de Santos, esteja em pleno funcionamento.
Nas palavras do ministro: "A nossa estimativa para os próximos 30 anos é de um crescimento da ordem de R$ 368 bilhões no investimento em educação, no mínimo, podendo a chegar a R$ 500 bilhões, ou seja, meio trilhão de reais”.
Portanto, tem-se que os direitos sociais à saúde, educação e ao transporte público de qualidade foram o principal alvo das manifestações populares de junho de 2013, por conta da reiterada omissão do poder público na concretização destes direitos, elencados como essenciais pela sociedade brasileira.
Percebeu a sociedade brasileira que, não obstante as tentativas do Poder Judiciário em assegurar, nos casos concretos, a implementação destes direitos, encontrou como único caminho o exercício direto da democracia, ao sair às ruas para se manifestar, frente ao sentimento de falta de representatividade e descrença perante os seus representantes.
Pode-se concluir então que as manifestações populares de junho de 2013 trouxeram significantes concretizações aos direitos sociais reivindicados, o que corrobora com o título desta monografia, no sentido de que as manifestações representaram uma iniciativa popular com o objetivo de concretizar os direitos sociais e, por isso, vinculante para todas as esferas de poder
3.6 INTERPRETAÇÕES REALIZADAS PELO SENSO COMUM SOBRE AS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL EM JUNHO DE 2013
As manifestações populares ocorridas em junho de 2013 causaram surpresa e um certo alvoroço na sociedade brasileira. Em uma palestra realizada na Justiça Federal do Ceará, o professor André Coelho tratou das diversas interpretações possíveis acerca das causas que ensejaram as manifestações ocorridas no Brasil, abordando os principais pontos. Foram trazidos ainda alguns posicionamentos de sociólogos estrangeiros sobre outras manifestações ocorridas ao redor do mundo.
Perlustrando o vídeo, intitulado de “Interpretações sobre as manifestações”[41], bem como o artigo nomeado de “Entendendo os protestos no Brasil: Oito Interpretações"[42], retiramos os principais pontos que se aplicam a esta pesquisa, com o escopo de obter um norte mais completo acerca do significado e das causas que geraram as manifestações.
A 1ª interpretação foi aquela realizada principalmente pela imprensa, que ainda tinha uma postura política predominantemente autoritária e não conseguiu absorver da forma ideal a democracia constitucional. O principal ponto destacado pela imprensa foi no sentido de que as manifestações eram feitas por pessoas da classe média/alta que eram “rebeldes sem causa”, querendo protestar por alguma coisa, e que o protesto se restringia ao aumento de 20 (vinte) centavos de um meio de transporte que eles nem utilizavam.
Este tipo de pensamento recebe o nome de interpretação reacionária, caracterizada pela reação do intérprete, que se opõe à revolução ou ao progresso, desejando manter o estado social e/ou econômico ao qual está inserido. Este tipo de interpretação resulta em críticas ferrenhas aos manifestantes, já que os intérpretes não se interessam pela política, ou acham que as manifestações servem apenas para fazer barulho e atrapalhar o cotidiano, sem nenhuma força capaz de interferir no cenário político.
Os protestos tiveram cobertura midiática imediata no Brasil. Em referência aos protestos do dia 11 de junho de 2013, numa reportagem publicada no dia posterior ao das manifestações, o jornal Folha de São Paulo criticou veementemente as manifestações, acusando os manifestantes de vandalizarem as ruas da cidade.
No dia seguinte, publicou em seu editorial que os manifestantes eram jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorevolucionária, e que tinham como objetivo tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar em ônibus e trens superlotados. Criticou ainda o fato de que os protestos eram realizados em horário de pico na avenida Paulista, de forma a chamar mais atenção ao atrapalhar o trânsito naquela região.
O jornal O Estado de S.Paulo tomou um posicionamento similar ao da Folha de S. Paulo em 12 de junho: acusou os manifestantes de destruir agências bancárias e lojas, pichar prédios e incendiar ônibus, para no dia seguinte (13 de junho), taxar os organizadores dos protestos de "baderneiros". Não satisfeito, acusou ainda os manifestantes de "aterrorizar a população" e dizer que o vandalismo "tem sido a marca do protesto", além de considerar "moderada" a reação da Polícia Militar e cobrar ainda mais rigor das polícias nos próximos protestos que já estavam se organizando[43].
Em comentário feito no dia 12 de junho, o jornalista Arnaldo Jabor, no Jornal da Globo, afirmou que a grande maioria dos manifestantes seria composta por jovens de classe média e que a manifestação seria decorrente de ignorância política e do estímulo dos protestos na Turquia. Em tom provocador, Jabor questionou por que não os manifestantes não estavam lutando contra a PEC 37 que, em sua opinião, seria um motivo mais legítimo. Por fim, concluiu no sentido de que os manifestantes talvez nem sequer tivessem conhecimento do que era a PEC 37 e que não valhiam sequer os R$0,20 do aumento das passagens. No dia 17, em sua seção na Rádio CBN, se desculpou por suas declarações, afirmando que temia que a energia fosse gasta com uma reivindicação boba, mas que viu que o problema era muito maior[44].
Dispondo de modo diverso mas no mesmo sentido, a revista semanal Veja São Paulo acusou, em 14 de junho, o Movimento Passe Livre de provocar "doses de barulho e de confusão inversamente proporcionais ao seu tamanho". Também afirmou, na mesma edição, que os manifestantes protestam "sempre nas artérias principais da cidade, para chamar atenção, causando a maior balbúrdia possível e prejudicando um incalculável número de cidadãos que não consome drogas, trabalha oito horas por dia, não desfruta de imunidade sindical, sofre com o trânsito e quer viver em paz, com segurança, tendo assegurado seu sagrado direito de ir e vir". Reconheceu, porém, o despreparo da Polícia Militar para lidar com situações semelhantes e que ela "perde a razão quando exagera na força”[45].
Em combate a estas inverdades anunciada prematuramente pela imprensa, começou, através das redes sociais, um movimento de legitimação das manifestações, com as expressões “não é só pelos 20 centavos”, onde se abriu o leque de insatisfação, de forma a trazer novos aderentes aos movimentos.
A 2ª interpretação foi a de que o aumento das passagens de ônibus foi só a gota da água, onde historicamente não foi cumprido ou realizado nenhum pedido que impulsionasse o país, surgindo o novo slogan de que o “gigante acordou”, se referindo à cultura de passividade do povo brasileiro mas que chegou no fim da sua paciência, onde os governantes teriam que fazer o que lhes fosse determinado na rua.
Tratava-se, pois, de um movimento de brasileiros indignados e que, por um lado ganhava imponência e a simpatia de um número cada vez maior de pessoas por incluir na pauta de reivindicações novas insatisfações comuns a todo o povo brasileiro, mas que, por outro lado, perdia a sua capacidade de transformação social por conta da heterogeneidade e generalização que vinha tomando.
Em reportagem publicada pelo Correio do Brasil[46], consta que:
Assim como na música de Chico Buarque, as manifestações populares pelo país afora mostram que para o povo brasileiro essa última “desatenção” do aumento da passagem dos ônibus foi a gota d’água que fez transbordar o pote de desilusões, de revolta, de indignação contra todos os “sapos” engolidos ao longo do tempo. Nesse grande pacote estão o histórico descaso com as reais necessidades do povo, o quase deboche presente na corrupção desenfreada, as obras superfaturadas na cara de pau, os personagens que se perpetuam como ratos cevados sempre imunes aos venenos, rindo dos gatos impotentes para caçá-los, as tentativas de neutralizar qualquer instrumento de punição, como a PEC 37, amordaçando o Ministério Público. (Grifei e negritei).
Nesse mesmo sentido foi a reportagem intitulada de “As manifestações e a crise da representação política no Brasil”, datada de 02 de julho de 2013 na Carta Potiguar, onde mais uma vez foi escrito que o aumento do preço das passagens serviu como o estopim das manifestações populares ocorridas em junho de 2013 no Brasil.
A 3ª interpretação, chamada pelo professor André Coelho de reacionária inter-regional por perfilhar parte do pensamento da primeira corrente, era também conservadora, no sentido de que as manifestações eram legítimas somente no estado de São Paulo e que nos outros locais eram tentativas ilegítimas de imitar um tipo de protagonismo político iniciado em São Paulo, ou seja, nos outros estados brasileiros as manifestações não tinham legitimidade.
Tal interpretação começou a surgir na medida em que começavam as manifestações nos outros estados e a principal crítica era a de que nos outros estados não houve qualquer aumento das passagens de ônibus, ou, se houve, o povo já tinha se conformado com o novo valor.
A 4ª interpretação passa do eixo conservador para o revolucionário, interpretando-se que estas manifestações tinham o condão de revolucionar o país, derrubando as estruturas conservadoras, eliminando de vez todos os problemas históricos, tomando frente da política nacional para fazer funcionar as instituições, bem como direcionar os recursos públicos para os principais direitos sociais desatendidos pelas autoridades públicas brasileiras.
3.7. INTERPRETAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES MUNDIAIS FEITA PELOS PENSADORES E CIENTISTAS SOCIAIS
Para o professor André Coelho, os pensadores a seguir individualizados aplicavam as mesmas linhas de interpretações no que tange às manifestações populares que eclodiram ao redor do mundo, a exemplo dos movimentos nos EUA, Espanha, Grécia e Turquia, razão pela qual se poderia supor que tais linhas de intelecção se aplicariam também às manifestações ocorridas no Brasil.
A 1ª interpretação é realizada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e pelo sociólogo espanhol Manuel Castells, e tem como ponto semelhante a localização do objeto da indignação do povo no próprio sistema democrático representativo. Isto porque, a população não se sente mais representada, já que os seus direitos e interesses não estão sendo atendidos. Nesse interím, a solução tomada pelo povo é a de retomar a política e o poder decisório da mão dos seus representantes para a exercer diretamente, direcionando a coisa pública para o interesse público.
Para Castells, com a evolução das sociedades, estas se tornaram mais diversificadas e complexas, razão pela qual haveria um déficit de legitimação, já que os representantes do povo não teriam conseguido acompanhar o ritmo das mudanças sociais. Haveria, portanto, uma crise no sistema democrático participativo e o escopo do povo seria o de se reaproximar dos seus representantes ou retomar o poder político.
Contudo, para Bauman, esta insatisfação é oriunda de um problema ético, já que os representantes tutelam muito mais os interesses do mercado, das grandes empresas, do que o interesse dos seus representados.
Contudo, tais posicionamentos sofrem críticas, porque as principais reivindicações não eram procedimentais e sim substantivas, razão pela qual fica claro que o povo não quer retomar o poder para si, mas cujo objetivo consiste em forçar os representantes a implementar as medidas adequadas para a satisfação dos interesses e direitos ali reivindicados.
De fato, o povo brasileiro não quer o fim do sistema representativo ou da democracia direta, quer apenas a concretização dos seus direitos sociais por aqueles eleitos para os representar. Dessa forma, fica claro que o objetivo das manifestações populares não era o afastamento do sistema representativo, mas sim a pressão em cima deste para que se procedesse às devidas reivindicações.
A 2ª interpretação foi realizada pelo filósofo político marxista italiano Antonio Negri, e foi concebida no sentido de que o motivo dos protestos é a indignação do povo contra o não cumprimento das promessas do bem-estar social. Nesse sentido, no momento em que o povo tomou consciência de que aquelas promessas do bem-estar-social, a exemplo da redução das desigualdades e do fornecimento de condições dignas de vida para todos não mais se concretizariam, há o surgimento de um conflito político interno que desaguaria em revoltas e manifestações.
Na concepção do professor André Coelho, esta interpretação:
Fornece tanto uma causa remota quanto uma causa próxima. A causa remota seria a perda da esperança do cumprimento da promessa do Estado de bem-estar. A causa próxima seria cada conflito político interno, mas não em razão do que este conflito significa em si mesmo, e sim de como ele revela e recorda o ambiente de desesperança que produz a revolta.
Entretanto, essa interpretação também sofre críticas, na medida em que as manifestações populares por ele pesquisadas ocorreram justamente nos países em que não existia essa política de bem-estar-social, a exemplo da Grécia e da Turquia, além de, em outros Estados, estes movimentos serem completamente desvinculados de qualquer pressão pelo reconhecimento do bem-estar-social.
A 3ª interpretação foi cunhada pelo filósofo francês Jacques Rancière quando realizou palestra para os protestantes do Occupy Wall Street. Na ocasião, sustentou que em todas estas manifestações existe o mutismo político, ou seja, fica claro “contra o que” as pessoas estão se manifestando, mas elas não conseguem explicar a forma pela qual devem ser sanados os problemas apontados, bem como de que maneira ficariam satisfeitas.
Isto ocorreria porque o povo está assolado por termos políticos e, quando quer expressar o que está sentido no seu íntimo, só consegue expressar a linguagem política previamente formulada e incrustada na sociedade. Sendo assim, o povo quer atingir o inimigo (Estado) usando das armas por ele forjadas (política), razão pela qual não consegue criar novas soluções. Estabelece que, sem alternativas, a única forma de o povo conseguir manifestar o que sente no íntimo sem falar a língua do inimigo (política pública) é indo às ruas.
A alternativa encontrada por Ranciére é criar uma nova linguagem política, o que só pode ser feito imaginando outros mundos e outra forma de viver, esquecendo as previamente concebidas pelo homem, como a do Estado Democrático de Direito, a forma federativa de Estado, dentre outros. Salienta ainda que esta dissociação com os conceitos anteriormente firmados só pode se dar através da arte ou da linguagem alternativa, pois o artista exterioriza a sua subjetividade de forma objetiva, fazendo com que outras pessoas que sentem a mesma coisa entendam e compartilhem da mesma linguagem.
A 4ª e última interpretação é de autoria do filósofo esloveno Slavoj Žižek, estabelecendo que as manifestações são feitas de maneira tão abstrata que as pessoas não querem na verdade mudar o sistema, por terem medo. Isto porque elas sabem no fundo que fazem parte, se utilizam e beneficiam de tudo aquilo contra o que estão se manifestando. O problema não está em não conseguir imaginar as soluções, mas o medo de aplicar as soluções por conta das mudanças que ocorreriam em todo o seio da sociedade.
Para ele, as pessoas só sonham em mudar as coisas, mas não desejam a mudança de fato, isto porque se as desejassem formulariam um plano de atuação com proposições concretas, e não difusas e abstratas.
Conclui dizendo que se o povo realmente pretender mudanças tem que abraçar a política, pois, por mais suja que ela pareça, só através delas pode haver mudanças concretas.
4. INICIATIVA POPULAR
O processo legislativo é realizado ordinariamente pelos representantes do povo no Congresso Nacional, mediante a apresentação dos projetos de lei à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.
Contudo, modernamente houve um alargamento nas hipóteses de iniciativa legislativa, de sorte que existe previsão constitucional para a apresentação de projetos de lei de iniciativa privativa de algumas pessoas ou órgãos, a exemplo de projetos apresentados pelo Presidente da República, Supremo Tribunal Federal, e pelo povo brasileiro.
A iniciativa popular tem previsão no art. 14 da Constituição Federal de 1988 como uma das formas de exercício da soberania popular, ao lado do plebiscito e do referendo.
Para os doutrinadores Dirley da Cunha Jr. e Marcelo Novelino[47]:
A iniciativa legislativa popular é uma vitória da cidadania, que possibilita ao cidadão participar diretamente do processo legislativo ordinário, com apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do elitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Sabe-se ainda que a iniciativa popular pode ser exercida no âmbito de todos os entes federados, seja no federal (art. 61, §2º), no Estadual, (art. 27, §4º) e ainda na seara Municipal, conforme disposto no art. 28, inciso XI, todos da Constituição Federal.
Já o art. 61, §2º, da Carta Magna estabelece as formalidades para a participação popular no processo legislativo, ipsis litteris
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Da leitura do dispositivo legal em destaque pode-se extrair os requisitos necessários para a realização da iniciativa popular:
a) A necessidade de apresentação à Câmara dos Deputados de um projeto de lei que pode ser:
· não articulado/por moção: O projeto de lei por moção equivale a uma petição, contendo os termos gerais do assunto que é pleiteado pelo povo, pronto para ser discutido e votado pelo Poder Legiferante. Tal forma de apresentação da iniciativa popular é corroborada pelo disposto no art. 13, §2º da lei 9.709/98 que dispõe que o projeto de lei de iniciativa popular não será rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados corrigir eventuais impropriedades técnicas ou redacionais.
· articulado/redigido em artigos: Há um encadeamento lógico de artigos que trazem no seu bojo o pleito popular. No dizer de Ferreira Filho[48], a iniciativa popular articulada “consiste na apresentação de projeto popular ao órgão legislativo, num texto em forma de lei, redigido de maneira articulada, pronto pra ser submetido à discussão e deliberação”.
b) A subscrição por, no mínimo, 1% (um por cento) do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados com não menos de 0,3% (três décimos por cento) dos eleitores de cada um deles.
Conforme se percebe da literalidade do art. 14 da Constituição Federal de 1988, a iniciativa popular só tem cabimento para projetos de lei ordinária e lei complementar, não servindo, pois, para a propositura de proposta de emendas à Constituição.
Nesse sentido, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[49], doutrinam que, “ao contrário do que foi previsto em relação ao processo legislativo de elaboração das leis (CF, art. 61, § 2.o), não foi contemplada pela vigente Carta da República a possibilidade de iniciativa popular no processo de reforma da Constituição, isto é, os cidadãos não dispõem de legitimidade para apresentar uma proposta de emenda à Constituição”.
Fazendo um esboço histórico acerca da iniciativa popular no Brasil, Pedro Lenza[50] salienta que existem quatro projetos de lei de iniciativa popular aprovados, vejamos:
a) Lei n. 8.930/94 — conhecido como o Projeto de Iniciativa Popular Glória Perez, em razão do homicídio de sua filha, o documento reuniu mais de 1 milhão e 300 mil assinaturas, culminando com a modificação da Lei de Crimes Hediondos. Cabe alertar, contudo, que, na prática, esse projeto foi encaminhado pelo Presidente da República, pela Mensagem n. 571, de 08.09.1993, que, autonomamente, já teria iniciativa para deflagrar o processo legislativo. No site da Câmara dos Deputados, o projeto aparece como sendo de coautoria do Executivo e da Iniciativa Popular. No site do Senado Federal, contudo, na tramitação legislativa aparece como sendo somente do Executivo;
b) Lei n. 9.840/99 — conhecido como “captação de sufrágio”, buscou, nos termos de sua justificativa, “... dar mais condições para que a Justiça Eleitoral possa coibir com mais eficiência o crime de compra de votos de eleitores” (DCD, 15.09.1999, p. 41598). Iniciou-se com o lançamento do projeto “Combatendo a corrupção eleitoral”, em fevereiro de 1997, pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo apoiada a iniciativa por mais de 60 entidades.
c) Lei n. 11.124/2005 — conhecida como “fundo nacional para moradia popular”, a lei dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social(SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS.
d) LC n. 135/2010 (“Ficha Limpa”) — muito embora tenha sido iniciada a discussão a partir de projeto originário do Executivo (PLP 168/93), o Projeto de Lei Complementar n. 518/2009 (Câmara dos Deputados) foi encaminhado por diversos Deputados Federais, apoiado por um milhão e setecentas mil assinaturas, com o objetivo de tramitar como projeto de iniciativa popular. Assim, puramente, não foi um projeto exclusivamente de iniciativa popular, mas, sim, teve ampla aceitação da sociedade.
A previsão constitucional do instituto da iniciativa popular tem como escopo principal atender ao princípio democrático, na medida em que confere ao povo a possibilidade de exercer a soberania popular diretamente, sem a participação dos seus representantes na elaboração das leis, apresentando os projetos de lei diretamente à Câmara dos Deputados.
Nesse sentido, para asseverar a importância desse mecanismo de participação popular, vale a pena trazer à tona os sempre valiosos ensinamentos do mestre Pontes de Miranda[51], in verbis:
Democracia sem possibilidade de iniciativa popular de leis é democracia imperfeita. Entre a iniciativa e a deliberação devem caber a algum corpo o exame e a discussão do projeto de origem popular...A regra é ser ouvido o Parlamento, que o discute e vota.
Percebe-se então o elo de ligação fundamental entre a iniciativa popular e o ideal democrático participativo. Acerca do tema, Ferreira Filho[52] salienta que:
Destarte o ideal democrático de auto-governo exige que a iniciativa seja estendida, para que todos possam, na medida de seu interesse e de sua capacidade, colaborar na gestão da coisa pública.
No que toca ao objeto da iniciativa popular, tem-se que a maioria das matérias pode ser veiculada através dela, excepcionando-se as matérias que foram reservadas pela Constituição a iniciativa privativa de determinado órgão ou pessoa, assim como as matérias resguardadas às emendas constitucionais.
Tal previsão tem como fundamento a preservação da unidade lógico-estrutural do sistema jurídico, onde o constituinte achou por bem resguardar determinadas matérias às pessoas por ele designadas, levando-se em conta as peculiaridades de certas questões, bem como o princípio pétrio da separação dos poderes.
Percebe-se então que o Poder Constituinte Originário reservou um rol extenso de matérias que podem ser objeto de projeto de lei subscrito pelo povo, tendo como núcleo central a possibilidade do povo tutelar os seus direitos e interesses que estão sendo negligenciados pelos seus representantes do Congresso Nacional.
Esta é a iniciativa popular constitucionalmente prevista e que tomaremos como base para traçar um paralelo frente à iniciativa popular vinculante, não prevista inicialmente pelo Constituinte, mas implícita nas conquistas obtidas pelo povo quando exerce diretamente a soberania através das manifestações populares.
5. AS MANIFESTAÇÕES POPULARES COMO INICIATIVA POPULAR VINCULANTE
Ultrapassada a fase de conceituação, classificação e explicação dos institutos que fazem parte, ainda que lateralmente, da presente pesquisa, mas que são necessários ao seu completo entendimento, passemos ao mérito da presente investigação, consistente em saber se as manifestações populares ocorridas em junho de 2013 poderiam ser consideradas como uma outra vertente de iniciativa popular, voltada não para a elaboração de leis, mas para a concretização dos direitos sociais.
O objeto desta pesquisa é trazer uma tese inovadora, qual seja, a de que as manifestações populares ocorridas em junho de 2013 podem ser consideradas uma espécie de iniciativa popular distinta daquela prevista no art. 14 da Constituição Federal de 1988.
Ou seja, diferentemente daquela iniciativa popular já abordada e que tem como objetivo deflagrar um processo legislativo, através da elaboração de um projeto de lei diretamente pelo povo, esta iniciativa popular seria oriunda das manifestações populares e teria como escopo coagir os três poderes a concretizarem os direitos e interesses reivindicados pelo povo nas referidas manifestações.
Isto porque, no momento em que ocorriam as manifestações populares, estavam preenchidos todos os requisitos da iniciativa popular constitucionalmente prevista.
Como visto, as manifestações populares se encaixariam na iniciativa popular não articulada / por moção, já que não havia um texto pré-estabelecido, com uma ordem sistemática de artigos.
Ademais, no que tange ao requisito numérico, em dezembro de 2011 o eleitorado nacional, informado pelo TSE, era de 136.535.043 eleitores. Portanto, o número para a iniciativa popular seria de, pelo menos, 1.365.351, obedecendo-se, ainda, às regras expostas na Constituição de percentual mínimo por Estado.
Com efeito, conforme já mencionado, as manifestações populares de junho de 2013 foram compostas por um número bem maior do que um milhão e quatrocentas mil pessoas, distribuídas em mais de 05 estados da federação, com não menos do que 0,3% em cada um deles.
Nesse contexto, a teoria é a de que os direitos e interesses reivindicados pelo povo e que estavam no núcleo fundamental das manifestações, estando presentes em todas elas, seriam fruto do exercício direto da soberania popular, e que, por isso, seriam de acolhimento obrigatório pelos representantes do povo e demais autoridades, que estariam “obrigados” pelos seus representados a editar leis e adotar as medidas aptas a concretizar estes direitos.
Ressalte-se que por conta da enorme proporção que tomou as manifestações de 2013, parte do governo e da população especulou se não seria caso de instauração de um poder constituinte.
Assim, apesar de não haver previsão constitucional acerca desta modalidade de iniciativa popular, ela estaria legitimada por ser oriunda do povo, que é o titular do poder, além de preencher os requisitos da modalidade prevista no art. 14 da Constituição Federal.
Por ser de acolhimento obrigatório, não significa que os membros do legislativo estariam impedidos de fazer modificações necessárias ou incluir algumas disposições nestas leis, desde que respeitassem a essência dos direitos e interesses versados pelo povo. Sendo assim, os parlamentares fariam um balanceamento entre a efetivação dos direitos requeridos pelo povo com as políticas públicas e econômicas para a sua efetivação, priorizando o mínimo existencial frente à reserva do possível.
Colabora com a teoria aqui suscitada o fato de que, como resultado das manifestações populares já houve uma maior movimentação das autoridades públicas, como há muito tempo não se via, conclamando reuniões e debates acerca das formas pelas quais poderiam ser instrumentalizados os principais direitos sociais reivindicados.
Dentro dessa pauta de reuniões convocada às pressas, já houve avanço significativo para a saúde, que teve a destinação de 25% dos royalties do petróleo, contando ainda com a aceleração dos investimentos nessa área, assim como o direito social à educação que teve 75% dos royalties do petróleo e 50% do pré-sal destinados à efetivação e desenvolvimento deste direito.
Contudo, o exemplo mais significativo acerca da aplicação prática da teoria da iniciativa popular vinculante é o direito ao transporte acessível, englobando o aspecto econômico e a elaboração de projetos com vistas à melhoria da mobilidade urbana.
De fato, as manifestações populares ocorridas em 2013 tiveram início com as manifestações populares contrárias ao aumento das passagens de ônibus, onde o povo discordava do aumento das tarifas sem que houvesse qualquer tipo de contraprestação estatal, consubstanciada na melhoria dos serviços de transporte públicos.
Importante salientar que o Brasil já presenciou inúmeras manifestações de menores proporções, também contrárias às péssimas condições do transporte público. Podemos inferir então que é do conhecimento das autoridades públicas o quanto o povo brasileiro confere importância para a qualidade do transporte público, de sorte que assim que as manifestações populares de 2013 foram ganhando proporções continentais, as autoridades públicas se viram obrigadas a adotar as medidas aptas a satisfazer as reivindicações do povo.
Em um primeiro momento, os trinta centavos anteriormente previstos para o aumento do preço do transporte público foram convertidos em investimentos em corredores de ônibus e metrôs, bem como na criação de um Conselho Nacional de Transporte Público.
Nesse sentido, recaiu sobre os parlamentares e demais autoridades, o peso das reivindicações, que serviram como uma iniciativa popular vinculante, resultando na aceleração e prosseguimento do trâmite da PEC 90, que inclui o direito ao transporte no rol dos direitos sociais, sendo aprovada às pressas em 02 (dois) turnos na Câmara dos Deputados, e se encontrando atualmente no Senado Federal para deliberação.
Portanto, temos que a iniciativa popular vinculante configura-se em manifestações populares de grandes proporções, visando à concretização de direitos essenciais, a fim de combater a inércia/incompetência e o descrédito dos representantes do povo, estando estes obrigados a concretizar os interesses e direitos albergados nas manifestações.
Sem nos olvidarmos, contudo, de que todos os requisitos previstos para a iniciativa popular prevista no art. 14 da Constituição Federal de 1988 devem estar preenchidos, razão pela qual só estará configurada a iniciativa popular vinculante nas manifestações populares de grandes proporções e com reivindicações comuns em pelo menos cinco estados da federação.
6. CONSIDERAÇÕES CONLUSIVAS
O Brasil é um país que quase sempre exigiu da sociedade altas taxas tributárias, sendo que o recurso obtido nunca foi destinado de maneira satisfatória para o bem-estar do povo, sendo desviado por uma grande gama de políticos que tem uma oportunidade de se locupletar ilicitamente às custas do povo.
Somente uma pequena parte do dinheiro que é arrecadado a título de impostos (quando não é desviado por conta da corrupção) é dirigido para a implementação dos direitos sociais ou de algum serviço público essencial, e ainda acaba sendo mal empregado pela falta de um planejamento adequado.
Isto porque, costumeiramente, as políticas públicas existentes no Brasil têm como objetivo apenas “tapar um buraco” no qual aquele direito ou serviço público essencial se encontra, sem que haja qualquer espécie de planejamento preventivo, visando a longo prazo o bem-estar daquela população.
A Constituição de 1988 trouxe o rol de direitos sociais e, dentre eles, o direito a saúde e educação que, por serem direitos fundamentais tem aplicação imediata. Não obstante, apesar de não estar situado no rol de direitos sociais, o direito ao transporte público acessível também é um direito essencial.
Ocorre que apesar da essencialidade dos direitos à educação, saúde e transporte, percebe-se que estes direitos não estão sendo efetivados da maneira como deveriam, e que, apesar das tentativas do Poder Judiciário em obrigar as autoridades públicas a efetivá-los, tal medida não tem tido a eficácia necessária para a salvaguarda dos direitos em questão.
Essas considerações foram objeto de observação pela própria sociedade que encontrou como única saída para a concretização destes direitos as manifestações populares, exercendo de forma direta a democracia, sendo este o instrumento adequado e legítimo para forçar os parlamentares e demais autoridades públicas à concretização destes direitos.
De fato, o povo é o titular do poder e, ao perceber que aqueles que os representam não agem no interesse do povo, afetando o interesse geral, deve ir reivindicar os seus direitos. Nesse sentido, Rousseau faz a distinção entre a vontade geral e a vontade de todos: a vontade geral: “só diz respeito ao interesse comum; a outra, ao interesse privado, sendo apenas a soma de vontades particulares”.
Pelos argumentos acima espraiados, entendemos que as manifestações populares que preencham aos requisitos da iniciativa popular prevista na Constituição Federal equivalem a uma espécie de iniciativa popular, denominada iniciativa popular vinculante, com o poder de coagir as autoridades públicas a concretizar os principais direitos e/ou interesses legítimos reivindicados pelo povo.
REFERÊNCIAS
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[1] MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2009, p.57
[2] BOAVENTURA, Edivaldo M. Metodologia da pesquisa: monografias, dissertações, teses. São Paulo: Atlas, 2004, p. 63
[3] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
[5] LEMOS, Rafael Diogo D. Universo Jurídico. Eficácia Horizontal dos Direitos Sociais. Disponível em: http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/5242/a_eficacia_horizontal_dos_direitos_sociais. Acesso em: 15. jan. 2015.
[6] GONÇALVES, Leonardo Augusto. ORIGENS, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS SOCIAIS: UMA ANÁLISE DAS CONSEQÜÊNCIAS DO DÉFICIT NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/origens-conceito-e-caracteristicas-dos-direitos-sociais-uma-analise-das-consequencias-do-deficit-na-implementacao-dos-direitos-fundamentais-de-segunda-dimensao/29314/#ixzz3RezF8vxU>. Acesso em: 3 de dez. de 2014.
[8] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
[10] ALBUQUERQUE, Iara Maria Pinheiro de; PATRIOTA; Izabela Walderez Dutra. CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE E PARTICIPAÇÃO POPULAR NUMA PERSPECTIVA NEOCONSTITUCIONAL. Revista eletrônica, Natal/RN, ano 3, n. 2, jul./jdez. 2013. Disponível em: <www.mp.rn.gov.br/revistaeletronicamprn>. Acesso em: 03. dez. 2014.
[11] PETEL, Mariana. O direito constitucional da saúde e o dever do Estado de fornecer medicamentos e tratamentos. Disponível em http://www.oabsp.org.br/subs/santoanastacio/institucional/artigos/O-direito-constitucional-da-saude-e-o-dever-do. Acesso em: 3 de dez. de 2014.
[12] CAMARGO, Caroline Leite de. Saúde: um direito essencialmente fundamental. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/usuario/Documents/Monografia/MONOGRAFIA%202012%20%20CIESA/%3Chttp:/www.jus.uol.com.br/revista/texto/4210%3E?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14074#_ftn4. Acesso em: 3 de dez. de 2014.
[14] KELLEN, Cristina de Andrade Ávila, 2013, Teoria da Reserva do Possível. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24062/teoria-da-reserva-do-possivel#ixzz3QnnNrxxi>. Acesso: 17 de dez. de 2014.
[16] CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do Possível. Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. ed., Salvador: Editora Juspodivm, p. 349-395, 2008. Material da 4ª aula da disciplina Teoria Geral dos Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – UNIDERP/REDE LFG.
[18] JÚNIOR, Dirley da Cunha; NOVELINO, Marcelo. Teoria, súmulas, jurisprudência e questões de concurso. Salvador: Editora JusPodivm, 2010.
[20] Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013>. Acesso em 17. dez. 2014.
[21] Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/ma-gestao-causa-crise-no-transporte-publico-8921244#ixzz3QtuVFlCf© 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
[24] JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 378.
[25] RAMOS. Maria Lídia de Oliveira. O direito de manifestação. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6419.pdf. Acesso em 22. dez. 2014.
[26] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. P.36.
[27] SILVA, José Afonso. “O Estado Democrático de Direito”. in Revista de direito administrativo, 173: 15-34, Rio de Janeiro: Jul./Set. 1988, pg. 21.
[28] ANJOS FILHO, Robério Nunes dos; RODRIGUES, Geisa de Assis. Estado Democrático de Direito: conceito, história e contemporaneidade. In: Sérgio Gonini Benício. (Org.). Temas de Dissertação nos Concursos da Magistratura Federal. 1ed.São Paulo: Editora Federal, 2006, v. 1, p. 97-113.
[30] BONAVIDES, Paulo. "A Democracia Direta, a Democracia do Terceiro Milênio". In A Constituição Aberta. 2 ed. São Paulo: Malheiros, p. 17. apud LYCURGO (2006).
[31] BOBBIO (apud CORRÊA 2010). Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17692/a-democracia-moderna-na-concepcao-de-norberto-bobbio#ixzz3Qu9FRPnc. Acesso em 21. Dez. 2014.
[33] COMPARATO, Fábio Conder. Variações sobre o conceito de povo no regime democrático. Estud. av. vol.11 no.31 São Paulo Set./Dec. 1997.
[34] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª ed. rev; atual. e ampl. São Paulo: Saraiva 2012.
[35] Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1520538&tit=Passadas-as-eleicoes-Brasil-caminha-para-a-maior-carga-tributaria-da-historia>. Acesso em: 02. jan. 2015.
[37] LANDERS, Chris. Serious Business: Anonymous Takes On Scientology (and Doesn't Afraid of Anything). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anonymous. Acessado em: 02. jan. 2015.
[38] COMPARATO, Fábio Conder. Variações sobre o conceito de povo no regime democrático. Estud. av. vol.11 no.31 São Paulo Set./Dec. 1997.
[39] Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=583945. Acesso em 05. jan. 2015.
[40] Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/09/royalties-vao-injetar-r-368-bilhoes-na-educacao-em-30-anos-diz-ministro.html. Acesso em 10. jan. 2015.
[41] Disponível em: http://direitosfundamentais.net/2013/10/19/interpretacao-sobre-as-manifestacoes-andre-coelho/. Acesso em: 15. nov. 2014.
[42] COELHO, André. Entendo os protestos no Brasil: Oito interpretações. Disponível em: http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2013/06/entendendo-os-protestos-no-brasil-oito.html. Acesso em: 15. nov. 2014.
[43] Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013. Acesso em 15. nov. 2014.
[44] Jornal da Globo. Arnaldo Jabor fala sobre onda de protestos contra aumento nas tarifas de ônibus. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/videos/t/edicoes/v/arnaldo-jabor-fala-sobre-onda-de-protestos-contra-aumento-nas-tarifas-de-onibus/2631566/. Acesso em: 17. nov. 2014.
[45] João, Batista Jr.; Juliana Deodoro (14 de junho de 2013). Um protesto por dia, quem aguenta? Veja São Paulo. Acesso em 15 nov. 2014.
[46] Disponível em: http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/oscar-berro-a-gota-dagua/621229/. Acesso em 15 nov. 2014.
[48] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1992, vol. 2.
[51] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda nº 1, de 1969), 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, Tomo III, p. 559.
Advogado pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Helio José Ramos Carneiro de. A tutela popular dos direitos sociais: a iniciativa popular vinculante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2020, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55998/a-tutela-popular-dos-direitos-sociais-a-iniciativa-popular-vinculante. Acesso em: 23 dez 2024.
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