WELLERSON VIEIRA CIRIBELE DE ASSIS
(coautor)[1]
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo demonstrar as consequências perante a lei da conduta de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, crime conhecido como embriaguez ao volante, cometido em vias públicas ou particulares, as formas de cometimento, diferentes formas de criminalização, decisões sobre a sua punição, atenuantes e agravantes, bem como prática desse crime contribui para o crescente aumento de acidentes com veículos automotores em todo território nacional.
PALAVRAS CHAVES: Embriaguez ao volante; Acidentes de trânsito; Crime Culposo;
ABSTRACT: The purpose of this article is to demonstrate the consequences under the law of the conduct of driving a motor vehicle under the influence of alcohol or other psychoactive substance, a crime known as drunk driving, committed on public or private roads, the different ways of committing forms of criminalization, decisions about their punishment, mitigating and aggravating factors, as well as the practice of this crime contributes to the growing increase in motor vehicle accidents throughout the national territory.
KEYWORDS: Drunk Driving; Traffic Accidents; Culprit Crime;
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 O CONTEXTO EM QUE OCORRE O CRIME DE TRÂNSITO; 2.1 O crime de trânsito; 2.2 A diferença entre dolo eventual e culpa consciente no crime de trânsito; 2.3 O álcool como fator responsável pelo acidente de trânsito; 3 ANÁLISE DE SITUAÇÕES REAIS QUE ENVOLVEM VÍTIMA FATAL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO, EM CASO DE EMBRIAGUEZ NO VOLANTE; 3.1 A jurisprudência em teses do STJ sobre crimes de trânsito; 3.2 A vedação da prisão em flagrante em crime de trânsito quando há socorro à vítima; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
No dia a dia, o homem cada vez mais tem-se tornado dependente de automóvel, pois seu uso além de ser considerado símbolo de status, auxilia no transporte de pessoas ou coisas, facilitando de forma considerável as atividades corriqueiras. Porém seu uso de forma irresponsável pelo condutor, pode se tornar uma arma muito perigosa, e tal situação tende a piorar com a ingestão de álcool. Para tanto, fez-se necessário a implementação uma lei própria para regulamentar o uso deste instrumento de transporte em vias terrestres brasileiras, com a finalidade de educar os motoristas, evitar acidentes por ingestão de álcool, coibir os condutores que insistem em dirigir alcoolizados, bem como punir de forma administrativa e pecuniária aqueles que infringirem a lei.
Tais diretrizes são estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que dentre várias vertentes relativas ao trânsito, dele se extrai também a regulamentação quanto a direção de veículo automotor por uso de álcool.
Não era possível punir este condutor ao nível que seria justo para o afetado usando o Código Penal. Por essa razão foi de extrema importância que o Código de Trânsito Brasileiro tomasse para si tal responsabilidade, mesmo assim, não é possível afirmar que aquela pessoa que fez uso de álcool e assume a direção de um veículo, vindo a causar a morte de terceiros tenha essa intenção, trazendo para o crime cometido por ele a forma culposa.
Portanto, parte-se da premissa que a pessoa não assume a direção de um automóvel com o intuito de matar alguém, e sim, que algo além de sua vontade o conduza a esse acidente, neste sentido, mesmo havendo o homicídio, o responsável por dar causa a ele responderá culposamente e não dolosamente.
2 O CONTEXTO EM QUE OCORRE O CRIME DE TRÂNSITO
Por ser um país motorizado, não somente por automóveis, mas também por veículos de carga, pois a grande parte do transporte de bens é realizada pelas rodovias, tornando o tráfego intenso e demonstrando a importância de leis que regularizem essa forma de transitar, mas a lei como modo de repressão aos acidentes de trânsito deve ser considerada apenas uma das formas de controle, a intimidação penal não resolve os extensos problemas apresentados, pois a lei não é totalmente eficaz por não ser dura o bastante.
A embriaguez não ocorre somente pelo álcool, mas por qualquer substância que modifique o comportamento psicossomático de alguém, mas ela se torna contravencional assim que o agente assume a direção de um veículo automotor causando risco a segurança de terceiros.
Mesmo que essa condição de dirigir esteja alterada a autoridade não pode coagir o condutor a se incriminar, pois se isso acontecer de alguma forma poderá invalidar totalmente ato, como descrito nas palavras de Nelson Hungria, “uma das condições precípuas da confissão, para que tenha mérito de prova, é que seja prestada livremente, sem coação, sem violência física ou moral”. Voto no HC 37.921/SE, rel. min. Nelson Hungria, Pleno, 14-9-1960
Caso exista, essa coação tornaria todas as provas produzidas durante a investigação do crime totalmente sem valor probatório.
2.1 O CRIME DE TRÂNSITO
O Código Penal no parágrafo único do artigo 18 diz que “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”
Para tanto, o CTB precisava sanar a deficiência da sanção imputada ao praticante de crime de trânsito sob a influência de álcool. Os crimes culposos acontecem quando não há intenção, ou seja, quando são alheios a vontade do agente, pois se dão por negligência, imprudência ou imperícia, qualquer uma das três nos remete a culpa na prática do acidente de trânsito. Quando o crime acontece de forma culposa o direito penal o enquadra como crime de homicídio culposo no trânsito, o que significa que o agente será julgado pelo Código de Trânsito Brasileiro.
Diz o CTB no seu o artigo 302 que “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 1940).
Portanto para que tal dispositivo seja aplicado, não basta que o homicídio seja praticado em via pública ou particular, tem que ser na direção de veículo automotor e tal dispositivo é o mais apropriado a se aplicar por ter uma pena mais severa, o que não ofende a proporcionalidade, sendo, portanto constitucional. Este artigo define a sanção que deverá ser imposta ao condutor delituoso na direção de veículo automotor, e no seu parágrafo 3°, explica que a pena será elevada para a reclusão de cinco a oito anos caso tenha havido a ingestão de álcool. Explana o parágrafo:
§ 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”:
Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (BRASIL, 1940)
Em decisão sobre a constitucionalidade do artigo 302 do CTB, foi definido pelas ilustríssimas Ministras ELLEN GRACIE e CÁRMEN LÚCIA:
3. O princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das situações quando houver elemento de discrímen razoável, o que efetivamente ocorre no tema em questão. A maior frequência de acidentes de trânsito, com vítimas fatais, ensejou a aprovação do projeto de lei, inclusive com o tratamento mais rigoroso contido no art. 302, parágrafo único, da Lei nº 9.503/97. 4. A majoração das margens penais - comparativamente ao tratamento dado pelo art. 121, § 3º, do Código Penal - demonstra o enfoque maior no desvalor do resultado, notadamente em razão da realidade brasileira envolvendo os homicídios culposos provocados por indivíduos na direção de veículo automotor. 5. Recurso extraordinário conhecido e improvido. (RE 428.864-AgR, Min. ELLEN GRACIE, 2ª Turma, DJ 14.11.2008)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. ART. 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AI 831.778-AgR, Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe 4.3.2011)
Tal decisão serviu para efetivar a eficácia da lei nova, pois é necessário que tais dispositivos se modernizem para dirimir as questões apresentadas pela sociedade.
O método mais usado no Brasil para constatar o uso de álcool por condutor é o bafômetro, mas ele apenas irá demonstrar se foi ingerida alguma substância alcoólica e o seu nível pelo volume de álcool expelido através do ar, pode o condutor não apresenta sinais de embriaguez algum, pois o homem apresenta formas diferentes de tolerância ao álcool, vejamos as palavras do médico Genival Veloso:
Uma mesma quantidade de álcool ministrada a várias pessoas pode acarretar, em cada uma, efeitos diversos. Igualmente, pode produzir em um mesmo indivíduo efeitos diferentes, dadas circunstâncias meramente ocasionais. Alguns se embriagam com pequenas quantidades e outros ingerem grandes porções, revelando uma estranha resistência ao álcool. Assim, tolerância é a capacidade maior ou menor que uma pessoa tem de se embriagar. (Medicina legal / Genival Veloso de França. - 11. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2019-pág. 408)
Essas palavras servem para demonstrar a necessidade do aparelhamento das autoridades na identificação do condutor que houver ingerido álcool, pois há indivíduos que ingerem bebidas alcoólicas e não demonstram nenhum sinal de embriaguez, sendo impossível a sua autuação pelos órgãos competentes sem um instrumento medidor.
Com as mudanças advindas da lei 13.546 de 2018 foram feitas alterações no CTB, mas especificamente em seus artigos 302 e 303, agora quando o motorista der causa a uma morte estando ele na direção de veículo automotor e embriagado ele pode ter a pena de reclusão e essa pode ser iniciada no regime fechado, e ele não terá direito a fiança arbitrada pela autoridade policial.
Em casos de acidente que vierem a resultar em lesão corporal grave ou gravíssima a alteração do artigo 303 do CTB foi a diferenciação das lesões tipificadas no art. 129 do Código Penal, tornando esse crime inafiançável, pois antes ele era considerado de menor potencial ofensivo.
2.2 A DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NO CRIME DE TRÂNSITO
O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos muito parecidos, sendo o primeiro aquele em que quem o faz, aceita o risco de que a sua ação pode resultar em dano à integridade de outrem, enquanto na culpa consciente o agente não acredita que a sua ação irá resultar em sua ocorrência, quando voluntariamente se ingere bebida alcoólica e assume a direção de um automóvel o agente tem a falsa impressão que está totalmente apto a exercer aquela função no momento e que não causará mal algum a outras pessoas, é muito comum ouvir pessoas dizendo que dirigem melhor quando estão sob influência de álcool, mas na verdade estão com seus sentidos afetados e com a coragem aguçada ao extremo, o dolo eventual se daria na situação em que o condutor mesmo sabendo que seu veículo não estava em condição de trafegar o faz assim mesmo, como um indivíduo que sabe que não havia freios no carro e assume o risco de conduzir nessa situação, vindo assim causar um acidente, ele sabe que pode acontecer, mas tem para si que conseguirá evitar como exposto nas palavras do renomado jurista Rogério Greco “na culpa consciente, o agente sinceramente acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa”.
Apesar de serem bem parecidos, o dolo eventual e a culpa consciente possuem efeitos práticos bem diferentes, tanto na forma de punição quanto a preparação até o evento se baseando totalmente na intenção do agente causador.
Em tese adotada pelo STJ não há relação de consunção entre a embriaguez e lesão corporal culposa, já que o consumo de bebida alcoólica não pode ser visto como meio de preparação para o cometimento do segundo:
Segundo o entendimento que prevalece nesta Corte Superior de Justiça, “os crimes de embriaguez ao volante e o de lesão corporal culposa em direção de veículo automotor são autônomos e o primeiro não é meio normal, nem fase de preparação ou execução para o cometimento do segundo, não havendo falar em aplicação do princípio da consunção. Precedentes.” (AgRg no REsp 1.688.517/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 15/12/2017).” (AgRg no HC 442.850/MS, j. 25/09/2018)
Assim, podemos dizer que o agente causador do fato mesmo estando embriagado não o fez de forma dolosa, pois ele não sabia que podia causar lesão a outras pessoas, o causador não se preparou para situação, foi surpreendido pela circunstância danosa feita por ele.
Para que se tenha a classificação do crime em culpa consciente ou dolo eventual é necessário analisar a circunstância de cada caso, pois não é possível usar o mesmo parâmetro para todos, não havendo como provar o dolo deve-se abster somente a culpa, mesmo que o teor de álcool do indivíduo esteja acima do limite, não se pode afirmar o dolo por simples presunção que por embriaguez ele tinha a intenção. Com isso temos a opinião de Francisco de Assis Toledo sobre a diferenciação de culpa consciente e dolo eventual:
A diferença é que na culpa consciente o agente não quer o resultado nem assume, deliberadamente, o risco de produzi-lo. Apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente poder evitá-lo, o que só não ocorre por erro de cálculo ou erro na execução. No dolo eventual, o agente não só prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis. É como se pensasse: vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado. (Francisco de Assis Toledo - Princípios Básicos de Direito Penal - Ed. Saraiva - 1987 - Pág. 291)
Como descrito pelo autor é possível diferenciar as modalidades referidas pelo fato do risco assumido, no dolo eventual existe o conhecimento do mesmo e o infrator o ignora, mas na culpa consciente não assume esse risco, ele simplesmente não se previne, e quando o mesmo vem a acontecer o surpreende.
Diferente de outras decisões o Ministro Ricardo Lewandowski decidiu por negar o Habeas Corpus a um réu que havia causado a morte de uma pessoa por acidente de trânsito em estado de embriaguez, o autor do homicídio já havia sido julgado pelo tribunal do júri pelo crime praticado com dolo eventual, o paciente apresentava todos os elementos para configuração do crime descrito, então, esse foi o entendimento do Ministro em sua decisão:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO PRATICADO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ARTIGO 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. DEBATE ACERCA DO ELEMENTO VOLITIVO DO AGENTE. CULPA CONSCIENTE X DOLO EVENTUAL. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. CIRCUNSTÂNCIA QUE OBSTA O ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO. REEXAME DE PROVA. ORDEM DENEGADA. (HABEAS CORPUS 115.352 DISTRITO FEDERAL)
Esta decisão trouxe uma luz no fim do túnel para os afetados por acidentes causados por condutores embriagados, este entendimento serviu como base para várias decisões posteriores.
2.3 O ÁLCOOL COMO FATOR RESPONSÁVEL PELO ACIDENTE DE TRÂNSITO
No ano de 2019 foram solicitadas mais de seiscentas mil indenizações por acidente de trânsito no Brasil, e nesse mesmo ano o seguro DPVAT realizou mais de trezentos e cinquenta mil pagamentos, só por morte foram 47.233 (quarenta e sete mil duzentas e trinta e três) solicitações à seguradora Lider, houve um aumento de 8% em relação ao ano de 2018.
Com uma rápida visualização do panorama apresentado é possível notar que mesmo com a lei seca sendo aplicada quando se está na direção de um veículo automotor o número de acidentes aumentaram consideravelmente, um dos motivos desse aumento é a certeza da impunidade ao dirigir após o consumo de álcool, pois sabemos que a chance de ser flagrados por uma autoridade enquanto praticamos essa infração é mínima, geralmente as pessoas que se acidentam durante o ato percorrem pequenas distâncias com seus veículos no momento do acidente, e esse trajeto é feito dentro de bairros residenciais, o que diminui drasticamente a possibilidade de ser fiscalizado nesse período de cometimento do crime de embriaguez ao volante.
Hoje a lei de trânsito trava uma batalha contra a embriaguez ao volante que ainda está longe do fim, os acidentes de trânsito é a segunda maior causa de mortes no Brasil, o CTB inovou ao prever a aplicação de multa a quem se negar ao teste do bafômetro, com a alteração do artigo 165-A “recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277”.
A nova lei determina que quem sopra o bafômetro e tem um teste positivo terá as mesmas consequências de quem não se submete ao teste, mas quem não o faz ainda livrar-se de ser autuado no crime de trânsito, como determinado que no Brasil ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo o condutor infrator pode se negar ao teste mesmo que tenha dado causa a um homicídio enquanto conduzia um veículo automotor.
A Lei Federal 11.705 de 19 de Junho de 2008 entrou em vigor para tentar coibir a embriaguez ao volante, mas não obteve o resultado esperado, mas sem ela com certeza os números seriam bem maiores, hoje a tolerância de álcool no sangue enquanto dirige é zero, qualquer nível acima disso já é considerado infração, existe um limite de 0,5 decigramas de álcool no sangue que serve apenas para corrigir a margem de erro do aparelho, e qualquer motorista que for flagrado com nível acima deste está sujeito a multa, suspensão do direito de dirigir e se causar acidente com lesão corporal a uma pena de cinco anos de reclusão, no caso de morte da vítima essa pena pode chegar a oito anos.
Entre o ano de vigência da nova lei e o ano de 2018 foram cometidas 193.331 infrações por motoristas que dirigiam alcoolizados ou sobre o efeito de outras substâncias proibidas, mesmo com o endurecimento da lei, a sensação de impunidade continua aumentando, pois as pessoas confiam que acontecerá somente com os outros, tem se a certeza que não serão vítimas dessa fatalidade.
Em entendimento do STJ e do STF para a caracterização do dolo eventual se faz necessário que haja outros elementos de demérito em relação ao condutor, só o fato da embriaguez ao volante não caracteriza o dolo, ele deverá associar a essa condição fatos que comprovem o seu total descaso com a vida humana, como dirigir em alta velocidade, ou na contramão de direção, ou sobre passeio público são algumas formas de se atestar que ele assumiu o risco sem se importar com o que pudesse ocasionar. Nesse caso ele será julgado pelo tribunal do júri.
Já se tem decisões do STF em desfavor do réu que após provocar acidente com vítimas fatais e ser atestada a embriaguez ao volante e outros elementos que caracterizam o dolo eventual, lhe foi negado a descaracterização do dolo para o culposo:
1. Apresentada denúncia por homicídio na condução de veículo automotor, na modalidade de dolo eventual, havendo indícios mínimos que apontem para o elemento subjetivo descrito, tal qual a embriaguez ao volante, a alta velocidade e o acesso à via pela contramão, não há que se falar em imediata desclassificação para crime culposo antes da análise a ser perquirida pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. (HABEAS CORPUS 121.654 MINAS GERAIS)
Nesse caso, segundo o Supremo, o dolo eventual não foi caracterizado apenas pelo fato da embriaguez, mas os elementos de associados a assunção do risco, deixando assim de ser crime de trânsito e se transformando em crime doloso do artigo 121 do Código Penal.
3 A ANÁLISE DE SITUAÇÕES REAIS QUE ENVOLVEM VÍTIMA FATAL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO, EM CASO DE EMBRIAGUEZ NO VOLANTE
Os acidentes de trânsito no Brasil são responsáveis por quase cinquenta mil mortes por ano, portanto não pode ser tratado como simples acontecimentos, a cada fatalidade ocorrida por irresponsabilidade do condutor várias famílias são afetadas, e depois de consumado o fato o único caminho para consolar os atingidos é a aplicação da lei em sua forma punitiva, tanto para os que perdem os entes queridos quanto para os que têm a sua vida totalmente modificada pelas sequelas físicas que advém do fato, muitos tem a coordenação e do corpo perdidos em decorrência do ato praticado por motoristas embriagados.
Dessa forma a lei não pode ser omissa em se posicionar diante de tais acontecimentos, dando a toda sociedade uma resposta a altura do dano causado, tendo como parâmetro o fato causador e os meios que contribuíram para que se chegasse a esse fim.
Diante do dever de agir, os órgãos julgadores tem se posicionado cada vez mais a favor da punição de forma mais severa dos infratores, trazendo para a sociedade uma sensação de segurança quanto a resposta da lei para o cometimento do crime.
O STF (Supremo Tribunal Federal) em 2018 decidiu negar Habeas Corpus para um motorista embriagado condenado por homicídio doloso em uma colisão com vítima fatal, assim disse o relator Ministro Luís Roberto Barroso “a única forma de se coibir essa quantidade maciça de jovens e direção embriagada é tratar isso com a seriedade penal que merece. Não é possível glamourizar a bebida no trânsito, sobretudo quando resulta em morte”. (HC 124687)
O condenado pedia a desclassificação do crime de dolo eventual para o culposo, afastando assim a pena de reclusão, o pedido foi negado diante dos fatos em que se deu o acidente.
É nítido para todos que o acusado não tomou a direção de seu veículo com a intenção de mais a frente matar alguém, mas todos os meios usados por ele até a consumação do crime foram em seu desfavor, o indivíduo se encontrava embriagado e na contramão de direção, vindo a causar um acidente que culminou com a morte de um motociclista em decorrência da colisão frontal causada pelo réu.
O fato narrado se deu em 2009, e não houve teste de bafômetro ou de sangue no condutor infrator, apenas foi atestado pelos atendes do Serviço Móvel de Urgência que o réu apresentava hálito etílico.
Os ministros entenderam que o álcool foi o elemento preponderante para o aumento da coragem e imprudência do jovem causador do fato delitivo, sabe-se que não é normal se ver automóveis trafegando em alta velocidade na contramão de direção em área urbana, e é claro que o simples fato do agente causador do dano se recusar ao exame do teor alcoólico se torna quase uma confissão da ingestão de bebidas alcoólicas.
Mas cada caso deverá ser analisado de uma forma, como explanado pela relatora Desembargadora do TJMG Maria Luíza de Marilac:
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO. TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. INOCORRÊNCIA. CULPA CONSCIENTE. DESCLASSIFICAÇÃO. 1. Para que se conclua se o crime foi praticado com dolo eventual ou culpa consciente é necessário examinar as circunstâncias de cada caso, não sendo possível aplicar fórmulas pré-determinadas. 2. Inexistindo nos autos elementos suficientes para comprovar que o agente, com sua conduta, assumiu o risco de produzir o resultado morte, a desclassificação é medida que se impõe, reconhecendo-se a existência de culpa consciente e não de dolo eventual. ( TJMG - Emb. Infring e de Nulidade 1.0481.12.007005-9/002, Relator(a): Des.(a) Maria Luíza de Marilac , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/06/2014, publicação da sumula em 03/07/2014)
O presente caso trata-se do pedido de desclassificação de crime de dolo eventual para o crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, o réu foi acusado por duas vezes no crime previsto no artigo 121 do Código Penal, o réu declarou que havia consumido umas duas latinhas de cerveja antes do ocorrido, e que não estava embriagado, mas também declarou que não viu quando atropelou as vítimas, e que por essa razão não parou para prestar socorro a elas.
No entanto, ao assumir a direção de veículo automotor após a ingestão de bebida alcoólica já se configurou a infração, e assim assumiu o risco de causar o dano a outras pessoas, tanto físico quanto financeiro. Mesmo com todas as evidências que houve a ingestão de álcool por parte do réu, seria preciso provar que ele se embebedou com a intenção de praticar o crime de trânsito que se finalizou com a morte das vítimas, só assim ele poderia ser julgado pelo tribunal do júri, onde se julga os crimes dolosos contra a vida. Assim aduz Rogério Greco:
Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, o agente, embora não queria diretamente produzir o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. (Rogério Greco, in Código Penal Comentado, Impetus, 5ª ed., 2011, pág. 60).
Portanto o réu não ingeriu bebida alcoólica para praticar o crime, mas é visto que assumiu o risco de produzir seus efeitos ao assumir a direção, como Rogério Greco explica não houve a intenção, mas a previsibilidade deve ser fato concreto. Tal fato pode vir acontecer, mas não se pode falar em dolo quando não havia vontade, há culpa mas não intenção. Assim vinha sendo o entendimento do STF como demonstrado em sentença de 2011:
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que "O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato". (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243) 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP. (HC 107801, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 11-10-2011 PUBLIC 13-10-2011 RJTJRS v. 47, n. 283, 2012, p. 29-44)
Como visto, mesmo diante do homicídio no trânsito com o indivíduo tendo consumido álcool antes de dar causa ao acidente os ministros se posicionaram a favor da manutenção de classificação do crime de doloso para culposo. Mas com o passar do tempo e do significativo aumento das ocorrências relativas ao cometimento dos crimes de trânsito o entendimento do tribunal foi se alterando para atender as demandas da sociedade como visto na decisão anterior.
Ainda existe uma grande dificuldade em concluir quando o agente assumiu o não o risco de promover o resultado, os tribunais não chegaram a uma decisão única sobre o tema, por essa razão cada caso deverá ser apreciado de maneira distinta, levando em conta os meios antecedentes ao cometimento do crime.
Em 2019 um motorista em Santa Catarina provocou a morte de duas pessoas em um acidente de trânsito, foi constatada a embriaguez do mesmo, pois ele estava visivelmente embriagado, foi lavrado o auto de prisão em flagrante, mas apenas três dias após o acidente o autor foi solto, ele responde o processo em liberdade já que o juiz pode decidir pela soltura do réu. Após essa soltura dificilmente ele será privado de sua liberdade novamente, pois os processos se arrastam por anos no judiciário até que se tenha uma sentença com trânsito em julgado, isso se essa sentença for condenatória, pois no entendimento dos julgadores dificilmente o crime de trânsito deixará de ser culposo.
3.1 JURISPRUDÊNCIAS EM TESES DO STJ SOBRE CRIME DE TRÂNSITO
O crime de trânsito é classificado como comissivo e comissivo por omissão, ou seja, crime comum, não exige qualquer qualidade especial do agente para o cometimento do mesmo, ele pode se dar pela ação ou omissão de qualquer pessoa habilitada ou não para a direção de veículo automotor.
Portanto se trate de um crime abstrato, ou seja, aquele tipificado pela conduta do agente, assim decidiu o emérito tribunal:
Ementa do RHC 97585/SP:PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÂNSITO. DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. DESCRIÇÃO DE CRIME EM TESE. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE QUE A CONDUTA TENHA EFETIVA POTENCIALIDADE LESIVA. BASTA A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL. (RHC 97.585/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018)
É do entendimento deste tribunal que a conduta do agente deve ser levada em conta para tipificar o crime, ou seja, os meios utilizados para a sua finalização. Com essa decisão a relatora deixou bem claro que a embriaguês é fator determinante para aplicação da pena, ou seja, se o condutor houver ingerido um mínimo de álcool e se achar em plena condição de dirigir, e talvez esteja, por deslize de um pedestre por exemplo, este vier a atropelá-lo com o seu veículo tendo como final o óbito, e for submetido ao teste do bafômetro, demonstrando ,6 decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo, ele não precisará estar embriagado para responder a pena mais severa do CTB em seu parágrafo 3° do artigo 302.
Mas como já visto anteriormente, tem se vários posicionamentos dos tribunais, em suas jurisprudências eles analisam o caso concreto e seus meios para decidirem, a ministra da Sexta Turma Maria Thereza de Assis Moura se pronunciou que para haver crime basta apenas a influência do álcool no momento da ocorrência do fato, mesmo comprovado o delito, o crime de trânsito continua em grande parte sendo tipificado como “culposo”, trazendo a punição para a modalidade benéfica ao réu. Com a alteração dada ao CTB na seção II “Dos Crimes em Espécie” foi possível um melhor entendimento para os crimes praticados na direção de veículos após a ingestão de álcool, delimitando em parte a conduta do agente delituoso. Desse modo o crime não deve ser julgado por pessoas leigas ao assunto como dispõe o tribunal do júri, mas por quem é capaz de entender que aquela prática não se deu de forma dolosa ou seja o juiz singular como decidido anteriormente:
Ao julgar recurso em sentido estrito contra sentença de pronúncia pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e por meio que possa resultar perigo comum em decorrência de acidente de trânsito, o Colegiado, por maioria, afastou o dolo eventual e desclassificou o crime para outro de competência do juízo singular. Explicou a Relatora que, embora exista o indício de disputa automobilística e de embriaguez de um dos agentes no momento do acidente, não há elementos que revelem ter sido utilizado o veículo como arma, com assunção do risco de produzir o resultado típico. 20070111242232RSE, Relª. Desa. SANDRA DE SANTIS. Voto minoritário - Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO. Data do Julgamento 17/09/2009.
Na decisão, a Desembargadora qualifica o juízo singular como competente para decidir a questão sem necessidade da opinião de leigos para tal, sendo o afastamento do dolo eventual uma das principais medidas adotadas pelos tribunais para esse caso, apesar da decisão ser anterior às modificações no CTB ainda se tem o mesmo posicionamento por parte dos tribunais, pois para afastar o crime culposo é necessário a vontade do agente no cometimento do crime, o que se daria se ele usasse o automóvel para dar fim a um desafeto, tornando o veículo uma arma usada para esse fim.
Um grande número de acidentes nas estradas tem sido provocado por motoristas profissionais, pois são esses que passam a maior parte do tempo na direção de veículos, e consequentemente tem a maior chance de se acidentarem, no entanto, devido a prazos e outras cobranças para efetuarem o serviço designado, esses motoristas muitas vezes acabam se valendo de meios psicoativos para renderem mais a viagem, mas não é só nas estradas que estão os motoristas profissionais, todos que tem em sua carteira de trabalho a assinatura como motorista se enquadram nessa categoria, e se enganam quando pensam que por esse ser o seu meio de sustento e sobrevivência a lei fará alguma distinção na hora de punir por infrações cometidas no exercício da profissão como vemos no agravo regimental 1068852 da sexta turma do STJ/RS:
O maior desvalor da circunstância judicial relativa à culpabilidade deve ser mantido, porquanto as circunstâncias concretas efetivamente extrapolaram o ordinário ao tipo penal, notadamente pelo crime ter sido praticado por motorista profissional, de quem se espera maior cuidado e responsabilidade no trânsito. Tal dever de cautela, contudo, a teor das ponderações contidas nos decisórios impugnados, deixou de ser observado pelo recorrente ao trafegar em velocidade superior à permitida na via e invadir a faixa de rolamento contrária, colidindo com o automóvel em que estavam presentes as três vítimas fatais. (AgRg no AREsp 1068852 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0056393-4)
O fato de o infrator ser motorista profissional não é condição para a substituição da pena aplicada e esse condutor deveria ser exemplo para os demais.
3.2 A VEDAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM CRIME DE TRÂNSITO QUANDO HÁ SOCORRO À VÍTIMA
O artigo 302 do CTB em seu inciso III do parágrafo 1° diz sobre a pena de deixar de prestar socorro à vítima quando há homicídio culposo na direção de veículo automotor, sendo esta de detenção de dois a quatro anos, mas no caso em que este socorro seja de perigo a vida não será obrigatório.
No entanto, como o bem jurídico tutelado na presente lei é a vida, o artigo 301 do mesmo código vem vedar a prisão em flagrante e a exigência de fiança para aquele que prestar socorro à vítima no acidente de trânsito, buscando assim uma rápida resposta ao afetado pelo fato, o causador responderá pelo delito se houver, mas será em liberdade. Com isso o legislador buscou o salvamento da vítima e facilitou a identificação das partes envolvidas, já que o condutor estará no local do acidente quando a autoridade se fizer presente.
Tais vedações não serão aplicadas aos artigos 306 e 308 do CTB, pois não havendo vítima direta os mesmos serão crimes vagos.
O artigo 301 veio para incentivar o socorro a vítima sem risco a liberdade do agente, pois o medo de ser preso faz com que tente se evadir do local, tentando assim dar fim a punição que seria estabelecida, mas sabendo que será mais benéfico para ele e consequentemente para a vítima que obteve um rápido socorro que pode às vezes ser a diferença se ela vai viver ou não, assim ele pode dar a assistência necessária ao ferido. Mas quem omite esse socorro tem a pena aumentada de um terço até a metade como causa de punição.
Essa vedação não alcança os crimes dolosos de trânsito, estes de dolo eventual ou direto, ou os de lesão corporal dolosa, pois estes também se enquadram no Código Penal, sendo assim essa vedação da prisão em flagrante alcança os crimes de culpa quando houver socorro a vítima.
Nesse tema diz Rizzardo sobre motivos alheios a vontade do agente o impede de prestar socorro à vítima:
Primeiramente, preponderam a disposição e os atos tendentes a prestar socorro. Se o veículo do causador não comporta o atendimento no local, ou as condições físicas e psíquicas do mesmo impedem o socorro, não é de se afastar a aplicabilidade da norma, porquanto, do contrário, se privilegiaria aqueles que tiveram maior sorte no evento, ou manobravam veículos mais resistentes. Decorreria uma quebra do princípio da igualdade e da própria justiça. Valerá, pois, para decidir quanto à incidência da regra, o ato de vontade evidenciador de prestar socorro. (RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 630.)
De acordo com o autor deverá ser levada em conta a vontade do agente em prestar o socorro, se aproveitando dos benefícios da lei quando por motivos que fogem a sua vontade este não puder ser feito no momento do fato. Se por algum motivo o agente foi impossibilitado de prestar esse socorro para resguardar a sua integridade ou até da própria vítima é justo que se aproveite do que a lei lhe oferece.
Acontece em alguns locais em que os ânimos se exaltam quando há ocorrência de algum fato que venha a causar vítimas, em que o causador tem a sua integridade ameaçada por outros, que o culpam pelo acontecimento, e se o mesmo continuar no local poderá ser alvo de represálias, fazendo com que saia para se proteger até o comparecimento das autoridades que possam lhe promover a segurança. Assim, ele não queria deixar de prestar o socorro necessário, mas foi compelido a sair.
O Estado tem total interesse em identificar os envolvidos na ocorrência, portanto foi publicada uma tese do STJ sobre a fuga do local do acidente, e vem dirimir o problema apresentado frente ao inciso LXIII da Constituição Federal:
Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (Constituição Federal, 1988).
O artigo da Constituição trata sobre o direito ao silêncio do preso, mas para que o fato seja elucidado se faz necessário a total cooperação dos envolvidos, mesmo que haja culpa ou o dolo eventual, portanto o agente não pode invocar o direito de permanecer em silêncio e também o da vedação de prisão em flagrante simultaneamente.
O crime de fuga à responsabilidade não ofende o inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição da República, eis que o suposto direito à fuga não pode prevalecer sobre o interesse do Estado na identificação dos envolvidos no evento de trânsito (D.O.E., 04/05/2011, p.137)
Visto que somente configurado o estado de necessidade de se ausentar do local do acidente pode o autor de fato se aproveitar do artigo 301 do CTB. O condutor que estiver embriagado e der causa ao homicídio, lesão corporal grave ou gravíssima não aproveitará do disposto no artigo 301 do CTB.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Código de Trânsito Brasileiro deverá passar por inúmeras modificações até que consiga alcançar o seu objetivo de inibir a direção de veículo automotor por condutores que tenham ingerido qualquer quantidade de álcool, diminuindo assim, consideravelmente os acidentes provocados por esses infratores. É responsabilidade da lei preservar a vida, portanto, se necessário deverá punir mais severamente quando provado o desrespeito aos artigos do CTB que cuidam da direção após a ingestão de álcool. Como o trânsito é o segundo maior causador de mortes no Brasil, e deve receber uma atenção especial por parte das autoridades e legisladores, aumentando consideravelmente as campanhas de conscientização e fiscalização. Também se faz necessário um melhor aparelhamento das autoridades competentes para uma melhor atuação no ato da infração.
Portanto se faz necessário novos meios de atestar a embriaguez ao volante e se possível a caracterização do dolo eventual para uma punição exemplar dos infratores que ainda insistem em cometer essa desobediência a lei que é tão conhecida no território nacional.
Deveria ser permitido o acesso ao prontuário médico de todos os envolvidos em acidentes de trânsito logo após o fato com vítimas para atestar se houve consumo de substância proibida, facilitando assim o trabalho da autoridade competente e impossibilitando o infrator de fugir de sua responsabilidade perante a justiça.
Para a sociedade em geral se criou uma falsa impressão que o condutor autuado por embriaguez será sempre preso e autuado por dolo eventual após um acidente, mas não é essa a posição adotada pelo STJ e do STF, para os julgadores a embriaguez por si só não é eficiente para caracterizar o dolo eventual.
A embriaguez descrita na lei não se refere apenas ao álcool, ela abrange qualquer tipo de substância que altere a atividade psicomotora do condutor, assim, para atestar outras substâncias que não seja o álcool o bafômetro usado pelas autoridades em uma possível fiscalização (blitz) se torna ineficaz. Um caminhoneiro que utilizou o famoso “rebite” para não dormir está infringindo a lei do mesmo modo, mas apenas um exame mais aprofundado será capaz de diagnosticar tal uso, mas não se pode obrigar o condutor a prestar esse desfavor contra si próprio, facilitando a impunidade do infrator.
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Graduando no curso de Direito - Centro Universitário UNA - Contagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Willy Vieira Ciribele de. Crime de trânsito na modalidade culposa em razão de ingestão de álcool Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56057/crime-de-trnsito-na-modalidade-culposa-em-razo-de-ingesto-de-lcool. Acesso em: 23 dez 2024.
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