RESUMO: O presente trabalho partindo de uma análise bibliográfica, objetiva estabelecer uma análise de princípios, como o direito a privacidade, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, objetiva-se observar aqui o choque entre esses direitos e a sobreposição dos mesmos no caso concreto, enfatizando a observância de como tal relação principiológica impacta, garante ou limita a efetivação da supremacia da dignidade da pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Privacidade, liberdade de expressão, dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT: The present work, starting from a bibliographic analysis, aims to establish an analysis of principles, such as the right to privacy, freedom of expression and freedom of the press, aiming to observe here the clash between these rights and their overlap in the specific case, emphasizing the observance of how such a principled relationship impacts, guarantees or limits the effectiveness of the supremacy of the dignity of the human person.
KEYWORDS: Privacy, freedom of expression, human dignity.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A liberdade de imprensa breves observações. 3. Direito à privacidade e liberdade de expressão, choque de direitos. 4. os perigos da autotutela 5. Repercussões jurídicas da exploração dos fatos criminosos. 6.Conclusão; 7. Referencias bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO:
O presente trabalho busca sem exaurir o tema, desenvolver uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se do método hipotético dedutivo, sobre o papel da mídia como mecanismo de influência, não apenas na aplicação mas também até no desenvolvimento de legislação e pratica dentro do processo penal, objetiva esse, outrossim identificar problemas e eventuais reflexos da ação midiática, no que tange os casos de abuso de direito e a efetivação da aplicação da justiça.
Partindo das discussões hora alencadas são discutidos temas como, os princípios da liberdade de imprensa e o direito à privacidade, como esses se apresentam no Brasil, e como se chocam, dando destaque ao ordenamento jurídico pátrio, no que tange a perspectiva de direito e garantias fundamentais, constitucionalmente protegidos, os efeitos nos julgados de tais conflitos principiológicos na aplicação da legislação penal pátria. Será exposto o cenário atual identificando a perspectiva da autotutela e a ampliação desta como consequência direta da lacuna entre a privacidade da persecução penal e os abusos na liberdade de imprensa.
A dicotomia entre a liberdade de imprensa e direitos como o direito a privacidade e direito ao esquecimento, representa um conflito dificil de ser sanado sem uma analise complexa do caso concreto, implica em situações onde a manutenção da permanencia de um direito pode acabar causando prejuizos irreversiveis para a segurança e a dignidade de outrem, de tal forma que sendo o estado a instancia maxima na tutela de tais discussões cabe a esse sempre dar prioridade a dignidade da pessoa humana, como o referencial maximo e finalidade da ponderação estatal em face desses embates principiologicos.
2. A LIBERDADE DE IMPRENSA BREVES OBSERVAÇÕES.
A constituição da república federativa do Brasil do ano de 1988, no inciso IV do celebre artigo 5º assegura a liberdade de expressão como um direito fundamental, tal direito não direciona-se somente a veículos e empresas ligadas ao ramo da comunicação, embora, assegure as mesmas a liberdade de produzir, divulgar e veicular em seus canais midiáticos, esse direito consiste em um conjunto de direitos formas e processos com a finalidade de se produzir e reproduzia amais variada gama de informações como expressa, (Jose Afonso da Silva 2000, p. 247).
De tal forma em consonância com a Constituição de 1988 o STF revoga uma legislação anterior que normatizava os limites e as sansões relativas ao uso e abuso da liberdade de expressão era a Lei n.5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), legislação criada em pleno regime militar, com a revogação da mesma a responsabilização dos meios de comunicação passou a vincular-se ao que imputa a legislação constitucional, civil e penal.
“Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado inclusive seus juízes e tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da imprensa” (AI no 705.630-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22/3/2011, Segunda Turma, DJE de 6/4/2011).
O reconhecimento da impossibilidade do estado em cercear o exercício da liberdade de informação a partir de lei infraconstitucional é uma clara demonstração do vínculo entre essa liberdade e o exercício dos direitos emanados pela própria constituição.
“Acrescenta-se que a liberdade de imprensa exige o princípio da verdade, haja vista que, se por um lado lhe é reconhecido o direito de informar a sociedade sobre fatos e ideias, por outro sob este direito incide o dever de informar objetivamente, ou seja, sem alterar-lhes a verdade ou modificar o sentido original, posto que assim agindo não temos informação, mas sim uma deformação.” (Caldas1997, p.66-67)
Intricadamente ligado ao direito de produzir, transmitir, ou repassar as informações ao público, a imprensa carrega a responsabilidade de garantir, que as informações por ela vinculada, tendo em vista o peso e o gral de repercussão social que a mesma possui, sejam sempre pautadas na verdade, basta a simples vinculação de informações inverídicas para que essas venham a gerar diversos problemas aos indivíduos a elas vinculados e a própria coletividade, ao passo que a sociedade responde positiva ou negativamente a partir daquilo que está sendo noticiado, essa repercussão social não é facilmente desfeita com uma simples retratação por parte dos responsáveis.
Desde os primórdios da organização daquilo que é possível chamar de civilização, que a humanidade tem a necessidade de produzir e reproduzir informações, mas foi a partir do séc. XVI, com avanços como a prensa tipográfica, inventada por Gutemberg em com a perspectiva iluminista da liberdade de imprensa, que esse mecanismo toma proporções sociais, políticas e econômicas a ponto de em diversos aspectos equiparar, auxiliar ou mesmo rivalizar com as estruturas de poder que de certa forma, controlam a sociedade tal logo a mídia se torna um instrumento de direcionamento das massas, até a estrutura tripartite de estado, criada por Montesquieu se dobra diante dessa ferramenta absolutamente necessária e ambígua
. os meios de informação que desempenham uma função determinante para a politização da opinião pública e, nas democracias constitucionais, têm capacidade de exercer um controle crítico sobre os órgãos dos três poderes, legislativo, executivo e judiciário. (BOBBIO 200, p.1040)
Se levada em consideração a ideia de que todas as decisões, posições interpretações e proposições legislativas, apresentadas, ponderadas ou sancionadas, por aqueles que compõem os três poderes, tem ligação direta com a repercussão social dessas posições, e de certa forma sobre como os veículos de comunicação apresentam tais situações a população. O efeito vinculante da publicização dos embates políticos e jurídicos está na repercussão social daquilo que está sendo discutido é ou sera implementado, tal poder de direcionamento das massas dado pelo direito à liberdade de expressão, coloca a mídia no patamar de um quarto poder, no que tange o gral de influência deste sobre a própria dinâmica política do Estado.
O reconhecimento do poder e da liberdade de ação decorrente da liberdade de expressão se dá pelo fato deste ser base para a efetivação de outros direitos, a consciência de crença, o pensamento político, a expressão artística, porém é preciso a observação de que tal liberdade não pode se sobrepor a outros direitos que eventualmente podem ser afligidos pelo uso exacerbado de tais liberdades, como por exemplo a dignidade da pessoa humana, ou o princípio da igualdade, como orienta, Miguel Reale Júnior ( JUNIOR.2010, p. 382), Assim é necessário a ponderação, não de limites a liberdade, mas de fronteiras com as garantias individuais que tambem são fundamentais em uma democracia, como a privacidade do indivíduo, Com relação a privacidade do indivíduo, Mendes ressalta (2008, p. 381):
“devido a vida em comunidade proporcionada pelo mundo atual, com os seus intensos relacionamentos entre as pessoas, não podemos conferir um valor radical no tocante a privacidade. Um certo acontecimento, ou uma pessoa que tem a sua imagem cultivada na sociedade pode ter o seu direito a intimidade reduzido pelo interesse público despertado.”
O conflito entre direitos individuais e coletividade se apresenta nessa dicotomia, se por um lado o direito à liberdade de imprensa suprassumo da liberdade de expressão impõe que informações de interesse e repercussão social não podem ser impedidas de vir a público, por outro lado o direito à privacidade, intimidade e vida privada que se apresentam resguardados na constituição de 1988 art. 5º inciso X, traz uma redação que em muitos momentos se choca com a garantia constitucional anteriormente citada. Eventualmente esse conflito é dirimido por diversas circunstancias como por exemplo a delimitação dos espaços públicos e privados ou mesmo indivíduos que a sua vida particular reflete em informações de interesse público.
“em princípio, se alguém se encontra num lugar público está sujeito a ser visto e a aparecer em alguma foto ou filmagem do mesmo lugar. Haveria, aí, um consentimento tácito na exposição. A pessoa não poderá objetar a aparecer, sem proeminência, numa reportagem, se se encontra em lugar aberto ao público e é retratada como parte da cena como um todo.” (MENDES 2008, p. 382)
Essa disposição de flexibilizar espaços privados como até mesmo o da privacidade em detrimento a supremacia do interesse público, tal qual como uma restrição a direitos como a propriedade ou o contratual, tambem se apresenta como um mecanismo regulador de dinâmicas sociais em prol da coletividade sendo que até a PGR tem um entendimento consoante com isso ao expressar a absoluta necessidade da informação como força motriz da cidadania.
“A cidadania só será efetiva diante de uma sociedade bem informada. Para garantir essa efetiva participação no processo decisório do teatro político, deve-se equilibrar a relação existente entre direitos clássicos de liberdade, políticos, sociais, econômicos e culturais” (BRASIL, 2009).
Outrossim se direitos clássicos podem ser flexibilizados para que o direito a liberdade de expressão, e por conseguinte a liberdade de imprensa, possa ser efetivamente presente em um estado democrático, os direitos individuais tambem existem como um mecanismo para retrair tal liberdade midiática, no que tange a regulamentação de até onde ou que mecanismos essa pode ou deve estar utilizando, porem ao se criar limitações pautadas em conteúdo, ou ponto de vista teremos ai não a proteção de outras garantias, mas sim a mais reconhecível inconstitucionalidade(MACHADO, 2002, p. 712).
A constituição de 1988 apresenta em seu artigo 221 os princípios que regem a atividade comunicativa das emissoras, ao mesmo tempo que no Artigo 220 inicia com a seguinte redação: Art. 220 caput. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” O mesmo artigo impõe que mediante lei federal a atividade midiática sera regulada, para que essa não seja utilizada de forma inadequada, assim o próprio texto constitucional abre um subjetivismo legislativo que muitas vezes, abre espaço a conflitos que muitas vezes só vem a ser resolvido no âmbito da análise de constitucionalidade de tais restrições ou liberdades priorizando como foco central da discussão, a primazia da dignidade da pessoa humana (REALE JÚNIOR, 2010, p. 397).
A liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem ilimitado. Nenhum direito fundamental o é. Como diria Justice Oliver Wendell Holmes, a liberdade de expressão não protege alguém que grite “fogo!” falsamente no interior de um teatro lotado. Assim, em caso de conflito, ela poderá, eventualmente, ceder lugar em favor de outros bens e valores constitucionalmente protegidos. (KOATZ 2011, P. 401).
3. DIREITO À PRIVACIDADE E LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CHOQUE DE DIREITOS.
Uma prerrogativa das democracias modernas é a proteção as liberdades individuais, o estado, ao mesmo tempo em que é detentor de mecanismos que promovem o controle sobre o indivíduo, através de suas instituições, tambem detém a responsabilidade através desses mesmos mecanismos de garantir a liberdade inerente a esfera privada de cada indivíduo.
"o conflito entre a liberdade individual e a ingerência do Estado na vida do cidadão ocupou boa parte das discussões de cunho filosófico e político desde a antiguidade, e a sua resolução é a pedra de toque dos Estados democráticos” (CARVALHO 1994, p. 5),
Como anteriormente esmiuçado pela Carta constitucional de 1988 em seu artigo 5º inciso X -celebra a inviolabilidade do direito a intimidade e a vida privada, com a seguinte descrição: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” Sendo esse um direito negativo impõe a preservação ou não divulgação de informações que violem a esfera privada e a intimidade do indivíduo, tendo esse direito direta relação com a dignidade da pessoa humana, que inequivocamente está no rol de proteções constitucionais.(BRASIL 1988).
Entendendo que direitos fundamentais não podem ser tidos como absolutos, quando confrontados por outros direitos que seriam em sua extensão vilipendiados por estes, o direito à privacidade também se relativiza, em casos como, quando alegado o interesse público sobre determinadas informações, um alerta para tal está na situação em que esse alegado interesse público, acaba por vezes se apresentando como um mecanismo que sutilmente tem a possibilidade de restringir ou mesmo de inutilizar direitos fundamentais, como intimidade ou privacidade.( MACHADO 2002, p. 893)
No artigo 220 da Constituição Federal de 1988 em seu §1º é apresentada a limitação constitucional a liberdade de informação, no que tange ao direito à privacidade, tal limitação que na prática, é muitas vezes colocada em segundo plano, o que acaba por ferir a dignidade da pessoa humana, é tão comum inclusive no âmbito internacional, situações em que a alegação de interesse público vem a confrontar o direito a intimidade que discussões acerca do reconhecimento desse direito advém de âmbitos internacionais como por exemplo a ONU que consagra o direito à privacidade como um dos direitos humanos fundamentais, como versa a declaração dos direitos humanos de 1948.
Artigo 12º – Ninguém sofrerá intromissões arbitrarias na sua vida privada, na sua família, no seu domicilio ou na sua correspondência, nem ataques a sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei. (ONU, 2003).
Sendo o direito a intimidade, inequivocamente uma garantia absolutamente necessária a todo e qualquer indivíduo no cerne da sociedade, direito esse que representa em sua subjetividade um ponto de refúgio para o indivíduo em detrimento a todo o espaço público que o cerca, esse domínio privado representa um mecanismo de proteção para pensamentos e crenças, convicções e anseios que não dizem respeito ao interesse coletivo , (ARENDT, 2010 p. 87)
Levando em consideração todas as demais garantias que a proteção à privacidade representa na esfera particular, um ataque a esse direito é um ataque a própria dignidade da pessoa humana, tendo em vista que bem jurídico tutelado se ponderado com os demais no caso concreto, não resvala espaço para a sua mitigação ou diminuição, claro não se fala em hierarquização de direitos fundamentais, mas de cuidados com o respeito à dignidade humana, que caso venha a ser depreciada leva a situações irreparáveis, mesmo diante de mecanismos que exigem tal possibilidade o artigo 5º inciso X versa que existe a responsabilidade de indenização para dano material moral e a imagem, decorrentes da violação ao direito à privacidade ou a intimidade, sendo esse invioláveis.(BRASIL 1988)
Cabe aqui a observação que a reparação em algumas situações ela dificilmente ocorre tendo em vista o impacto que a repercussão de determinadas informações pode ter em relação ao indivíduo, a impossibilidade de se delimitar até onde essa informações pode chegar assim como, não sendo simples de se calcular uma indenização que corresponda ao valor da imagem ou ao impacto moral que determinada informação ao ser vinculada no meio midiático pode causar, certos danos à imagem são irreversíveis, ao passo que reestabelecer o status quo completamente, muitas vezes é uma impossibilidade quando, se trata de abusos ao direito a intimidade. É necessário a ponderação com o absoluto cuidado para que se respeite a máxima harmonia com o que busca efetivamente o texto constitucional. (MORAES p.58)
No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, bem esse inequivocamente o centro da discussão no que tange as garantias constitucionais, essa pertence a toda e qualquer pessoa, independentemente de qualquer condição desconsiderando, atitudes, posições políticas ou eventualmente atos criminosos, todo e qualquer indivíduo no cerne da sociedade, todos devem ser reconhecidos como tal e possuidores de respeito e sigilo ao que tange a vida pessoal e seu espaço privado. (SARLET, 2002).
É absolutamente comum e infelizmente corriqueiro, o bombardeio de notícias de crimes impunes, ou mesmo de processos em que o eventual criminoso foi absolvido ou saiu do regime prisional, em um intervalo de tempo, que segundo a opinião pública construída era injusto, ou mesmo diversas notícias sobre situações em que a capacidade do estado de garantir proteção mostrou-se insuficiente ou inexistente. Tais notícias contribuem para a criação de um estado construído sobre o sinalagma da barbárie e da falta de justiça, esses discursos contribuem para inflamar uma percepção de justiça que a muito “em tese” fora abandonada a justiça física, pautada na vingança privada.
: “O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório e vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força.[...] A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível.” (FOUCAULT 2009, p. 36)
O teatro das punições se resume em explicitar a pena, o suplício, a aflição direcionada a aquele o qual se imputa o fato criminoso, a justiça simbolicamente apresentada pelo castigo imputado ao corpo ou aos direitos do indivíduo apresentado como criminoso, tal premissa ressurge na atualidade e põe em cheque o caráter punitivo atualmente apresentado, no que tange a uma justiça reparativa, quando se apresenta a ideia de que somente o temor da punição é o que afasta o homem do intuito de praticar o ilícito (FOUCAULT, 2009. p. 14)
Se a interpretação que a mídia apresenta é do caráter falho do aparato punitivo estatal, seja no que tange a severidade das punições ou seja em relação a capacidade que o estado tem de apurar o ilícito ou de se chegar até o real infrator, todas essas situações levam a massa que absorve essa gama de informações a estar cada vez mais tolerante, ou por vezes receptiva a exemplos, cada vez mais corriqueiros de autotutela, essa que como qualquer outra forma de violência, não é sancionada pelo estado e é tipificada como crime, o código penal de 1940 a respeito da autotutela, quando essa não está dentro de situações tidas como justificáveis em lei, como estado de necessidade ou legitima defesa, traz a seguinte redação;
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Embora a legislação apresente um tipo penal especifico para a autotutela, não são raros os são desproporcionais os exemplos do uso de jargões como, “bandido bom é bandido morto” empregados por apresentadores de programas policiais, inflasse o sentimento de descaso nas instituições e o medo mesclado com a vingança privada, sempre em relação ao indivíduo ou indivíduos que fora ou foram apresentados como tipos criminosos, irrepreensíveis pela mão punitiva do estado, que só podem ser contidos pela violência mais primitiva a ser produzida, cenas de espancamentos, ladrões sendo espancado ou reações apontadas como legitima defesa e que levaram a morte de infratores, são apresentadas com regozijo e repetidas descomedidamente, como algo corriqueiro e de certa forma como o correto a ser feito.
Os linchamentos expressam uma crise de desagregação social. São, nesse sentido, muito mais do que um ato a mais de violência dentre tantos e cada vez mais frequente episódios de violência entre nós. Expressa o tumultuado empenho da sociedade em “reestabelecer” a ordem onde ela foi rompida por modalidades socialmente corrosivas de conduta social. (MARTINS, 2015).
Embora o artigo 23 do código penal apresente situações em que a autotutela é permitida, sendo essas; a legitima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever legal, porém o mesmo artigo traz em seu parágrafo único uma ressalva: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Não a o que se discutir no que diz respeito a excessos, quando se está diante de linchamentos, ou espancamentos, quando a civilidade dá lugar a barbárie e os cidadão de bem, tomam para si, o direito ou a responsabilidade, de estabelecer a punição e fazer a justiça, com suas próprias mãos.(BRASIL 1940)
O argumento da incapacidade do estado de providenciar a proteção adequada, para os indivíduos e por conseguinte para toda a sociedade, é diariamente propagado por noticiários, dos mais variados veículos de comunicação, essa construção de uma impunidade descomedida, cria uma descrença nas instituições e na capacidade punitiva do estado de tal forma, que a violência, a vingança privada e até mesmo atos de tortura, surgem como uma resposta correta e socialmente aceita, pela mídia e por toda a população que a tem como referência de ideias e posições a serem adotadas, à medida que se amplia o discurso, multiplicam-se os casos de linchamento ou justiça popular, dentro de uma obsessão punitiva crescente (ADORNO 1996) .
Os chamados linchamentos, obedecem a uma ótica especifica sendo estranhamente parecidos, seja a ritualística da barbárie, o fato de não se buscar o anonimato, mas ser comum a aglomeração a exposição e o ímpeto de impactar os observadores com os atos praticados, não se trata de punir apenas o indivíduo, mas mostrar a sociedade composta por aquela multidão que observa de forma complacente, “a justiça sendo feita” a mais primitiva das penas sendo aplicada, a vista de todos, em todos os casos perdurando a irracionalidade da massa frente os atos praticados.(MARTINS 2015 p.78)
Tortura, mutilação, espancamentos castração e humilhação pública, fazem parte do caótico cenário que se estabelece quando a sociedade toma para si o jus puniendi, a mídia, em especial a televisiva, coloca todos os holofotes nessas macabras situações e assim cada vez mais vai se propagando a lógica da impunidade e a máscara fictícia de um tipo grotesco de adequação social, que vai se tornando cada vez mais corriqueira, quando as instituições responsáveis pela coesão social perdem a capacidade de fazê-la, ainda que apenas na interpretação midiatizada, a barbárie se dissemina com a quebra da chamada localidade moral.(DURKHEIM 1999)
Se as mídias convencionais podem eventualmente contribuir para esse tipo inaceitável de convulsão social, as mídias não convencionais, pouco ou nada cerceadas por mecanismos de controle daquilo que é vinculado como verdade, contribuem diretamente para uma gama cada vez mais crescente dos chamados Just içamentos, no julgamento das redes sociais, não existe processo penal, presunção de inocência ou duplo grau de jurisdição, o que existe é um factoide, que se repete cada vez mais sem controle ou compromisso com a veracidade, sendo que muitas vezes tais factoides só são confrontados ou retirados de circulação quando já é muito tarde, e seus efeitos já são irreversíveis ponderar limites a liberdade de expressão virtual é inconcebível segundo a constituição, mas fica a reflexão sobrea necessidade de se proporcional a preservação da dignidade do indivíduo em detrimento aos efeitos da liberdade exacerbada.( FILHO 2007, p. 104-105)
5.REPERCUSSÕES JURÍDICAS DA EXPLORAÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS.
A logística da persecução penal, e o processo penal em si, não é necessariamente lento, mas atende a uma dinâmica de tempo absolutamente necessária para a aplicação efetiva da justiça e para o respeito a todos os direitos, seja daquele que está ocupando o polo de vítima, seja em relação a aquele em que se imputa o fato criminoso, os princípios, do contraditório e da ampla defesa, a presunção de inocência, o duplo gral de jurisdição, demandam o tempo necessário para que todos os recursos sejam vistos, todas as provas sejam colhidas e todas as dúvidas sejam sanadas, porem para o meio jornalístico e a mídia em geral não se enxerga o processo ou as garantias inerentes ao indivíduo enquanto cidadão, o que se busca é a rápida satisfação da exibição da pena, a construção de um vilão e sua rápida e efetiva punição pelos crimes a ele imputados, a punição desenha-se como um anseio de toda a sociedade (FOUCAULT, 2009, p. 218).
A cobrança automática por parte do meio jornalístico em relação a ação das autoridades judiciais, no que tange a crimes de grande repercussão popular, é um fenômeno absolutamente comum, a comoção social e o furor midiático, o qual se reflete em críticas a uma justiça que segunda a mídia muitas vezes é apresentada, por sua morosidade, por leis penais fracas, por brechas legais que eventualmente favorecem tipos criminosos ´não é possível negar que alguns argumentos são validos, mas em suma, a generalização e o direcionamento da sociedade na descrença nas instituições, é um caminho por deveras perigoso, a contenção dos tipos criminosos é o sinônimo da proteção dos inocentes (FERRAJOLI, 2002, p. 441).
Casos emblemáticos como o do Bruno Fernandes, que fora goleiro de um dos maiores times do Brasil, em 2010, no auge de sua carreira ele foi acusado e posteriormente condenado pelo sequestro, assassinato e ocultação de cadáver da Modelo Elisa Samudio, esse fato tomou repercussão internacional, todas as etapas da persecução foram midiatizadas, a exposição dos fatos e de cada detalhe foi absoluta, enquanto em média a persecução penal encontra, um intercurso de tempo mais longo, por vezem bem mais longo, em crimes não midiatizados, processos onde a opinião pública está acompanhando quase que de forma contemporânea aos desdobramentos processuais, os quais tendem a ser muito mais rápidos em seu andamento, não necessariamente isso é algo positivo, tendo em vista que existe sempre a possibilidade de ao tentar atender aos anseios da coletividade o próprio judiciário acabe por atropelar direitos, na perspectiva de aplicar a justiça em tempo hábil.
Certo que em detrimento a mecanismos mais bárbaros de comoção social, o clamor pela aplicação da pena, o anseio pelo cárcere daqueles que são penalmente culpados é de longe uma situação mais fácil de se compreender, segundo Greco (2010, p.469) que “a pena de prisão, ou seja, a privação da liberdade como pena principal, foi um avanço na triste história das penas”. Mesmo assim o direito penal é jamais deixara de ser a última rácio e a retirada da liberdade, ainda que por um período delimitado de tempo é a mais severa punição permitida pelo texto constitucional, o qual apresenta essa possibilidade na seguinte redação : Art. 5º […] XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;(BRASIL 1988).
Vale ressaltar que o texto constitucional, veda as penas abusivas, exige a individualização da pena e proíbe terminantemente a prisão perpetua, ou o encarceramento sem condenação anterior, salvo é claro as prisões processuais, necessárias para salvaguardar o curso do processo. (GRECO 2010) à primeira vista, é um paradoxo a perspectiva da presunção de inocência e a vedação da prisão sem julgamento quando se observa a perspectiva das prisões processuais, sendo que essas se mal interpretadas contrapõem valores que estão na base do garantismo penal, dos últimos séculos
"Um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, nern a sociedade pode tolherlhe a proteção pilíblica senão quando seja decidido que ele violou os pactos com os quais ela foi instituída" (BECCARIA. 2004, p. 38).
Mesmo tendo a máxima consideração pelo respeito a liberdade do individuo como garantia fundamental, as prisões cautelares são um instrumento necessário para a resolução da lide processual penal, dentre elas a mais emblemática, principalmente em relação a sua duração é a prisão preventiva apresentada no CPP com a seguinte descrição:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
A própria redação do texto, apresenta limitações, mas tambem a tamanha abrangência dessa modalidade de prisão, o eixo base de requisitos dessa modalidade de prisão cautelar cerceia todas as demais, (GOMES, 1994. p 02), tendo em vista que a garantia da ordem pública pode ser interpretada de maneira subjetiva, existe aqui uma abertura, desde que os demais requisitos estejam presentes para a alegação da prisão preventiva, justo posto, fatos criminosos muito explorados pela mídia, seja para salvaguardar a vida, até mesmo do agressor ou em situações em que o judiciário devido ao clamor popular diante da comoção social em crimes que causem temor ou repulsa para a sociedade, opta até como meio de dar uma resposta a sociedade de utilizar-se da prisão preventiva. (CAPEZ. 2006, p. 265)
Um assustador espaço interpretativo se abriu com a justificativa do clamor social e da repercussão do crime, tendo em vista que fala-se de um processo em curso e de um réu que não foi condenado, mas eventualmente lhe foi imputada a autoria do fato criminoso, a mídia necessita apresentar um culpado, ao passo que as notícias sobre o fato constroem um cenário no qual é de fundamental relevância para a sociedade o encarceramento, mesmo que sem julgamento. tal corrente aos poucos veio cair por terra ou a ser dirimida, a partir de decisões do STF que interpretou partindo das garantias constitucionais quem A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva - RT, 549/417 (ld.p. 265.)
Embora o inquérito policial seja sigiloso, principalmente quando se trata de crimes de grande relevância ou repercussão social, dificilmente esse não sofre interferências, prejuízos e problemas por vezes irreversíveis, por parte da atuação descuidada e por vezes leviana do meio midiático, a divulgação de possíveis envolvidos, a exposição de vítimas, todo o circo que se monta sobre um processo, que no seu cerne tem de ser sigiloso para garantir a proteção de todos aqueles que o compõem, é importante o entendimento que aplicação de uma cautelar mediante essa comoção provocada, nada mais seria que uma antecipação de pena, para atender tais clamores. (LOPES JR. 2006, p. 213)
Estardalhaço causado pela imprensa - STJ: Não se pode confundir ordem pública com estardalhaço causado pela imprensa pelo inusitado do crime. Como ficar em liberdade é a regra geral, deverá o juiz justificai substancialmente a necessidade de o paciente ficar preventivamente preso. Não basta invocar, de modo formal, palavras abstratas do art. 312 do CPP. Ordem concedida - RSTJ 81/361 (MIRABETE, 1991, p. 390).
6.CONCLUSÃO:
Ante o exposto foi observado o conceito de liberdade de imprensa, como extensão do princípio da liberdade de expressão, a importância desse dentro do estado democrático de direito, a evolução e ampliação que tal princípio ganhou, e a intrínseca relação deste mecanismo, importantíssimo para a sociedade dentro de uma democracia, com a construção e modificação de valores e percepções sobre o que é socialmente aceito e tolerado, e o direcionamento em relação a posições que a sociedade deve tomar no que tange as mais variadas temáticas.
Foi apresentado a partir de uma análise bibliográfica, o paradigma entre dois princípios constitucionalmente postos e o entrechoque entre eles, que são, o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade, o primeiro é consenso que em uma democracia, não pode ser vilipendiado ou deliberadamente, submetido a um controle que venha a impor qualquer modalidade de censura o silenciamento, mas, no que tange ao direito à privacidade e vida privada, e em situações especificas, o direito ao esquecimento, esses fazem parte das garantias individuais, que estão no amago do que se apresenta na carta política, parcela inequívoca da proteção a dignidade da pessoa humana.
Tambem acrescentou-se a essa discussão, uma análise dos impactos da representação trazida pela mídia, em especial o meio telejornalístico, de um verdadeiro estado de exceção, onde o incomum tornou-se o comum, e a violência, a ingerência do estado e a total incapacidade desse de estabelecer mecanismos de proteção ao cidadão, ou mesmo de estabelecer punição para os chamados, ”tipos perigosos” impôs ao cidadão comum a autotutela como mecanismo de sobrevivência, ao passo que a corriqueira exposição midiática de atos de violência, apresentado como uma legitima defesa coletiva em oposição ao estado de violência tornou-se comum e até celebrizado.
Foi observado, partindo da análise de discussões e de decisões dos tribunais, os impactos que a repercussão de fatos e processos em andamento, através da mídia, tem no desenrolar e na conclusão de determinadas demandas, a pressão social e os mecanismos de direcionamento dos anseios da coletividade, que acabam por refletir, inclusive na interpretação da lei e na forma que essa é aplicada, a comoção social, não respeita processos e muitas vezes, o aplacar o clamor coletivo, acaba em verdadeiras injustiças e não perca de garantias por parte daqueles que estão submetidos ao julgamento do estado, mas que já foram previamente condenados pela opinião pública.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduado em história Especialista em história contemporânea, acadêmico em Direito e professor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Antonio Wilton da. Quando a mídia é quem condena reflexões sobre o direito a privacidade e a liberdade de expressão. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jan 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56081/quando-a-mdia-quem-condena-reflexes-sobre-o-direito-a-privacidade-e-a-liberdade-de-expresso. Acesso em: 23 dez 2024.
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