RESUMO: Com a finalidade de reorganizar a situação econômica de uma empresa, a Lei 11.101/05 que regula a Recuperação Judicial, traz uma luz no fim do túnel tanto para a empresa quanto para os credores desta. Visto que a falência de uma empresa de grande porte causa consequências diretas e indiretas no mercado econômico do país, como no caso da Odebrecht, um conglomerado empresarial com quase 48 mil funcionários, certamente sua razão social é um estímulo a atividade econômica, deixando de ser um problema somente de cunho individual e passando a ser de interesse social em vista do principio da preservação da empresa. A pandemia da Covid-19 trouxe alterações, reflexos e novas recomendações para o instituto da Recuperação Judicial haja vista que o cenário atual acarretou o dobro ou até o triplo de novas ações de Recuperação Judicial. E também orientações para evitar aglomerações, já que, por exemplo, impede diretamente uma assembleia geral de credores.
Palavras-chave: Recuperação Judicial. Empresa. Economia.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO BENEFÍCIO E SUA IMPORTÂNCIA. 2. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E A FUNÇÃO SOCIAL. 3. HISTÓRICO DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 4. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FACE DA PANDEMIA DA COVID-19. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Em esfera de economia, surgem questões sobre o porquê de existir uma lei para salvaguardar Pessoas Jurídicas que estão passando por crises financeiras. Em um pensamento voltado para a economia, Pessoas Jurídicas causam impacto na economia se estas estiverem em más condições financeiras. A empresa contrata funcionários, empresa em crise demite funcionários, funcionários demitidos não consomem e o comércio entra em crise juntamente com estes.
A Recuperação Judicial é aplicada, em sua lei 11.101/2005, quando a empresa passa por uma crise, mas sendo esta crise sanável. Existe a saída para dar uma efetiva recuperação à empresa sem a necessidade do instituto da Falência.
A atividade empresarial contribui para a adição de vagas de empregos e movimentação da economia com a prestação de serviços, comercialização de bens e recolhimento de tributos. Tornando a função social alcançável quando a empresa observa a solidariedade, promove a justiça social, livre iniciativa, busca de pleno emprego, valor social do trabalho, dignidade da pessoa humana, observe os valores ambientais, dentre outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.
Devido a crise da pandemia da Covid-19 que vem assolando o mundo e sua economia, projetos de mudanças e adaptações foram realizadas nas regras de Recuperação Judicial diante da calamidade pública, levando em consideração os impactos econômicos e financeiros e um número maior de pedidos de Recuperação Judicial nesse cenário, tendo em vista que a paralisação da atividade econômica nesse momento resultará em impacto na situação financeira de uma sociedade empresarial, atingindo a sociedade de forma geral.
A presente pesquisa fora desenvolvida através da metodologia de pesquisa bibliográfica, utilizando-se como objeto de estudo doutrinas, artigos científicos e notícias amplamente divulgadas, bem como leis que norteiam e tratam especificamente da Recuperação Judicial no Brasil.
Com estes levantamentos, examinar e expor os efeitos que causam a empresa em recuperação ou após Recuperação Judicial é um valoroso conhecimento atualmente, como veremos no decorrer deste trabalho.
Expendidas essas considerações iniciais, passa-se ao estudo do tema.
1. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO BENEFÍCIO E SUA IMPORTÂNCIA.
A lei 11.101/05 não traz um conceito acerca de Recuperação Judicial, e sim objetivo, requisitos e procedimento.
O conceito de Recuperação Judicial, como bem define (BARROS, 2014, p. 103):
É definida como um procedimento regulamentado por um conjunto de normas elaboradas pra que o devedor (empresário ou sociedade empresária) possa superar a crise econômica-financeira em que se encontre, de modo a promover a manutenção da fonte produtora, de empregos e de interesse de credores. São normas que visam à preservação da empresa. (BARROS, 2014, p.103)
O seu objetivo, exposto no art. 47 da Lei 11.101/2005:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL, 2005)
Parte-se da ideia de ser uma empresa que está passando por uma crise, porém, uma crise sanável. A empresa tem a condição de pagar as dívidas, mas não do jeito que se encontram. Vencidas e com juros correndo. A proposta é a solução para a empresa sair do vermelho. É um grande benefício, como se o magistrado pegasse na mão do empresário e fossem ao encontro dos credores para juntamente propor a renegociação das dívidas.
Além da facilitação do pagamento através da proposta, a Recuperação Judicial mostra outros benefícios como: flexibilizar acordos e convenções coletivas de trabalho; evitar o processo de falência; suspensão das ações e execuções contra a empresa durante 180 dias.
É totalmente visível a dificuldade que ocorre, nas empresas em crise, para fecharem acordos e negociar com funcionários. Entretanto, em uma recuperação judicial ocorre uma facilidade para isso, visto que há a sinalização para os funcionários de que haverá a perda do emprego se a empresa falir. Portanto uma negociação com os colaboradores ocorre sem tantas delongas.
Segundo (GASS, 2016, p. 1):
Caso não conseguir um acordo para a recuperação judicial ou não cumprir o que está no acordo é decretada a falência da empresa. Com a falência, o devedor é afastado de suas atividades com o objetivo de preservar os ativos e recursos produtivos (inclusive os intangíveis) da empresa. (GASS, 2016, p. 1)
Partindo desse pressuposto tem-se em mente que a Falência é uma punição, logo, Falência não é uma opção da empresa, já que ela sofrerá. É algo que pode ser evitado do momento que o empresário perceber que está em um ponto que poderá resultar em uma falência, evidentemente, após analisar a sua situação econômico-financeira e viabilidade para uma recuperação. Explica em poucas palavras (SALOMÃO e SANTOS, 2012, p. 30) “Se uma empresa é economicamente viável, revela-se possível, corrigindo-se os rumos de gerência, recuperar o fôlego quanto à retração das atividades”.
A suspensão por 180 dias das Ações contra a empresa e Execuções em tramite, fica sendo como um dos melhores benefícios ou senão o melhor de todos, pois prazo é a coisa mais importante nessa situação econômico-financeira, visto que resulta em um alívio ou intervalo para a empresa conseguir organizar todo o turbilhão que está passando com contas no vermelho. Porém, sem a preocupação de uma ação simultânea estar correndo com a Recuperação Judicial.
Na concepção de (SANTOS, 2015) a recuperação judicial tem sua importância e utilidade não somente para resguardar uma empresa, mas também para manter esta como a fonte produtora de renda, geradora de emprego e recolhimento de tributos, isto é, preservar a atividade empresarial não somente para beneficio próprio do empresário, mas sim em função dos benefícios econômicos e sociais de sua atividade, contribuindo indiretamente no equilíbrio econômico do país. Preservando a empresa que está cumprindo sua função social, como objeto real da Recuperação Judicial e beneficiando a sociedade e a economia.
Para (MARTINS, apud SANTOS, 2015, p. 1):
Muito se debateu ao longo dos anos sobre o papel fundamental a ser preenchido pela empresa, cuja conotação disciplina uma função social constitucionalmente prevista, a tal ponto de se delimitar a ação do Estado, dos agentes no momento da eclosão de crise, visando assim sujeitar às leis concorrenciais, ou simplesmente dispor de aparato suficiente à salvaguarda do negócio empresarial. Não se trata de assunto simples e de solução preparada, mas da reforma de princípios e conceitos em torno da preservação da empresa em crise. (MARTINS, apud SANTOS, 2015, p. 1)
Diante do que foi dito, é certo dizer que mesmo que exista um interesse particular e não social da parte devedora ao realizar um pedido de Recuperação Judicial, a ininterrupção da função social da empresa ainda é importante por trazer o estímulo a atividade empresarial e o equilíbrio da economia do país, injetando o ativo e o passivo no mercado brasileiro, evitando o grande buraco colapsado causado por uma empresa de grande porte que tenha que encerrar as atividades, trazendo rombos em assuntos trabalhistas e fiscais. E não somente a situação financeira do empresário/empresa a ser mantida pela lei, vindo essa a ser a ultima coisa que a lei irá despertar preocupação. Tudo está em torno da função social da empresa e o interesse social. A falência de uma empresa de grande porte faria tudo isso deixar de existir e, possivelmente, prejudicaria todos os credores.
2. O PRINCIPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E A FUNÇÃO SOCIAL.
Conforme esta exposta na Constituição Federal de 1988, em seu Título IV, sobre a ordem econômica, que valoriza o trabalho humano, como segue:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]; III – função social da propriedade; (BRASIL, 1988).
O inciso III será o objeto neste capítulo, o principio da função social da propriedade. Mas antes há que se falar da preservação da empresa. O Principio da preservação da empresa é uma base não somente da lei 11.101/05, mas também do Direito Empresarial e está presente tanto na Falência quanto na Recuperação Judicial, conforme o que diz o art. 47 desta lei ao mencionar a Recuperação Judicial que tem como principal objetivo, a preservação da empresa, função social e estímulo a atividade econômica (BRASIL, 2005).
É um principio que tem força de norma, porém, com restrições. O interesse social é sempre o esperado, visto que preservar a empresa acima de tudo não é um valor absoluto. Se a empresa alcança o único requisito de cumprir a função social, essa importância social em um contexto local, regional ou até nacional, merece ser preservada. Cumpre função social quando se é capaz de gerar receita. A perspectiva desse princípio separa o sujeito empresário da atividade empresarial, posto que a Lei 11.101/05 busca preservar a atividade econômica viável, empregos, arrecadação de tributos, estimular a atividade econômica, enfim, os interesses sociais coletivos que dependam direta e indiretamente da atividade econômica.
Como diz (BARROS, 2014), a lei funciona para todos como um escudo contra uma crise na empresa, tornando a empresa/empresário o principal foco da lei. Haja vista que a preservação da empresa trará a saúde ao quadro socioeconômico, não se tratando de uma lei punitiva. Logo, a atividade empresária merece atenção especial da lei, tendo como certeza que a empresa não está ali somente para dar lucro ao empresário.
Nas palavras de (FAZZIO JÚNIOR, 2010, p. 20):
Insolvente ou não, a empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social. É uma unidade de distribuição de bens e/ou serviços. É um ponto de alocação de trabalho, oferecendo empregos. É um elo na imensa corrente do mercado que, por isso, não pode desaparecer, simplesmente, sem causar sequelas. (FAZZIO JÚNIOR, 2010, p. 20)
A função social só será preservada com a Recuperação Judicial. Já o lucro, sendo objetivo principal do empresário, será alcançado através de uma série de atividades empresárias de caráter positivo para a economia. Chegando a urgência de manter ativa essa atividade empresária para que continue os resultados positivos. Precisa permanecer viva para girar a economia.
Esse princípio ajuda o micro e pequeno empresário, pois logicamente estes têm maiores dificuldades para desenvolver. O princípio dá um apoio e estímulo para continuarem a exercer a atividade de maneira adequada e não se entregarem a uma crise ou falência. A proteção ao micro e pequeno empresário é uma forma de preservação da empresa.
O principio da preservação da empresa permanecerá até que a viabilidade da empresa se encerre. Logo, recuperar para não encerrar é o passo principal. Mas diante dessa batalha para manter a empresa viva em prol da economia e o interesse social, uma parte não menos importante dessa ação deve ganhar palco e razão. Os credores e quaisquer relacionados à condição financeira da empresa. Pergunta-se o quão vale manter uma empresa ativa pelo bem da função social. O quão será viável ou custeável fazer a empresa sobreviver. Ou se seria mais simples posicionar uma Falência de imediato, levando em conta que é uma empresa em situação desequilibrada economicamente, e se realmente existiriam chances desta pagar as dívidas que estão atrasadas por vários meses.
Parafraseando (COSTA, 2019), optar em declarar a Falência da empresa, no lugar de tentar salva-la, pode acarretar prejuízo de maior proporção. Diga-se, se a empresa está conseguindo, mesmo com dívidas, realizar a sua função social, girando o mercado e a economia, essa empresa vale mais ativa do que encerrada e liquidando todos os seus ativos.
Ainda sobre (COSTA, 2019, p. 1), um ótimo exemplo é dado:
Imagine uma situação bastante simples: a empresa é um lago com 1000 peixes. É possível que sejam pescados 500 peixes por ano, deixando-se no lago os outros 500 peixes a fim de que procriem, viabilizando que no ano seguinte o lago tenha novamente os 1000 peixes. Assim, nesse ano seguinte será possível pescar novamente 500 peixes e assim por diante. Fazendo-se uma avaliação dessa empresa – bem simplista – e trazendo-se ao valor presente, chega-se à conclusão de que ela vale o equivalente a 2.500 peixes, pois é isso que a empresa produziria em cinco anos. (COSTA, 2019, p. 1)
Resumindo, a liquidação da empresa e de todas as suas atividades provocaria um prejuízo maior do que a espera que os credores estão tendo para receber suas dívidas. Logo, existem casos em que a empresa prosseguindo no cumprimento de suas atividades e aguardando o desfecho da ação de Recuperação Judicial são mais viáveis às pessoas envolvidas. Mesmo que venham a receber suas dívidas com valor mais baixo, como resultado da Recuperação Judicial, fica sendo menos prejudicial que liquidar a empresa e todos os credores terem que dividir uma pizza de oito fatias para 16 pessoas. Essa é uma situação/solução voltada para o interesse particular, em manter uma empresa ativa mesmo com a desconfiança de calote, procrastinação da empresa devedora e insegurança por parte dos credores.
(COSTA, 2019) ainda argumenta que um setor da economia pode ser direta ou indiretamente afetado pelo encerramento de uma empresa, setor este que dependa da empresa firme em suas atividades. Aqui se encaixam os relacionados com a situação financeira da empresa como, por exemplo, o fornecedor, o comprador, o prestador de serviços e etc. Logo, não há por que encerrar as atividades de uma empresa, causando uma bola de neve desnecessária, sendo que a empresa ainda esteja gerando benefícios com sua função social. Ressaltando que, uma substituição da empresa devedora esta fora de questão se olhar para o histórico de empresas no país que começam do zero e não tiveram potencial para fixar estabilidade. Sem mencionar o tempo que levaria até se estabelecer mesmo na melhor fase da economia do país. O certo a se fazer é esperar o processo de Recuperação Judicial, pois, obviamente, credor algum vai se arriscar negar uma proposta de Recuperação somente para que se finde a empresa, levando a receber bem menos do que o imaginado e ainda assim esperar anos para que uma nova empresa possa fornecer a prestação de serviço apta.
Analisando um pouco mais sobre a função social, no principio da concorrência amparado na Constituição Federal, no inc. IV, do art. 170 que cita a livre concorrência (BRASIL, 1988). Onde faz a livre iniciativa realizar sua função social. Pois concorrência, desde que dentro das permissões da lei do que pode e não pode fazer a respeito de concorrentes, gera necessidade de melhoria dos produtos e serviços, aumento da necessidade de mão de obra e consequentemente carga tributária. Vendo por este ângulo, é a necessidade não somente de manter uma empresa em funcionamento, mas também em ter uma concorrente para o estímulo à atividade. Mais uma vez mostrando que empresa é encarada aqui como atividade empresária e não o empresário em si. É a empresa enquanto atividade econômica. Função como poder funcional ou poder-dever. Isto é, o titular não irá exercer a função no seu interesse pleno, mas em face do interesse da sociedade. A função social pertence a empresa, sempre considerando a coletividade e não o individual. Sobre isso, comenta (COSTA, 2019, p. 1) “Interesses particulares e privados nunca poderão se tornar uma barreira intransponível à realização do interesse social buscado pela recuperação judicial como seu principal objetivo”.
Convém dizer então que a Lei 11.101/2005 é de máxima função social e preservação da empresa, com repercussão importante e significativa na economia do Brasil conforme casos concretos que serão vistos no próximo capítulo.
3. HISTÓRICO DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
Certo questionamento é levantado quando o assunto é investir: Vale a pena adquirir uma empresa que está ou passou por uma Recuperação Judicial?
Deve-se observar e analisar o seu valor primeiramente para concluir se a empresa tem a possibilidade de se recuperar para que a oportunidade não se torne um risco, pois ninguém quer pegar uma empresa repleta de sucessões trabalhistas e tributárias. Cautela é a palavra adequada ao tentar adentrar na sorte de mexer com uma empresa passando pelo processo de Recuperação. Além disso, observar a situação do mercado, do ramo e da situação econômica é indispensável, visto que a menor das brisas pode abalar determinada área da atividade empresária, pois um ativo desvalorizado é sinônimo de mais uma crise financeira iminente.
É observável que o mercado de ações é diretamente influenciado pela Recuperação Judicial, haja vista que um grupo econômico passando por esta situação pode mudar o curso de um investimento, a intensão de um acionista a situação de um campo econômico e etc.
Com essa responsabilidade nas mãos da lei 11.101/05, e com o aumento de 4,4% dos pedidos de Recuperação Judicial em setembro de 2019, no mês de outubro de 2019 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou três recomendações para tornar o judiciário mais célere e eficiente nos caso de Recuperação Judicial e Falência para aperfeiçoar esses processos, são estas: especialização das varas que tratam do assunto, além da criação de câmaras e turmas voltadas para o assunto; averiguação prévia da documentação de uma empresa que faz o pedido de recuperação, pois há situações em que a empresa que faz o pedido não preenche os requisitos causando o atraso da análise do pedido (recomendação esta que servirá para padronizar o processo); outra sugestão é a adoção da mediação com maior frequência para resolução de conflitos que surgem no decorrer do processo, por exemplo, alteração no plano de Recuperação, objeção de algum credor da assembleia, dificuldade no cumprimento de alguma meta do plano e etc.
Ainda assim muitas empresas não conseguem sair da crise financeira, não conseguem se recuperar. Nem tudo sai como planejado, acontecendo até de credores entrarem em crise.
Para grandes empresas, por exemplo, as que fazem parte da Bolsa do Brasil (B3), um problema enfrentado durante a crise e Recuperação Judicial é a perda de valor das ações. Como mencionado no inicio do capítulo, sobre investimento em empresas passando por Recuperação, não seria um bom negócio investir em ações mesmo que tenham valor baixo para adquirir.
Exemplo disso é o extremo e polêmico caso do Império X de Eike Batista (nomeada como EBX, utilizando as iniciais de Eike Batista e o “X” para simbolizar a multiplicação de seu capital), especificamente a empresa de logística da EBX (LLX) e a empresa de serviços navais da principal OSX (OSX-1 Leasing B.V.) que estavam com valor baixo para aquisição na BOVESPA. Porém, a OSX-1 veio a falir e a LLX foi comprada pela Global Energy Partners (EIG) para investimento. A OSX-1 já não estava mais operando e tampouco sob a gestão da principal OSX, visto que chegou à circunstância de não conseguir a manutenção esperada e ter ficado na mão de um credor, sendo este outro problema que causa a desconfiança em investir em uma empresa passando por Recuperação. Mas isso levou o império X a cair? Não somente isso.
A Óleo e Gás Participações S.A. (OGX) e OSX entraram com o pedido de Recuperação Judicial em 30 de Outubro de 2013 com dívidas de 11,2 bilhões e 5 bilhões respectivamente. As empresas do grupo que estavam em Recuperação deixaram de cumprir metas e cronogramas, realizaram demissões em massa sem justificativa, juntamente com o judiciário exigindo a readmissão desses trabalhadores, enfrentando até possibilidade de credores pedirem a Falência destas empresas, como o conglomerado espanhol Acciona, uma das credoras do grupo.
A OGX, principal empresa do grupo, foi a fonte de Eike Batista. No processo esta perdeu quase 100% do valor de mercado em 2010. Estava em total queda até chegar ao nível de ser considerada internacionalmente como uma petrolífera com maior possibilidade de dar calote. Houve muita dificuldade nesta Recuperação Judicial chegando a uma situação em que até Eike Batista restou ficando com participação mínima no próprio grupo econômico. Os ativos da OGX, da OSX e da empresa de mineração e metálicos (MMX) foram vendidos, esta última já estava com dívidas maiores que o capital. E não somente da OGX, mas Eike também se retira da empresa de energia anteriormente conhecida como MPX, que agora pertencente a empresa estrangeira, passa a se chamar de Eneva S.A.
No final do processo de Recuperação Judicial, a OGX foi entregue aos credores e, como parte da reestruturação, a alteração do nome foi feita passando a se chamar de Dommo Energia. Muitos acionistas perderam bastante com toda essa montanha russa do caso até os dias atuais com a Dommo fechando em queda suas ações. A retomada aos trilhos não foi nada fácil a OGX, que simultaneamente enfrentou a crise econômica da época não somente no Brasil. Porém, o fato da OGX estar listada na B3 ajudou um pouco nesta retomada. A empresa teve fôlego pra manter funcionamento mesmo diante de tanta dívida a pagar (RAGAZZI, 2019). De certa forma a função social foi cumprida mesmo que tropeçando.
Daí a importância de protocolar pedido de Recuperação Judicial antes de a situação ficar rigorosamente ruim, pois as chances de recuperação das outras empresas seriam maiores. Um exemplo de chance de recuperação, o grupo Transbrasiliana, Transporte e Turismo (TTT), que teve seu plano de Recuperação Judicial aprovado em 26 de Fevereiro de 2019, com dívidas de 200 milhões de reais, porém com recursos em caixa e ativos para leiloar. Mesmo com o processo suspenso diante a calamidade da pandemia do Novo Coronavírus, negociações foram realizadas para o pagamento das dívidas, manutenção da atividade econômica e manutenção dos empregos.
Independente de valor de dívida, a preservação da empresa vai ser o alvo da lei, para manter os empregos e rotação da economia. É mais do que lógico manter o funcionamento de um conglomerado multinacional, visto que vai gerar riquezas e fornecer empregos mais do que uma empresa local. Independente do que causou as dívidas, vai valer mais esta funcionando do que ser declarada uma Falência somente para satisfação rápida de débitos e tentativa de abrir espaço para alguma empresa nova iniciar, o que levaria anos para estabilização.
Um atual e importante exemplo é o conglomerado empresarial brasileiro Odebrecht, o maior processo da justiça brasileira em volume de dinheiro. Criada em 1944, na Bahia, a organização passa por uma crise após ser o alvo principal das investigações da operação lava-jato, com esquema de corrupção em contratos bilionários envolvendo governo de diversos países. Após o início das investigações o faturamento bruto começou a cair, diminuiu rapidamente o corpo de funcionários. Atualmente está atuando em menos de 20 países. O total das dívidas listadas na justiça chega a R$ 98,5 bilhões.
Odebrecht continua operando normalmente neste período de processo de recuperação, haja vista que está em condições mais do que suficientes para isso. Unicamente não tinha condições de pagar as dívidas antes de vencer e, portanto entrou com o pedido antes que a situação se agravasse.
Bancos Públicos são os principais credores da Odebrecht. Só com o BNDES possuí dívida de R$ 10 bilhões, Banco do Brasil com R$ 7,8 bilhões, Caixa Econômica com R$ 5 bilhões, BRADESCO com R$ 4,4 bilhões, ITAÚ com R$ 3,5 bilhões e Santander com R$ 50 milhões.
A lei 11.101/05 já ajudou e salvou muitas empresas a saírem do vermelho, mesmo dependendo da situação econômica do país para que haja esta salvação da empresa. Porém, como toda lei, esta também não começou perfeitamente. Como toda lei a 11.101/05 precisou procurar lacunas, pontas soltas ou possuir um caso concreto para por em pratica a lei e obter uma jurisprudência, uma base para aprimorar a lei. E o caso imprescindível é a Recuperação Judicial da Varig, ou seja, a primeira grande empresa a ter uma Recuperação Judicial em conformidade com a recém-chegada lei. Se tornando um ótimo teste para a lei (ITO, 2009).
A Varig, primeira empresa aérea do Brasil, foi criada em 1927, enfrentou diversos problemas e crises econômico-financeiras em meados dos anos 80, que era formada por problemas internos e problemas externos (governo e intervenção na economia). Mas foi nos anos 70 que iniciou a primeira crise, que ficou conhecida como a crise do petróleo, saindo ela vitoriosa desse quadro nacional enquanto outras empresas dependentes dessa matéria prima afundaram. Porém, nos anos 80, como mencionado, houve crise econômica acarretada com a desvalorização do cruzeiro que restou deixando as empresas com um buraco, pois consequentemente a crise não vem para um somente (TORRES, 2018).
Toda a intervenção política na economia causou a falta de lotação nos aviões, muitas pessoas não estavam em condição alguma de fazer uma viagem. A inflação da época castigou a companhia aérea com um prejuízo de US$ 6 bilhões, vindo a virar ação de indenização contra a União posteriormente. Já nos anos 90, com a política do Fernando Collor em abrir o mercado brasileiro para concorrência estrangeira, a Varig não disputava somente contra empresas aéreas brasileiras como também contra empresas aéreas internacionais tendo que, simultaneamente se recuperar da crise e concorrer contra adversários grandes. O resultado disso foi um impacto no patrimônio de US$ 867 milhões para US$ 86 milhões (TORRES, 2018).
No ano de 2000 seu patrimônio é avaliado em R$ 500 milhões. No ano de 2005 a empresa estava com dívidas de R$ 7 bilhões. Não restando outra saída senão realizar o pedido de Recuperação Judicial do grupo econômico (grupo este formado por Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas e Nordeste Linhas Aéreas) em 17 de Junho de 2005, dias após a entrada em vigor da Lei 11.101/05 (TORRES, 2018).
Em 22 de Junho de 2005 o pedido foi aprovado, com foro competente no Rio de Janeiro, por ser onde se localiza a sede mais lucrativa da empresa. A Varig, durante o processo, focou em demonstrar a significância da companhia para o país, melhor dizendo, sua função social como maior e pioneira empresa aérea do Brasil. Ocorre que existia uma necessidade de preservar esta empresa pelo bem da economia do país. E não somente o foco foi na importância da empresa, bem como demonstrar a parcela de culpa da União nesta crise financeira da empresa, em consequência da intervenção do governo nas tarifas da época, tornando o custo de voar altíssimo.
Após objeções dos credores, o plano foi finalmente aprovado em 19 de Dezembro de 2005. Depois de quase quatro anos o plano foi encerrado em primeiro de Setembro de 2009, com o cumprimento de todas as metas do plano. Porém, de modo infeliz há situações onde mesmo com o cumprimento de todas as metas a empresa não consegue sair completamente da crise. O grupo econômico cumpriu as metas, mas a situação de prejuízo prevalecia. O próprio grupo econômico se vendo na situação que se encontrava fez o próprio pedido de Falência, pois a mesma já demonstrava todos os sinais de falência.
O fim da Varig ocasionaria um impacto econômico não somente do ramo, do mesmo modo ocasionaria a quem dela depende indiretamente, como prestadores de serviços, funcionários, investidores, etc. Neste sentido (TORRES, 2018, p. 1):
A decretação da falência da empresa devedora não significa, necessariamente, o fim da atividade empresarial por ela exercida: a atividade pode, por exemplo, ser continuada sob a responsabilidade de outro empresário, se o estabelecimento empresarial do devedor for vendido, nos termos do art. 140, I da Lei 11.101/05. Neste sentido, a juíza da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, na sentença que decretou a falência da Flex (antiga Varig), determinou que esta continuasse operando os serviços de comunicação por meio de estações de rádio, por um período de duas semanas. Isso com o objetivo de não causar interrupção do tráfego aéreo e desvalorização dos ativos. Depois desse período, a juíza determinou que a atividade seria transferida para a empresa de aviação Trip Linhas Aéreas S.A.. Ainda, determinou que, mesmo após a falência, deveriam ser continuados os serviços de treinamento de aeronautas, para não causar desvalorização dos ativos, nem prejuízos a terceiros e ao público consumidor. (TORRES, 2018, p. 1)
Dessa maneira, seria importante valorizar o ativo para que interessados fossem capazes de adquirir a empresa e manter a atividade.
Em 20 de Agosto de 2010 foi decretada a falência da Varig. Uma vez que fosse decretada a Falência no decorrer da Recuperação, era certo dizer que a lei poderia ser considerada ineficiente. Muitos percalços durante a linha histórica da Varig contribuíram para o ocorrido, não somente crises econômicas, similarmente erros governamentais colocaram o inicio do fim de uma empresa. Entretanto, graças a recente Lei 11.101/2005 a Varig conseguiu respirar por aparelhos durante todo o percurso do processo. Devido a isso, outras empresas foram salvas do vermelho a partir desta lei, em virtude do bom pontapé inicial com esse caso.
4. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FACE DA PANDEMIA DA COVID-19.
O distanciamento social trouxe consigo quedas na produção e no serviço, entretanto esse distanciamento apenas fraquejou um pouco mais o que já se encontrava fraquejado de alguns anos atrás até o cenário atual. Tendo em consideração que a paralisação de atividade empresarial causa impactos no cenário financeiro de uma empresa independente da situação, obviamente uma paralisação geral já é acima do bastante para desdobrar o buraco na economia que já existe.
Essa pandemia do Novo Coronavírus, causou o afastamento do trabalho de mais de 4 milhões de brasileiros e brasileiras. Mais de 45% das empresas alegam dificuldades para realização de pagamento de rotina e se estima que esse número suba para os 70%.
Desde o início do surto de Covid-19 no Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dessas 716.000 empresas, 522,7 mil alegaram que fecharam as portas por razão dos percalços da pandemia (GONÇALVES, 2020). E não somente a empresa/empresário está nessa dificuldade, os credores dessa também enfrentam a dificuldade de não receber seus débitos. Afinal de contas como uma empresa no vermelho, com paralisação de atividades ou atividades em jornada reduzida irá quitar seus débitos? A Recuperação Judicial deveria ser a resposta conhecida por todos, porém é a resposta que alguns não conhecem ou não conseguem ter acesso a esta solução.
A pandemia da Covid-19, conforme dados da Boa Vista SCPC, fez o número de petições de Recuperação Judicial aumentar 44,6% comparando Junho de 2020 com Junho de 2019 (GONÇALVES, 2020). Mesmo que a Lei 11.101 tenha sido vigorada em 2005, somente agora um grande número de empresários tomou conhecimento deste mecanismo. A solução anteriormente que os empresários pensavam ser a única, era a insensatez de vender patrimônio para cobrir despesas na esperança de solucionar o problema e restando apenas a perda do bem e uma maior proximidade da Falência. Todavia, cada caso é um caso. A solução de cada empresário em dificuldades não será a mesma para todos.
Em outras palavras, a pandemia está tendo como resultado o conhecimento de alguns empresários sobre a Recuperação Judicial. Embora alguns que já a conheciam, por falta da informação correta, se assustavam ao saber da consequência caso um plano de Recuperação falhasse. A Falência. Resultado este que terá a possibilidade de acontecer buscando ou não a recuperação, porém com mais chances de acontecer ao optar por não recorrer a uma Recuperação Judicial.
Outro susto causado nos empresários desinformados são os requisitos para o pedido. Muitos encerraram as atividades por não serem qualificados para o pedido de Recuperação. Um colapso em setores da economia já está se instaurando e adaptações e modificações já são visivelmente necessárias para se adequar ao período em que se encontra o país. Por conseguinte, não somente a importância da Recuperação Judicial para solução dos problemas econômicos durante e pós-pandemia deve ser observada, como também a importância de adaptar o instituto.
Cumprir uma função social nem sempre basta para ativar o princípio da preservação da empresa quando não se tem fins lucrativos ou distribuição de lucros (GONÇALVES, 2020). Como no caso da Universidade Candido Mendes que teve seu pedido de Recuperação Judicial deferido mesmo que não se trate de empresa e sim uma associação civil sem fins lucrativos, não entrando nos impedimentos da 11.101/05. À vista disso, o entendimento da Magistrada Maria da Penha Nobre Mauro da 5° Vara Empresarial do Rio de Janeiro:
"Daí que deve prevalecer o entendimento de que a feição empresarial da pessoa jurídica não fica adstrita à mera natureza jurídica do agente econômico. A atividade da ASBI pode não estar formalmente enquadrada como empresarial, mas trata-se, sem dúvida, de atividade que se adequa à definição do art. 47 da LRF. A vida comercial flutua nas águas das transformações socioeconômicas, adaptando-se aos tempos." (PEDIDO, 2020, p. 1)
Neste sentido, a 6ª Câmara Cível do TJ-RJ aceitou o pedido de recuperação no fundamento de que:
"a finalidade maior da Lei de Recuperação Judicial é a de preservar a empresa, qualquer que seja a sua natureza, como fonte produtora de riquezas, o emprego dos trabalhadores, o interesse dos credores, sua função social e o estímulo da atividade econômica". (TJ-RJ, 2020, p. 1)
Mesmo sem fins lucrativos, uma associação pode gerar emprego e receita. Entretanto, partindo do pensamento de que “cada caso é um caso”, não é garantido que um empresário vai se deparar com a mesma possibilidade de ter seu pedido aceito mesmo não ocupando os requisitos. Assim sendo, a lei precisaria de uma reforma para uso na pandemia? Para enfrentar a crise da Covid-19 o CNJ aprovou a Recomendação nº 63, de 31 de Março de 2020 que possui como ementa recomendar aos Juízos competentes das ações de Recuperação Judicial e Falência a adoção de medidas para suavização do impacto decorrente das medidas de combate à contaminação causada pela Covid-19 (BRASIL, 2020). Dentre algumas recomendações temos os artigos:
Art. 1° Recomendar a todos os Juízos [...] que suspendam a realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais, em cumprimento às determinações das autoridades sanitárias enquanto durar a situação de pandemia de Covid-19.
Parágrafo único. Verificada a urgência da realização da Assembleia Geral de Credores para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos necessários pagamentos aos credores, recomenda-se aos Juízos que autorizem a realização de Assembleia Geral de Credores virtual, cabendo aos administradores judiciais providenciarem sua realização, se possível.
Art. 3° Recomendar a todos os Juízos [...] que prorroguem o prazo de duração da suspensão (stay period) [...], nos casos em que houver necessidade de adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores e até o momento em que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da referida Assembleia Geral de Credores.
Art. 4º Recomendar a todos os Juízos [...] que podem autorizar a devedora que esteja em fase de cumprimento do plano aprovado pelos credores a apresentar plano modificativo a ser submetido novamente à Assembleia Geral de Credores, em prazo razoável, desde que comprove que sua capacidade de cumprimento das obrigações foi diminuída pela crise decorrente da pandemia de Covid-19 e desde que estivesse adimplindo com as obrigações assumidas no plano vigente até 20 de março de 2020.
Parágrafo único. Considerando que o descumprimento pela devedora das obrigações assumidas no plano de recuperação pode ser decorrente das medidas de distanciamento social e de quarentena impostas pelas autoridades públicas para o combate à pandemia de Covid-19, recomenda-se aos Juízos que considerem a ocorrência de força maior ou de caso fortuito para relativizar a aplicação do art. 73, inc. IV, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Art. 5º Recomendar a todos os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência que determinem aos administradores judiciais que continuem a realizar a fiscalização das atividades das empresas recuperandas, [...], de forma virtual ou remota, e que continuem a apresentar os Relatórios Mensais de Atividades (RMA), divulgando-os em suas respectivas páginas da Internet. (BRASIL, 2020)
Decisões já foram proferidas com base nessas recomendações, como segue:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO JUSTIFICADA DA SUSPENSÃO PREVISTA NO ARTIGO 6º DA LEI 11.101/05 POR MAIS 180 DIAS. RECOMENDAÇÃO Nº 63 DO CNJ, DE 31/03/2020, NO SENTIDO DA PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE DURAÇÃO DO STAY PERIOD NOS CASOS EM QUE HOUVER NECESSIDADE DE ADIAMENTO DA REALIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E ATÉ O MOMENTO EM QUE SEJA POSSÍVEL A DECISÃO SOBRE A HOMOLOGAÇÃO OU NÃO DO SEU RESULTADO. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA PRESENCIAL DURANTE A PANDEMIA DO COVID 19 EM RAZÃO DO ISOLAMENTO SOCIAL COM A PROIBIÇÃO DE AGLOMERAÇÃO OU REUNIÃO DE PESSOAS FISICAMENTE, DEVENDO O JUÍZO DE ORIGEM, TODAVIA, REALIZÁ-LA NA MODALIDADE VIRTUAL, NOS TERMOS DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA REFERIDA RECOMENDAÇÃO Nº 63 DO CNJ. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
(TJ-RJ - AI: 00524250420208190000, Relator: Des(a). LUIZ ROLDAO DE FREITAS GOMES FILHO, Data de Julgamento: 05/10/2020, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/10/2020)
Contudo, como bem diz o nome, são recomendações. Não é obrigação do Magistrado seguir estas recomendações impostas pelo CNJ. O procedimento da Recuperação Judicial continua o mesmo e a adaptação da lei para o cenário da Covid-19 está na modificação da lei. Com isso temos o Projeto de Lei 1.397 de 2020 e já aprovado na Câmara, de iniciativa do Deputado Federal Hugo Leal. Tem como nota medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira de agentes econômicos; e altera, em caráter transitório, o regime jurídico da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência. Um problema causado nesta pandemia é a inexistência de empréstimo para as tantas empresas em crise por receio de inadimplência. No momento presente o consumidor está experimentando novos tipos de serviços e atividades de forma remota. Há que se adaptar ao reflexo atual para um seguro investimento.
Dito isto, o Projeto de Lei 1.397 traz em dois de seus dispositivos os textos:
Art. 4º [...] parágrafo único. O crédito decorrente do financiamento e de operações de desconto fornecido entre 20 de março de 2020 e o término da vigência desta Lei será considerado não sujeito aos efeitos da recuperação extrajudicial ou judicial e, em caso de falência, será enquadrado no inciso V do caput do art. 84 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. (BRASIL, 2020)
Diminuindo assim o medo do empréstimo e investimento. E em seu art. 11:
Art. 11. As obrigações previstas nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores, não serão exigíveis do devedor pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da vigência desta Lei. (BRASIL, 2020)
Dispositivo este que ajudará a empresa respirar um pouco melhor enquanto luta contra os decretos de lockdown e distanciamento social.
Outro Projeto de Lei que se encontra no Senado Federal, é o PL 6.229 que tramita no Senado desde 2005, e que agora ganhou forte prioridade para sua aprovação diante do alastro da pandemia do Coronavírus. Tem como ementa a alteração do parágrafo 7º do art. 6º da LRF, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, para submeter todos os créditos tributários à recuperação judicial.
Conforme pesquisa da Secretaria Política Econômica (SPE), mais de 3,5 mil empresas podem pedir Recuperação Judicial ou sofrer Falência ainda neste ano de 2020 e nos primeiros meses de 2021 (GONÇALVES, 2020). Um ponto relevante na discussão sobre a Recuperação Judicial diante à pandemia e o aumento de pedidos que está por vir, é a criação de Varas especializadas para os temas e seus procedimentos. As máquinas jurídicas precisarão de muito combustível para o que vem por aí, entretanto para isso a orientação para procurar este mecanismo é indispensável. É dever do legislador manter a lei mais eficiente do que já se encontra.
Adequar formas céleres para resolução dos conflitos será preciso nesse quadro atual, uma vez que a Recuperação Judicial é um ato de boa-fé e não necessariamente e unicamente para o devedor ganhar tempo com suas dívidas. Como a Mediação e Conciliação, que podem ser compatíveis com a Recuperação Judicial, sendo uma forma rápida de solução nesses tempos de pandemia. Forma esta que poderia rapidamente ser feita ocupando apenas credores, empresa devedora e um conciliador apto.
A situação da legislação brasileira, em específica na LRF em face de pandemia, deve ser repensada. Eliminar a falta de segurança jurídica que ainda prevalece nos menos informados. Enquanto as modificações e adaptações não forem aprovadas essa lei ficará estagnada no tempo, mesmo diante de uma situação inesperada como uma pandemia que está forçando economias do mundo todo a repensar suas estratégias de salvaguardar a estabilidade econômica.
CONCLUSÃO
Conforme visto é entendido que a Recuperação Judicial é vista no âmbito jurídico como uma UTI das empresas/empresários que ultrapassa a vontade individual e alcança a necessidade do todo social para manter a empresa em funcionamento e girar a economia. Visto que uma empresa não resulta somente para si o lucro e benefícios, igualmente é assim para todos os dependentes dentro do seu círculo socioeconômico. Fazer cumprir a função social para não encerrar o benefício.
Mesmo esta ferramenta não garantindo com convicção a salvação da empresa, é importante destacar que a análise deste artigo vai auxiliar empresários leigos a conhecer a Recuperação Judicial, se informar sobre o instituto e ter em mente esta solução antes de permitir que a situação chegue a um nível irreversível de Falência. E não somente importante para a empresa devedora, da mesma forma tem a importância destacada para os credores desconhecedores da lei que, em certa situação ajuízam pedido de Falência de uma empresa visando ser um benefício a todos, uma vez que a Recuperação da empresa poderia manter esta na continuidade do lucro e saldar seus débitos com um valor mais favorável ao credor.
O tema mostra o perigo da escolha equivocada para ambos, tendo em vista que, por diversas vezes empresas no Brasil tiveram em mãos por um momento a situação favorável de Recuperação, mas imaginando que tinham como única opção fechar as portas, não tendo este conhecimento da Recuperação Judicial. Ou iniciaram tarde a recorrência a um plano de Recuperação Judicial, visto em alguns casos citados no artigo.
O conhecimento desta lei será muito necessário diante o cenário catastrófico causado pela pandemia do Novo Coronavírus. As empresas necessitarão do auxílio para passar pelo turbilhão e continuarem contribuindo para a ordem econômico-financeira, visto que a insolvência é um dos sintomas da passagem do vírus. A adaptação da lei não é uma solução somente ao agente devedor, mas também do Estado diante do dever de contribuir para a recuperação econômica.
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Graduando no Curso de Direito pela Universidade de Gurupi UNIRG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Wesley Rodrigues de. Recuperação judicial como importante ferramenta na economia brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jan 2021, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56021/recuperao-judicial-como-importante-ferramenta-na-economia-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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